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TANGENDO O INTANGIVEL: REFLEXÕES SOBRE O PATRIMÔNIO


CULTURAL NO ÂMBITO DE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE MANAUS

Eder de Castro Gama1

Esta comunicação se pauta em refletir as atividades da Coordenadoria do


Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura da cidade de Manaus-Am.
Arantes (2000) ao terce comentários sobre o Manual de Aplicação do Inventário
Nacional de Referências Culturais (INRC) do Instituto do Patrimônio Histórico
Arquitetônico Nacional (IPHAN) considera que a reconstituição e interpretação da
realidade cultural sejam, a rigor, parte do ofício dos Cientistas Sociais e em particular
do Antropólogo.
Neste sentido, as ações escolhidas para esta reflexão são aquelas conduzidas por
Cientistas Sociais no âmbito da Coordenadoria do Patrimônio Cultural da SEMC, dentre
elas, Inventário dos Grupos Folclóricos de Manaus, Revisão dos Bens Edificados de
Interesse Arquitetônico e Histórico da Cidade de Manaus, Aspectos Religiosos da Festa
de Passagem de Ano da Praia da Ponta Negra e Levantamento Preliminar Sobre
Patrimônio Cultural nas Comunidades Rurais dos Municípios de Manaus.
Bourdieu (2006) nos propõe fazer a história social do conceito, no sentido de
verificar instrumentos de construção do objeto nas categorias de pensamento que se
propõe a pensar o referido tema. Desta forma, busca-se mostrar como as idéias de Mario
de Andrade (1936) com o viés mais culturalista e antropológico e Rodrigo de Melo
(1937) com a noção de preservação material pautada em critérios históricos e artísticos,
discussão iniciada em 1936 ainda encontra resquícios na atualidade no âmbito das
políticas culturais na cidade de Manaus.

A criação da Secretaria Municipal de Cultura (SEMC): debate a cerca do


Patrimônio Imaterial

A reforma administrativa ocorrida na Prefeitura Municipal de Manaus em 2006


criou a Secretaria Municipal de Cultura - SEMC. Em sua estrutura, a SEMC possui um
núcleo especifico para tratar questões de patrimônio imaterial em Manaus, trata-se do
Núcleo de Patrimônio Imaterial, departamento ligado à Coordenadoria do Patrimônio
Cultural.
A Coordenadoria do Patrimônio Cultural e o Núcleo de patrimônio Imaterial são
conduzidos por profissionais com formação nas Ciências Sociais que desenvolvem
trabalhos nas áreas da antropologia, história, sociologia, turismo, meio ambiente e
desenvolvimento regional. As estratégias de interdisciplinaridade no pensar o
patrimônio imaterial da cidade de Manaus é fruto do fazer.

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA)/Membro do
Grupo de Pesquisa Cultura Popular, Identidades e Meio Ambiente na Amazônia da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM); Chefe do Núcleo de Patrimônio Imaterial da Secretaria Municipal de Cultura de
Manaus.
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Desde a fundação da SEMC, o quadro de profissionais é formado, sobretudo por


