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INTRODUÇÃO

À PSICOLOGIA:
APLICAÇÃO
PASTORAL

Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Executiva de Ensino
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Iconografia
Isabela Soares Silva
Projeto Gráfico
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Jaime de Marchi Junior
Distância; GRZYBOWSKI, Carlos Tadeu. José Jhonny Coelho

Introdução à Psicologia: Aplicação Pastoral. Carlos Tadeu Arte Capa
Grzybowski. André Morais de Freitas
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Editoração
241 p.
Kleber Ribeiro da Silva
“Graduação - EaD”.
Qualidade Textual
1. Psicologia. 2. Pastoral. EaD. I. Título.
Priscila Sousa, Cíntia Prezoto Ferreira
Ilustração
CDD - 22 ed. 260 Marta Kakitani
CIP - NBR 12899 - AACR/2

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
Diretoria de
transformamos também a sociedade na qual estamos
Planejamento de Ensino
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
Diretoria Operacional
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
de Ensino
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou
seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de
Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista
às aulas ao vivo e participe das discussões. Além dis-
so, lembre-se que existe uma equipe de professores
e tutores que se encontra disponível para sanar suas
dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendiza-
gem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e
segurança sua trajetória acadêmica.
AUTOR

Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski


Possui doutorado em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Paraná
(2009); mestrado pela Universidade Federal do Paraná (2001); e graduação
em Psicologia, pela Universidade Federal do Paraná (1981). Atualmente é
sócio-diretor do Instituto Phileo de Psicologia, coordenador e professor de
cursos de pós-graduação da Faculdade Luterana de Teologia (Terapia Familiar
e Aconselhamento Pastoral Familiar); presidente da Associação Brasileira de
Assessoramento e Pastoral da Família - EIRENE do Brasil; e docente convidado
das seguintes instituições: Instituto de Aconselhamento e Terapia do Sentido
do Ser; Centro Evangélico de Missões; Faculdade Teológica Sul Americana. É
membro pleno do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos e escritor de
vários livros. Foi o criador do personagem infantil Smilingüido.

http://lattes.cnpq.br/5398648892073626
APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA: APLICAÇÃO


PASTORAL

SEJA BEM-VINDO(A)!
Estimado(a) aluno(a), seja muito bem-vindo! Um livro é como uma viagem, a cada nova
curva desvendamos paisagens novas. Algumas nos marcam para sempre, outras pas-
sam despercebidas em um primeiro momento, mas depois são relembradas com sauda-
de. É nesse espírito que te convido a percorrer as páginas deste livro: como se estivesse
iniciando uma viagem, na qual serei seu “guia turístico”, procurando chamar a atenção
para pontos que julgo relevantes e repassando informações que contribuirão para seu
crescimento acadêmico e pessoal.
Um livro de “Introdução à Psicologia: Aplicação Pastoral” é um trabalho que ajudará você
a compreender melhor alguns aspectos gerais da ciência psicológica e, especialmente
neste caso, sua aplicabilidade à tarefa pastoral.
Talvez uma primeira coisa a desmistificar, quando iniciamos a caminhada pelas pági-
nas deste livro, é que não se trata de um manual de autoajuda. Quando iniciamos um
estudo no campo da psicologia, possivelmente nos perguntamos se tal estudo é capaz
de ajudar-nos em nossas dificuldades pessoais e relacionamentos interpessoais ou se
estaremos mais capacitados para nos conhecer melhor e também aos demais etc.
Com certeza, ao percorrer as páginas deste livro, você será capaz de identificar muitas
situações pelas quais já tenha passado, bem como entender melhor alguns comporta-
mentos que você tenha observado em si mesmo ou nos outros. Contudo, há uma dife-
rença muito grande entre um conhecimento teórico e a aplicação deste conhecimento
na mudança do próprio comportamento ou do outro.
A intenção com as páginas que seguem neste livro não é de torná-lo um psicólogo ou
um expert em comportamento humano, mas de contribuir com a ampliação de seu co-
nhecimento sobre a ciência psicológica e o que ela tem a dizer sobre o comportamento
humano, de forma a poder conciliar este conhecimento com a tarefa pastoral no cuida-
do integral à pessoa humana.
Na primeira Unidade, falaremos sobre a ciência psicológica, em que veremos um pouco
de sua história, alguns de seus principais personagens e suas contribuições mais signifi-
cativas, especialmente, a inteface com a Teologia.
Na segunda Unidade, estudaremos alguns conceitos das Escolas Psicológicas Clássicas,
como a Psicanálise, o Behaviorismo e o Humanismo, enfatizando, especialmente, como
estas escolas influenciaram o que se conhece hoje como o Movimento de Aconselha-
mento Pastoral.
Na terceira unidade, resumiremos os principais conceitos da psicologia, tais como: as
percepções, as emoções, a motivação humana, a aprendizagem, a inteligência e a per-
sonalidade – procurando explanar a utilidade de cada um destes conceitos na prática
pastoral.
A quarta unidade é um convite ao novo, pois nessa unidade discorreremos especial-
mente sobre o entrelaçamento entre a psicologia e a teologia, o qual denominamos de
APRESENTAÇÃO

Psicoteologia e veremos, também, como o Pensamento Sistêmico lança uma nova


perspectiva para a leitura da espiritualidade da pessoa humana e como essa nova
concepção da realidade se aplica na prática pastoral.
Por fim, e certamente indispensável, a quinta Unidade irá discorrer sobre a apli-
cação prática dos conceitos teóricos estudados, bem como as possibilidades e as
limitações da tarefa pastoral, abordando o tema de Posturas no Aconselhamento e
Capelania.
Espero que esta apresentação inicial tenha sido motivadora o suficiente para você
iniciar esta fascinante caminhada pelas trilhas da ciência psicológica. Lembrando a
você, estimado(a) aluno(a), o livro do famoso educador Paulo Freire, que “o caminho
se faz caminhando”, ou seja, nada vem pronto e o protagonista principal de toda
aquisição de conhecimento é você!
E que a aventura fascinante de percorrer as páginas deste livro, mas que didática,
possa ser uma experiência de descobrimento da obra máxima da criação de Deus –
o ser humano, portador da “Imago Dei”.
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A


TEOLOGIA

15 Introdução

16 Definição de Psicologia

17 A Etapa Empírica e sua Conexão com a Filosofia Grega

21 A Etapa Pré-Científica e suas Principais Teorias

24 A Etapa Científica e as Primeiras Escolas

30 A Divisão da Psicologia Moderna

35 Os Ramos da Psicologia Moderna

43 Considerações Finais

50 Referências

53 Gabarito
10
SUMÁRIO

UNIDADE II

AS ESCOLAS CLÁSSICAS DE PSICOLOGIA E SUA INFLUÊNCIA NO


MOVIMENTO DE ACONSELHAMENTO PASTORAL

57 Introdução

58 O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos

69 A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos

83 O Gestaltismo

91 A Psicologia Humanista

94 Considerações Finais

103 Referências

106 Gabarito

UNIDADE III

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA


TEOLOGIA PASTORAL

109 Introdução

110 A Percepção Humana

119 A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas

128 O Afeto e as Emoções

136 A Memória e a Aprendizagem

145 A Inteligência e a Personalidade

154 Considerações Finais

162 Referências

165 Gabarito
11
SUMÁRIO

UNIDADE IV

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA


PASTORAL

169 Introdução

170 A Psicoteologia e a Perspectiva Sistêmica na Psicologia Pastoral

171 O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências

192 Teologia, Ciência e Abordagens Epistemológicas

196 Novos Paradigmas para Novos Tempos

197 Considerações Finais

204 Referências

207 Gabarito

UNIDADE V

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA

211 Introdução

212 O Movimento de Aconselhamento Pastoral

224 Onde a Psicologia e a Teologia se Encontram

230 Considerações Finais

238 Referências

240 Gabarito

241 CONCLUSÃO
Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

I
A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA

UNIDADE
HISTÓRIA E A INTERFACE COM
A TEOLOGIA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Conceituar psicologia.
■■ Compreender a relação entre a psicologia e a filosofia.
■■ Conhecer as duas escolas da etapa pré-científica da psicologia.
■■ Familiarizar-se com as principais escolas que deram início à etapa
científica da psicologia.
■■ Entender os quatro grandes grupos da psicologia moderna.
■■ Saber quais as principais áreas de atuação do psicólogo hoje.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Definição de psicologia
■■ A etapa Empírica e sua conexão com a filosofia grega
■■ A etapa pré-científica e suas principais teorias
■■ A etapa científica e as primeiras escolas
■■ A divisão da psicologia moderna
■■ Os ramos da psicologia moderna
15

INTRODUÇÃO

Então, pronto para começar a viagem?


Nesta primeira Unidade, vamos passear pela Antiguidade, visitando os filó-
sofos gregos e vendo o quanto eles influenciaram a psicologia ao tentar descrever
como as pessoas se comportavam. Apesar de se basearem exclusivamente na
observação, trouxeram algumas contribuições importantes que perduraram ao
longo da Idade Média, e até hoje alguns leigos se apegam a certos conceitos ela-
borados nessa época para tentar explicar o comportamento humano.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em seguida, nossa viagem tem uma rápida passagem pela Idade Média,
na qual a psicologia e a teologia andavam totalmente mescladas e quase toda
a explicação da conduta têm um viés metafísico. O centro de toda a busca de
entendimento do comportamento era o entendimento da alma!
A grande mudança na paisagem acontece a partir do Iluminismo, com a
separação radical entre ciência e igreja, e com os primeiros intentos daqueles que
se preocupavam em entender o comportamento humano, de oferecerem expli-
cações à conduta desvinculadas da teologia e da metafísica, mas ainda sem um
corpo teórico que desse base a estas tentativas.
Finalmente, chegaremos chegar ao final desta primeira etapa de nossa via-
gem procurando contemplar a chegada da psicologia ao reconhecimento de
uma ciência reconhecida, por meio da criação de um laboratório científico para
executar experimentos que dessem validade acadêmica a este ramo da ciência.
Nesta época, surgem as duas primeiras escolas de psicologia: o Estruturalismo
e o Funcionalismo, sobre as quais discorreremos brevemente.
Ao longo do caminho, ofereço a você a oportunidade de refletir sobre como
esse desenvolvimento histórico tem seu impacto hoje na forma de agir e pensar
do homem do século XXI.

Introdução
16 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
DEFINIÇÃO DE PSICOLOGIA

Pode-se dizer que a história da psicologia é quase tão antiga quanto a história da
humanidade, ou melhor, a história da ciência. Tal como aconteceu com muitas
ciências contemporâneas, foi na Grécia Antiga, e atrelada à filosofia, que nas-
cem os primeiros intentos de se fazer psicologia.
A própria palavra Psicologia vem do grego, que é a união de dois termos:
Psiché, que significa alma, e Logos, que significa estudo. A psicologia surge como
o intento de se compreender a alma humana e por isso está originalmente atre-
lada à filosofia e à teologia (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Desde o princípio da história, o homem tem se preocupado em conhecer e
compreender a si mesmo. Sócrates, filósofo grego, disse uma frase há 400 anos
antes de Cristo: “Conhece-te a ti mesmo”. Existem escritos an­teriores a Sócrates
que já revelam tal preocupação. A Bíblia é um livro que contém muitas narra-
tivas na qual se colocam questões de caráter psico­lógico, como, por exemplo, o
livro de Jó e os Salmos.

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


17

Apesar da preocupação em conhecer e compreender os aspectos psíquicos


da vida do homem ser muito antiga, a Psicologia como ciência tem se de­sen-
volvido mais intensamente nos últimos 100 anos. Por esta razão, dividiremos a
história da Psicologia em três etapas: a etapa empírica, a etapa pré-científica
e a etapa científica.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A ETAPA EMPÍRICA E SUA CONEXÃO COM A


FILOSOFIA GREGA

A Etapa Empírica começa na Grécia Antiga e se estende até o final da Idade Média.
Os conhecimentos desta época são desordenados e baseados em experiências
pessoais ou observações do mundo ao redor, que era dividido em um mundo
material e uma realidade não material – a esta última categoria pertencia a alma!

A Etapa Empírica e sua Conexão com a Filosofia Grega


18 UNIDADE I

Esse conceito de “alma” na Grécia Antiga era bastante diferente dos concei-
tos teológicos modernos que se referem a esse termo. Por exemplo: falava-se em
“alma das plantas” e “alma dos animais” – sem a conotação “religiosa” do termo.
Desta época vem um dos primeiros intentos de explicar as formas diferentes
de comportamento entre as pessoas. Hipócrates viveu na Grécia entre 460 e 370
a.C., é considerado o “Pai da Medicina” (RIBEIRO Jr., 2003). Para ele “O tempe-
ramento dependia do equilíbrio de quatro humores básicos no corpo. O acúmulo
de algum dos elementos dos humores resultava no predomínio de determinado
temperamento” (TEIXEIRA; HASHIMOTO, 2015, on-line).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Assim, em virtude do limitado conhecimento de anatomia, Hipócrates acre-
ditava que em nosso organismo existiam quatro “líquidos” (ou humores) básicos:
o sangue, a fleuma, a bílis amarela (ou cólera) e a bílis negra (ou melanina),
que tinham características diferentes. A saber: o sangue seria quente e úmido;
a fleuma, fria e úmida; a bílis amarela, quente e seca; e a bílis negra, fria e seca.
O predomínio de um destes humores no organismo determinaria o comporta-
mento da pessoa: sanguíneo, fleumático, colérico ou melancólico.
Embora a teoria dos temperamentos de Hipócrates tenha prevalecido como
explicação do comportamento por toda a Antiguidade e boa parte da Idade
Média, com o conhecimento científico atual, esta explicação tornou-se obso-
leta. Segundo Fernandes (2015, on-line),
é uma teoria que hoje poderia receber o adjetivo de “holística”. O ho-
mem é estudado como um microcosmo, com a mesma constituição e é
regido por leis semelhantes ao do universo do qual faz parte. Estabelece
um paralelo entre a constituição e funcionamento do corpo humano
com a natureza ao redor e procura entender os fenômenos de forma
integrada e universal. Os filósofos da escola pitagórica concebiam o
mundo formado por quatro elementos: terra, ar, fogo e água, dotados
de quatro qualidades, opostas aos pares: quente e frio, seco e úmido. A
transposição da composição quaternária do mundo para a fisiologia
originou a teoria humoral. (...) Tamanha era a tendência à universali-
zação, que havia correlação também entre as quatro fases da vida e as
quatro estações do ano.

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


19

Essas correspondências podem ser visualizadas no quadro a seguir:

Quadro 1 - Temperamentos e sua correspondência com os elementos da natureza

ELEMENTOS QUALIDADES HUMORES IDADES ESTAÇÕES TEMPERAMENTOS

Ar Quente e Úmido Sangue Infância Primavera Sanguíneo

Fogo Quente e Seco Bile amarela Juventude Verão Biloso/Colérico


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Terra Fria e Seca Bile Negra Maturidade Outono Melancólico

Água Fria e Úmida Fleuma Velhice Inverno Fleumãtico

Fonte: Fernandes (2015, on-line).

Com certeza, muitos devem conhecer um livro do final do século XX intitulado


“Temperamento Controlado pelo Espírito” (LAHAYE, 1974), que utilizou a teoria
de Hipócrates para identificar personagens bíblicos e que influencia até hoje no
aconselhamento pastoral de muitos sacerdotes. Entretanto, a teoria que baseia o
livro de LaHaye já foi desacreditada nos meios científicos há séculos (mesmo por-
que faz parte da etapa empírica da psicologia), mas, por desconhecimento, muitos
acreditam que a ideia que somos governados por temperamentos é verdadeira.

Compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se au-


toexaminar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais
devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre
seres humanos.
(Edgar Morin)

A Etapa Empírica e sua Conexão com a Filosofia Grega


20 UNIDADE I

Na Idade Média, falava-se bastante de “alma”, porém com uma conotação bem
distinta da utilizada pelos filósofos gregos. Nessa época, destacam-se os traba-
lhos de Agostinho (354-430 d.C.), que utilizou muito a introspecção para indagar
a vida interior e expressá-la em palavras. Assim, a chamada Psicologia, nessa
época, é apenas um departamento da Filoso­fia e da Teologia.
A ênfase de Agostinho é na memória como atividade psíquica. Ele se
indaga sobre os vestígios que as imagens deixam na alma. Explicita as
bases da introspecção, do exame de consciência. Faz uma versão da
trilogia de Cícero, propondo a tríade: memória, vontade e inteligência
(SMOLKA, 2000, p. 181).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Podemos dizer que, ao terminar a Idade Média, conclui-se também a etapa empí-
rica da Psicologia e, a partir do Renascimento, surge a inquietude por encontrar
causas racionais dos fenômenos. Começam a se desenvolver os métodos cientí-
ficos. Entramos na etapa pré-científica da Psicologia.

No Brasil, a psicologia aparecia, nesta época, em obras de outras áreas, tais


como a teologia, a moral, a arquitetura, a medicina, a política e até mesmo a
arquitetura. Os autores são na maioria brasileiros ou portugueses que vive-
ram a maior parte de suas vidas no Brasil e, em geral, têm formação jesuítica,
cursaram universidade na Europa (a maior parte em Coimbra) e exerciam a
vida religiosa (jesuítas). Nessas obras, os temas predominantes são sobre
emoções, sentidos, autoconhecimento, educação de crianças e jovens, ca-
racterísticas do sexo feminino, trabalho, adaptação ao ambiente, processos
psicológicos, diferenças raciais, aculturação e técnicas de persuasão de “sel-
vagens”, controle político e aplicação do conhecimento psicológico à prática
médica.
Fonte: Antunes (2014).

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


21
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A ETAPA PRÉ-CIENTÍFICA E SUAS PRINCIPAIS


TEORIAS

A Etapa Pré-científica é assim denominada, pois nela suspeita-se da possibili-


dade de observar objetivamente e medir os fenômenos psíquicos. Nesta etapa,
se iniciam os intentos de explicar estes fenômenos de forma racional e de siste-
matizar os conhecimentos psicológicos. O interesse dos pesquisadores nesta área
foi gradativamente da alma para o novo conceito que surgia: a mente. Passaram
a se perguntar no que consistiam os processos mentais em invés de especular
sobre as funções da alma.
Chegou-se a falar em uma “Psicologia sem alma”, contudo isto não negava
nem afirmava a existência da alma, mas sustentava que o estudo da mesma estava
fora do campo da Psicologia e devia ser estudada pela Filosofia e Metafísica.
Nesta etapa surgem duas teorias que se propõem a estudar o funcionamento
da mente humana: a Teoria das Associações e a Teoria das Faculdades.

A Etapa Pré-Científica e suas Principais Teorias


22 UNIDADE I

TEORIA DAS ASSOCIAÇÕES

Em 1651, Hobbes antecipa algumas ideias a respeito da Teoria das Associações,


afirmando que elas provêm de experiências sensoriais. Podemos afirmar que a
teoria associacionista é precursora do comportamentalismo ou behaviorismo.
O termo Associacionismo origina-se da concepção de que a aprendizagem se
dá por um processo de associação de ideias.
Essa teoria procurava explicar a atividade mental como o produto da associa-
ção (união) de elementos psíquicos simples que formavam fenômenos psíquicos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mais complexos. Considerava-se que a vida mental (ou consciência) era uma
espécie de quebra-cabeças ou mosaico de elementos simples que entram pelos
sentidos e que estão unidos de forma rígida e mecânica. As características indi-
viduais são determinadas por fatores externos ao indivíduo. Nesta abordagem,
desenvolvimento e aprendizagem se confundem e ocorrem simultaneamente
(MORA, 1994).

