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Apêndice A

Método dos mı́nimos quadrados -


ajuste linear

13 de Outubro de 2015

Ao final de uma experiência muitas vezes temos um conjunto de N medidas na forma de pares
(xi , yi). Por exemplo, imagine uma experiência em que uma mola é calibrada com o objetivo
de se obter sua constante elástica k. A mola está montada na vertical e tem um suporte na
extremidade livre onde massas calibradas podem ser adicionadas. A tabela abaixo contém as
medidas de variação de altura ∆h do suporte em função da massa m colocada dentro dele. Em
geral a calibração é feita com massas tais que a mola se mantenha num regime linear onde vale
a lei de Hooke. Neste caso especı́fico terı́amos como modelo
g
∆h = m; , (A.1)
k
onde g é a aceleração da gravidade e k, a constante elástica da mola.

m(g) σm (g) ∆h (cm) σ∆h (cm)


15,0 0,1 10,0 0,5
20,0 0,1 11,4 0,5
25,0 0,1 13,5 0,5
30,0 0,1 18,5 0,5
35,0 0,1 20,1 0,5
40,0 0,1 22,0 0,5

Tabela A.1: Tabela com dados de calibração de uma mola

O gráfico de ∆h em função de m mostrado na figura A.1 sugere que a relação linear entre
essas grandezas logo a equação (A.1) pode ser utilizada. Mas como traçar a reta que melhor
representa os pontos experimentais? O método dos mı́nimos quadrados propõe encontrar a
melhor reta através de um processo de minimização das distâncias entre os pontos experimentais

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Figura A.1: Gráfico com os dados da tabela A.1

e a reta. O ponto de partida é o conjunto de pontos experimentais. Se escrevermos a equação


da reta que desejamos traçar como
y = ax + b , (A.2)

onde a e b são os coeficientes angular e linear, respectivamente, nosso problema é encontrar os


valores de a e b da reta que melhor representa os pontos experimentais. Colocamos a palavra
“melhor” em itálico porque será a melhor reta de acordo com um determinado critério dado
pelo método que estamos apresentando.
Em primeiro lugar precisamos identificar quem são x e y. Convenciona-se associar a x as
medidas mais precisas que, em geral, são também facilmente controladas experimentalmente.
Para verificar qual grandeza deve ser x, calculamos as incertezas relativas das medidas. No caso
da nossa tabela a incerteza relativa de m varia entre 0,3 e 0,7%. Para ∆h a variação é entre 5
e 2%, ou seja, m é uma medida mais precisa que ∆h nessa experiência. Assim, os valores das
massas serão nossos xi e as medidas de variação de h serão os yi s.
Na sua forma mais simples o método dos mı́nimos quadrados (MMQ) trabalha com as
diferenças
δyi = yi − y(xi) = yi − (axi + b) , (A.3)

entre os valores medidos (yi ) e os pertencentes à reta, com ordenada yi = axi + b, considerando
que os valores de xi estejam corretos. A melhor reta será calculada mantendo os valores
experimentais para x e buscando qual o melhor y para eles. Por isso é importante que o eixo
x seja associado à grandeza mais precisa.
A melhor reta tem o mesmo papel da média de um conjunto de medidas. Podemos inter-
pretá-la como uma média bidimensional. Assim, num conjunto qualquer de pontos experimen-
tais teremos valores positivos e negativos para δyi de forma simétrica com relação à melhor
reta. A figura A.2(a) mostra uma reta qualquer traçada sobre os pontos. Note que embora dois
pontos estejam praticamente sobre ela, os outros todos ficaram abaixo da reta. Claramente
essa reta não serve.
Encontrar a reta média significa encontrar valores de δyi ≡ yi − y(xi ) tais que todos os
pontos fiquem distribuı́dos da melhor maneira possı́vel com relação à reta. Para expressar
essa condição matematicamente, partimos da definição da grandeza χ2 (qui quadrado) para o

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conjunto de N pontos experimentais:


N N
2
2
[yi − y(xi)]2 .
X X
χ ≡ (δyi) = (A.4)
i i

O MMQ propõe que a melhor reta seja aquela com coeficientes tais que χ2 seja mı́nimo. Usando
a expressão (A.3) para δyi temos

(δyi)2 = yi2 + b2 + a2 x2i + 2abxi − 2axi yi − 2byi

Logo
N N N N
χ2 (a, b) = yi2 + Nb2 + a2 x2i − 2b
X X X X
(yi − axi) − 2a xi yi (A.5)
i=1 i=1 i=1 i=1

Chamando de a∗ e b∗ os valores de coeficiente que minimizam χ, as condições de minimização


são
∂χ2 ∂χ2
=0 =0.
∂a a=a∗ ∂b b=b∗

As expressões finais para os coeficientes da melhor reta são


 

x2i yi − xi xiyi

 


P P P P
b =

(A.6)

!
#
N x2i − ( xi )2


P P





 "

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e


 


N xi yi − xi yi
P P P


 

a = ∗
(A.7)


#


N x2i − ( xi )2
P P




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A figura A.2(b) mostra a reta traçada com coeficientes calculados desta forma.







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Figura A.2: Dados de calibração e o traçado de uma reta: (a) uma reta qualquer; (b) a reta
que minimiza χ2.

