Você está na página 1de 4

Resenha do artigo “Sociologia da Globalização” de Octavio Ianni.

Octavio Ianni desafia as ciências sociais a pensar o mundo globalizado. O autor


diz que isto é “um desafio epistemológico novo” e que “pela primeira vez [as
ciências sociais], são desafiadas a pensar o mundo como uma sociedade global”
(Ianni, 2000, p. 237). O pensamento científico, continua o autor, por mais
desenvolvido que esteja, com suas notáveis produções que são elaboradas
essencialmente sob a ótica da sociedade nacional, “não é suficiente para
apreender a constituição e os movimentos da sociedade global” (Ianni, 2000, p.
237).

O autor passa, em seguida, a discorrer sobre a necessidade de um novo


paradigma para que as ciências sociais possam compreender a sociedade global,
que “exige novos conceitos, outras categorias, diferentes interpretações” (Ianni,
2000, p. 237), enfim, novos desafios empíricos e metodológicos.

Para o autor, as ciências sociais sempre estiveram acostumadas a debater os


limites entre sociedade e Estado, havendo uma sociedade em cada Estado –
referindo-se aqui Estado-nação. Porém, “a sociedade global não é uma mera
extensão quantitativa e qualitativa da sociedade nacional” (Ianni, 2000, p. 238). A
sociedade nacional, já estudada sob todos os aspectos, continua a ser “básica,
evidente e indispensável” (Ianni, 2000, p. 238), mesmo no âmbito internacional. Já
a sociedade global, contrapõe o autor, é uma nova realidade original,
desconhecida em suas múltiplas facetas, ainda é carente de interpretações. É
claro, continua Ianni, que muito já se estudou, como seus aspectos históricos,
políticos econômicos, culturais, geográficos, demográficos, geopolíticos,
ecológicos, religiosos, lingüísticos, entre outros. Muitos já pensaram a sociedade
internacional como uma entidade transnacional, mundial ou mesmo global, porém
a nação continua sendo a base da reflexão. Este modelo de reflexão permeia os
estudos de relações internacionais, geopolítica, integração regional, formação e
atuação dos organismos internacionais, como a ONU, UNESCO, FMI, OMC, entre
outros.

Octavio Ianni levanta estas questões para chegar ao ápice do artigo para afirmar:
“Este é um momento epistemológico fundamental” (Ianni, 2000, p. 239): o
paradigma clássico, fundado na reflexão sobre a sociedade nacional, dá lugar a
um novo paradigma fundado na reflexão sobre a sociedade global. “O
conhecimento acumulado sobre a sociedade nacional não é suficiente para
esclarecer as configurações e os movimentos de uma realidade que já é [...]
global” (Ianni, 2000, p. 239). O autor ressalta que “a sociedade nacional não dá
conta, nem empírica nem metodologicamente, nem histórica nem teoricamente, de
toda a realidade na qual inserem indivíduos e classes, nações e nacionalidades,
culturas e civilizações” (Ianni, 2000, p. 239).

Na mesma direção, o autor apresenta problemas e dificuldades acerca da


sociedade global, com relação aos estudos atuais:
1. Os estudos atuais são fortemente baseados no evolucionismo, funcionalismo,
estruturalismo e em Weber e Marx, ou há combinações dessas teorias. Contudo,
fica patente a dificuldade de se libertar do quadro de referência do Estado
nacional.

2. Apenas alguns aspectos da sociedade global são priorizados, como o


econômico, o financeiro, o tecnológico, o cultual, o político, o geopolítico e alguns.
São poucos os que conseguem tecer uma abordagem geral e integrativa ou que
descrevem o novo objeto constituído pela sociedade global.

3. Prevalece a perspectiva convencional, ou seja, abordagens não integracionistas,


como a superpotência mundial, o centro e a periferia, as ex-nações do Terceiro
Mundo, a “terceira via”, etc.

4. O método comparativo é uma constante nos estudos e interpretações. Este


método, ao comparar países, indicadores econômicos, regimes políticos – para
mencionar alguns – baseia-se no evolucionismo ou funcionalismo, estruturalismo,
marxismo ou weberianismo.

5. Poucos pensam a sociedade global na ótica da desterritorialização, onde o


sujeito da reflexão não pode estar preso a um lugar, a uma referência anterior,
para não cair no sistema tradicional de Estado-nação.

Assim, a sociedade global é um novo paradigma de pensamento e um novo objeto


das ciências sociais. Trata-e de um “paradigma emergente, pois a sociedade
global encontra-se em constituição, em seus primórdios, como porque carece de
conceitos, categorias, interpretações” (Ianni, 2000, p. 242). Mais adiante, Ianni
arremata: “Ocorre que a problemática da globalização encontra-se ainda em
processo de equacionamento empírico, metodológico e teórico” (Ianni, 2000, p.
247).

Nesta nova fase de mudança de paradigma que estamos vivendo, ou seja, a


passagem da sociedade nacional para a sociedade global, Ianni deixa claro que
“não é suficiente transferir conceitos, categorias e interpretações elaborados sobre
a sociedade nacional para a global [...], não basta utilizar ou adaptar o que se sabe
sobre a sociedade nacional” (Ianni, 2000, p. 245). Estas noções não se transferem,
nem se adaptam facilmente. “As relações, processos e estruturas de dominação e
apropriação, integração e antagonismo característicos da sociedade global exigem
também novos conceitos, categorias, interpretações” (Ianni, 2000, p. 245). De fato,
segundo autor, a reflexão sobre a sociedade global transborda os limites
convencionais de uma ciência social específica. Por isso, Ianni citando Bergesen ,
advoga por uma Globologia, a ciência da globalização, dentro de um novo
paradigma de pensar a sociedade global.