TEORIA DAS FACULDADES

Atribui-se à Franz Joseph Gall a Teoria das Faculdades. Segundo Sabbatini (1997,
on-line),
gall estudou medicina em Viena, e se tornou um renomado neuroana-
tomista e fisiologista. Ele foi pioneiro no estudo da localização das fun-
ções mentais no cérebro. Por volta de 1800, ele desenvolveu a “cranios-
copia”, um método para adivinhar a personalidade e desenvolvimentos
das faculdades mentais e morais com base na forma externa do crânio.
Cranioscopia (cranium = crânio, scopos = visão) foi posteriormente re-
nomeada como frenologia (phrenos = mente, logos = estudo) por seus
seguidores.

Essa teoria sustentava que a mente estava dividida em compartimentos ou seções


e que cada uma destas teria uma função definida. Supunha-se que as principais
faculdades da mente eram: o pensamento, o sentimento e a vontade. Essas três
principais faculdades logo foram divididas em sub-faculdades. Alguns,

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


23

inclusive, chegaram a crer que era possível encontrar no cérebro o lugar preciso
dos centros destas faculdades. Posteriormente, alguns cientistas ficaram muito
insatisfeitos com esta teoria, pois a mesma não explicava nada a respeito da ati-
vidade mental, se limitando apenas a fazer uma mera classificação da mente.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Existe uma ideia corrente nos meios cristãos de que a mente do homem ain-
da funciona como propunha Gall, em compartimentos (ou caixinhas), sendo
a principal delas a “caixinha do nada”, na qual o homem se retira quando está
com problemas. Entendendo a Teoria das Faculdades, você acredita que ain-
da é possível sustentar essa ideia?

Pesquisadores insatisfeitos com estas duas teorias despertaram para a ideia de


não somente observar, explicar racionalmente e sistematizar os fenômenos psí-
quicos, mas também os medir por meio de instrumentos e fazer experiências
em laboratórios. É quando surge, na história da Psicologia, a época científica.

A Etapa Pré-Científica e suas Principais Teorias


24 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A ETAPA CIENTÍFICA E AS PRIMEIRAS ESCOLAS

A etapa científica na psicologia é resultado da busca de afastar cada vez mais a


psicologia da filosofia e da metafísica para torná-la uma ciência autônoma, com
seus parâmetros validados pelo mundo científico.
Isso vem no rastro de todo o movimento Iluminista, que proclamava a razão
como a única forma de acesso à verdade. As propostas de Descartes (“penso, logo
existo”) e seus seguidores tiveram, na física mecânica de Newton, o elemento
validador da objetividade na ciência. “De fato, Descartes parece ter sido a influ-
ência crucial para que Newton se voltasse para a filosofia mecânica” (BARBATTI,
1997, p. 2).
Newton, por meio das fórmulas da sua física mecânica, passa a descrever
a realidade em termos numéricos e racionais, não necessitando de explicações
subjetivas para o funcionamento do universo, transformando em leis da física,
o que anteriormente eram fenômenos atribuídos à metafísica. De certa forma,
é a partir da física mecânica de Newton que acontece a definitiva separação da

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


25

ciência e religião, pois com as fórmulas matemáticas de Newton não era neces-
sária nenhuma outra explicação de cunho sobrenatural para os fenômenos da
realidade.
O “mundo cartesiano” é concebido sempre como algo eterno e bem ordenado,
sendo regido por leis simples e imutáveis, o que leva o pesquisador a conside-
rá-lo cognoscível, desde que abordado de forma racional. Assim, a eleição das
situações estáveis tem sido o caminho do desenvolvimento e do “progresso”
científico, sempre com o objetivo de encontrar um princípio explicativo deco-
dificador da realidade. Estas situações estáveis seriam, então, fragmentadas em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

múltiplas partes para serem objetos de análise – termo utilizado por Descartes
(1970) como oposição à síntese.
No sentido cartesiano, conhecer implicava necessariamente uma etapa
inicial de fragmentação (para ser mais claro de destruição) da coisa a
ser transformada em objeto de conhecimento. Este seria o preço mí-
nimo que se deveria pagar para ascender ao conhecimento racional.
Então o princípio da parcimônia, no sentido da simplificação reducio-
nista, validaria os modelos explicativos do novo modo de produção de
conhecimento – pois o conhecer reduzia o agora objeto aos seus com-
ponentes elementares (ALMEIDA FILHO, 2005, p. 32).

Assim, este mundo passa a ser “dominado” e descrito por um observador externo
a ele e que não pertence ou está inserido no mesmo, o qual tem uma visão abran-
gente e capaz de discernir – a partir de sua objetividade – o que é real e o que é
ilusório, ou seja, o que faz parte da realidade objetiva externa e o que faz parte
da realidade subjetiva interna. Desta forma, o caráter de ‘cientificidade’ é direta-
mente proporcional à eliminação do observador. Contudo, o modelo ideal que
uma ciência “objetiva” comporta é aquele no qual só se podem variar os fatores
um de cada vez, ou seja, os sistemas intrinsecamente simples, evitando os siste-
mas complexos, os quais não permitem a variação de apenas um fator de cada vez.
Para atingir seus objetivos últimos de modificação da natureza, de do-
minação de um mundo que seja manejável, a ciência depende da com-
preensão da realidade dessa natureza – distinta do próprio cientista –,
compreensão tornada possível pela descoberta dos princípios explicati-
vos ou leis naturais (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 37).

A Etapa Científica e as Primeiras Escolas


26 UNIDADE I

Pesquisadores no campo da Psicologia, como muitos pesquisadores nas demais


áreas das ciências, procuraram utilizar o paradigma cartesiano para a formula-
ção de seus postulados.
Um destes pesquisadores chamava-se Wilhelm Wundt, que trabalhava na
Universidade de Leipzig, na Alemanha. Em 1879, ele funda o primeiro labora-
tório de pesquisas em psicologia, que recebe o nome de Psychologische Institut.
Segundo Mazin (2016, on-line):
[...] após já instalado em Leipzig, Wundt monta um laboratório de psi-
cologia experimental e lança a revista Philosophical Studies, sendo essa

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma publicação oficial do seu novo laboratório e da “nova ciência”. É
importante destacar que esse não foi o primeiro laboratório de psicolo-
gia experimental, tão pouco Wundt foi o precursor desses estudos. Ele
já havia instalado um laboratório para conduzir seus estudos iniciais
em Heidelberg antes de se mudar para Leipzig e, em relação aos estudos
da nova psicologia, foi Fechner com sua obra sobre a psicofísica que ini-
ciou os estudos em psicologia experimental, da qual Wundt teve conta-
to. Porém, Wundt é tido como pai da psicologia moderna pelo fato de
ter sido o promotor dessa nova psicologia. Foi ele quem a transformou
em disciplina formal acadêmica e, por isso, merece todo o mérito.

Wundt estabelece métodos e uma teoria para embasar suas pesquisas, além de
transformar seu laboratório em um centro internacional de formação de psicó-
logos. Por esta razão, ele é considerado o “Pai da Psicologia Moderna”.
Para Wundt, não era possível estudar os fenômenos mentais mais profundos,
tais como o pensamento, somente por meio da introspecção porque, segundo
Wundt, “a mente não pode voltar-se sobre si mesma e estudar aquilo de que ela
mesma é produto” (MOURA, 2008, on-line). Desta forma, ele desenvolve méto-
dos para estudar os processos sensoriais básicos em laboratório. No começo, ele
fez isso estudando o tempo de reação – sistematicamente mudando os estímu-
los que ele apresentava aos participantes e medindo quanto tempo eles levavam
para responder –, inferindo que, se fosse necessário mais tempo para respon-
der, mais processos mentais deveriam estar envolvidos.
Infelizmente, o trabalho de Wundt não teve uma continuidade e, apesar de
ser considerado o pai da psicologia moderna, sua influência sobre a psicologia
do século XX foi mínima.

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


27

A psicologia do século XX não foi wundtiana em suas feições gerais


simplesmente porque o projeto psicológico de Wundt não foi levado
adiante e tomado como base para futuras investigações, mas sim mu-
tilado e adaptado a interesses específicos bem diversos de cada um
dos seus estudantes. Ele não deixou discípulos e nem chegou a fundar
uma escola de psicologia propriamente dita. Em outras palavras, o
sistema de Wundt como um todo não foi nem discutido nem refuta-
do pelos psicólogos do século XX, mas simplesmente abandonado e
esquecido (ARAUJO, 2009, p. 14).

Por outro lado, a observação e a experimentação estimularam o desenvolvi-


mento de várias escolas de Psicologia, sendo que muitas delas tiveram pontos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de vista distintos e até contraditórios. Estas contradições serviram para o


aprofundamento dos estudos e para ir corrigindo os erros. As principais esco-
las que surgem neste período são: O Estruturalismo; O Funcionalismo; O
Conducionismo; O Gestaltismo e a Psicanálise.

O ESTRUTURALISMO

O Estruturalismo sustentava que o principal papel do psicólogo era explorar a


estrutura da consciência e de formular as leis e os princípios de sua formação.
Preocupava-se em elaborar uma ciência “pura”, sem interessar-se pelas aplica-
ções práticas. Procuravam responder as perguntas: o que é a consciência e a
mente humana? Como estão estruturadas? Quais são suas leis? Os estruturalis-
tas procuravam os elementos mentais nos quais eles esperavam analisar todos
os conteúdos mentais (LEONARDI, 2011).
Puseram ênfase no estudo das sensações como o ponto de partida de seus
experimentos. O método que mais usaram foi a introspecção. Treinavam uma
pessoa para descrever o mais objetivamente possível o que ela experimentava
em conexão com certo estímulo. Esperava-se que, desta maneira, o conteúdo
mental de uma experiência poderia ser reconstruído a partir das sensações
elementares.

A Etapa Científica e as Primeiras Escolas


28 UNIDADE I

Muitos teóricos consideram Wundt como o criador do Estruturalismo, porém


foi um de seus discípulos, Titchener, quem realmente enfatiza a questão dos ele-
mentos estruturais para o estudo da psicologia. Contudo, como ele traduziu as
obras de Wundt para o inglês, ao divulgar suas ideias e reconhecer a influência
da Wundt sobre sua obra, muitos historiadores da psicologia atribuíram a este
último as teorias do estruturalismo.
A teorização acerca dos elementos da experiência consciente imediata
levou à visão distorcida de que Wundt seria o fundador da escola estrutu-
ralista. Tal concepção foi perpetuada por E. B. Titchener que, ao traduzir

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
textos de Wundt para o inglês, alterou o sistema deste para fazê-lo compa-
tível ao seu. Na verdade, os sistemas de Wundt e de Titchener são diferen-
tes, sendo a designação estruturalista apropriada apenas para a Psicologia
do último (para uma análise comparativa entre os sistemas de Wundt e
de Titchener, ver Leahy, 1981). A distorção no sistema Wundtiano foi
propagada por E. G. Boring, aluno de Titchener, que escreveu o livro A
History of Experimental Psychology (Boring, 1950), a principal referência
na formação de várias gerações de psicólogos (LEONARDI, 2011, p. 6).

O FUNCIONALISMO

Por sua vez, o Funcionalismo surge nos Estados Unidos, logo após à chegada do
Estruturalismo. Alguns psicólogos começaram a questionar se a Psicologia devia
restringir-se aos laboratórios ou deveria ser aplicada para a satisfação das múlti-
plas necessidades humanas. Ao invés de perguntarem: “o que é a consciência?”
ou “o que são os estados mentais?” como faziam os estruturalistas, os funciona-
listas perguntavam: “Para que serve a consciência?” ou “Para que são os estados
mentais?” “Qual é seu propósito ou função?”
Utilizaram não só a introspecção, mas também a observação da conduta
como método de trabalho. O ponto central do funcionalismo americano foi a
proposição de que a psicologia não tem como objetivo primário a descoberta
dos elementos da experiência, como postulava o Estruturalismo, mas a adapta-
ção dos seres humanos ao seu meio. Afirmava que a função da nossa consciência
é guiar-nos aos fins necessários para a sobrevivência. A consciência é vital para
as necessidades das pessoas em um ambiente complexo (BARRETO, 2008).

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


29

Dois nomes de destaque fazem parte desta escola: William James, que escre-
veu uma das obras clássicas sobre o estruturalismo e desenvolveu a Psicologia
da Religião, e John Dewey, que influenciou de forma decisiva nos sistema edu-
cacional norte-americano.
James sustentava que o significado das ideias está no plano das consequências
e se não houver efeitos, as ideias não têm sentido. Com isso, ele fazia uma crítica
a toda a metafísica, pois, para ele, seus postulados não podiam ser comprovados.
Ele questiona a existência de Deus, a imortalidade da alma, o livre-arbítrio e os
valores éticos. Escreveu dois livros importantes sobre o assunto: “A imortalidade
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

humana” (1898) e “As variedades da experiência religiosa” (1902).


Estas escolas que deram início à etapa científica da psicologia já delinea-
vam o comportamento da evolução desta ciência nas décadas seguintes e até os
dias de hoje. Teorias sobre o comportamento humano se opõem e até disputam
a primazia sobre quem melhor consegue descrever esse complexo ser que cha-
mamos de “humano”.
O fato de que o projeto de James tenha firmado as bases do funcionalis-
mo psicológico e preparado, desse modo, o caminho para o desenvol-
vimento posterior do behaviorismo, não foi, contudo, suficiente para
conferir unidade à psicologia. O século XX assistiu a uma proliferação
de tradições de pensamento psicológico em outras regiões do planeta,
como, por exemplo, a psicologia da Gestalt, o construtivismo, a psico-
logia sócio histórica, as diversas tradições de psicologia social, a psi-
cologia cognitiva contemporânea, a psicologia narrativa, a psicologia
pós-moderna, a psicologia chinesa (ABIB, 2009, p. 205).

As escolas de psicologia que se estruturaram a partir de então tiveram, como


citado, a base do pensamento cartesiano, entendido como a forma “correta” de
se fazer ciência. O pensamento cartesiano apoia-se na ideia de causalidade, ou
seja, para todo efeito há uma causa. Assim, a psicologia busca também se cons-
truir sobre esse modelo, mesmo as escolas que parecem ser mais antagônicas
– como o behaviorismo e a psicanálise, por exemplo – têm em sua estrutura o
modelo causal linear.

A Etapa Científica e as Primeiras Escolas


30 UNIDADE I

O paradigma da modernidade vem se revelando insuficiente devido à com-


partimentação do conhecimento. No estudo do ser humano, o homem é
estudado no departamento de biologia, como um ser anatômico, fisiológico
e também é estudado nos diversos departamentos das ciências humanas
e sociais. Estuda-se o cérebro como órgão biológico e estuda-se o espírito
como função ou realidade psicológica. Cada qual com um quadro conceitu-
al específico e diferenciado. A simples soma desses estudos especializados
não nos diz o que é homem. O homem não é simplesmente a soma das
partes estudadas pelas disciplinas singulares. Na relação das partes com o
todo, a articulação é que faz a diferença.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Santos (2005).

Sobre as escolas de psicologia que criaram um impacto no pensamento do século


XX e XXI, pretende-se discorrer na próxima unidade e, especialmente na unidade
V, discorrer sobre uma nova forma de pensar a realidade, que não se enquadra
no modelo linear de causa-efeito, que é o modelo sistêmico.

A DIVISÃO DA
PSICOLOGIA
MODERNA

Entretanto, antes disso, quero


convidar você a uma reflexão
sobre como podemos classificar
hoje as correntes da psicologia
moderna. Primeiramente, você
pode estar perguntando: Porque
a Psicologia é tão fragmentada
em tantas escolas se, como ciên-
cia, tem que basear-se em fatos
objetivos?

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


31

A resposta é pelo simples fato de que a interpretação dos fatos depende do


ponto de vista de cada psicólogo. O trabalho do psicólogo está influenciado e até
determinado por sua própria concepção do mundo, por sua maneira de abordar
a vida, pelo marco de referência conceitual que usa, enfim, por sua cosmovisão.
Desta forma, é preciso reconhecer que na construção da psicologia enquanto
ciência, não é possível uma neutralidade absoluta – como querem postular alguns
–, pois antes devemos entender que tal neutralidade é um mito dentro da ciên-
cia (JAPIASSU, 1975).
De uma forma geral, podemos afirmar que os pesquisadores em psicologia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

seguem duas cosmovisões firmadas em filosofias bem definidas e opostas entre


si: os idealistas e os materialistas. “De um lado estão os filósofos idealistas, que
partem do pressuposto de que o pensamento precede a matéria. De outro lado
estão os materialistas, que entendem que a matéria é anterior a todo pensamento”
(TEIXEIRA, 2005, p. 23).
A discussão que está no centro de toda a problemática dos pressupostos
que orientam a construção do saber psicológico é exatamente o problema filo-
sófico entre a realidade material e o pensamento. Assim, para se construir uma
ciência psicológica todo o pesquisador tem apoio em um fundamento filosófico.
As ideologias materialistas predominaram na formação das primeiras escolas
de psicologia fortemente influenciadas pelas teorias de Darwin, contemporâ-
neas à formação destas escolas. Posteriormente, os pesquisadores desenvolveram
outros pressupostos e surgem novas formas de abordagem, que seriam classifi-
cadas como humanistas e, mais recentemente, a abordagem relacional lança um
olhar sobre a importância dos relacionamentos na construção da subjetividade.
Podemos dizer que existem quatro principais grupos psicológicos: os mecani-
cistas, os vitalistas, os humanistas e os relacionais.

OS MECANICISTAS

Esse grupo de pesquisadores afirma que a vida psíquica é um refinamento da


matéria. Logo, eles sustentam que todo fenômeno psíquico não é mais que rea-
ções químicas, elétricas, físicas e mecânicas do organismo. Estes psicólogos creem
que todo acontecimento está determinado por sua causa e que os fatos se ligam

A Divisão da Psicologia Moderna


32 UNIDADE I

uns aos outros como os anéis de uma corrente. Dessa forma, se conhecermos
todos os fatores de uma dada situação em um determinado momento, podere-
mos prever os resultados.
A psicologia a qual eu tentaria construir tomaria como um ponto de
partida, primeiro, o fato observável de que organismos, seres humanos
e animais, igualmente, de fato, se ajustam ao seu meio ambiente através
de equipamentos de hábitos e hereditários. Estes ajustamentos podem
ser muito adequados ou tão inadequados que o organismo malmente
mantém sua existência; segundo, que certos estímulos levam os orga-
nismos a gerar as respostas. Em um sistema de psicologia completa-

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mente elaborado, dada a resposta o estímulo pode ser previsto; dado o
estímulo a resposta pode ser prevista (WATSON, 2008, p. 294).

Um dos principais expoentes desse grupo de psicólogos foi John Watson, que dizia
que se ele tivesse um grupo de crianças bem formadas e saudáveis para um experi-
mento, ele seria capaz de fazer com que cada uma dessas crianças, aleatoriamente,
e independente de seus antepassados, raça, talentos ou habilidades, se tornasse
um médico, um advogado, um artista ou até mesmo um mendigo ou um ladrão.
Watson sustentava que o homem é um mecanismo que pode ser manejado
como se queira, bastando se descobrirem os elementos simples de sua conduta
e condicioná-los, pois esta depende de causas materiais.

