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FICHAMENTO – TERRITÓRIOS E CORPOS URBANOS

O termo “Território Cultural” remete nosso pensamento a ações, manifestações ou


políticas culturais associadas a certos recortes do espaço urbano.

PG. 75

Recortes Urbanos

Nas atuais políticas urbanas que se utilizam da cultura como estratégia de intervenção
para a revitalização de áreas degradadas ou esvaziadas, a relação entre política cultural e
território urbano se explicita, como no caso de projetos urbanísticos de intervenção em áreas
centrais com implantação de equipamentos culturais, criação de espaços de lazer e de
entretenimento, e urbanização dos espaços públicos circundantes. Neste caso, a relação entre a
política cultural e o território urbano nos parece clara. É preciso, no entanto, ir além desta óbvia
constatação, indagando se a presença de um equipamento cultural ou das habituais promoções
culturalizantes, como feiras, shows e outros eventos temporários nas áreas renovadas permitem
caracterizá-las como culturais, ou como territórios culturais. A literatura crítica disponível nos
mostra que os resultados destas intervenções contemporâneas, muitas vezes, se revelam apenas
espaços comerciais enobrecidos pelo consumo cultural.

PG 76

As práticas desenvolvidas por grupos sociais podem eventualmente ser associadas a


culturas públicas (cf. ZUKIN). O conjunto de lugares que se distinguem por estas presenças
culturais chamamos de território cultural. Mas os territórios não são fixos uma vez que
dependem de suas variadas formas de apropriação, podemos mesmo perceber que os territórios
culturais se desterritorializam e reterritorializam a partir de seus usos e apropriações simbólicas.

Enquanto ocupar, frequentar e se apropriar de lugares e de culturas são práticas e ações


que fazem parte do processo de territorialização ou de construção de um determinado território,
criando valores e significados através da vivência, nós também podemos pensar que esses
territórios podem não ser materiais ou formais, mas puramente simbólicos, ficções que podem
se territorializar em imaginários (na música isso ocorre com frequência, quantos turistas não
vêm a Salvador para ir à praia de Itapuã cantada por Caymmi? A praia existe mas não se parece
muito com a de Caymmi). Existem também culturas desterritorializadas que podem voltar a se
territorializar, ou não (um bom exemplo disso no Rio de Janeiro é a Praça Onze que sobrevive
no imaginário – a Praça não existe mais – através das letras dos sambas). As culturas ainda
podem ser nômades, ou seja, essas podem estar em movimento constante, podendo se
desterritorializar e reterritorializar (como diriam Deleuze e Guattari)

PG. 77-78

Um aspecto essencial a ser explorado para aprofundar a problemática delineada diz


respeito ao próprio sentido de cultura urbana. Para Häusserman (2000:258), atualmente a
cultura usada como um produto mágico utilizado pelo marketing urbano resulta numa
“culturalização” da cidade. Esta “culturalização” se associa à “espetacularização”, em que o
turismo tem papel fundamental, e cuja consequência direta é a gentrificação urbana. A
funcionalização da cultura como um meio para atingir metas econômicas esvazia a própria
cultura da cidade duplamente: primeiro, porque se origina do “exterior”, ou seja, o usuário não
é a população local, mas o turista e o investidor estrangeiro. Portanto, neste modelo de
planejamento, dito estratégico, esta cultura urbana visa um público cada vez menos identificado
com a população moradora. A divisão de público-alvo faz com que apenas parte dos
equipamentos culturais (museus, teatros, óperas, etc.) e suas vizinhanças sejam considerados
pelas políticas culturais, pelos promotores e pelos visitantes. O resto da cidade passa a ser uma
zona tida como “não cultural”, ou seja, o modelo acentua a desigual distribuição de
equipamentos públicos, promovendo a gentrificação cultural também.

Quanto à cultura urbana que se instala nas áreas requalificadas, sua característica maior
é de ser “sem substância”, devido à exterioridade referida. A esta concepção de cultura urbana
como urbanidade. Urbanidade concebida como modo de vida democrático, participativo, que
compreende a cidade como lugar do encontro, da diversidade, da tolerância. Apesar de
reconhecer a importância fundamental que estes autores atribuem à urbanidade como necessária
dimensão da cultura urbana, insistimos em duas outras dimensões: a da cultura local e a da
participação da população (no sentido dado por Debord de ser o antídoto ao espetáculo).

É o caso, como vimos, da Lapa, onde a revitalização – no sentido do retorno da


vitalidade principalmente pelo surgimento de novas e variadas atividades e pela concentração
da população usuária no lugar – ocorreu de fato a partir dessas duas dimensões: cultura local e
participação da população; Assim uma nova urbanidade surgiu no espaço público já existente
– antigas praças e ruas – recriando um lugar de encontro social e, principalmente, de festa.

A oposição ao caso Porto – Guggenheim é clara: na Lapa houve um processo de


revitalização “de baixo pra cima”, que hoje chama atenção da mídia, dos planejadores e
políticos, enquanto no Porto existe um projeto imposto “de cima pra baixo” onde nenhum tipo
de participação da população local ocorre.

(PG 85-86)

Esses exemplos cariocas fazem supor a existência de uma relação inversamente


proporcional entre espetáculo e participação (e cultura popular), ou seja, quanto mais
espetacular for o uso da cultura nos processos de revitalização urbana, menor será a participação
da população e da cultura popular nesses processos e vice-versa. Variações na proporção de
espetacularização também podem ocorrer, ou seja, quanto mais passivo (menos participativo)
for o espetáculo, mais a cidade se torna um cenário, e o cidadão um mero figurante; e no sentido
inverso, quanto mais ativo for o espetáculo (que no limite deixa de ser um espetáculo no sentido
atribuído por Debord), mais a cidade se torna um palco e o cidadão, um ator protagonista e não
mero espectador. A relação entre espetacularização e gentrificação, ao inverso, é diretamente
proporcional, ou seja, a espetacularização urbana traz sempre consigo uma gentrificação
espacial e também cultural.

(PG. 88)

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