profissionais do turismo, os chamados turismólogos. Sabe-se que a prática desde
profissional, estaria voltada para apreensão da realidade no sentido de fomentar o
turismo enquanto produto. Vai de encontro no estudo sistematizado do lugar,
envolvendo conhecimento histórico, geográfico e social. Produzindo o chamado produto
cultural, articulado a normas e padrões globais. No em tanto, notasse que o fazer deste
profissional estaria ligado na maioria das vezes a práticas mediáticas vinculadas ao
evento, como organização de festas, cerimonial e coquetéis.
Dependendo do interesse do secretário enquanto administrador público. Pode-se
ter uma investida nas ações voltadas para promoção e patrocínio de festas, justificando
aí o conhecimento técnico de um promotor de eventos ou então uma investida na
valorização das práticas de cultura popular, que exigiriam um conhecimento mais
técnico e apurado ligado ao fazer do antropólogo. Sabe-se também, que dependendo do
estudo que é feito sobre um dado grupo ou etnia, pode-se ter uma gama de produtos, que
vão desde a produção de conhecimento científico até as expressões festivas de evento.
Em uma instituição social como a SEMC, com um quadro administrativo
completamente novo, formado por profissionais de ouras secretarias, como a Fundação
Manaus Tur da Prefeitura Municipal, responsável pela promoção de eventos e turismo
na cidade e técnicos que assumem cargos comissionados. A SEMC, não dispõe de
profissionais concursados para ocupar as suas vagas.
Com isso, as questões que tratam da valorização do Patrimônio Cultural, ainda é
um campo de embates e conflitos que vão desde a disponibilização de verbas para
desenvolver as atividades de Patrimônio Cultural, como a disposição de profissionais e
técnicos qualificados. Com tudo, a menos de dois anos a Coordenadoria de Patrimônio
Cultural passou a congregar profissionais que tivessem afinidade em desenvolver
pesquisa e atividades ligadas ao Patrimônio Cultural da Cidade de Manaus. Contando
atualmente com uma equipe interdisciplinar.
O interesse pelo Patrimônio Cultural é uma mudança de ênfase na SEMC,
devido à percepção dos Gestores Públicos em notar que as Agências Financiadoras de
recursos públicos como o Ministério da Cultura (MINC) através do IPHAN, Autarquias,
Empresas Privadas, Bancos, Financiadores Internacionais, não estão mais interessadas
em financiar a Cultura de Eventos, mas a iniciativas voltadas para valorização do
Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial.
Pesquisas que antes eram feitas por profissionais das Ciências Sociais, quase que
de maneira voluntária, ganhou força após o reconhecimento nacional do MINC, com a
premiação do Projeto Mestres dos Bois de Manaus: Contando e Cantando a História,
na categoria Cultura Populares 2007: Prêmio Mestre Duda.
Este projeto foi fruto da pesquisa do Inventário dos Grupos Folclóricos de
Manaus, que nos permitiu observar a importância que os Mestres dos Bois de Manaus,
têm e vem exercendo nas brincadeiras de bois que saem anualmente nas manifestações
de festas juninas e no Festival Folclórico do Amazonas.
Durante a pesquisa do Inventário dos Grupos Folclóricos de Manaus,
percebemos que a função de Amo do Boi (personagem do alto do boi de Manaus) estava
sendo colocada à margem das apresentações dos Grupos, sobretudo, nas apresentações
dos bois-bumbás no Festival Folclórico do Amazonas. Envolvido no processo de
espetacularização dos bois de Manaus, influenciada pela popularidade dos Bois de
Parintins-AM, no que alguns autores classificam como processo de parintinização das
brincadeiras de boi do Estado do Amazonas, onde o luxo e a cadência de ritmos cada
vez mais dançante estariam engolindo e escondendo aspectos e peculiaridades de cada
grupo.
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E no caso dos Bois de Manaus, não só escondia as pessoas importantes nesta


manifestação popular, como os Mestres, mas também todo o ritmo, a forma de cantar, e
de dançar. Em fim, estava pondo em desuso um saber centenário que esses Mestres são
portadores. Diante dessa constatação, decidimos convidar esses mestres a formar um
grupo musical que passou a chamar-se Mestres dos Bois de Manaus, que vem, desde
2007, apresentando o Show Musical Cantando e Contando a História. O resultado desta
iniciativa permitiu a gravação de um álbum duplo com esses Mestres, um álbum
composto com as suas memórias de brincadeiras de boi na cidade de Manaus e outro
com suas musicas. Proporcionou também, a produção de um DVD cujo título é O Auto
do Boi de Manaus. Hoje, esses Mestres estão retomando seus lugares como pessoas de
prestígio em seus grupos de boi, além de fazerem shows, participam de palestras nas
universidades e seminários.
Manuel Filho e Regina Abreu (2007) nos chamam atenção para o papel que o
Antropólogo vem assumindo nas instituições públicas e privadas nas questões voltadas
para o Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial. Seria um novo campo de intervenção
política, onde o patrimônio intangível estaria evocando os profissionais das ciências
sociais, em especial o antropólogo.
De acordo com os autores, se de um lado surge um movimento crescente nas
universidades envolvido em debates nacionais e internacionais que vêm cada vez mais
colocando o campo e o tema do patrimônio como balizas para o desenvolvimento de
políticas públicas no Brasil e no contexto internacional. Cada vez mais o antropólogo
vem sendo colocado “diante de mudanças significativas nas formulações de políticas
culturais afirmativas e do próprio, notadamente a partir da constituição de 1988 e
particularmente com o fenômeno do chamado Patrimônio Intangível, de 2001” (FILHO
e ABREU, 2007, p. 30).
Perante o crescente investimento de recursos financeiros aos projetos de
valorização do Patrimônio Cultural no Brasil. A SEMC sente a necessidade de
valorização dos Projetos que vinham sendo realizados muito timidamente no âmbito da
cidade de Manaus.
De acordo com o Caderno de divulgação da SEMC do Projeto Regatão Cultural
(2007), notasse o interesse em estar desenvolvendo práticas voltadas para o Patrimônio
Cultural. Como projeto a SEMC tem a “visão de alcançar a excelência como órgão
gestor de incentivo às ações culturais, difusão artística e preservação do patrimônio
cultural material e imaterial no município de Manaus”. Mas adiante externa como
“missão o de elaborar e implementar políticas culturais em toda a sua diversidade, com
base na gestão participativa por meio de parceria públicas e privadas”.
Observa-se que apesar do interesse em desenvolver ações para a valorização do
Patrimônio Cultural na cidade de Manaus, observa-se as dificuldades de alguns técnicos
da área das ciências sociais que estão longe a muito tempo das discussões acadêmicas e
pessoas de outras áreas em estar operando com determinados conceitos, que nas
discussões atuais se apresentam como ultrapassados ou positivistas.
Tomemos como exemplo, na parte deste caderno de informação, o trecho que se
refere ao Inventário de Festas Populares, que diz: “O objetivo é fomentar ações que
valorizem as festas populares e incentivem inventários, identificações e registros das
festas ainda existentes, assim como de todos os elementos associados a elas”. Notasse
na parte que diz das festas ainda existentes, a noção de perca ou fazendo uma história
social do conceito, na literatura antropológica a idéia de aculturação, fazendo referência
ao neo-evolucionismo das interpretações de Charles Wagley (1967) quando analisa a
relação entre os brancos e indígenas no baixo Amazonas, aponta para o processo de
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caboclização, onde os indígenas no processo de aculturação estariam se tornando