OS VITALISTAS

Os pesquisadores vitalistas propõem uma concepção anímica da vida. Ao contrário


dos mecanicistas, tais psicólogos creem que os fenômenos físicos (ou da matéria)
podem ser previstos com exatidão, mas os denominados fenômenos vitais não
têm essa previsibilidade. Sustentam que a vida participa de uma natureza única
e que possui uma ‘força vital’ (élan vital) que a anima, com propriedades dis-
tintas às que atuam na matéria. Essa força vital é, muitas vezes, traduzida como
‘alma’, especialmente dentro da linguagem religiosa (BARBA, 2010).
Segundo essa escola de pensamento, o comportamento dos seres vivos não pode
ser inteiramente explicado sem que essa força vital seja considerada. Assim,
enquanto as forças materiais estão determinadas somente por suas causas, as
forças vivas ou orgânicas obedecem não somente a causas, mas também a fins.

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


33

Este grupo de psicólogos sustenta que este princípio de finalidade é uma pro-
priedade adicional que tem a vida, a qual foge à medida e à previsão, de forma que
para uma mesma circunstância podem corresponder diferentes modos de con-
duta. Este princípio de finalidade passa a ser um fator “X” e transforma-se em um
incômodo para as ciências exatas, pois lança por terra os cálculos experimentais.
Entretanto, não é possível negá-lo, pois é parte integrante da vida (BARBA, 2010).
Linhas de trabalho da psicologia clínica moderna estão estruturadas sobre
essa escola de pensamento, dentre as quais podemos citar duas das mais relevan-
tes que são a terapia ‘reichiana’ (de Wilhelm Reich) e a terapia bioenergética (de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Alexander Lowen), que partem do princípio que a estimulação do corpo (por


meio de massagens, exercícios etc.) podem produzir resultados de uma melhora
na psique, haja vista que são forças vitais integradas. Terapeutas de ambas as
linhas ocupam-se principalmente em liberar as energias sexuais, que para eles
são as forças vitais mais significativas.

OS HUMANISTAS

Os psicólogos humanistas sustentam que não existem somente diferenças entre


a matéria e a vida, mas também que existem profundas diferenças entre a vida
humana e o restante da vida animal. Para esse grupo de pensadores, a vida humana
apresenta características próprias, que não podem ser colocadas ao mesmo nível
que as da vida animada em geral.
Essa diferença, segundo tais pesquisadores, se dá porque além da catego-
ria de causalidade (sustentada pelos mecanicistas) e da categoria de finalidade
(sustentada pelos vitalistas), existe na vida humana a categoria dos VALORES,
ou seja, o homem não somente está “empurrado” por causas (como seus instin-
tos e necessidades) e “guiado” por fins (como viver de acordo com as normas
sociais), antes e sobretudo, está orientado por valores (ARAUJO; FREIRE, 2014).
Para os humanistas, o ser humano é o único ser na natureza que se pergunta
para que vive; qual o propósito de sua vida; qual o sentido de sua existência.
Desta forma, segundo essa linha de pensamento, o homem torna-se plenamente
humano somente quando chega a ser conscientemente responsável, em outras
palavras, quando descobre o propósito de sua vida.

A Divisão da Psicologia Moderna


34 UNIDADE I

Nas palavras de Amatuzzi (1989, p. 89):


Sob esse enfoque, o ser humano nos aparece não como resultante de uma
série de coisas, mas como, fundamentalmente, o iniciante de uma série de
coisas, e os desafios daquilo que ele deve criar não são respondíveis com ex-
plicações daquele tipo. O homem só aparece naquilo que ele tem de mais
próprio, na questão do sentido, não na questão da causa explicativa. A relação
explicativa se refere ao homem como resultado, como repertório, ou como re-
cebido, e, portanto, em definitivo, ao homem como passado. Não se refere ao
homem atual, ao homem desafiado, ao homem tendo que responder e posi-
cionar-se, ao homem presente (face a um futuro). Este homem atual, presente,
desafiado, interpelado, em movimento, é o que se encontra face às questões

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de sentido: estas são as questões presentes, que surpreendem o homem como
existente (não apenas como natureza, como diria Merleau-Ponty).

OS RELACIONAIS

Finalmente, os psicólogos relacionais acreditam que o homem é orientado por


valores, como postulam os seguidores do pensamento humanista, mas, além disso,
também são constituídos pelos relacionamentos que desenvolvem ao longo da vida.
Para estes pensadores, o entendimento da realidade acontece de forma global e sis-
têmica, sendo os relacionamentos mais próximos (família ou casamento, por exemplo)
os principais responsáveis na construção de determinadas condutas e comporta-
mentos das pessoas – a conduta é uma complexa resposta às interações relacionais.
O ser humano é compreendido como um sistema cujos componentes e suas
relações formam a estrutura. Este sistema é dinâmico e sua estrutura está em
contínua mudança de uma maneira determinada em cada instante nela mes-
ma. Ao mesmo tempo, o curso que segue esta contínua mudança estrutural
é modulado pelas interações do organismo de uma maneira que tem a ver
com a natureza estrutural destas interações (GALERA; LUIS, 2002, p. 142).

Estudaremos detalhadamente os psicólogos relacionais na Unidade V deste livro.

Das quatro formas (mecanicistas, vitalistas, humanistas e relacionais) que as


correntes de psicologia entendem a pessoa humana, qual você julga a mais
adequada para o trabalho pastoral?

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


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OS RAMOS DA PSICOLOGIA MODERNA

Um equívoco muito comum entre as pessoas leigas é acreditar que toda a ativi-
dade da psicologia limita-se ao trabalho clínico em consultórios psicológicos.
A verdade é que a psicologia hoje está dispersa por muitos campos de atividade
e quero apresentar a você alguns destes principais ramos ou o trabalho que rea-
lizam os psicólogos.
Efetivamente uma descrição completa de todos os campos de atuação dos
psicólogos é praticamente impossível, pois a diversidade de atividades dos profis-
sionais desta área é muito grande. Descreverei, a seguir, certas categorias maiores
ou subdivisões na psicologia.

Os Ramos da Psicologia Moderna


36 UNIDADE I

A PSICOLOGIA CLÍNICA

Trata-se do ramo mais difundido e conhecido em meio à população da prática


da psicologia. Também é o campo mais extenso desta ciência, estimando-se
que, no Brasil, cerca de 50 a 60% dos psicólogos em atividade hoje trabalham
nesta área. Por ser uma área bastante extensa, ela comporta profissionais com
especialização em várias escolas de psicologia e cabe, aqui, fazer uma distinção
importante, diferenciando o que são psicólogos clínicos, o que são psicanalistas
e o que são os terapeutas familiares.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os psicólogos clínicos

Psicólogos Clínicos são profissionais que têm sua formação básica em Psicologia
– um curso reconhecido pelo MEC e com duração de cinco anos. Após a con-
clusão de seu curso, a grande maioria destes profissionais realizam um curso de
especialização em uma das várias escolas de psicologia que atuam na área clínica.
Dentre estas várias escolas de especialização em psicologia clínica, pode-
mos destacar as seguintes: Logoterapia, Terapia Centrada na Pessoa, Terapias
de Base Analítica (jungiana, lacaniana, freudiana etc.), Terapia Cognitivo
Comportamental, Psicodrama, Gestalt terapia, Analise Transacional, Terapia
Familiar Sistêmica etc.
Ainda faz parte da área da psicologia clínica a aplicação e interpretação de testes
para diagnóstico, orientação vocacional e análise da personalidade. Por fim, o psi-
cólogo clínico pode igualmente desenvolver sua atuação por meio do trabalho em
pesquisa e investigação do comportamento considerado “desviante” ou “anormal”.

Os psicanalistas

Como foi citado, um psicólogo, após a conclusão de seu curso, pode fazer uma
especialização dentro da escola psicanalítica – a teoria de personalidade e método
de tratamento estabelecido pela Psicanálise (Freud e seus seguidores – ver deta-
lhes na Unidade II). Entretanto, essa escola de psicologia tem uma particularidade
que vale ser ressaltada.

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


37
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Além de profissionais formados em psicologia, um psicanalista também pode


ter qualquer formação superior. Entretanto, para receber esta titulação, a pes-
soa deve fazer um curso em uma das Sociedades de Psicanálise reconhecidas,
submetendo-se durante o mesmo a um processo de análise pessoal e, poste-
riormente, atender pacientes sob uma supervisão credenciada denominada de
análise didática.
Trata-se de um processo longo, pois estes cursos têm duração de três a cinco
anos. Durante o período do curso, a exigência das Sociedades Psicanalíticas
formadoras é de que a pessoa se submeta a um processo de análise pessoal e, para-
lelamente a isso, mais ou menos o mesmo período do que os docentes denominam
de análise didática – na qual a pessoa em formação inicia seus atendimentos a
pacientes, mas traz os casos que estão sendo atendidos para discussão com um
supervisor (denominado de terapeuta didata) para ser avaliado (especialmente
a sua conduta diante do paciente).

Os Ramos da Psicologia Moderna


38 UNIDADE I

Os terapeutas familiares

De forma parecida com os psicanalistas, os terapeutas familiares, em sua maioria,


têm uma formação em psicologia e depois uma especialização na área de terapia
de família. Algumas exceções acontecem a esta regra, pois a Terapia Familiar, nos
Estados Unidos, oferece formação a qualquer pessoa com curso superior. Dessa
forma, alguns dos primeiros terapeutas de família no Brasil tiveram sua forma-
ção nos USA e dentre estes haviam muitos com formação em Serviço Social, que
passaram a organizar cursos de formação no Brasil para pessoas que não, neces-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sariamente, tivessem formação em psicologia.
Posteriormente, criou-se uma Associação Brasileira de Terapia Familiar, a qual
regulamentou que a formação estaria restrita a pessoas com formação nas áreas
biopsicossociais. Ressalta-se que, diferente da psicanálise, um psicólogo que tenha
formação na área de Terapia Familiar não pode ensinar as técnicas desta forma
de atuação terapêutica a pessoas que não sejam psicólogos ou médicos psiquia-
tras, pois estará violando o código de ética dos psicólogos, que proíbe o ensino
de técnicas da profissão a qualquer pessoa que não tenha as formações citadas.
O foco de atendimento dos terapeutas familiares é a família e suas inter-
-relações, sendo que temas bastantes comuns em nossos dias, como conflitos
conjugais, divórcio, famílias reconstituídas, educação de filhos, entre outros, são
o principal campo de trabalho dos terapeutas familiares.

Os psiquiatras

Um grupo que, muitas vezes, é confundido com a psicologia clínica é o dos psi-
quiatras. No Brasil, os psiquiatras têm pouca (em algumas faculdades nenhuma)
formação na área de psicologia, pois seu curso básico é o de medicina. A maioria
das faculdades de medicina no Brasil tem uma visão bastante mecanicista e orga-
nicista da pessoa humana, ou seja, acreditam que os problemas de comportamento
se reduzem ao mau funcionamento das conexões neuronais (numa antropologia
marcadamente evolucionista e positivista) (PORTOCARRERO, 2002).
A partir desta concepção, utilizam medicamentos para regularizarem alte-
rações comportamentais. Alguns raros psiquiatras, após a conclusão de sua

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


39

residência médica (que é de três anos somados aos seis anos básicos do curso
de medicina), procuram, ainda, cursos de especialização na área da psicologia
clínica e, assim, integram em sua prática tanto as técnicas psicológicas como o
uso de medicação.
Na sociedade das soluções rápidas e mágicas, a medicalização de pacientes
com dificuldades emocionais/relacionais tem crescido muito. A indústria farma-
cêutica tem seduzido os profissionais da medicina com promessas de resultados
rápidos e eficazes, porém o que se constata é que tem havido um “envenena-
mento” progressivo da população, sem diferenças significativas que se traduzam
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

na melhora dos pacientes.


Para Welch, Schwartz e Woloshin (2008), a medica­lização da vida coti-
diana, capaz de transformar sensações físicas ou psicológicas normais
(tais como insônia e tristeza) em sintomas de doenças (como distúr-
bios do sono e de­pressão), vem provocando uma verdadeira “epide-
mia” de diagnósticos. Os progressos tecnológicos, os quais permi­tem
a produção de equipamentos e testes capazes de fazer diagnósticos de
indivíduos que ainda não apresentam sinto­mas de doenças, aliados a
alterações contínuas dos valores de referência utilizados para se diag-
nosticar doenças, têm como consequência principal a transformação
de grandes contingentes de pessoas em pacientes potenciais (MEIRA,
2012, p. 136).

Agentes pastorais precisam ter um bom discernimento ao encaminharem uma


pessoa que demande cuidados profissionais mais específicos, pois, ao invés de
portadores de boas-novas de saúde, podem acabar empurrando seus aconselha-
dos para um processo de cronificação das dificuldades.
Nos últimos anos, no tratamento de pessoas perturbadas mentalmente, tem
se dado muita ênfase nas equipes multidisciplinares, as quais são, normalmente,
constituídas de: psiquiatras, que investigam os aspectos orgânicos inerentes ao
distúrbio; psicólogos, que normalmente se ocupam com os aspectos de diagnose
e psicoterapia; e assistentes sociais, que provêm informações acerca da família e
do ambiente do paciente (VASCONCELLOS, 2010).
De igual forma, profissionais conscientes têm buscado atender pessoas com
dificuldades emocionais em forma de redes multiprofissionais, com psicólogos
clínicos recorrendo a psiquiatras, quando avaliam a necessidade do paciente ser
medicado, buscando trabalhar cooperativamente com educadores e recorrendo a

Os Ramos da Psicologia Moderna


40 UNIDADE I

médicos de família e assistentes sociais – especialmente nos Programas de Saúde


da Família. Um bom conselheiro pastoral pode integrar-se a estas equipes para
dar suporte às indagações de cunho espiritual.
Nos Estados Unidos existe uma categoria intermediária entre o Psicólogo
clínico e a pessoa leiga, denominada de “Conselheiro Psicológico” (Counseling),
o qual trata com indivíduos que experimentam tensões e necessitam de algum
direcionamento externo para poder resolver com clareza sua situação. No Brasil,
a lei não permite (até o momento) o exercício desta atividade como profissão, mas
ela acaba sendo desenvolvida por religiosos e outros leigos de forma empírica ou

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mesmo com algum preparo mais específico dentro do aconselhamento pastoral.

Fica assim: dentro da psicologia clínica é comum que o psicólogo também


se submeta a fazer uma terapia pessoal, a fim de conhecer-se melhor. Você
acredita que o conselheiro pastoral também deveria aconselhar-se?

A PSICOLOGIA EXPERIMENTAL

São profissionais formados em psicologia e interessados, principalmente, nos


aspectos teóricos e abstratos da psicologia. Para isso, desenvolvem pesquisas e
procuram entender as causas fundamentais da conduta. Este ramo da psicolo-
gia utiliza muito a experimentação controlada em laboratório e experimentos
com animais.
Quando se compara a conduta de uma espécie animal com outra e se buscam
rastros no desenvolvimento dos organismos mais simples aos mais complexos,
entramos no âmbito da Psicologia Comparativa, que é uma subdivisão da psi-
cologia experimental.
Outra subdivisão da Psicologia Experimental é a Psicologia Fisiológica ou
Reflexológica, que consiste na investigação a fundo das bases biológicas da con-
duta. Esse ramo da psicologia experimental teve grande desenvolvimento na

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


41

Rússia, no início do século XX, em que se destaca o nome de Pavlov. A ideolo-


gia dominante naquela época, naquele país, buscava afirmar a não necessidade
de qualquer elemento metafísico (não biológico) para a explicação do compor-
tamento humano.
A posição oficial do Estado era a de apoio aberto aos estudos psicofi-
siológicos por não divergirem da leitura estatal da filosofia materialista.
Quaisquer divergências intelectuais eram reprimidas em debates “cien-
tíficos” meticulosamente orquestrados para demolir a posição destoan-
te. Diante dos fatos, o desdobramento mais óbvio seria aquele em que
os estudos fisiológicos, aparentemente destituídos dos jargões idealis-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tas, assumissem proeminência e grande apoio governamental (SOUZA


JÚNIOR; CIRINO, 2009, p. 133).

Temas, tais como: sensações e percepções, aprendizagem e memória, reflexos e


motivações são campo de estudo dos psicólogos experimentais.

A PSICOLOGIA INSTITUCIONAL

Até um tempo atrás, as instituições no Brasil não faziam uso da Psicologia,


porém, esta realidade mudou radicalmente nas últimas décadas. Atualmente,
existe uma grande porcentagem de psicólogos que trabalham nas indústrias e
instituições (cerca de 40% dos formados nas faculdades de psicologia brasilei-
ras) (BASTOS; GONDIM, 2010).
Os primeiros usos da psicologia institucional aconteceram nas indústrias, que
se valeram do trabalho dos profissionais para a aplicação dos testes de inteligência
e aptidões para selecionar os funcionários mais adequados aos postos de serviço
oferecidos. Hoje em dia, muitas empresas mantêm psicólogos em departamen-
tos de seleção de pessoal, de treinamento, de marketing e relações públicas etc.
No Brasil, tem crescido também o número de firmas de auditoria em
Psicologia, que prestam serviços de diagnose institucional e formas adequadas
para a melhora geral do ambiente institucional, os quais fazem recomendações
concretas quanto ao treinamento de pessoal, investigam as atitudes do consumi-
dor perante um determinado produto e até avaliam a efetividade da propaganda
da empresa (BASTOS; GONDIM, 2010).

Os Ramos da Psicologia Moderna


42 UNIDADE I

De igual forma, as instituições assistenciais mantém profissionais de psicolo-


gia para orientação geral do trabalho de seus funcionários com seu público-alvo
(crianças, idosos, mulheres, dependentes químicos, grupos marginalizados etc.).

A PSICOLOGIA SOCIAL

Todos nós pertencemos simultaneamente a diferentes grupos sociais: a famí-


lia, a classe social, a vizinhança, a igreja etc. Tais grupos afetam nossa conduta,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
contribuem no amoldamento de nossa personalidade e determinam nossas ati-
tudes a respeito de muitas coisas. Os Psicólogos Sociais dedicam-se ao estudo
dos efeitos destes grupos sobre a conduta individual. Neste sentido, tem muita
relação com a Sociologia.
A Psicologia Social tem também seu lado prático. Agências preocupadas
no tratamento do crime e da delinquência empregam estes especialistas. Outra
aplicação importante consiste no recolhimento de informação a respeito das
atitudes da comunidade frente a um determinado assunto de interesse coletivo.
Com isso, tivemos um primeiro contato com a história da psicologia, suas
primeiras escolas e os diversos campos de atuação hoje em dia. Espero que você
tenha gostado do que aprendeu até aqui e seguiremos nesta caminhada na pró-
xima unidade. Até breve!