O autor finaliza este capítulo afirmando que os estudos existentes a respeito da


sociedade global evidenciam um novo objeto das ciências sociais:

1. A sociedade global constitui-se como uma totalidade problemática, complexa e


contraditória;

2. A sociedade global é o cenário do desenvolvimento desigual e contraditório;

3. Na medida em que a sociedade global se desenvolve como um novo paradigma


das ciências sociais, os conceitos, categorias e interpretações que são usados
podem tornar-se obsoletos e precisar novas re-elaborações;

4. Uma nova história universal começa a ser escrita; e

5. O pensamento global se articula dentro da complexidade da sociedade global,


“com sua economia política, dinâmica sócio-cultural, historicidade complexa e
contraditória” (Ianni, 2000, p. 256). Ao mesmo tempo que a dialética de Marx ou a
racionalização de Weber na devem ser repensadas, segundo o autor, estas duas
teorias “constituem matizes fecundas para pensar-se configurações e movimentos
das sociedade global” (Ianni, 2000, p. 256).

Comentário:

“Sociologia da Globalização” é um artigo, e ao mesmo tempo um capítulo de uma


obra mais vasta, “Teorias da Globalização”, que o autor, Octavio Ianni, se propõe a
questionar as próprias ciências sociais. O autor faz uma análise epistemológica
das ciências sociais, mais especialmente a Sociologia, diante do fenômeno da
globalização.

Com a globalização, argumenta o autor, um novo mundo se põe à nossa frente,


nunca antes vivido. É um termo e um fenômeno que provoca sentimentos fortes
nas pessoas, pois invade fronteiras, modifica costumes, abre novos mercados
assim como os fecha, dificulta o controle estatal, bem como reduz sua autonomia,
modifica as relações de emprego, de produção, de distância, de tempo, modifica o
fluxo de capitais, abre novas oportunidades de conhecimento, de emprego e de
investimentos, modifica a relação centro-periferia, torna os conceitos aceitos e
cristalizados obsoletos, enfim, modifica grandemente nossas vidas.

Esta nova configuração mundial quebra nosso paradigma de pensar e perceber o


mundo. Com relação à globalização, as ciências sociais ainda discutem e refletem
este novo fenômeno baseado em paradigmas existentes. Ianni é taxativo: com os
paradigmas antigos não podemos pensar a globalização, pois ela é uma realidade
totalmente nova!

O que o autor quer dizer é que a ciência deve progredir na mesma velocidade que
o mundo avança. O mundo real, com a globalização, se recriou: uma sociedade
global emergiu. Porém, as ciências sociais não sabem como lidar com essa nova
realidade ou não evolui na mesma velocidade, não sendo capazes de dar
respostas a esse novo fato, que é a globalização. Na realidade, falta criar e
estabelecer um novo paradigma.
Justamente esse é um dos elementos que falta maior clareza e sustentação
teórica por parte do autor: paradigma. Ianni não esclarece o que é um paradigma,
como um paradigma surge ou por que vivemos sob paradigmas e ainda, por que a
ciência vive de paradigmas, como eles se dão e acontecem. No artigo, paradigma
é um fato dado e não há esclarecimento. Ora, se a globalização nos faz viver sob
um novo paradigma, como afirma o autor, este conceito deve ser muito importante
e mereceria ao menos uma definição mais explícita. Pelo que transparece no texto,
paradigma é uma nova visão de mundo: é deixar de pensar e entender o mundo
baseado em Estados-nação (sistema westfaliano) e enxergá-lo como uma
realidade nova, onde não temos parâmetros para falar a esse respeito. Assim,
grosseiramente, paradigma pode ser entendido como “parâmetro”, mas sendo, ao
mesmo tempo, um conceito mais abrangente que isto.

A questão crucial, para o autor, é que não temos parâmetros para compreender e
falar sobre essa “sociedade global” que surgiu com a globalização. A sociedade
nacional, segundo Ianni, não pode ser referência para compreender a sociedade
global, pois é uma realidade totalmente distinta.

O autor coloca o problema, mas não propõe solução. O fato positivo nessa
discussão é que o caminho está aberto para as ciências sociais progredirem em
busca de uma compreensão ampla e de elucidação dessa nova realidade que
estamos vivendo, que é a sociedade global, surgida na esteira da globalização.
Trata-se de um novo desafio, onde a volta de alguma teoria pretérita, como o
positivismo, por exemplo, não será capaz de proporcionar uma aclaração a poder
satisfazer a sagacidade do questionar científico contemporâneo. Na verdade, o
que se deduz desse tema é que é uma questão tão vasta e complexa, que as
ciências sociais ainda não têm resposta à altura. A compreensão do mundo atual
apresenta muitos desafios para as ciências sociais que devem ser analisados sob
uma outra ótica, o que pode vir a constituir uma nova ciência: a Globologia,
conforme já proposto por Bergesen e mencionado por Ianni em seu artigo.

No final de seu artigo, Ianni sugere o recurso às teorias marxistas e weberianas


para compreender esta nova realidade. Isto nos parece contraditório ao que o
próprio autor havia exposto e insistido anteriormente no artigo: não se pode
compreender esta nova realidade – a sociedade global – com teorias existentes.

Em suma, fica patente após a leitura do artigo que as ciências sociais têm que se
desenvolver de forma mais rápida para poder abarcar e explicar as novas
realidades que estamos vivendo e que é coerente, segundo Bergesen, fazer
apologia de uma nova ciência social, a Globologia.

Você também pode gostar