caboclos da Amazônia.
A noção de Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial, mostra uma outra
perspectiva, como por exemplo, aspectos que estariam envolvidos na manutenção da
identidade. Desta forma, a atuação técnica atualizada é primordial nas discussões que
norteiam os projetos e os editais das agências de fomento. É preciso profissionais com
capacidade tanto de atuar na reflexão conceitual do tema do patrimônio cultural como
de agir como gestor, é o que antropólogos como Roberto Cardoso de Oliveira
denominam de antropologia da ação.
De acordo com esta afirmativa, notasse que o interesse pelas atividades
desenvolvidas pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural, ocorreu primeiro pelo
reconhecimento dado pelo MINC. Com isso, outras atividades ganharam relevância.
O Inventário dos Grupos Folclóricos de Manaus, iniciado em fins de 2006 com
a formatação do projeto e primeiros contatos, permitiu a formatação de outros projetos
que foram revelados a partir desta manifestação cultural. Esse projeto pretende
inventariar as referências culturais dos mais de 300 grupos folclóricos da cidade de
Manaus que realizam suas atividades no ciclo junino. Considerando que o primeiro
registro etnográfico de um grupo de boi-bumbá ocupando as ruas de Manaus no ciclo
junino é de 1859 do Alemão Robert Ave-Lallemant, no livro Viagens pelo Rio
Amazonas, temos que em 2009, faremos 150 anos do primeiro registro de um grupo
folclórico em Manaus.
De acordo com esta data significativa, que marca a descrição do alto do boi de
Manaus em pleno século XIX, por um viajante, nos motivam a concluir este inventário
que já conta com um acervo de mais de sete mil fotos dos grupos folclóricos, oito horas
de gravação de entrevistas digitais em áudio e levantamento de recortes de jornais e
arquivos dos grupos observado durante os anos de 2007 e 2008. Pretende-se com isso,
registrar as referências culturais do ciclo junino de Manaus como Patrimônio Cultural
de Natureza Imaterial de nosso país. Contudo, urge a celebração do termo de
cooperação técnica com o IPHAN para que possamos concluir este inventário e solicitar
o registro em 2009.
Outro projeto que está em andamento, decorre da percepção religiosa que
tivemos dos grupos folclóricos de Manaus. Sobretudo, no que diz respeito ao batizado
de um boi. Que é decorrente tanto de atos representacionais, como de atos religiosos ou
seja como pagamento de promessa, ou presente de entidades do candomblé ou da
umbanda.
O projeto Rotas de Mina: Quando o Imaterial indica o Bem Edificado de
Interesse Histórico e Cultural. Rotas de Mina trata-se de uma ação de reconhecimento
do Tambor de Mina e das demais religiões de matrizes africanas e suas contribuições na
formação sociocultural da cidade de Manaus. Este trabalho nos permitiu tomar
conhecimento da existência de casas de cultos religiosos de matrizes africanas em
bairros antigos da cidade que datam do mesmo período da construção do Teatro
Amazonas e dos demais prédios históricos de Manaus. Assim, estamos incluindo essas
casas na listagem de bens edificados de interesse histórico e cultural, tendo como passo
seguinte, proceder o processo de tombamento desses bens edificados. Dessa forma,
estaremos estendendo a noção de sítio histórico em Manaus através da inclusas de casas
antigas que não são de cal e pedra e nem estão relacionadas aos chamados barões da
borracha.
Este projeto ganhou força, quando os membros da Coordenadoria do Patrimônio
Cultural foram convidados para compor a Comissão de Interesse Arquitetônico e
Histórico da Cidade de Manaus que está sob a responsabilidade do Instituto de
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Planejamento Urbano de Manaus (IMPLURB), esta comissão era formada por outros
membros de outras secretarias como a Secretaria Municipal de Educação (SEMD),
Manaus Tur e outros. Durante as discussões de revisão das casas de interesse
arquitetônico, a SEMC por meio dos técnicos da Coordenadoria do patrimônio Cultural,
notou que nas discussões, a maioria dos profissionais de outras secretarias, estavam
considerando o Patrimônio Cultural da cidade de Manaus, apenas a partir de seu valor
arquitetônico e estava esquecendo das edificações de valor histórico e cultural.
Com tudo, foi colocado em evidência que bens edificados que compreendem
casas, prédios e espaços de sociabilidade da cultura negra e popular deveriam ser
levados em conta.
Espaços como o terreiro da mãe Zulmira no bairro Morro da Liberdade, terreiro
do Seringal Mirim no bairro de São Geraldo e as casas da comunidade de São Benedito,
onde anualmente é realizado a Festa de São Benedito na Rua Japurá, no bairro da Praça
14 de janeiro e outras no Bairro da Choeirinha devem ser listados e tombados como
patrimônio histórico no município de Manaus.
A casa da mãe Zulmira remonta aos tempos da chegada dos primeiros moradores
ao Morro da Liberdade, por volta de 1892, com a vinda de imigrantes nordestinos,
principalmente maranhenses, que trouxeram para a cidade a tradição dos culto religiosos
africanos. Mãe Zulmira foi a terceira na linha sucessória de Joana Gama, a primeira mãe
de santo do Morro da Liberdade.
A casa do mestre Horácio, na rua Japurá, no bairro Praça 14 de Janeiro, mantém
a fachada de barro. Outro espaço importante que preserva parte da arquitetura é a casa
da família Santos, no bairro da Cachoeirinha, considerada berço do boi-bumbá Corre-
Campo e da Escola de Samba Mista da Cachoeirinha na década de 1940. Um outro
evento que ganhou relevância na SEMC por meio da Coordenadoria do patrimônio
cultural, foi a importância de apoiar evento realizado desde 2007, que comemora o dia
da consciência negra, no mês de novembro em Manaus.
Outra atividade que a Coordenadoria do Patrimônio Cultural, acabou
incorporando em suas atividades, o registro etnográfico da festa religiosa de passagem
de ano da Praia da Ponta Negra. Com o projeto Festa e Religião: Aspectos Religiosos
na Festa de Passagem de Ano na Praia da Ponta Negra – Manaus-AM, foi possível
notar que na última década do século passado a festa de passagem de ano na praia da
Ponta Negra ganhou grande importância tanto para moradores de Manaus quanto para
turista que visitam a cidade nesse período.
Contudo, grupos sociais que deram significado para se festejar a passagem de
ano na beira da praia perderam visibilidade, sendo em muitas ocasiões mal vistos por
organizadores do evento. A SEMC sentiu a necessidade de realizar uma pesquisa em
2007 com objetivo revelar a importância dos umbandistas na ressignificação dessa festa
de final de ano em Manaus. Com a pesquisa, tomamos conhecimento de que no início
da década de 60 do século passado não havia a promoção por órgãos públicos de festas
de passagem de ano naquele local. E foi acompanhando o grupo de religiosos do
Terreiro do Sibamba, foi que notamos que eles, já se deslocavam para aquele local onde
faziam oferendas à Iemanjá e festejavam a passagem de ano. Dessa maneira o poder
público passou a redimensionar o evento de forma que esses grupos sociais passaram a
ser considerados como precursores do evento, assim, passaram a adquirir um capital
simbólico importante nas relações que se estabelecem na festa de passagem de ano da
Praia da Ponta Negra em Manaus.
No sentido de envolver a sociedade e os diversos segmentos sociais nas
discussões sobre as atividades de Patrimônio Cultural e no sentido de apontar políticas
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públicas para a necessidade dos sujeitos sociais. A Coordenadoria do Patrimônio