A CIÊNCIA PSICOLÓGICA: SUA HISTÓRIA E A INTERFACE COM A TEOLOGIA


43

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Então, como você tem se sentido até aqui nesta “viagem” pelos caminhos da psico-
logia? O que você achou de revisitar as paisagens que deram origem à psicologia
e fazem parte de sua etapa empírica? O que achou de percorrer a evolução do
conceito de alma para a mente ao final da Idade Média, com as primeiras teorias
que procuravam explicar a conduta humana, até chegar ao primeiro laboratório
de psicologia científica fundado por Wundt?
Também vimos que a paisagem muda com a etapa científica da psicologia e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

suas principais escolas, com os pesquisadores divergindo na forma de conceber


a pessoa humana – influenciados pelas ideologias filosóficas. Divergências que
acabam se agrupando em quatro formas básicas de analisar a conduta humana.
Por fim, chegamos à estação dos ramos da psicologia moderna, na qual
fomos levados a entender as diferenças entre o que é um psicólogo clínico,
um psicanalista, um terapeuta familiar e um psiquiatra, bem como ampliar o
nosso olhar para contemplar a abrangência do campo de atuação do psicólogo
moderno. Também espero que você tenha conseguido ver – talvez ainda um
pouco escondido entre a paisagem – algumas matizes da aplicação pastoral de
tudo que estamos apreciando.
Essa primeira etapa de nossa viagem foi um passeio pela história e esta parada
não é o final da viagem! Temos outras paisagens a contemplar, em que vislum-
braremos alguns conceitos básicos das principais escolas da psicologia moderna
e como elas influenciaram aquilo que hoje se conhece como “Movimento de
Aconselhamento Pastoral”.
Depois, percorreremos os campos conceituais mais significativos e de maior
aplicabilidade na área pastoral, desembocando no que hoje se conhece – princi-
palmente fora do Brasil e também em nosso país – com o nome de “Psicoteologia”.
Terminando nossa jornada na metrópole ética das posturas que um agente pas-
toral deve ter no trabalho de aconselhamento e capelania.
Embora seguir viagem!

Considerações Finais
44

1. A palavra PSICOLOGIA:
a) Vem do grego e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = vida humana.
b) Vem do grego e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = alma.
c) Vem do latim e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = comportamento humano.
d) Vem do hebraico e significa LOGOS = estudo + PSICHÉ = mente.
e) Vem do grego e significa LOGOS = conhecimento + PSICHÉ = temperamento.
2. Os estudos sobre os quatro tipos de temperamento:
a) Foram desenvolvidos por Tim LaHaye e deram um grande avanço ao conhe-
cimento a respeito do comportamento humano.
b) Foram achados de Freud ao realizar os estudos sobre o inconsciente das pes-
soas.
c) Foram propostos por Hipócrates, no século IV antes de Cristo, e não têm cre-
dibilidade científica hoje nos meios científicos, embora tenha seu valor his-
tórico.
d) Deram início à etapa científica da psicologia, nos laboratórios de Wundt.
e) São uma descoberta recente no campo da psicologia.
3. A etapa pré-científica é demarcada por:
a) Se iniciarem os intentos de explicar os fenômenos psíquicos de forma racional.
b) Uma tentativa de sistematizar os conhecimentos psicológicos.
c) Suspeitar-se da possibilidade de observar objetivamente e medir os fenôme-
nos psíquicos.
d) As alternativas a b e c estão corretas.
e) Nenhuma é correta.
4. A etapa científica da psicologia começa com:
a) Wundt e seu primeiro laboratório de Psicologia.
b) Freud e seu descobrimento do inconsciente.
c) Pavlov e seus experimentos com cachorros.
d) Watson e seu experimento com ratos brancos.
e) Hipócrates e a teoria dos temperamentos.
45

5. As principais escolas que surgem na etapa científica da psicologia são:


a) Estruturalismo; Funcionalismo; Conducionismo; Gestaltismo e Humanismo.
b) Estruturalismo; Funcionalismo; Conducionismo; Humanismo e Psicanálise.
c) Estruturalismo; Funcionalismo; Humanismo; Gestaltismo e Psicanálise.
d) Estruturalismo; Funcionalismo; Conducionismo; Gestaltismo e Psicanálise.
e) Estruturalismo; Humanismo; Conducionismo; Gestaltismo e Psicanálise.
6. Os pontos de vista dos psicólogos mecanicistas, vitalistas, humanistas e relacio-
nais obedecem principalmente:
a) Às perspectivas filosóficas de cada um deles.
b) Às conclusões científicas de cada grupo.
c) Aos experimentos realizados em laboratório por cada um deles.
d) Às opiniões pessoais de cada grupo.
e) Às convicções religiosas de seus autores.
7. Os psicólogos relacionais entendem que a realidade acontece:
a) De forma mecânica e linear.
b) De forma global e sistêmica.
c) De forma aleatória e incontrolável.
d) De forma ordenada por Deus.
e) De forma predeterminada pela vida.
8. O psiquiatra diferencia-se do psicólogo clínico porque tem uma formação básica em:
a) Teorias e técnicas da escola psicanalítica.
b) Medicina e uma perspectiva organicista.
c) Psicologia social e sociologia.
d) Psicologia geral e nos aspectos teóricos da Psicologia.
e) Medicina e filosofia.
46

9. Na busca de ajuda a problemas de ordem emocional, temos quatro profissões


que tem esse objetivo. Pensando em cada uma delas, associe as colunas:

1. ( ) Tem que submeter-se a dois tipos de análise


A. Psicólogo clínico
durante sua formação.

2. ( ) Tem uma formação básica em psicologia e


B. Conselheiro psicológico depois uma especialização em uma escola de
especialização.

3. ( ) Tem sua atuação clínica voltada para o aten-


C. Psicanalista
dimento de casais e famílias.

4. ( ) No Brasil, é exercido por pessoas leigas, mas


D. Terapeuta familiar
nos USA é reconhecido como profissão.

a) A-1; B-2; C-3; D-4.


b) A-2; B-4; C-1; D-3.
c) A-1; B-2; C-4; D-3.
d) A-3; B-4; C-2; D-1.
e) A-2; B-3; C-1; D-4.
10. Os psicólogos experimentais estão especialmente interessados:
a) Na influência dos grupos sociais na conduta individual.
b) Em aplicar seus conhecimentos ao tratamento de casos que apresentam con-
dutas fora do normal.
c) Nos aspectos teóricos e abstratos da psicologia.
d) Em criar instrumentos de repressão ao crime e manifestações sociais inade-
quadas.
e) Somente em fazer experimentos com animais.
47

Prezado(a) aluno(a), na leitura a seguir você terá uma reflexão da forma que o pensamento
científico se estruturou ao longo da história e, em seguida, uma nova perspectiva de perce-
ber a questão da saúde/doença. É um texto provocativo e espero que leve a muitas reflexões!
Boa leitura!

A UNIDADE BIO-PSÍQUICA DO SER HUMANO

Desde a Antiguidade, o pensamento cien- Muito desta popularização perpetua-se até


tífico foi muito influenciado por uma visão hoje, e a afirmativa de que uma patolo-
linear de causa-efeito e uma perspectiva gia mental é “doença dos nervos” mostra a
organicista do fun­cionamento da psique mais profunda distorção que tais conceitos
humana, ou seja, para toda a atividade atingiram. Na realidade, existem raríssimas
mental, bus­cava-se um correspondente patologias relacionadas com alguma altera-
orgânico como seu agente iniciador, pois, ção nos nervos (nevralgias, certas paralisias,
sem a concreticidade da forma, tornava- falta de vitamina B etc.). As formas empre-
-se impossível admitir a cientificidade da gadas no tratamento de tais “doenças dos
descoberta. Assim, todas as patologias nervos” reforçam esta visão exclusivamente
mentais foram atribuídas a do­enças “dos “organicis­ta” do ser humano, tal como os
nervos”, remontando uma ideia de que tratamentos por eletrochoques, que visam
deveria haver um enfraque­cimento bioló- “reorganizar” o fluxo de transmissão neu-
gico, provocando os desajustes psíquicos. ronal (sinapses), distorcido por alguma
“barreira” biológica.
O Positivismo e o Iluminismo vieram refor-
çar esta posição, reafirmando as Ciências Muito deste pensamento permanece inques-
Naturais e considerando como “científico” tionável, porque ele é elaborado no meio
somente os fatos comprováveis a nível labo- médico e, uma vez que a medicina é uma das
ratorial, em que os efeitos pudessem ser ciências mais presti­giadas, visto que “salva”
mensurá­veis a partir de suas causas. Como o ser humano da morte e desafia a natu-
todo o pensamento científico, tais ideias se reza na preservação da vida. O pensamento
popularizaram e receberam distorções sig- popular então coloca todo o profissio­nal da
nificativas no processo, com as distorções medicina numa posição “messiânica” e seus
realimentando o sistema científico e che- pressupostos passam a ser inquestionáveis
gando a influenciar pensadores sérios, que (quem questionaria um messias?).
efetuaram teorias absurdas para reforçarem
seus pontos de vista. Tal foi o caso dos cien- Também se torna mais fácil lidarmos com
tistas nazistas, que afirmavam a existência o concreto que com o abstrato, em nossa
de uma raça superior (arianos), a partir de tendên­cia infantil de pensamento, ou seja,
um aperfeiçoamento biológico/genético da consigo admitir mais facilmente pa­ra mim
espécie, com a eliminação de todos os por- mesmo que tenho uma gripe, provocada
tadores de defeitos congênitos. por um vírus, que uma doença psicosso-
mática provocada por estresse.
48

Até mesmo correntes da Psicologia adul­ta - antes continua até o final da vida,
moderna tomaram como base um pensa- sendo o sujeito agente que vai trabalhar
men­to organicista de causa e efeito. Desta e intervir com o meio que o cerca, modifi-
forma, não só o conducionismo ou behavio- cando-o e sendo modificado pelo mesmo
rismo, que enquadra tudo na equação S-R numa relação dialética.
(estímulo/resposta), mas também sua mais
ferrenha opositora, a psicanálise, reduz as A determinação genética/organicista perde
possibilida­des terapêuticas a uma relação sua força, passando a ser UM dentre mui-
T-C (trauma/conduta), iniciando, então, tos outros elementos que interferem no
uma busca arqueológica ao passado, na processo formacional da conduta do ser
investigação do momento traumático (ou humano. Fala-se, então, de uma VISÃO
momentos traumáticos) formacionais das HOLÍSTICA do ser huma­no, passando-se
distorções da personalidade adul­ta. a considerar a íntima relação entre o bioló-
gico, o emo­cional, o educacional, o social,
A partir de meados do século XX (1940-50), o cultural etc como sistemas de relação
começam a surgir pensadores que ques- interagindo entre si. Não se falam mais em
tionam este modelo de CAUSA-EFEITO “doenças dos nervos” e sim em sintomas
como sendo a única verdade absoluta de de sistemas em desequilíbrio.
reflexão científica e propõem alternativas,
baseando-se na cibernética, teoria geral Não se trata apenas de uma nova teoria
das comunicações e outras descobertas psicológica, mas de uma nova in­terpreta-
científicas proporcionadas pela Segunda ção da realidade, na qual, também, pela
Guerra Mundial. primeira vez no pensamen­to “científico”,
admite-se a realidade ESPIRITUAL do ser
A primeira e talvez a mais importante humano como ele­mento essencial no pro-
destas descobertas tenha sido a forma CIR- cesso de saúde/doença mental.
CULAR no processo de desenvolvimento
da personalidade e não mais a forma linear/ Temos, então, que o homem passa a ser
organicista de até então. Significava que a visto como uma unidade integral, muito
pessoa não estava sujeita a ser paciente/ mais que a soma de vários componentes
vítima de sua formação e dos eventos trau- em associação. Não é mais um estômago
máticos do passado, mas antes que estava que está com uma úlcera, ou um neurótico
em constante interação com o meio e tor- com os nervos des­gastados, mas uma uni-
nava-se agente e senhor de sua história, por dade funcional, na qual cada fator interfere
meio do exercí­cio do livre arbítrio. sobre ou­tro e leva à hegemonia salutar ou à
patologia – unidade acima de tudo que tem
Em outras palavras, o processo de desen- valores que o destacam dos demais ani-
volvimento não se encerra na infância mais, pois é o único ser portador da IMAGO
ou adolescência – determinando a idade DEI (imagem de Deus).
Fonte: o autor.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Sistemas e teorias em psicologia


Melvin H. Marx e William A. Hillix
Editora: Cultrix
Sinopse: ao escrever este livro, seus autores tiveram por objetivo
“proporcionar fonte única, que contenha toda a informação básica
sobre a psicologia sistemática e teórica que qualquer estudante de
psicologia deve possuir”. Nesse sentido, este livro se constitui num
completo e valioso instrumento de trabalho tanto para os estudantes que cursam uma faculdade ou
instituto de psicologia quanto aos que iniciam sua pós-graduação.

Matrizes Do Pensamento Psicológico


Luis Claudio Figueiredo
Editora: Vozes
Sinopse: é uma apresentação das teorias e dos sistemas da
psicologia contemporânea articuladas numa visão de conjunto, em
que podem ser estabelecidas suas afinidades e incompatibilidades.
O texto compõe-se de 12 capítulos. O primeiro trata de como se
formou o campo específico da psicologia. No segundo, mostra-se como este espaço foi ocupado por
diferentes doutrinas: cientificistas, românticas e pós-românticas. Os demais capítulos apresentam as
matrizes do pensamento psicológico e as teorias de surgimento.

Psicologia - Das Raizes Aos Movimentos


Contemporâneos - 3ª Ed.
Berenice Carpigiani
Editora: Cengage Learning
Sinopse: esta 3ª edição revista e ampliada de “Psicologia: das
raízes aos movimentos contemporâneos” é uma obra destinada
a alunos e aos estudiosos de diferentes áreas que se interessam
pelo desenvolvimento histórico, cronológico e ideológico da
construção da Psicologia como ciência, desde seu ponto de partida na Alemanha, até sua expansão
na América do Norte. Apresenta os principais teóricos que sustentaram sua evolução, assim como
o trajeto de sua solidificação no Brasil. Oferece amplas indicações para consulta e indica caminhos
para o aprofundamento, de acordo com o interesse e a necessidade do leitor, por isso é também
recomendada a professores de diferentes níveis de ensino, como suporte norteador para o preparo e
desenvolvimento de seus planejamentos de trabalho.

Material Complementar
50
REFERÊNCIAS

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Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

II
AS ESCOLAS CLÁSSICAS DE

UNIDADE
PSICOLOGIA E SUA INFLUÊNCIA
NO MOVIMENTO DE
ACONSELHAMENTO PASTORAL

Objetivos de Aprendizagem
■■ Conhecer as principais escolas da psicologia moderna.
■■ Compreender os principais conceitos de cada ums das escolas
clássicas da psicologia.
■■ Entender como surgiu o movimento de aconselhamento pastoral.
■■ Avaliar a interferência que cada uma das escolas clássicas de
psicologia teve sobre o movimento de aconselhamento pastoral.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O ‘behaviorismo’: suas origens, pressupostos e principais conceitos.
■■ A psicanálise: Freud e seus discípulos.
■■ O Gestaltismo.
■■ A psicologia humanista.
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INTRODUÇÃO

Depois desta pausa na primeira estação para um breve descanso, sigamos nessa
viagem fascinante pelos caminhos da psicologia.
Neste trecho da viagem, veremos paisagens da América do Norte com sua
ciência obcecada por resultados imediatos, que no campo da psicologia se tra-
duziu em uma das escolas clássicas denominada de “Behaviorismo” – termo
derivado do inglês (behavior = comportamento). Essa escola importa-se basi-
camente com o condicionamento do comportamento e entende que a mente
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humana é uma tábula rasa sobre a qual vai sendo modelada a conduta.
Da América do Norte, passamos para a Europa e ali encontramos mais duas
escolas clássicas da psicologia. A mais conhecida delas é a Psicanálise, criada pelo
médico alemão Sigmund Freud, que se preocupa especialmente pelos aspectos
inconscientes que interferem no comportamento humano. Outro grupo impor-
tante dentro das escolas clássicas de psicologia é a “Gestalt”, termo derivado do
alemão (gestalt = forma), que se preocupava com a maneira como as pessoas
percebem a realidade.
Ainda neste passeio, conheceremos as escolas denominadas humanistas, que
dão ênfase na dimensão dos valores na convivência humana e sua importância
na expressão do comportamento.
Toda essa paisagem está ligada ao desenvolvimento da psicologia no século
XX. Entretanto, como o interesse maior de nossa viagem acadêmica é a relação
entre a psicologia e a teologia, nos deteremos em apreciar como estas escolas
irão, ao longo do século passado inteiro, ter profundo impacto dentro de um
movimento que emergiu no campo da teologia no século passado e que ficou
conhecido como “movimento de aconselhamento pastoral”.
Na estação final de nosso segundo trecho da viagem, nós nos depararemos
com o belo texto do psiquiatra argentino Dr. Carlos José Hernandez sobre a psi-
coterapia e a igreja, que servirá de ponto de parada e contemplação.
Então, vamos lá, suba a bordo!

Introdução
58 UNIDADE II

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O ‘BEHAVIORISMO’: SUAS ORIGENS,
PRESSUPOSTOS E PRINCIPAIS CONCEITOS

Esta escola de psicologia clássica surge nos Estados Unidos e tem como “pano
de fundo” o Funcionalismo de William James, visto que surge exatamente como
uma forma de oposição aos pressupostos dele. Seu ‘idealizador’ foi John Watson
(1878-1952), que se interessava pelo comportamento aparente da pessoa humana.
Justamente pela ênfase nesse interesse, esta escola de psicologia ficou conhecida
como Comportamental (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Watson foi influenciado pelos experimentos de um fisiologista russo cha-
mado Ivan Pavlov (1849-1936), que descobre, quase que acidentalmente - pois
seu campo de estudo não era a psicologia, e sim a fisiologia - um comportamento
animal que ficou conhecido como Reflexo Condicionado.

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IVAN PAVLOV

O experimento de Pavlov era o seguinte: ele estudava a produção de saliva em


cães, quando percebeu que, em algumas situações, a salivação estava associada
a certos estímulos externos. Passou a fazer o seguinte experimento: colocava na
boca dos cães, que estavam imobilizados, uma espécie de “carne em pó”, ao mesmo
tempo em que os cães salivavam para deglutir a carne, ele tocava uma campainha.
Observou então que, com o tempo, bastava tocar a campainha para que o animal
iniciasse a salivação, sem a necessidade da carne (SOUZA JR.; CIRINO, 2009).
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Assim, Pavlov cria uma fórmula a respeito das respostas que ele denominou de
Condicionadas: um estímulo não condicionado ou ‘incondicionado’ (SN) (carne)
provoca uma resposta “natural” ao que chamou de resposta ‘incondicionada’
(RI). Entretanto, quando a salivação acontecia associada ao som da campainha
ou a simples visão da carne, Pavlov denomina esse fato de ‘resposta condicio-
nada’ (RC) e o som da campainha de ‘estímulo condicionado’ (RC). A fórmula
pode transformar em: SN = RI, então, SN + SC = RI e logo SC = RC.