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Incertezas dos coeficientes


Até agora não levamos em conta as incertezas dos pontos experimentais. No caso, como
estamos considerando que os valores de x são conhecidos exatamente, precisamos levar em conta
as incertezas em y. Vamos considerar o caso mais geral, em que cada ponto tem uma incerteza
σi no valor de yi . Para levar isso em conta, redefinimos a grandeza χ:
N
!2 N
!2
2
X δyi X yi − b − axi
χ (a, b) = = (A.8)
i=1 σi i=1 σi

onde os desvios com relação à reta são ponderados por pesos iguais a (1/σi ). Com a introdução
dos σi , a importância dos pontos no cálculo de a∗ e b∗ é diferente: pontos com incertezas grandes
influenciam menos. As expressões para os coeficientes neste caso são
SxxSy − Sx Sxy SSxy − Sx Sy
b∗ = a∗ = (A.9)
∆ ∆
onde
N N
1 xi
∆ = SSxx − (Sx )2
X X
S= Sx =
i=1 σi2 2
i=1 σi
N N N
X yi X x2i X xi yi
Sy = Sxx = Sxy =
i=1 σi2 i=1 σi2 i=1 σi2
As incertezas de a∗ e b∗ são obtidas pela propagação de incertezas a partir da expressão (1.3).
Como resultado final temos:
S Sxx
σa2∗ = e σb2∗ = (A.10)
∆ ∆

Avaliação do ajuste
Depois de calculados os coefientes a∗ e b∗ precisamos saber se a escolha de uma reta foi
adequada para descrever os pontos experimentais. Claro que uma avaliação visual é importante,
mas muitas vezes precisamos mais que isso. Para estabelecer um critério quantitativo usamos
o χ2 reduzido, definido como
N
!2
2 χ2 1 X δyi
χred = = . (A.11)
N −2 N − 2 i=1 σi

O denominador, N − 2 é o número de graus de liberdade ou o número de determinações


independentes de δyi. Assim como na definição do desvio padrão (veja equação B.3), se temos
N pontos no ajuste e dois coeficientes de ajuste, teremos N − 2 valores de δyi independentes, já
que as expressões de a∗ e b∗ criam relações entre eles. Com esse denominador, se N = 2, temos
uma situação indefinida, já que não tem sentido determinar qual a melhor reta se tivermos dois
pontos apenas.
Para que χ2red seja pequeno é preciso que de uma forma geral tenhamos δyi < σi, ou seja, que
os afastamentos com relação à reta sejam menores que as barras de erro. A estimativa correta
de σi é fundamental para esse critério. Se σi estiver subestimado, os pontos experimentais terão

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Figura A.3: Tabela para juste linear no QtiPlot

uma dispersão grande em comparação a σi e χ2red será grande. Claro que também não podemos
aumentar arbitrariamente os valores de σi apenas para obter um valor pequeno para χ2red.
Finalmente podemos discriminar as seguintes situações:

• χ2red > 1 → o modelo matemático proposto não está adequado ou as incertezas foram
subestimadas. Neste caso os valores de δyi são maiores que as incertezas σi.

• χ2red < 1 → o modelo matemático proposto está adequado ou as incertezas foram super-
estimadas. Neste caso as flutuações δyi com relação à reta ajustada são menores que as
incertezas σi .

• χ2red  1 → certamente o modelo proposto não está adequado. Nete caso, as flutuações
δyi serão muito maiores que as incertezas σi .

A figura A.4 traz ilustrações das três situações.

MMQ e o QtiPlot
O MMQ é um método eficiente e robusto para ajustar retas a conjuntos de dados, mas
realizar esses cálculos manualmente ou numa calculadora comum pode ser bem trabalhoso.
Felizmente atualmente todos os programas de gráficos incluem ajustes de diversos tipos.
No QtiPlot nosso ponto de partida será uma tabela como a mostrada na figura A.3. Note
que uma coluna foi adicionada e indicamos que nela entrariam os valores de σy . Agora selecione
as três colunas e escolha Plot → Scatter. Você terá um gráfico com os pontos experimentais
e suas barras de erro. Com o gráfico selecionado escolha Analysis → Fit linear. O resultado
pode ser visto na figura A.4(a). Note que os valores dos coeficientes aparecem com qualquer
número de significativos e também não têm unidades. Cabe a nós corrigir isso. Para recobrar
as unidades lembramos da associação x → m(g) e y → ∆h(cm). Assim, [a] =cm/g e [b] =
cm. Agora vamos aos valores. Começamos pelas incertezas, escrevendo-as com um algarismo
significativo.
σa = 2,3904572186688e − 02 → σa = 0,02 cm/g

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Figura A.4: (a) Dados originais. Note que a flutuação dos pontos em relação à reta é maior
que as barras de erro, levando a χ2red > 1. (b) Os mesmos pontos mas com barras de erro
duplicadas. Como agora a flutuação é um pouco menor que as barras de erro, temos χ2red < 1.
(c) Finalmente com um conjunto de pontos melhor, mais adequados ao modelo linear, mesmo
com as barras de erro originais temos χ2red  1

σb = 6,8833823358108e − 01 → σb = 0,7 cm
Finalmente escrevemos corretamente os coeficientes e suas incertezas

a = (0,52 ± 0,02) cm/g b = (1,6 ± 0,7) cm

Observe que no quadro com os resultados do ajuste temos

Chi^2/doF = 3,8681904761905e+00

. A abreviatura doF vem de degrees of freedom, ou graus de liberdade, em inglês, logo este é
o valor de χ2red. O valor um tanto alto vem da dispersão dos pontos com relação à reta. Para
poder estabelecer uma comparação, observe o baixo valor de χ2red na figura A.4, onde os pontos
estão bem sobre a reta ajustada.

13 de Outubro de 2015

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