Cultural passou a realizar desde 2006, o Encontro do Patrimônio Cultural.
Em 2007, foi realizado o II encontro do Patrimônio Cultural, no mês de
novembro, pois percebeu-se a necessidade aprofundar as reflexões a respeito dos grupos
sociais. Neste momento, foi a primeira vez que os representantes das Associações
Negras na cidade de Manaus discutiram, a importância de dialogar com o poder público,
no sentido de reivindicar o reconhecimento as práticas religiosas das religiões de
matrizes Africanas como a construção do Parque dos Orixás, para oferendas aos vodus.
As Associações dos Grupos Folclóricos discutiram as suas organizações e avaliaram o
Festival Folclórico do Amazonas, assim como oficinas de danças, maquiagem e canto
para os grupos folclóricos.
Dada à importância do folclore enquanto manifestação cultural na cidade de
Manaus, de acordo com Alvatir Silva (2008) em seu estudo sobre, estes grupos na
cidade, um verdadeiro Fato Social Total. É realizado desde a fundação da SEMC a
Semana do Folclore. Realizada no mês de agosto, que é considerado o mês do folclore
no Brasil, a Semana do Folclore é um evento que tem uma atividade intensa durante
uma semana de sua realização, ocorrendo simultaneamente, ocupa vários espaços:
Biblioteca Municipal João Bosco Pantoja Evangelista, Parques dos Bilhares e no
Auditório da SEMC. O evento tem como objetivo principal divulgar a importância do
Folclore para a comunidade através de oficinas e apresentações culturais, exposição de
fotografia e indumentária de alguns grupos folclóricos de Manaus. Nesse evento
ocorrem também debates sobre o tema com pessoas envolvidas com essa temática,
servindo para que possamos definir e redefinir nossas ações para esse seguimento em
Manaus.
Outra festa ganha importância no calendário de Eventos da SEMC, dado a sua
forte mobilização social e religiosa é a Procissão Fluvial de São Pedro. Iniciada na
década de cinqüenta do século passado, a Procissão Fluvial de São Pedro envolve
seguimentos sociais diversos de Manaus, embarcações de vários aspectos e pagamento
de promessas das mais diferentes formas são vistos nessa procissão. A Prefeitura de
Manaus apóia esse evento em parceria com a arquidiocese de Manaus, associações de
pescadores e outros seguimentos envolvidos. Concurso de ornamentação de barcos, de
culinária a base de peixe, no que diz respeito ao aspecto do trabalho como quem é a
pessoa que trata e tica um peixe em pouco tempo nas feiras de Manaus, dizem respeito à
salvaguarda das Manifestações dos grupos na cidade de Manaus.
Em uma cidade em que o ultimo senso do IBGE de 2007 computou em torno de
vinte um mil índios urbanos na cidade de Manaus. A SEMC realiza o projeto intitulado
Manaus Indígena. A partir de 2005 a Prefeitura Municipal de Manaus passa a
desenvolver ações voltadas à diversidade e identidade cultura em nosso município. Tais
ações estão também diretamente relacionadas às questões de propriedade intelectual e
patrimônio imaterial dos povos indígenas em Manaus, o que tem contribuído para a
aproximação e melhoria das relações entre os povos indígenas com estudantes e
instituições de pesquisa, bem como órgãos governamentais e demais grupos sociais de
Manaus.
Preocupações com as demandas dos povos indígenas de Manaus ajudaram a
orientar a reforma administrativa da prefeitura onde foram criadas novas secretarias
como a Secretaria Municipal de Cultura, outras passaram por redefinições em suas
estruturas, como o caso da Secretaria de Direitos Humanos onde foi criado a
Coordenadoria de Promoção dos Direitos Indígenas, também a Secretaria de
Desenvolvimento Local com ações direcionadas à geração de renda aos indígenas de
Manaus. Os esforços dessas secretarias e de outras como a Secretaria de Esporte e
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Lazer, Secretaria Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Educação para atender as