O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos


60 UNIDADE II

O experimento clássico no campo da Reflexologia pode ser descrito


da forma como se segue. Numa sala com isolamento térmico, visual e
acústico, o sujeito experimental, em geral um cão, era colocado sobre
uma mesa e preso por correias para que o conservassem numa mesma
posição durante o procedimento. De uma fístula aberta na parte infe-
rior do focinho do animal e acoplada a uma das glândulas salivares par-
tia um tubo emborrachado graduado que desembocava num recipien-
te, também graduado, fixado sobre uma mola bastante sensível. Esta,
por sua vez, possuía uma agulha que registrava o gotejamento da saliva
num quimógrafo. Na superfície do artefato a agulha registrava os mo-
mentos exatos em que havia secreção salivar e no recipiente graduado
aferia-se precisamente o seu volume. O procedimento clássico consis-

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tia, inicialmente, na apresentação de um pedaço de carne a um animal
experimentalmente ingênuo e privado de alimento. Logo em seguida,
permitia-se que o sujeito experimental o comesse. Com a repetição do
procedimento, bastava a visão do alimento para que o animal salivasse
abundantemente. Sabia-se que ao mastigar alimento qualquer mamífe-
ro secretaria bastante saliva, fato que ficou devidamente registrado no
recipiente que continha a saliva secretada no experimento. Contudo, o
reflexo salivar mediante a visão do alimento só foi obtido após algumas
repetições do procedimento. Este processo demandou uma aprendiza-
gem ou condicionamento, como Pavlov preferiu chamar o fenômeno. Se
a secreção salivar ocorrida mediante a estimulação bucal exercida pelo
alimento é um tipo de reação inata, Pavlov denominou a resposta sali-
var incondicionada. Nestas circunstâncias, o alimento na boca do ani-
mal foi chamado de estímulo incondicionado, que eliciava uma resposta
também incondicionada. Por outro lado, a salivação ocorrida após a
visão do alimento demandou aprendizagem e, portanto, foi denomina-
da resposta condicionada, eliciada por um estímulo condicionado (neste
caso, a visão do alimento) (SOUZA JR.; CIRINO, 2009, p. 143-144).

JOHN WATSON

A partir do experimento de Pavlov, Watson desenvolve o conceito de estímulo/


resposta (S-R). Para Watson, só é possível estudarmos o comportamento obser-
vável do ser humano. Com esta afirmação, ele manifestava todo seu descrédito
na psicanálise, que afirmava que a maior parte do comportamento tem origem
no inconsciente (veremos detalhadamente adiante). Na teoria comportamental, o
comportamento observável é sempre a resposta (R) da pessoa a um determinado

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estímulo (S) ambiental, de forma que, se controlarmos o estímulo, teremos uma


resposta esperada (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Um clássico experimento de Watson foi feito com um menino, cujo nome
era Albert, e gerou bastante polêmica no meio acadêmico. Juntamente com sua
assistente, Rosalie Rayner, Watson pegou um bebê “normal e saudável” e apre-
sentou ao mesmo um ratinho branco. Todas as vezes que o rato era introduzido
à presença da criança, Watson fazia soar um gongo bem alto, assustando-a e
provocando choro e medo. Repetiram isso várias vezes, até que bastava colocar
o ratinho na presença da criança e ela já demonstrava reações de medo e choro.
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Depois, Watson passou a introduzir outros animais de pelo branco (coelhos) e


observou que a reação da criança continuava a mesma. Por fim, a criança chegava
a ter a mesma reação ao ser colocado em sua presença casacos de pelo branco
(BISACCIONI; CARVALHO NETO, 2010).

Por causa deste experimento, Watson foi muito criticado nos meios acadê-
micos, porque não levou em consideração as questões éticas envolvidas e,
especialmente, porque o condicionamento do bebê (medo) nunca foi des-
feito. Recentemente (em 2009), alguns pesquisadores identificaram o refe-
rido bebê, que na realidade chamava-se Douglas Merritte e que o mesmo
morreu de hidrocefalia aos seis anos de idade. Em função desta descoberta,
todo o experimento de Watson foi colocado em cheque, pois em 2012 al-
guns investigadores apresentaram provas de que Merritte não era um bebê
“normal e saudável” como ele afirmara, dado que sofria de deficiências neu-
rológicas no momento do experimento e que os pesquisadores podem ter
conscientemente deturpado os resultados.
Fonte: Cherry (2016, on-line)6.

O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos


62 UNIDADE II

Contudo, as teorias de Watson tiveram grande influência na psicologia norte-


-americana e tornaram-se uma das escolas de maior projeção em nossos dias. É
de Watson e a famosa citação:
“Dai-me uma dúzia de crianças sadias, bem constituídas, e o espaço de
mundo que me seja necessário para educá-las, e me comprometo – a
formá-las de maneira que obtenha de cada uma delas um especialista,
um médico, um comerciante, um jurista e inclusive um vagabundo ou
ladrão, independente de seu talento, tendências, inclinações e aptidões”
(WATSON apud FULLAT, 1995, p. 355).

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SKINNER

Embora tenha Watson como seu fundador, o psicólogo que se tornou mais
conhecido dentro do Behaviorismo foi Buhrrus Frederic Skinner (1904-1990).
Skinner parte dos pressupostos de Watson sobre o condicionamento e propõe
o que ele denomina de Comportamento Operante – ou seja, o comportamento
pode ser controlado a partir das experiências positivas ou negativas decorren-
tes do mesmo (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Nesse tipo de comportamento, de forma distinta do comportamento res-
pondente de Pavlov, no qual a resposta emitida vem imediatamente após a
apresentação do estímulo (carne/salivação), as respostas que gerem alguma
consequência que aumente a probabilidade das mesmas se repetirem (reforço)
tendem a ser novamente emitidas. Um dos conceitos principais do condiciona-
mento operante é o reforço, pois este aumenta a possibilidade de ocorrência de
uma resposta em uma determinada situação.
Assim, Skinner acreditava que poderia modelar as respostas do comporta-
mento por meio do reforço. Na medida em que o comportamento fosse sendo
modelado, ele estaria sendo condicionado pela resposta, ao que Skinner denomi-
nou de Condicionamento Operante (SKINNER, 2003). Exemplificando: no caso
do condicionamento respondente, a resposta (salivação do cão) ao estímulo (cam-
painha) é fisiológica natural, que foi condicionada por um estímulo associado.
No caso do comportamento operante, um sujeito recebe um elogio (denomi-
nado reforço) por ter feito um bom trabalho e, então, passa a esforçar-se para

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fazer bem os próximos traba-


lhos para receber mais elogios.
A linha desenvolvida por
Skinner ficou conhecida como
behaviorismo radical e compre-
ende o comportamento humano
como uma interação entre os
estímulos provocados pelo
ambiente e as respostas emitidas
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pelo sujeito. Nenhum psicólogo


levou tão a sério a crença na pos-
sibilidade de controlar e moldar
o comportamento humano
como Skinner. Para ele, tudo o que somos ou como nos comportamos é resul-
tado de aprendizagens por condicionamentos.
Segundo Skinner (1969), o comportamento é uma interação entre in-
divíduo e ambiente. A unidade básica de análise do comportamento é
a contingência de três termos. A formulação das interações entre um
organismo e seu meio ambiente, para ser adequada, deve sempre espe-
cificar: 1) a ocasião na qual ocorreu a resposta, 2) a própria resposta e
3) as consequências. As relações entre estes três aspectos constituem as
contingências de reforço. Analisando-se as contingências da vida do
indivíduo, da vida da espécie, e do grupo cultural, podem-se criar con-
dições de discriminação, aprendizagem e ampliação de repertório dos
indivíduos (DELITTI, 1993, p. 41).

Para os behavioristas, a aprendizagem se dá quando existe uma associação de


um estímulo a uma resposta. Assim, o ambiente é essencialmente determinante
da conduta.
O que denominamos comportamento evoluiu como um conjunto de
funções, aprofundando o intercâmbio entre organismo e ambiente. Em
um mundo relativamente estável, o comportamento poderia ser parte do
patrimônio genético de uma espécie, assim como a digestão, a respiração
ou qualquer outra função biológica. O envolvimento com o ambiente,
contudo, impôs limitações. O comportamento funcionava apropria-
damente apenas sob condições relativamente similares àquelas sob as
quais fora selecionado. A reprodução sob uma ampla gama de condi-
ções tornou-se possível com a evolução de dois processos por meio dos

O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos


64 UNIDADE II

quais organismos individuais adquiriam comportamentos apropriados


a novos ambientes. Por meio do condicionamento respondente (pavlo-
viano), respostas previamente preparadas pela seleção natural poderiam
ficar sob o controle de novos estímulos. Por meio do condicionamento
operante, novas respostas poderiam ser fortalecidas (“reforçadas”) por
eventos que imediatamente as seguissem (SKINNER, 2007, p. 129-130).

APLICAÇÃO NA CLÍNICA TERAPÊUTICA

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Na sua aplicação clínica, o Behaviorismo desenvolveu a Terapia Comportamental
e, mais recentemente, a Terapia Cognitivo-comportamental, muito popular nas
faculdades hoje em dia. A aplicação clínica dos pressupostos do behaviorismo
inicia com o próprio Skinner em meados do século XX.
Em 1953, Skinner concentrou-se em escrever Ciência e comportamen-
to humano e aplicar os princípios do condicionamento operante à edu-
cação, à psicoterapia, e a outras iniciativas sociais amplas. A carreira
daqueles que, como Azrin, Ferster e Sidman, passaram de uma intensa
dedicação à pesquisa básica com animais, para o trabalho em hospitais
de doenças mentais, escolas para retardados, educação, psicoterapia, e
extensões teóricas dos princípios de reforçamento operante aos proble-
mas de depressão, obesidade, e da origem da doença mental, espelhou-
-se na carreira dividida de Skinner. Para cada um desses cientistas, os
resultados conseguidos com a pesquisa animal levaram à convicção de
que os métodos poderiam ser expandidos de modo efetivo e poderoso
para as preocupações com os humanos (FERSTER, 2007, p. 122).

Terapia Comportamental

A Terapia Comportamental é orientada sempre para o alívio dos sintomas que


o paciente apresenta e visa obter resultados no prazo mais curto possível. Ela
surge nos Estados Unidos, na década de 50 do século passado, e se baseia nas
teorias de Skinner sobre condicionamento operante. Na verdade, aquilo que se
conhece como Terapia Comportamental é um conjunto de abordagens orienta-
das para a modificação do comportamento, sendo este sempre entendido como a
resposta de uma pessoa em face de um estímulo de seu ambiente (NENO, 2003).

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O elemento central destas abordagens é o conceito de aprendizagem, pois os


comportamentos nada mais são que respostas aprendidas, podendo ser substitu-
ídas por outras mais adequadas. Essa aprendizagem pode assumir várias formas,
como visto, sendo o Condicionamento Clássico aquele que ocorre quando a apli-
cação se dá na modificação de comportamentos involuntários. Outra forma é o
Condicionamento Operante, quando a aplicação se dá na modificação de com-
portamentos voluntários. Por fim, a Modelagem aplica-se à aquisição de novos
comportamentos e se dá por meio da observação do comportamento dos outros
(NENO, 2003).
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As técnicas mais utilizadas na Terapia Comportamental são a Análise


Funcional do Comportamento, a Dessensibilização Sistemática, o Contrato de
Contingências e o Treino de Competências.
A Análise Funcional do Comportamento consiste em identificar três elementos
básicos: o comportamento expressado, o estímulo desencadeante e a(s) consequ-
ência(s) da expressão deste comportamento (provocando sua manutenção) – e
então articular a relação entre os mesmos (NENO, 2003). Por exemplo: a criança
vai a uma loja de brinquedos (estímulo desencadeante) com a mãe e começa a
expressar um comportamento obstinado (birra), até que a mãe compre um brin-
quedo (consequência) para evitar o prolongamento do comportamento da criança.
A Dessensibilização Sistemática consiste em expor uma pessoa, de forma
concreta ou imaginária, a uma situação que ela teme e que gera reações de ansie-
dade, seguida de procedimentos de relaxamento, para que aprenda a substituir a
resposta de ansiedade pela resposta de relaxamento (HODGINS; PEDEN, 2008).
Por exemplo: uma pessoa tem medo de ratos. Então ela é convidada a tocar em
objetos com pelos, depois em pequenos animais (como coelhos) ou a se imagi-
nar tocando esses outros animais de forma progressiva, até se inserir no exercício
imaginativo a figura do rato.
O Contrato de Contingências é um acordo, verbal ou escrito, que a pessoa esta-
belece com o terapeuta, que define o comportamento a ser modificado, bem como as
consequências da expressão deste comportamento – sejam estas positivas ou negati-
vas (HALL, R; HALL, M. 2000). Por exemplo: todas as vezes que o adolescente deixar
o quarto desorganizado, priva-lo de acesso ao computador por um tempo definido.

O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos


66 UNIDADE II

Por fim, o Treino de Competências objetiva a aquisição de habilidades/com-


petências que a pessoa deseje e/ou necessite. Por exemplo: o estabelecimento de
contextos e rotinas para um filho estudar.

Terapia Cognitivo Comportamental

A Terapia Cognitivo-Comportamental difere da Terapia Comportamental por


entender que as cognições, percepções, pensamentos e crenças têm influência
direta na expressão da conduta. De acordo com Duchesne e Almeida (2002, p.

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49), “A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma intervenção semiestrutu-
rada, objetiva e orientada para metas, que aborda fatores cognitivos, emocionais
e comportamentais no tratamento dos transtornos psiquiátricos”.

PENSAMENTOS SENTIMENTOS
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Sentimentos ar v Comportamento
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TERAPIA
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COMPORTAMENTO
gerando
Pensamentos

Figura 1 - Terapia Cognitivo-comportamental

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Na medida em que os elementos cognitivos são aceitos na mediação da aprendizagem,


também são aceitos os processos simbólicos decorrentes, ou seja, a interpretação de
eventos, ainda que estereotipadas, mas que causam distúrbios de comportamento.
Para a compreensão destes comportamentos é necessária a análise da interação dos
processos cognitivos do indivíduo com os eventos que o meio proporciona.
Enfatiza a responsabilidade do indivíduo na utilização de ‘verdades’ que
norteiam sua conduta, sendo estas entendidas como irracionais, pois foram cons-
truídas a partir de falsas percepções e geram conclusões equivocadas. A mudança
efetiva ocorre quando o sujeito responsável decide abrir mão destas ‘verdades’
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e utilizar técnicas racionais para eliminar as falsas crenças que geram perturba-
ção da conduta. Segundo Kerauby (1983, p. 14),
Na TCC, o cliente identifica seus pensamentos errôneos, que ocorrem
em situações específicas e são responsáveis pelos problemas emocio-
nais. O cliente é encorajado a perceber e, se necessário, anotar os pen-
samentos anteriores ao seu comportamento”.

Alguns dos behavioristas mais radicais afirmam que a inclusão do cognitivo


levaria a terapia para um campo da psicodinâmica, pois estaria inferindo ele-
mentos não observáveis na análise da conduta. Contudo, os defensores desta
linha afirmam que a abertura aos elementos cognitivos não significa uma acei-
tação irrestrita das noções da psicanálise, antes uma espécie de ‘reconciliação’
entre a ênfase no determinismo interno e a ênfase no determinismo externo.
Esse desenvolvimento da terapia comportamental, com o acréscimo do
cognitivo, pode ser considerado por muitas pessoas como não compor-
tamental, pois, mesmo sem negar o papel dos princípios do condicio-
namento na aprendizagem, acrescenta-se o papel da mediação cogniti-
va. É claro nesse movimento uma volta a métodos mais tradicionais de
terapia, como a análise da atitude do cliente, da resistência à mudança,
e a aceitação de fenômenos menos observáveis, embora mantendo o
estilo claro de comunicação, característico da terapia comportamental
(KERBAUY, 1983, p. 12-13).

Uma diferença marcante entre a Terapia Comportamental e a Terapia Cognitivo-


comportamental está no conceito de cognição, pois para o primeira escola o
termo significa um comportamento encoberto, enquanto que para os cogniti-
vo-comportamentais trata-se de um evento mental, sendo o comportamento e

O ‘Behaviorismo’: Suas Origens, Pressupostos e Principais Conceitos


68 UNIDADE II

as emoções sujeitos à cognição. Outra diferença está no determinismo do meio


e do contexto sobre o comportamento, sendo que a Terapia Comportamental
entendem o meio como absoluta na interferência da conduta, enquanto os
Cognitivo-comportamentais, como citado, acreditam que os elementos cogni-
tivos diluem esse determinismo do meio. De acordo com Beck (1996), “para o
terapeuta comportamental, a modificação do comportamento é um fim em si
mesmo; para o terapeuta cognitivo, é um meio para se atingir um fim - isto é, a
mudança cognitiva”.
Os elementos comuns a estas duas linhas de terapia são a ênfase na utiliza-

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ção de métodos científicos, a definição de metas terapêuticas no tratamento, a
estruturação das sessões terapêuticas e de todo o processo clínico, foco nos ele-
mentos que mantém o sintoma (em contraposição aos elementos que dão origem
ao mesmo), uso da terapia breve e a proposta de alcançar mudanças comporta-
mentais como um meio para produzir mudanças cognitivas.
Apesar de algumas diferenças conceituais, essas duas linhas de terapia prove-
nientes do behaviorismo seguem caminhos paralelos, tendo como último objetivo
o foco no sintoma e na sua eliminação. Muito distinto disso é a Psicanálise, que
veremos a seguir!
E então, prezado(a) estudante, gostou das paisagens da psicologia na América
do Norte vistas até aqui? Agora, nossa viagem segue pelos campos europeus e
vamos conhecer como a psicologia cresceu por lá a partir da psicanálise. Vem
comigo!

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A PSICANÁLISE: FREUD E SEUS DISCÍPULOS

A Psicanálise é outra das escolas clássicas da psicologia moderna. Ela surge na


Europa, poucos anos antes do behaviorismo surgir na América do Norte. De
acordo com seu fundador, Sigmund Freud (1856-1939), trata-se de uma nova
disciplina científica, resultante do agrupamento de informações psicológicas
obtidas por meio de um método específico de investigação (denominado de asso-
ciação livre de ideias), que visa descobrir quais processos mentais não aparentes
(inconsciente) são responsáveis por determinadas condutas e/ou patologias men-
tais (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992).

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


70 UNIDADE II

SIGMUND FREUD

No ano de 1882, o então recém-for-


mado médico austríaco Sigmund
Freud vai trabalhar em uma clí-
nica psiquiátrica, pertencente ao Dr.
Meynert, onde começa a interessar-
-se pelos fenômenos dos transtornos
mentais. Três anos depois (1885),

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muda-se para Paris, onde vai apren-
der com o Dr. Charcot, diretor do
Hospital Salpêtrière, as técnicas de
hipnose para o tratamento de cer-
tas paralisias de fundo emocional.
Retorna então a Viena e vai trabalhar
com o Dr. Breuer, aprofundando seus
estudos sobre certas doenças (princi-
palmente as paralisias) de fundo emocional - que predominantemente afetavam
as mulheres - as quais era dado o nome de “histerias” (do grego: hysteros =
útero). Inicialmente, Freud tratava essas paralisias, chamadas de histeria de con-
versão, por meio da hipnose – um método chamado de catarse, buscando no
passado um evento traumático que pudesse ter sido o desencadeador das mes-
mas (FREUD, 1974).
As descobertas de Breuer já foram descritas tantas vezes que posso dis-
pensar um exame detalhado das mesmas aqui. O fundamental delas
era o fato de que os sintomas de pacientes histéricos baseiam-se em
cenas do seu passado que lhes causaram grande impressão, mas foram
esquecidas (traumas); a terapêutica, nisto apoiada, que consistia em fa-
zê-los lembrar e reproduzir essas experiências num estado de hipnose
(catarse); e o fragmento de teoria disto inferido, segundo o qual esses
sintomas representavam um emprego anormal de doses de excitação
que não haviam sido descarregadas (conversão) (FREUD, 1974, p. 17).

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Conceitos Principais: Inconsciente

Freud, cuja formação primária era em neurologia, surpreendeu-se ao constatar


que neste tipo de patologia não havia nenhum comprometimento anatômico/
fisiológico e logo concluiu que sua etiologia era de fundo exclusivamente mental.
Porém, como não havia nenhum controle consciente dos pacientes sobre a expres-
são da doença, Freud vai postular que estas tinham uma origem em setores da
mente não acessíveis ao consciente, aos quais ele vai denominar de inconsciente!
Mas o estudo das repressões patogênicas e de outras manifestações que
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ainda têm de ser mencionadas compeliu a psicanálise a adotar o con-


ceito do ‘inconsciente’ de maneira séria. A psicanálise considerava tudo
de ordem mental como sendo, em primeiro lugar, inconsciente; a qua-
lidade ulterior de ‘consciência’ também pode estar presente, ou ainda
pode estar ausente (FREUD, 1976a, p. 44).

Freud, nas suas investigações, atribuiu a origem dessas patologias mentais – que
ele denominava de neuroses – a algum distúrbio da sexualidade. Primariamente,
ele acreditava que os pacientes que apresentavam algum quadro neurótico haviam
sofrido algum tipo de trauma de conteúdo sexual ao longo de sua vida, pelo que
ele foi muito criticado pela sociedade científica de sua época. Com o passar do
tempo, ele abandona essa ideia de um evento traumático e concentra-se na pos-
sibilidade de uma estrutura maior.
Durante os anos que se seguiram à publicação dos Estudos, tendo che-
gado a essas conclusões sobre o papel desempenhado pela sexualidade
na etiologia das neuroses, li alguns artigos sobre o assunto perante vá-
rias sociedades médicas, mas só me defrontei com incredulidade e con-
tradição. Breuer (...) também ele se esquivou de reconhecer a etiologia
sexual das neuroses (FREUD, 1976a, p. 39).

Como além de pesquisador, Freud era também um clínico, ele começa a questio-
nar a efetividade do método catártico no tratamento de seus pacientes, pois os
mesmos, após serem despertos da hipnose, apresentavam alguma melhora, mas
esta melhora declinava nos dias subsequentes e acabava sumindo completamente
após algum tempo. Torna-se, então, imperativo, ao já eminente pesquisador,
encontrar uma forma mais efetiva de tratamento e de explicação do que acontecia.

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


72 UNIDADE II

Recalque e Pulsão

Freud observa que havia algo no paciente que procurava evitar que as lembran-
ças doloridas viessem à consciência e, a esta força, denomina-se de repressão.
Esse foi o primeiro de uma série de mecanismos que ele denomina “de defesa”,
os quais, segundo ele, são articulados na mente para manter fora do consciente
alguns impulsos que a pessoa tem e que lhe causam muita dor emocional. Outros
mecanismos seriam posteriormente adicionados à lista, todos com o mesmo
objetivo (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Aprofundando um pouco mais a sua teoria, Freud postula que existe um
mecanismo estrutural que independe de forças externas, e que esse mecanismo
estrutural é o principal responsável por manter no inconsciente as experiências
traumáticas. A este mecanismo estrutural ele denomina de recalque e desenvolve
toda uma teoria, intitulada a teoria do recalque. A distinção para o mecanismo de
defesa da repressão é exatamente que a repressão depende de uma ação externa
coercitiva (JORGE, 2008).
Antes de mais nada, há que ser feita uma distinção entre os mecanis-
mos do recalque, Verdrangung, e a repressão, sem a qual deixamos de
perceber que o recalque ocorre entre diferentes sistemas psíquicos,
produzindo a mudança de algum elemento de um sistema para outro.
O recalque independe de uma ação externa coercitiva, pela qual se ca-
racteriza a repressão: ele é um mecanismo estrutural, independente da
ação externa e, além disso, estruturante (JORGE, 2008, p. 22).

Outro conceito fundamental da teoria psicanalítica é o conceito de pulsão (de


origem sexual). Em seu livro Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1972),
Freud define esse conceito que, em algumas traduções para o português de
seus escritos originais está erroneamente traduzido por ‘instinto’ e se trata de
um conceito fronteiriço entre o mental e o somático; em outros termos, seria o
representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo. Ele diferencia
do instinto sexual, sendo este ligado às atividades de caráter biológico, enquanto
a pulsão estava ligada a todas as manifestações mentais (FREUD, 1972).
A pulsão sexual, diferentemente do instinto sexual, não se limita às ati-
vidades repertoriadas da sexualidade biológica, mas constitui o fator
primordial que impulsiona toda a série de manifestações psíquicas, es-

ASESCOLASCLÁSSICASDEPSICOLOGIAESUAINFLUÊNCIANOMOVIMENTODEACONSELHAMENTOPASTORAL
73

tando, portanto, no fundamento do aparelho psíquico e de seu funcio-


namento. Freud inaugura, assim, uma nova e revolucionária compre-
ensão da sexualidade humana (PADILHA NETTO; CARDOSO, 2012,
p. 530).

Essas pulsões são energias ativas (libido) represadas em nosso inconsciente e,


segundo a psicanálise, buscam realizar-se e são constantemente enviadas de volta
para o inconsciente por meio do recalque. Quando há uma falha no mecanismo
do recalque gera uma ansiedade e causa enorme desprazer à pessoa. As formas
disfuncionais de lidar com essas ansiedades geram as neuroses e por isso Freud
buscava um método de trazer à consciência estas coisas que causavam tanto des-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

conforto mental (FREUD, 1972).


A forma de trazer à mente consciente tais conteúdos recalcados acontece por
meio de uma técnica que ficou conhecida como associação livre de ideias, na
qual o paciente vai relatando suas experiências ao terapeuta e este, por sua vez,
vai conectando frases emitidas e, aparentemente, desconexas.

Teoria da Sexualidade Infantil

Com o tempo, Freud verifica que não eram as experiências traumáticas que pro-
vocavam os comportamentos disfuncionais (pois alguns pacientes pareciam não
encontrar estas experiências em seus históricos), mas uma espécie de fantasia
destas experiências. Assim, ele vai trabalhando na ideia que tais fantasias acon-
teciam em etapas cada vez mais precoces da vida da pessoa e desenvolve a teoria
da sexualidade infantil – que gerou um escândalo para a sociedade médica da
época (FREUD, 1972).
Para fundamentar a sua teoria do recalcamento, Freud recorrera pri-
meiramente à hipótese da sedução, acreditando que o recalque se apli-
cava às lembranças de atentados sexuais perversos sofridos de forma
passiva pelo sujeito em sua infância. Concebido o inconsciente como
resultado do recalque das cenas de sedução no psiquismo, a teoria da
sedução não sobreviveu ao impacto de novas descobertas freudianas:
o papel da sexualidade infantil e da fantasia na vida psíquica. Segundo
essa nova perspectiva, a criança não seria desprovida de atividade se-
xual, no sentido de ser reconhecidamente capaz de construir, num pla-
no inconsciente, inúmeras fantasias sexuais, apesar de sua imaturidade
biológica (PADILHA NETTO; CARDOSO, 2012, p. 530).

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


74 UNIDADE II

Ao teorizar sobre a existência de uma sexualidade infantil, Freud irá recorrer ao


conceito de prazer/desprazer durante todo o desenvolvimento e divide a infân-
cia em etapas. Essas etapas se diferenciam pelo foco que colocam na maturação
de distintos órgãos fisiológicos e sua capacidade em proporcionar as experiên-
cias prazerosas à criança.
As etapas se iniciam com as denominadas fases pré-genitais, a saber, as fases:
oral; anal e fálica. É importante salientar que a duração de cada fase não é rele-
vante, mas sim as transformações que ocorrem em cada uma dessas etapas. Logo
após as fases pré-genitais, a criança passa por um período de latência, quando,

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então, entra na puberdade e o organismo coloca em ação os hormônios ligados
ao desenvolvimento da sexualidade. A pessoa irá chegar à sua maturação sexual
desembocando na fase genital do desenvolvimento psicossexual (FREUD, 1972).
Na primeira fase de desenvolvimento infantil, o órgão de sensibilidade mais
acurado da criança é a boca – justamente por isso essa fase é denominada de
oral. Durante toda a gestação, a criança está envolta na placenta, dentro do útero
materno e, ali, a temperatura é estável, as luzes e os sons são filtrados e a alimen-
tação vem por meio do cordão umbilical. Quando a criança nasce, é impactada
por sons e luzes intensos e variação da temperatura, tudo isso produz descon-
forto. Logo virá a sensação de maior desconforto, que é a fome (FREUD, 1972).
Quando sente desconforto, a criança chora e a mãe a coloca junto de seu peito
e a amamenta. A boca da criança – que já possui o movimento inato de sucção
– aprende rapidamente a sugar o leite e percebe que essa experiência lhe pro-
porciona uma sensação de conforto e prazer (lhe dá calor e acaba com a fome).
Assim, a boca se torna um meio de obter uma sensação prazerosa e vai desen-
volvendo uma sensibilidade especial.
Na medida em que a criança cresce, ela vai reconhecendo os objetos ao seu
redor e este reconhecimento se dá principalmente por meio da boca – o órgão
sensorial mais desenvolvido.
Foi a sua primeira e mais vital atividade, sugando o seio da mãe ou subs-
titutos dele, que deve tê-la familiarizado com este prazer. Os lábios da
criança, a nosso ver, comportam-se como uma zona erógena, e sem dú-
vida o estímulo do morno fluxo do leite é a causa da sensação de prazer.
A satisfação da zona erógena se associa, no primeiro caso, à satisfação
da necessidade de nutrição. De início, a atividade sexual se liga a fun-

ASESCOLASCLÁSSICASDEPSICOLOGIAESUAINFLUÊNCIANOMOVIMENTODEACONSELHAMENTOPASTORAL
75

ções que atendem à finalidade de autopreservação e não se torna inde-


pendente delas senão mais tarde. Ninguém que já tenha visto um bebê
reclinar-se saciado do seio e dormir com as faces coradas e um sorriso
feliz pode fugir à reflexão de que este quadro persiste como protótipo da
expressão da satisfação sexual na vida ulterior (FREUD, 1972, p. 186).

A segunda fase de desenvolvimento da teoria psicossexual de Freud é a fase anal,


e é assim denominada porque coincide com o início do controle dos esfíncteres
pela criança. Ao perceber que pode reter as fezes provocando certa tensão no
organismo e depois eliminá-las gerando um sentimento de bem-estar, a criança
vai descobrindo novos órgãos do corpo – além da boca – capazes de proporcio-
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nar prazer (FREUD, 1972).


A criança também vai adquirindo um sentido de controle e generalizando
esse conhecimento para áreas, criando fantasias de controle da realidade por
meio de jogos e brincadeiras. Segundo Costa e Oliveira (2011, p. 10),
Neste período, as crianças, para tirar proveito da estimulação erógena
da zona anal, retém as fezes, até que este acúmulo proporcione violen-
tas cólicas e ao passar pelo ânus, ocorrerá uma estimulação intensa na
mucosa, dando-lhes sensações de alívio e prazer.

Para concluir estas fases pré-genitais, a criança entra na fase fálica, que é assim
denominada porque é a etapa na qual a criança descobre a diferença sexual entre
meninos e meninas, sendo os primeiros portadores de um “falo” (o pênis) e as
últimas não. Freud irá afirmar que essa descoberta gera um forte sentimento
nos meninos que ele denomina de Complexo de Castração, no qual os meninos
temem que possam ‘perder o falo’ e assim ficarem iguais às meninas.
E é nesse período que surge a curiosidade por ver os órgãos genitais
de seus pares. Sobre o entusiasmo da sedução, o desejo de ver passa a
apresentar grande importância na vida sexual da criança. Nesta fase,
as crianças começam a perceber as diferenças em termos de gênero:
masculino e feminino (COSTA; OLIVEIRA, 2011, p.11).

Na mesma época, os meninos desenvolvem um forte apego à figura materna,


ao qual Freud denominou de Complexo de Édipo – referindo-se ao mito grego
no qual um rei recebe a profecia que seu filho irá matá-lo e desposar a rainha
(mãe dele).
Segundo Freud, o apogeu do complexo de Édipo é vivido entre os três

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


76 UNIDADE II

e os cinco anos, durante a fase fálica; o seu declínio marca a entrada no


período de latência. É revivido na puberdade e é superado com maior
ou menor êxito num tipo especial de escolha de objeto. O complexo
de Édipo desempenha papel fundamental na estruturação da perso-
nalidade e na orientação do desejo humano. Para os psicanalistas, ele
é o principal eixo de referência da psicopatologia (LAPLANCHE, J.,
PONTALIS, p. 77).

Para Freud, essa era uma forma dos antigos descreverem – miticamente – o que
ocorre nesse período da infância, no qual o apego da criança à mãe suscita o
desejo da morte do pai (que é visto como intruso na relação). Contudo, como

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a criança não logra seu objetivo, vai a busca de outra mulher que substitua as
características maternas e lhe proporcione o prazer que ele busca.
Em sua forma simplificada, o caso de uma criança do sexo masculi-
no pode ser descrito do seguinte modo. Em idade muito precoce, o
menininho desenvolve uma catexia objetal pela mãe, originalmente
relacionada ao seio materno, e que é o protótipo de uma escolha de
objeto segundo o modelo anaclítico; o menino trata o pai identifican-
do-se com este. Durante certo tempo, esses dois relacionamentos avan-
çam lado a lado, até que os desejos sexuais do menino em relação à
mãe se tornam mais intensos e o pai é percebido como um obstáculo
a eles; disso se origina o complexo de Édipo. Sua identificação com o
pai assume então uma coloração hostil e transformasse num desejo de
livrar-se dele, a fim de ocupar o seu lugar junto à mãe. Daí por diante,
a sua relação com o pai é ambivalente; parece como se a ambivalência,
inerente à identificação desde o início, se houvesse tornado manifesta.
Uma atitude ambivalente para com o pai e uma relação objetal de tipo
unicamente afetuoso com a mãe constituem o conteúdo do complexo
de Édipo positivo simples num menino (FREUD, 1976b, p. 46).

Freud vai ainda afirmar que a resolução deficitária de alguma destas fases, por
ele denominada de fixação, irá gerar problemas para a pessoa na vida adulta. A
fixação é um foco persistente em um estágio psicossexual. Até que este con-
flito seja resolvido, o indivíduo mantém-se “preso” nesta fase. Por exemplo, uma
pessoa que está fixada na fase oral pode ser mais dependente dos outros e pode
buscar estimulação oral por meio de fumar, beber ou comer.

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77

EGO, ID e SUPEREGO

Por fim, Freud também vai afirmar que a mente ou o aparelho psíquico, como
ele gostava de afirmar (dando um caráter mais meta aos processos mentais),
além de dividir-se em consciente e inconsciente, está dividido em três instân-
cias, a saber: ego, ID e superego, que estruturam a personalidade do indivíduo.
O ID é a parte mais primitiva da personalidade e consiste nos impulsos mais
primitivos (pulsões): comer, dormir, agressividade, sexualidade, eliminar resíduos,
evitar dor, obter prazer. Ele é, segundo Freud, regido pelo princípio do prazer. Já
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o ego se desenvolve a partir do controle dos impulsos, conforme as demandas


da realidade. É o executivo da personalidade, pois decide quais instintos do id
serão satisfeitos e quando. Seu princípio regente é o da realidade. Finalmente, o
superego é a instância que julga se as ações estão certas ou erradas. Trata-se da
representação interior dos valores e costumes da sociedade, que geram a cons-
ciência e moralidade do indivíduo. Desenvolve-se a partir das recompensas e
punições dos pais (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992).

A violação dos padrões do superego, ou mesmo o impulso para fazê-lo, pro-


duz ansiedade, que se inicia com a ansiedade pela perda do amor dos pais. Se os
padrões parentais forem muito rígidos, o indivíduo pode ficar sobrecarregado de

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


78 UNIDADE II

culpa e inibir todos os impulsos sexuais e agressivos, gerando inadequação. Em


contrapartida, se não houverem punições adequadas, o indivíduo desenvolverá
padrões de comportamento com poucas restrições e entregar-se-á a comporta-
mentos de autossatisfação excessiva e até criminosa.
Toda esta estruturação da personalidade ocorre por meio de uma dinâmica
energética denominada libido que, quando proibida ou suprimida, procura
outras válvulas de escape para se expressar. Impedir a expressão dos desejos,
não os eliminam, mas os convertem em outras formas socialmente aceitas. Por
exemplo: uma pessoa que tem desejos (pulsões) agressivas, ao invés de agredir

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fisicamente um semelhante, pode expressar tal pulsão por meio de jogos com-
petitivos, observações sarcásticas etc.
Pessoas que têm o desejo de fazer algo proibido experimentam a ansie-
dade, e uma maneira de diminuir a ansiedade é expressar o impulso de forma
disfarçada para evitar a punição da sociedade ou a culpa. Estas estratégias de
impedir ou reduzir a ansiedade foram chamadas por Freud de mecanismos de
defesa. Alguns destes mecanismos de defesa são: a repressão; a racionaliza-
ção; a formação reativa; a projeção; o deslocamento e a negação, entre outros
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1992).

CARL GUSTAV JUNG

Jung (1875-1961) foi um discípulo de Freud e inicialmente era considerado por este
seu sucessor natural. Ele era suíço e filho de um pastor luterano, mas, apesar de cres-
cer em um lar norteado por um modelo de espiritualidade, Jung sofreu bastante com
conflitos familiares. Seu pai lhe impunha uma fé cega que desqualificava a ciência e,
diante disso, Jung resolve desenvolver uma atitude cognitiva, olhando para a Bíblia
e, posteriormente, outros textos sagrados como suporte de toda sua teoria a respeito
da mente humana. Já em seus primeiros escritos, Jung mostra-se perplexo e inquieto
diante da falta de diálogo entre Ciência e Religião, e essa inquietude o leva a buscar
na psiquiatria o elo de conexão entre estas formas de abordagem da realidade. Um
de seus primeiros escritos de 1902 “Sobre a Psicologia e Patologia dos Fenômenos
Chamados Ocultos” (1994) já revela esse viés (JUNG, 1994).

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79

O próprio Jung, ao longo de sua vida, tem sonhos que o impactaram, os quais
estavam repletos de imagens mitológicas que levam o pesquisador a desenvolver
um grande interesse pelo tema. Reflexo disso foi que muitos dos estudos desen-
volvidos por Jung brotaram de suas próprias experiências pessoais, retratados
em sua autobiografia Memórias, sonhos, reflexões (1986).
Nos primeiros anos do século XX, tem contato com a obra de Freud e, pos-
teriormente, se encontram (em 1907) e desenvolvem uma amizade na qual
debatem casos clínicos e trocam ideias e confidências. Contudo, Freud, como
ateu declarado e positivista extremado, não aceitava o interesse de Jung pela espi-
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ritualidade como uma fonte de pesquisa dos fenômenos psíquicos. Por outro
lado, Jung mostra-se reticente com a teoria freudiana da sexualidade infantil, e
a amizade termina abruptamente (FREUD, 1974).