várias demandas dos povos indígenas apontam para a importância das mais de 40 etnias
indígenas em Manaus que juntas perfazem mais de 60 mil indígenas vivendo na cidade.
No âmbito da Cultura estamos realizando “Feira indígena Pú-Kaá-Mãos da
Mata”. Essa feira é realizada desde 2006 em parceria com a União dos Povos Indígenas
de Manaus – UPIM em conjunto com os grupos indígenas de Manaus. A forma como
hoje esta feira se apresenta, abarca todo o legado da cultura dos povos indígenas, como
artesanato, a gastronomia, as bebidas, a medicina tradicional. E ainda temos
apresentações dos grupos musicais que cantam na língua materna de seu povo e
apresentando para o grande público os seus rituais, possibilitando desta forma, a difusão
e valorização da cultura indígena do nosso município. É claro que isto não é suficiente
para as reais necessidades desta parte da população que há muito ficou no esquecimento
nesta cidade. Também, promovemos a gravação do Cd “Cantos Indígenas”, que contou
com a participação dos cantores de várias etnias, dentre elas: Tikuna, Saterê Mawé,
Munduruku.
Além deste CD a SEMC editou o Catálogo Indígena mostrando o artesanato
que é comercializado na citada e feira Pú-kaá, envolvendo as diferentes Associações de
Artesanato, entre elas, Associação Comunitária Tikuna - WATCHAMANCU,
Associação das Mulheres Indígenas do Rio negro- AMARN, Associação das Mulheres
Indígenas - Saterê Mawé, Associações Saterê Mawé – Waykyhu e Ypyrehy,
Comunidade São João – Bayaroá, Associação dos Artesãos Indígenas Residentes em
Manaus-AAIRM. Além de incluirmos os diversos Grupos Musicais Indígenas nos
eventos da promovidos pela SEMC.
É interessante ressaltar que a prefeitura de Manaus, preocupa-se em salvaguardar
os bens culturais da cidade, sobretudo aqueles que aos poucos estão sendo revelados nas
atividades da Coordenadoria do Patrimônio Cultural. O filme Etnográfico Boi Bumbá
de Manaus: Brinquedo de São João, do Antropólogo Sergio Ivan Gil Braga foi feito
com recursos da Prefeitura de Manaus , realizado em 2006. Este filme foi ganhador o
prêmio Pierre Verget concedido pela Associação Brasileira de Antropologia em 2006.
Em 2008 estaremos fazendo uma tiragem de mil cópias em DVD para que esse filme
seja distribuído nas escolas de Manaus e em centros de pesquisa de vários lugares do
Brasil.