Arquetipos e Inconsciente Coletivo

A ruptura da amizade com Freud leva Jung a desenvolver sua própria linha de
trabalho, a qual ele denominou de ‘Psicologia Analítica’. Dentro desta perspec-
tiva, Jung postula que, além do inconsciente pessoal, que contém basicamente
o material resultante do recalque (ponto no qual ele converge totalmente com
Freud), a pessoa possui também um inconsciente coletivo, o qual é depositário
de símbolos e imagens de caráter universal – que ele denomina de arquétipos.
O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode distinguir-
-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existên-
cia à experiência pessoal, não sendo, portanto uma aquisição pesso-
al. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de
conteúdos que já foram conscientes e, no entanto, desapareceram da
consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do
inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto não
foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas
à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua
maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é cons-
tituído essencialmente de arquétipos (JUNG, 2002, p. 53).

Segundo Jung, estes elementos que ele denomina de arquétipos são imagens
latentes e universais que a pessoa traz de seus ancestrais sem ter consciência
disto. Eles são idênticos em todas as pessoas e se manifestam de forma

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


80 UNIDADE II

simbólica quando narramos contos de fadas, lemos mitos ou textos religiosos e


usamos de nossas fantasias. São elementos como o fogo, a água, o sol, a lua, o
nascimento, a morte, o poder, a maternidade etc. Na medida em que o sujeito
experiencia o mundo, vai moldando à sua realidade essas imagens universais.

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O inconsciente da pessoa se projeta sobre outra pessoa. Aquilo que alguém
não vê em si mesmo, censura no outro. Antes de criticar os outros, pense se
a carapuça que quer atribuir ao outro não é a que se ajusta a si.
(Carl Gustav Jung)

Tipos Psicológicos

Outra contribuição importante de Jung foi a teoria dos Tipos Psicológicos.


Ele distingue duas formas de atitudes ou disposição das pessoas em relação ao
objeto: extroversão e introversão. A pessoa que foca a sua atenção no mundo
externo, nos fatos e nas pessoas, Jung vai denominar de extrovertida; enquanto
que a pessoa que prefere focar sua atenção em seu mundo interno, suas impres-
sões e representações mentais, ele vai denominar de introvertida (JUNG, 2011).
Porém, Jung percebeu que, mesmo dentro dos tipos distintos, haviam dife-
renças significativas – por exemplo: um extrovertido poderia comportar-se de
forma bastante distinta de outro extrovertido. Com o intuito de explicar as dife-
renças entre os Tipos Psicológicos, Jung cria o conceito de Função Psicológica,
que pode ser definida como uma atividade mental que define as formas de rela-
cionamento do indivíduo consigo mesmo e com o mundo, expressa por meio
de habilidades, aptidões e tendências. Essa forma de interagir com o mundo
tem base na genética, nas influências familiares e nas experiências do sujeito ao
longo da vida (JUNG, 2011).

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81

São quatro as Funções Psicológicas listadas por Jung: Sensação, Intuição,


Pensamento e Sentimento, sendo as duas primeiras ligadas à forma que percebe-
mos a realidade e as duas últimas à forma que julgamos os fatos. A combinação
entre extroversão e introversão com as Funções Psicológicas definem os Tipos
Psicológicos específicos.
Sensação e Intuição são formas inatas de apreensão da realidade sem a uti-
lização da razão no processo, enquanto Pensamento e Sentimento são racionais,
pois passam por um processo reflexivo no juízo da realidade.
Como o próprio nome já indica, a Função Sensação está ligada ao nossos
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órgãos do sentidos que captam a realidade e as informações do meio que nos cir-
cunda. Pessoas com esta função são muito focadas no real, nos fatos e na atenção
ao aqui e agora, geralmente são práticas, realistas e preocupadas em manter as
coisas em funcionamento, não em sonhos ou inovações (JUNG, 2011).
Já pessoas com a Função Intuição captam a realidade por meio de ‘pressen-
timentos’ e outros elementos não lógicos, como sonhos e ‘inspirações’. Tendem a
perceber a realidade como uma totalidade organizada, mais que a soma de par-
tes e, portanto, são pouco atentas a detalhes.
A Função Pensamento cria uma conexão lógica entre os fatos percebidos,
e as pessoas que se utilizam desta função tendem a analisar os fatos de maneira
lógica e racional, procurando classificar e discriminar uma coisa de outra, sem
muito interesse pelo valor afetivo das mesmas. Normalmente, são orientadas
por leis gerais não levando em conta os valores pessoais no juízo de situações
específicas, tornando-as extremamente racionais e constantemente buscando a
imparcialidade em seus julgamentos (JUNG, 2011).
Por fim, a Função Sentimento é oposta à Função Pensamento, e as pessoas
que a utilizam tendem a valorizar primariamente o sentimento em suas avalia-
ções da realidade. Tais pessoas preocupam-se mais em manter a harmonia no
meio em que estão inseridas e tomam decisões baseadas em valores pessoais
(próprios ou dos outros), mesmo em detrimento da lógica causal. Seu juízo da
realidade foca o valor intrínseco das coisas. Para a pessoa que utiliza a função
Sentimento “Estabelece julgamentos como o pensamento, mas a sua lógica é toda
diferente. É a lógica do coração”.

A Psicanálise: Freud e Seus Discípulos


82 UNIDADE II

A combinação dos tipos extrovertido e introvertido com as funções Sensação,


Intuição, Sentimento e Pensamento geram os oito tipos psicológicos de Jung.
Entretanto, diferente da teoria dos temperamentos que vimos na Unidade I, Jung
afirma que, “Embora o tipo psicológico obedeça a uma estrutura, é preciso estar
atento ao seu aspecto dinâmico. Mesmo que uma disposição e uma função psí-
quicas sejam principais, a outra disposição e as demais funções também atuam
na psique” (RAMOS, 2005, p. 143-144).

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JAQUES LACAN

Outro nome importantíssimo dentro da escola psicanalítica foi Jaques Lacan


(1901-1981), que é considerado o melhor intérprete de Freud. Lacan fez uma
revisão e uma atualização dos conceitos freudianos e possibilitou novos enten-
dimentos da teoria proposta por Freud.
E aqui terminamos essa etapa de nossa viagem pelas escolas europeias. Está
gostando daquilo que tem visto até aqui, nos campos austríacos de Freud e suíços
de Jung? Espero que sim e convido você a seguir viagem pelos campos europeus
vendo mais uma escola com forte influência germânica – até no nome: a Gestalt!

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O GESTALTISMO

A Gestalt, ou Escola das Formas, é uma escola de psicologia que surgiu na


Alemanha, em meados do século XX, e afirma que nossa psique modela os ele-
mentos que capta por intermédio da percepção de distintas leis. Sua proposição
básica é a de que o todo é mais que a soma das partes. Desta forma, faz oposi-
ção à escola psicanalítica, que como o próprio nome já informa, procura dividir
em partes cada vez menores para facilitar a análise.

TODO E PARTE

Gestalt é uma expressão alemã que significa forma, atribui-se ao alemão Frederick
Salomon (Fritz) Perls (1893-1970) as suas primeiras proposições. A ideia é
que ao juntarmos elementos simples obtemos um terceiro elemento que ultra-
passa em essência essa soma simples, como, por exemplo, ao juntarmos letras e

O Gestaltismo
84 UNIDADE II

constituirmos uma palavra – essa palavra não é somente a expressão dos sons
emitidos na junção das letras, mas evoca em nossas mentes significados com-
plexos ligados às memórias sensoriais (PERLS, 1969).
A gestalt-terapia é integralmente ontológica, pois reconhece tanto a
atividade conceitual quanto a formação biológica de Gestalten. É, por-
tanto, autossustentada e realmente experiencial. Nosso objetivo como
terapeutas é ampliar o potencial humano através do processo de inte-
gração (PERLS apud STEVENS, 1977, p. 19).

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A esse fenômeno, Perls deu o nome de “transponibilidade” (PERLS, 1969). Outro


nome de destaque na Gestalt é do também alemão Max Wertheimer (1880-1943),
que traz a contribuição para essa escola do conceito do “fenômeno phi”, que é
uma ilusão de ótica que nos dá a sensação de movimento quando uma sucessão
de imagens paradas é percebida. Você já deve ter visto isso nos antigos livros que
continham desenhos com pequenas variações e que, quando folheados com rapi-
dez, davam a impressão que o desenho tinha um movimento.

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85

LEIS DA GESTALT

Outros nomes de destaque na Gestalt foram Kurt Koffka (1886-1941) e Wolfgang


Köhler (1887-1967), que juntamente com Wertheimer, foram os criadores das
denominadas “Leis da Gestalt” que, são as leis de: Semelhança, Proximidade,
Continuidade, Pregnância, Fechamento e Unidade.
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Figura 1 - Lei da Semelhança


Fonte: adaptado de Psicologado (2009, on-line)1.

A Lei da Semelhança preconiza que nossa percepção tende a agrupar objetos que
têm similaridade entre si e a constituírem um todo ou unidades dentro do todo.
Por exemplo, se tivermos linhas horizontais idênticas alternando quadrados e
círculos, tendemos a perceber primariamente as linhas verticais de quadrados
alternando-se com as linhas verticais de círculos (VIANA, on-line)5.
A Gestalt também vai afirmar que nossa percepção tende a agrupar elementos
que estejam próximos entre si e a formar uma imagem única, por similaridades
de forma ou de cor – essa é a Lei da Proximidade. Um clássico exemplo disso é
o cartaz do filme “O senhor das armas”, com Nicolas Cage (Figura 2), em que
nossa percepção não capta uma imagem de milhares de balas agrupadas, mas
sim o rosto do ator (VIANA, on-line).

O Gestaltismo
86 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 2 - Lei da Proximidade
Fonte: Sinopse... (2016, on-line)2.

Já a lei da Continuidade afirma que nossa mente tende a agrupar elementos


simples de um conjunto, dando um sentido de unidade, como no caso de uma
sequência de traços dispostos em uma forma quadrada, que nós vemos como
um quadrado e não como tracinhos sequenciais (Figura 3).

Figura 3 - Lei da Continuidade


Fonte: Wikimédia Commons (2014, on-line)3.

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87

A Lei da Pregnância, ou também


conhecida como Lei da Simplicidade,
propõe que os elementos presentes em
um determinado ambiente tendem a
ser percebidos, tanto quanto o permi-
tam as condições dadas, da forma mais
simples possível, para facilitar a rápida
assimilação, seja do elemento ou do
ambiente, e gerar harmonia e equilí-
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brio visual. Com é o caso da logo de


um conhecido produto e que não per-
cebemos como uma soma de distintos
desenhos, mas primariamente como a
letra U (Figura 4) (VIANA, on-line)5.

Figura 4 - Lei da Pregnância

Já a Lei do Fechamento permite que


interpretemos como unidades os
elementos de uma determinada com-
posição, para que nos transmitam a
sensação de um objeto completo. Por
exemplo, na Figura 5, vemos um qua-
drado com quatro pequenos círculos
em suas arestas e não os elementos
simples de três quartos de pequenos
círculos dispostos em quadrantes opos-
tos (VIANA, on-line)5.

Figura 5 - Lei do Fechamento


Fonte: Publicidade e Propaganda (2016, on-line)4.

O Gestaltismo
88 UNIDADE II

Por fim, a Lei da Unidade ou


da Unificação é a que afirma
que nossa percepção tende a
completar os espaços vazios de
uma figura ou imagem, a fim
de que se torne mais facilmente
compreensível para nós. Desta
forma, na Figura 6, não enxerga-
mos uma série de traços e pontos

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e algumas manchas, mas a figura do
conhecido maltrapilho Carlitos, persona-
gem de Charles Chaplin (DENVIR, on-line).

Figura 6 - Lei da Unificação

Wertheimer estava viajando num trem e olhou para um sinal ferroviário que
continha duas lâmpadas. Uma lâmpada se acendia e pouco depois se apa-
gava. Em seguida, a outra lâmpada fazia o mesmo e novamente a primei-
ra lâmpada acendia e apagava, e assim por diante. Wertheimer via apenas
uma luz que ia continuamente no espaço entre as duas lâmpadas, para um
lado e a seguir para o outro. Ele desceu do trem, comprou cartolinas e um
estroboscópio e começou a construir algumas figuras em duplicidade que
deixassem a luz passar num tempo muito curto. Se a luz se acendesse e se
apagasse numa figura e, a seguir, se acendesse e apagasse na outra, com in-
tervalo entre elas de mais ou menos 60 milissegundos, enxergava-se apenas
a figura indo de um lugar para outro. Telefonou para o Instituto de Psico-
logia da Academia Comercial e explicou seu experimento a Köhler. Köhler
arranjou um espaço para Wertheimer no laboratório, arrumou um aparelho
que permitisse a visão rápida de figuras e serviu-lhe como sujeito.
Fonte: Engelmann (2002).

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89

FIGURA E FUNDO

Um conceito fundamental da Gestalt é o conceito de figura e fundo, que afirma


que percebemos elementos em relação a outros elementos e que esta percepção
é sempre dinâmica. Nas palavras de Perls (1977):
Parece claro, entretanto, que a nossa percepção é a mais ambígua. Ela
parece dividir-se, quebrar-se e esconder-se mais facilmente que a de
rochas e plantas. A maior parte daquilo que falamos é a tendência apa-
rente de dividir em figura (o que nós experienciamos intensamente) e
fundo, (o que é menos diferenciado). A figura está sempre numa rela-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ção dinâmica com o fundo. Muito simplesmente, o que não pode estar
aqui, está lá. O fundo é todo o resto, o mundo externo (PERLS apud
STEVENS, 1977, p. 100-101).

Em outras palavras, o fundo seria o conteúdo de tudo o que experimentamos


ao longo da vida, incluindo nossos valores, nossos conceitos sobre a realidade e
todo o mundo ao nosso redor. Enquanto a figura seria aquilo que atrai a atenção
de nossa percepção em um
momento específico, seja
um objeto externo ou uma
inquietude interna (orgâ-
nica). A relação entre figura
e fundo é sempre dinâmica,
ou seja, em um momento
qualquer elemento de
fundo torna-se o protago-
nista e, portanto, figura, e
no momento seguinte volta
a ser fundo. A conhecida
imagem taça/rostos ilustra
bem esse conceito central
da Gestalt (STEVENS,
1977).

O Gestaltismo
90 UNIDADE II

Por fim, um último conceito fundamental da escola gestáltica é o conceito de


consciência (awareness), que significa a consciência de si mesmo como ser exis-
tencial no tempo e no espaço.
Awareness é a apreensão, com todas as possibilidades de nossos senti-
dos, da ocorrência do mundo dos fenômenos dentro e fora de nós. Esta
apreensão se dá no presente, no aqui-e-agora. Mesmo quando lembra-
mos de algo do passado, o lá-e-então, o ato de lembrar está se dando no
presente. Embora a awareness seja sempre presente, o objeto dela pode
pertencer a um outro tempo e espaço (FRAZÃO, 1995, p. 146).

Especialmente, essa consciência para a Gestalt é a consciência do aqui e agora.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
De forma distinta da psicanálise que buscava no passado e no inconsciente os
elementos explicativos da conduta, a Gestalt foca-se apenas no presente, preo-
cupando-se mais com a estrutura do que com o conteúdo da fala.
Meio e mensagem, forma e conteúdo tem relação quase que oposta à
da psicanálise tradicional, onde o relato do paciente e a interpretação
do terapeuta são o material básico. A maneira pela qual o paciente se
apresenta permanece periférica. A busca de uma solução terapêutica
trabalhável no presente dá à Gestalt-Terapia seu ímpeto para improvi-
sar e experimentar, mais que explicar. A vivência, o acontecimento são
as melhores explicações (JULIANO, 2004, p. 5).

Assim, prezado(a) aluno(a), terminamos nosso passeio pelos campos das esco-
las de psicologia europeias e espero que você tenha gostado do que viu até aqui.
Retornamos à América do Norte, pois ainda há um pequeno trecho a ser visto:
a psicologia humanista.

ASESCOLASCLÁSSICASDEPSICOLOGIAESUAINFLUÊNCIANOMOVIMENTODEACONSELHAMENTOPASTORAL
91
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A PSICOLOGIA HUMANISTA

A Psicologia Humanista é também conhecida como a “terceira via” dentro da


psicologia, pois representa uma forma alternativa de pensamento em relação a
duas escolas que dominaram o campo da psicologia por quase um século nos
Estados Unidos. Ela surge em um momento de grandes mudanças sociais e o
questionamento de muitas “verdades” estabelecidas na ciência – o pós-guerra.
Recebe forte influência da filosofia existencialista e fenomenológica, na qual
a pessoa é vista como ponto de partida de todos os processos reflexivos (exis-
tencialismo) e também tem plena consciência do meio no qual está inserido,
bem como tem consciência dos fenômenos que experiencia (fenomenologia)
(AMATUZZI, 1989).

A Psicologia Humanista
92 UNIDADE II

Como o próprio nome já sugere, essa escola de psicologia propõe que o ser
humano seja protagonista de si mesmo, possuindo o que os teóricos denomi-
nam de forças autorrealizadoras, que precisam ser “liberadas” para que o sujeito
se desenvolva em todo seu potencial, o que não ocorre somente por causa dos
fatores limitantes que o meio impõe.
Dois nomes destacam-se dentre os vários que podem ser citados como per-
tencentes a esta escola: Carl Rogers e Abraham Maslow. Sobre Maslow não iremos
discorrer agora, pois veremos detalhadamente a sua teoria sobre as necessidades
humanas na próxima unidade. Assim, vamos nos deter nos principais conceitos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
trazidos por Carl Rogers.

CARL ROGERS

O psicólogo Carl Rogers (1902-1987) foi o criador de uma nova abordagem den-
tro da psicologia, que ficou conhecida como “Abordagem Centrada na Pessoa”.
Ele recebeu forte influência da teologia cristã – de linha mais liberal –, quando
estudou no Seminário Teológico Unido, em Nova York (MESQUITA; DUARTE,
1996).
Rogers propunha uma tese frontalmente contrária a Freud, na qual ele afir-
mava que as pessoas, ao contrário do que postulava a psicanálise, não tinham
uma tendência à neurose ou à psicose em sua estruturação da personalidade,
mas sim uma tendência à saúde. A valorização da pessoa humana está no cen-
tro de toda a teoria e prática de Rogers.
Essa mudança radical de ponto de vista é o que mais caracteriza a psi-
cologia humanista; o sentido do humanismo (no nosso caso enquan-
to aplicado à Psicologia) é essa mudança de perspectiva. Não se trata,
com efeito, nem de uma mudança de objeto, nem de uma mudança de
método, e nem mesmo, quem sabe, de uma mudança teórica. Trata-se
na realidade de uma mudança na relação com o objeto (AMATUZZI,
1989, p. 88).