O patrimônio intangível na perspectiva das políticas públicas no Brasil.

Maria Pinheiro (2006), ao situar as origens da noção de preservação do


Patrimônio Cultural no Brasil, propõe uma análise para além das datas canônicas que os
estudos sobre patrimônio aponta, como as décadas de 1920 e 1930.

Nascido por assim dizer sob o signo da globalização, em seu


momento inicial, que podemos situar na grande expansão ultramarina
portuguesa, o Brasil acabou de completar cinco séculos desde seu
descobrimento. Mas muito tempo decorreu até que os brasileiros
começassem a se perceber de sua alteridade em relação à Metrópole
portuguesa. De fato, as primeiras atitudes de afirmação de uma
identidade nacional costumam ser identificadas com os movimentos
em busca da autonomia política, dos quais o mais importante, como
se sabe, é a inconfidência Mineira, que ocorre em 1789, em ouro
preto. Assim, já se evidência um grande descompasso em relação à
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situação européia, onde, no final do século XVIII, já se manifestam


às primeiras preocupações relativas à preservação do patrimônio
nacional (PINHEIRO, 2006, p.4).

Autora mostra com essa visão, a ruptura da colônia com o centro europeu. Esta
ruptura vai sendo marcada por uma autonomia cada vez maior da Terra Brasilis, em
estar dialogando financeiramente com os países europeus durante todo o século XIX. A
cultura francesa encontra-se cada vez mais inserido na cultura brasileira, possível pelas
relações comerciais estabelecidas com matérias primas como o algodão, café e a
borracha que reforçam as relações de todos os tipos. Em Manaus, a valorização oficial
do Estado, tenta remontar através do patrimônio arquitetônico, períodos áureos da
borracha passados pela belle époque. Remontando espaços e investindo milhões de reais
em uma cultura erudita, resquícios dos barões da borracha que circulavam as grandes
óperas do Teatro Amazonas.
Já no final do século XIX, fica evidente a associação clara, por parte das elites
brasileira, entre valores culturais e europeus e as noções vigentes de modernidade e de
civilização, manifestados nos costumes, nas artes, na moda, com destaque para a
arquitetura, capaz de evocar paisagens urbanas similares ao dos grandes centros da
Europa. Era preciso, apagar o passado de um país atrasado e se aliar as noções que o
progresso demandava.
Edinea Dias (1999, p. 131) aponta que no inicio do século XX na cidade de
Manaus, os administradores públicos tomam o espaço público com um “espaço
pensado, idealizado e organizado para se fazer conhecer, impressionar e atrair os
investidores estrangeiros, ao mesmo tempo em que projeta para o mundo prosperidade e
civilização dentro da visão burguesa de uma cidade ideal, cria também suas próprias
contradições”. A autora nos chama atenção para uma cidade que na sua constituição
histórica, como a capital da borracha, tem o poder público aliado aos interesses
privados, desenvolvendo uma política de pressão e exclusão e dominação contra pessoas
ou grupos de pessoas que emergem na cidade e que não se enquadram nos conceito de
valores da elite local.
Com estratégias elaboradas de proibições e controle sobre os segmentos pobres
da cidade de Manaus, que ocupavam os mais diferentes trabalhos gerados na capital,
concerne diretamente sobre a habitação, em suas palavras:

O segmento pobre sofreu um processo de exclusão da área central da


cidade no momento em que esta se define como pólo exportador da
goma elástica, lugar da realização de grandes negócios ligados ao
comércio exportador e importador. As novas exigências quando às
condições gerais de edificações tiravam do trabalhador qualquer
permanência em sua antiga área de moradia, perto de seu local de
trabalho, abastecimento e lazer (DIAS, 1999, p. 136).

Esta passagem da professora Edinea Dias nos remonta a uma Manaus do início do
Século XX, com transformações em suas paisagem urbana que marcaram o patrimônio
histórico e cultural da cidade. Mas passado aí cem anos, em pleno início do Século XXI,
nota-se que Manaus está passando pelo mesmo processo de exclusão dos pobres da
considerada área central da cidade. Desta, vez articulado com a noção de preservação do
Patrimônio Arquitetônico e Histórico da cidade.
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Desta vez, articulado ao sistema econômico do Pólo Industrial de Manaus e a


política internacional de preservação da Amazônia. O Governo do Estado do Amazonas,
implantou desde 2005 o projeto PROSAMIM, vinculado ao programa ambiental dos
igarapés e Manaus. Segundo o projeto, prevê a construção de 1956 unidades
habitacionais:

São as alternativas de reassentamento são Bônus Moradia, que


consiste numa carta de crédito no valor de R$21mil para aquisição de
um outro imóvel em qualquer parte da cidade, desde que este esteja
localizado em bairro urbanizado e disponha dos serviços públicos
básicos como água encanada, luz elétrica regular e asfalto. Uma outra
opção é a indenização do bem quando o valor deste ultrapassa o
destinado ao bônus moradia ou ainda a transferência para conjuntos
habitacionais construídos pelo governo para àquelas famílias que
moram na margem do igarapé pagando aluguel (...) A população que
mora na área de intervenção do Prosamim é de 342 mil habitantes.
75% dos moradores são Amazonenses, 45,4% da capital e os outros
30% são de outros estados do Brasil. 48% da população são do sexo
masculino e 52% feminino. Mas, 68% das mulheres são ?chefes de
família? comandam a casa e o sustento da família sem a ajuda dos
companheiros. 21% das famílias têm mais de cinco pessoas morando
na mesma casa. Conforme relatório de impacto ambiental, 64,% dos
imóveis construídos na área de intervenção do Prosamim estão no
leito ou próximo ao leito do igarapé e 51,4% são casas térreas onde
os moradores estão em contato permanente com as águas dos
igarapés e assim, vulneráveis às contaminações. Situação que se
agrava bastante nos períodos de cheia, quando os igarapés
transbordam com as grandes precipitações. Ainda com base nos
dados do relatório de impacto ambiental, 94,4% vivem em áreas
insalubres com esgoto a céu aberto individual e coletivo (Relatório do
PROSAMIM publicado em 22 de agosto de 2006, site
www.suhab.am.gov.br)

Mais uma vez o poder público utiliza-se de uma série de instrumentos para fazer
funcionar sua política de espaço urbano saneado, impondo através das posturas e
decretos, todo um conjunto de ações disciplinando a vida do cidadão urbano. Aliado aos
grandes financiadores mundiais como o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BIRD), o governo tem que executar o projeto de acordo com as
cartilhas de seus financiadores, não respeitando as peculiaridades culturais de moradia e
as diferentes formas de expressão da cultura popular. É o que o Inventário dos Grupos
Folclóricos identificou, inúmeras danças e brincadeiras que deixaram de existir ou
foram empurradas cada vez mais longe, para os limites da cidade dada a intervenção do
PROSAMIM. Em 2007 observou-se que brincadeiras com mais de 20 anos de
atividades que localizava-se na área atingida pelo PROSAMIM do Bairro Cachoeirinha
não saíram para brincar no Festival Folclórico, dada a dificuldade para se encontrar para
ensaios e a morte sistemáticas dos velhos por depressão dada pela desvinculação do
lugar.
De acordo com Manuel Filho e Regina Abreu (2007) a participação de
antropólogos nas instituições de patrimônio era pequena até pouco atrás. No Brasil,
Gilberto Velho tem participação significativa no IPHAN, no Conselho do Patrimônio. A
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política hegemônica do IPHAN até o final dos anos 90 privilegiou os tombamentos e a


preservação de edificações em pedra e cal, de conjuntos arquitetônicos e paisagísticos,
bem como a proteção a bens moveis e imóveis, considerados importantes para nação
brasileira, seja por expressivas características arquitetônicas, artísticas e históricas.
Na história da instituição é impossível não falar das diferenças entre o ante
projeto de Mario de Andrade esboçado em 1936 e a versão final do decreto lei 25, que
instituiu e criou a instituição. Os autores aponta que existe uma certa corrente de
pesquisadores mais propícios a visão de Mario de Andrade e o seu ante projeto conteria
uma versão mais culturalista e antropológica, privilegiando uma noção de patrimônio
que enfatiza os aspectos mais intangíveis da cultura, como manifestações diversas da
cultura popular. A proposta vencedora, na figura de Rodrigo de Mello Franco de
Andrade, pretenderia privilegiar os aspectos materiais do patrimônio. Na discussão
sobre patrimônio, este relato é apontado como um momento legitimador do grupo que
fazia frente às propostas hegemônica de arquitetos.
Como símbolo da imperativo da visão dos arquitetos sobre o patrimônio,
ressalta-se o tombamento de grandes monumentos como as igrejas barrocas de Ouro
Preto. O Design Aluisio Magalhães, ao passar pelo IPHAN, inaugura a criação do
Centro Nacional de Referências Culturais e com a transformação de um certo período
da instituição de Serviço do Patrimônio Histórico a Fundação Nacional Pró-memória.
Este ato aponta uma perspectiva mais culturalista ao Patrimônio, possibilitando a
formação de um grupo que fazia oposição as idéias hereditárias de Rodrigo Melllo
Franco. A visão deste grupo é de que a Nação incluía diferentes culturas que deveriam
ter a visão do Patrimônio voltada para este fim. Que acabaram constituindo um serie de
elementos para a percepção do Patrimônio.
O terreiro de Candomblé Casa Branca da Bahia envolveu antropólogos,
arquitetos e historiadores, no que se refere a uma árvore sagrada. Notasse a necessidade
de apreensão de aspectos religiosos e simbólicos que vão para além do cal e pedra.
De acordo com as atividades desenvolvidas pela Coordenadoria do Patrimônio
Cultural da SEMC, ressalta-se cada vez mais a importância de firmar parceria
institucional com IPHAN enquanto Secretaria Municipal e não como organização da
sociedade civil. Apesar de termos apoio técnico do IPHAN, esbarramos nos tramites
burocrático no sentido de firmar termos de cooperação técnica de financiamento direto
com a autarquia.
Como já foi descrito, há possibilidades de inventariar e registrar no IPHAN um
série de manifestações de Culturais de Natureza Imaterial. É importante ressaltar a
parceria que a SEMC faz com a Universidade Federal do Amazonas, uma vez que
alguns de seus membros firmam parceria o Programa de Pós Graduação Sociedade e
Cultura na Amazônia (PPGSCA/UFAM) e com o Departamento de Antropologia (DAS)
da UFAM o que dá condição técnica para executar ações voltadas para o Patrimônio
Imaterial.

Referências Bibliográficas

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Portugal) – 7º ed. – Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2004, p. 106-132.

DIAS, Edinea Mascarenhas. Espaço Urbano: preservação ou segregação. In: A ilusão do


Fausto – Manaus 1890-1920. Manaus: Editora Valer. 1999.
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FILHO, Manuel Ferreira Lima e ABREU, Regina Maria do Rego Monteiro de. A
Antropologia e o Patrimônio Cultural no Brasil. In: Associação Brasileira de
Antropologia. Antropologia e Patrimônio Cultural: diálogos e desafios contemporâneos.
Organizadores Manuel Ferreira Lima Filho, Jane Felipe Beltrão, Cornelia Eckert –
Blumenau: Nova Letra, 2007.

PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. Origens da Noção de Preservação do Patrimônio


Cultural no Brasil. Revista de Pesquisa e Urbanismo. Programa de Pós-Graduação do
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, 2006.

WAGLEY, Charles. O Estudo das Comunidades Amazônicas In: Atlas do Simposio


sobre a Biota Amazônica. Volume 2 (Antropologia), 1967, p. 41-45).

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