A pessoa humana é considerada não como o resultado de alguns fatores, mas


como iniciante destes. Os fatores ligados aos sentimentos são mais enfatizados
que os ligados à razão, bem como o foco no presente é mais importante que o

ASESCOLASCLÁSSICASDEPSICOLOGIAESUAINFLUÊNCIANOMOVIMENTODEACONSELHAMENTOPASTORAL
93

foco no passado. Como resultado disso, o terapeuta deveria interferir o mínimo


possível na condução do processo terapêutico, deixando a sessão ser orientada
pelo paciente. Essa ideia, denominada de não diretividade, vai sofrer muitas crí-
ticas de seus contemporâneos.
Rogers, então, propõe o termo “reflexividade” como sendo o papel central do
terapeuta. Envolvia principalmente a atividade de refletir os sentimentos trazidos
pelo paciente no processo terapêutico. Substitui-se a ideia de não diretividade
pela ideia de um processo centrado no paciente, no qual o terapeuta passa a inter-
vir mais, porém, ainda com a protagonização total do paciente.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Para assumir esse papel, o terapeuta necessita desenvolver algumas atitudes,


as quais Rogers denominará de “atitudes facilitadoras”, que constituiriam o pri-
meiro corpo da teoria da psicologia humanista. Estas atitudes são: a empatia, a
aceitação positiva incondicional e a congruência.
Através da empatia, o psicoterapeuta busca perceber e compreender o
mundo do cliente na perspectiva dele. A aceitação positiva incondicio-
nal consiste no respeito incondicional, por parte do psicoterapeuta, à
individualidade do cliente. A congruência, ou autenticidade, é descrita
como o grau de correspondência entre o que o terapeuta experiencia
e o que comunica ao cliente, sendo ele mesmo na relação terapeuta-
-cliente (MOREIRA, 2010, p. 539).

Mais tarde, na construção de sua teoria, Rogers vai afirmar que o processo psi-
coterápico é um encontro existencial, no qual o terapeuta utiliza-se de seus
sentimentos, dirigidos de forma autêntica ao paciente (a quem Rogers chama
de cliente) e, assim, desenvolvendo um diálogo íntimo e intersubjetivo entre
ambos. Dessa forma, o modelo rogeriano adquire matizes bastante fenomenoló-
gicos, em que o foco não é tanto a pessoa, mas sim a experiência intersubjetiva.
Aqui terminamos essa segunda etapa de nosso passeio pela psicologia!

A Psicologia Humanista
94 UNIDADE II

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas vezes, as pessoas utilizam o termo “psicologia” ou “psicólogo” para se


referir a uma ciência ou prática profissional, mas como você pôde ver, ao longo
desta unidade, existem muitas “psicologias” dentro da psicologia, ou seja, mesmo
que, enquanto ciência a psicologia tenha um campo de atuação bastante especí-
fico, suas construções teóricas estão longe de ser um bloco harmônico.
Desta forma, conhecer as várias escolas de psicologia, suas ênfases e seu
entendimento do comportamento humano é de suma importância para quem

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
procura habilitar-se ao trabalho com o ser humano – esse precioso e complexo
ser portador da “imagem e semelhança de Deus”.
Surgem muitas vezes, modelos de aconselhamento que são intitulados como
“aconselhamento bíblico”, trazendo no nome a prerrogativa que o mesmo seria
estruturado sobre um modelo contido nas Sagradas Escrituras. Contudo, quando
conhecemos as escolas de psicologia, vamos reconhecendo que os modelos
intitulados de ‘bíblicos’ trazem fortes matizes das distintas vertentes da ciência
psicológica. Não que estruturar um modelo em cima dos conceitos das escolas
de psicologia seja algo errado – longe disso! Na verdade, essa estruturação pode
ajudar muito o conselheiro. O que é um equívoco é pensar que, ao denominar-
-se ‘bíblico’, aquele modelo é o único possível e correto.
Na verdade, existem ainda outras escolas de psicologia que não foram pos-
síveis serem analisadas mais detalhadamente em virtude do espaço que temos
disponível e também porque não é o foco principal desse nosso curso de teo-
logia. Só para citar algumas: Psicodrama; Psicologia Sócio-histórica; Psicologia
cognitivista; Psicologia Reichiana (ou corporal); Logoterapia etc.
Na próxima etapa de nossa viagem, estaremos viajando pelos campos do inte-
rior da psicologia, buscando conhecer os principais conceitos ligados ao campo
das teorias “psi”, procurando sempre refletir de como esse conhecimento pode
nos ajudar em nossa prática dentro do campo pastoral!
Vamos seguir viagem?

ASESCOLASCLÁSSICASDEPSICOLOGIAESUAINFLUÊNCIANOMOVIMENTODEACONSELHAMENTOPASTORAL
95

1. O experimento de Ivan Pavlov utilizava:


a) Ratos.
b) Pombos.
c) Cães.
d) Coelhos.
e) Humanos.
2. No clássico experimento com o bebê Albert, o psicólogo John Watson:
a) Condicionou o bebê a ter medo de objetos com pelo branco.
b) Usou procedimentos eticamente questionáveis.
c) Recentemente provou-se que o bebê utilizado no experimento não era ple-
namente saudável.
d) Forjou alguns dados da pesquisa.
e) Todas as alternativas estão corretas.
3. A Psicanálise é uma escola de psicologia que foi fundada por:
a) Watson.
b) Fritz Pearls.
c) Wundt.
d) Freud.
e) Jung.
4. A escola de Psicologia que enfatiza o estudo do inconsciente é:
a) Psicanálise.
b) Humanista.
c) Behaviorismo.
d) Gestalt.
e) Cognitivo-comportamental.
96

5. Jung afasta-se de Freud e cria uma linha de psicologia cujos principais conceitos
são:
a) Ego, Id e Superego.
b) Arquétipos e Inconsciente Coletivo.
c) Figura e Fundo.
d) Condicionamento Operante e Respondente.
e) Sexualidade Infantil e interpretação dos sonhos.
6. A teoria dos Tipos Psicológicos de Jung propõe que:
a) As funções Sentimento e o Pensamento são superiores às funções de Sensa-
ção e Intuição.
b) As funções psicológicas são herdadas e imutáveis.
c) As funções são dinâmicas e, mesmo tendo uma estrutura e uma função prin-
cipal, as demais também atuam na personalidade.
d) As funções Sensação e Intuição são superiores às funções de Sentimento e
Pensamento.
e) Todas as funções psicológicas são idênticas.
7. A proposição central da Gestalt é:
a) A pessoa é o centro de toda a teoria.
b) Todo comportamento pode ser modelo pelo condicionamento.
c) Uma teoria da sexualidade infantil.
d) O todo é mais que a soma das partes.
e) As três instâncias da mente – id, ego e superego.
8. Figura e fundo são:
a) Fixos e determinados pelo meio.
b) Alternam-se dinamicamente de acordo com o contexto.
c) Fixos e determinados pela capacidade perceptiva da pessoa.
d) Alternam-se na percepção de cada pessoa em função de disposições gené-
ticas.
e) Ilusões de ótica de pessoas mentalmente perturbadas.
97

9. Segundo Rogers:
a) O terapeuta deveria interferir o mínimo possível na condução do processo
terapêutico.
b) O terapeuta deveria ter o controle total na condução do processo terapêu-
tico.
c) O terapeuta deve sempre questionar os valores do paciente buscando cen-
trá-los na Palavra de Deus.
d) O terapeuta nunca deve falar nada para o paciente, apenas concordar com
ele.
e) O terapeuta deve interpretar tudo que o paciente fala em termos de sexua-
lidade reprimida.
10. A proposição de trabalho do Dr. Hernández é de que:
a) Todos os pastores façam um curso de Psicologia e apliquem em suas comu-
nidades.
b) Todos os psicólogos sejam também pastores.
c) Haja uma equipe integrada de trabalho visando a saúde e o crescimento da
pessoa que busca ajuda.
d) Psicólogos e pastores desenvolvam trabalhos completamente independen-
tes.
e) Pastores e psicólogos desenvolvam juntos uma nova teoria de psicologia.







98

Prezado(a) aluno(a), no texto a seguir você terá uma belíssima reflexão sobre a relação que
deve existir entre a igreja e os trabalho psicológico. Boa Leitura!

A PSICOTERAPIA E A IGREJA

Procuro com este trabalho esboçar um a­quisições da cultura.


enfoque sobre a complexidade da re­lação
psicoterapeuta-pastor, buscando abrir um 1° A possibilidade de expansão da men-
caminho de reflexão. sagem:

Temos uma tarefa definida: a tarefa de A arquitetura contribuiu nos projetos de


reconciliação (II Coríntios 5:18). Ainda que edifícios das igrejas. Mais tarde, o desen-
o texto se refira a uma reconciliação do volvimento das técnicas de impressão com
homem com Deus, há uma dimensão de Gutenberg permitiu que a Bíblia de Lutero,
re­conciliação a nível interpessoal e uma vertida em linguagem popular, fundas­se,
reconciliação do homem consigo mesmo. de algum modo, a língua alemã. Hoje, nin-
guém duvida do valor da imprensa na vida
Essa reconciliação se dá em pessoas reais de uma igreja. Depois foi a revolução nos
que pertencem a uma cultura. Esta cultura meios massivos de comunicação, que favo-
provê uma realidade simbólica, uma identi- receram as possibilidades de expansão da
dade pessoal e um apoio social. Poderíamos mensagem.
analisar na cultura dois aspectos funda-
mentais: 2° A análise da expressão da mensagem:

1° As operações que o homem efetua para A dimensão de investigação da expres-


a conquista do mundo exterior. são da mensagem (não investigação da
mensagem) inicia-se em plena época
2° O conjunto de operações cíclicas pelas do positivismo e tenta por em dúvida a
quais o homem domina seu mundo autenti­cidade histórica do texto bíblico. Os
interno. cristãos, utilizando os conhecimentos que
existiam de investigação arqueológica, res-
O desenvolvimento da conquista do mundo ponderam ao desafio e o re­sultado foi uma
exterior e do mundo interior tem tido um confirmação da confiança na Bíblia.
ritmo desigual. Enquanto o progresso téc-
nico tem alcançado alta complexidade, A tarefa de investigação da expressão afe-
somente a partir do século passado o tiva é um de­safio de nossos dias para se
homem tem começado a se olhar mais descobrir quanta contaminação de nos-
pro­fundamente. sas emoções sai, em muitas ocasiões, na
expressão da mensagem. Por exemplo:
O chamado mundo secular se relaciona quando estamos aborrecidos, o castigo
intimamente com a fé, e a expansão da do inferno nos parece maior.
expressão da mensagem sagrada se tor-
naram possíveis por meio do uso de A pertinência de uma ciência está restrita
99

à limitação do seu campo de observação. minha vida tem me mostrado com quanta
Com frequência, em psicolo­gia, se fazem facilidade tenho caído numa redução psi-
simplificações de realidades que não são cológica.
objeto de estudo psicológico, caindo-se
num mal muito frequente que é o psico- A ação do Espírito Santo na vida pessoal
logismo. é o fator principal do ato cri­ativo. É com
referência ao Espírito Santo que podemos
Se por um lado cometem-se erros a partir dar objetividade à tarefa psicológica. Ren-
do campo terapêutico, reduzindo a psicolo- der nossos conhecimentos psicológicos
gismos aspectos teológicos ou sociológicos ao Senhor é parte de nosso culto racional
da realidade, exis­tem também perigos a (Romanos 12:1).
partir do campo pastoral. É o caso do pas-
tor que lê e se entusiasma com psicologia As necessidades afetivas do psicoterapeuta
e que apli­ca na congregação técnicas psi- devem ser consideradas com tanta serie-
cológicas. dade como seus próprios conhecimentos
científicos e levadas em conta com tanto
É necessário que se façam distinções. Cada rigor como sua competência profissional.
campo é próprio e tem regras e procedi-
mentos particulares. Daí a necessidade de A tarefa psicoterapêutica compromete e,
abordagens interdisciplinares, nas quais afirmamos agora, que um dos aspectos do
apareçam os diferentes papéis e os diferen- compromisso é o compromisso de sua vida
tes objetos de estudo. É necessário, ainda, afetiva e emocional. Com muita frequência,
que as di­ferentes formações não careçam as emoções que o terapeuta recebe em seu
de adequadas funda­mentações antropoló- trabalho transtornam sua afetividade para
gicas, epistemológicas e teológicas. com sua própria família e a­fetam a sexua-
lidade do casal.
Creio que o trabalho conjunto e integrado
de equipes em que apareçam deli­mitados É necessário que a saúde se expresse em
os diferentes métodos, todos contribuindo uma variedade de papéis: membro de uma
para a afirmação da fé e saúde do homem, família (filho(a), esposo(a) etc.), membro de
é uma rica possibilidade a ser explorada. uma igreja, amigo das pessoas, terapeuta.
Deve-se considerar, ainda, a importância
A análise psicológica é algo que da participação do terapeuta em lugar
compromete o psicoterapeuta, indepen­ concreto de culto. É somente a vivência
dentemente dele querer ou não. A comunitária da fé que outorga uma dimen-
preocupação por desarticular a culpa pato- são real à crença.
lógica, a tarefa de discriminar as fantasias
e a realidade, com frequência, leva o tera- O episódio relatado em Atos 21:37-40, onde
peuta a reduzir sua atitude de fé. Paulo fala em grego ao comandante do
batalhão e em hebraico aos judeus dizendo
Para lidar com estes fenômenos, sugiro que “irmãos...”, ilustra o que quero dizer.
o terapeuta, além de ter sua supervisão
terapêutica, deveria manter sua supervisão
pastoral. Muitas vezes, o apoio pas­toral na
100

Nós, os psicoterapeutas, temos uma lingua- A capacidade para usar uma linguagem
gem técnica e que entendemos claramente simples, traduzindo elementos téc­nicos a
dentro de parâmetros científicos – que uma linguagem usual da igreja, demons-
com frequência não é entendida por lei- trará seu in­teresse. Escutar o pastor em suas
gos. E também, com frequência, tem se inquietações, desenvolver palestras nas
convertido numa tribuna antirreligiosa, quais se apresentem casos concretos para
dando ênfase aos aspectos conflitivos da se analisar problemas de aconse­lhamento
Igreja. Deste modo, tem-se esquecido o pastoral serão formas por onde se poderá
valor fundamental que a reli­gião tem em ir elaborando esta comunicação entre psi-
toda civilização, como reestruturadores do coterapeutas e pastores.
campo psicológico.
Fonte: o autor.

















MATERIAL COMPLEMENTAR

Princípios Básicos de Análise do Comportamento


Márcio Borges Moreira e Carlos Augusto de Medeiros
Editora: Artmed
Sinopse: esta é uma obra abrangente, ricamente ilustrada e com
uma linguagem dinâmica sobre a psicologia comportamental. Os
autores apresentam como lidar efetivamente nos mais variados
campos de atuação da psicologia, proporcionando ao leitor uma
visão global do comportamento humano.

Por Que Freud Rejeitou Deus?


Ana-maria Rizzuto
Editora: Loyola
Sinopse: por que Freud rejeitou Deus e conclamou outros a
segui-lo, rejeitando a crença infantil em um ser divino protetor
e benevolente? Para responder esta pergunta, a autora
escreveu um livro obrigatório, no qual expõe uma convincente
interpretação dos elementos presentes no desenvolvimento
pessoal e teórico de Freud que provem a base de sua posição
contra a religião.

Escarafunchando Fritz
Frederick S. Perls
Editora: Summus Editorial
Sinopse: autobiografia em que Frederick S. Perls, criador da Gestalt-
terapia, deixa fluir seu foco de consciência e “escreve tudo que
quiser ser escrito”. Parte em forma poética, muitas vezes divertido,
o livro é um mosaico multifacetado de memórias e reflexões sobre
sua vida, bem como um interessante relato de como surgiram as ideias e os conceitos que deram
origem e fizeram evoluir a Gestalt-terapia.

Material Complementar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Tornar-se Pessoa
Carl R. Rogers
Editora: Martins Fontes
Sinopse: este livro constitui uma introdução indispensável ao
processo do tornar-se. Destina-se não apenas a psicólogos e
psiquiatras, mas a todos os que se interessam pelo desenvolvimento
do homem e de sua personalidade.

Freud – Além Da Alma


Sinopse:o filme não aborda a vida pessoal de Freud e restringe-se
aos seus estudos psicanalíticos. É interessante observar como o
diretor conseguiu articular as descobertas de Freud com as próprias
experiências pessoais do psicanalista, como a teoria que desenvolveu
sobre o Complexo de Édipo, fundamentando-se na relação com seu
pai morto. Com uma linguagem metafórica e onírica, é mostrado
o conflito interior que viveu Freud enquanto tentava penetrar no
obscuro inconsciente de seus pacientes, pois temia encontrar o
inefável, o impensável. Na verdade, Freud temia encontrar a sua própria essência. Com um elenco notável
encabeçado por Montgomery Clift, Susannah York, Larry Parks e David McCallum, “Freud - Além da alma”
é um filme acadêmico, inteligente e instigante, que nos permite uma melhor compreensão das teorias
freudianas sobre o funcionamento do inconsciente humano e da irrupção do pensamento psicanalítico
na sociedade vienense e, depois, no mundo. Um filme tão genial quanto o legado de Sigmund Freud,
com legendas em português.
103
REFERÊNCIAS

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6Em: <http://psicoativo.com/2016/04/john-b-watson-biografia-experimentos-beha-
viorismo.html>. Acesso em: 09 mar. 2017.
GABARITO

1. C.
2. D.
3. D.
4. A.
5. B.
6. C.
7. D.
8. B.
9. A.
10. C.
Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

III
OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA

UNIDADE
PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO
NA TEOLOGIA PASTORAL

Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o que é a percepção humana e como ela atua em
nosso comportamento.
■■ Entender a motivação humana e sua conexão com as necessidades
básicas.
■■ Analisar como o afeto e as emoções interferem na conduta.
■■ Conhecer o funcionamento da memória e sua atuação na
aprendizagem.
■■ Conceituar inteligência e personalidade.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Percepção Humana
■■ A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas
■■ O Afeto e as Emoções
■■ A Memória e a Aprendizagem
■■ A Inteligência e a Personalidade
109

INTRODUÇÃO

Agora que você já viajou por paisagens interessantes da história da psicologia e


conheceu alguns dos grandes pensadores desta ciência, te convido a vir comigo
em uma viagem um pouquinho diferente.
Vamos viajar pelo interior da mente humana, conhecendo as várias funções
mentais e como elas interferem em nosso comportamento. Você poderá enten-
der porque temos algumas ilusões de ótica e também porque, às vezes, queremos
muito nos lembrar de um nome ou uma situação e parece que o nosso cérebro
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

fica bloqueado!
Quantas vezes temos que realizar alguma tarefa e não nos sentimos moti-
vados para isso; já em outros momentos parece que temos muita disposição e
energia – você já parou para se perguntar o por quê? De onde vem a nossa moti-
vação para o trabalho e para outras tantas atividades que realizamos diariamente?
E aquela máxima que ouvimos muito ao longo de nossas vidas: “homem
não chora!” Será que ela é verdadeira? Esse conceito popular de que as mulhe-
res são emocionais e os homens são racionais, de onde provém? Tem alguma
base científica nessa afirmação ou trata-se somente de um mito que não deve
ser levado em consideração?
Talvez você já tenha se apaixonado algum dia e ficou se perguntando: exis-
tem tantas pessoas no planeta e o que nos faz encantar-se por uma pessoa e não
pela que está ao lado? É somente uma questão estética? Mas... e os feios – tem
pessoas que também se apaixonam por eles, e algumas vezes pessoas bem lin-
das. Como explicar essa dimensão do afeto?
Por fim, existem pessoas que consideramos muito inteligentes e já outras pes-
soas, coitadas, nós chamamos de “esforçadas”... mas, ao que exatamente estamos
nos referindo quando chamamos alguém de inteligente? Será só o grau de esco-
laridade que a pessoa tem? Ou serão suas habilidades e talentos?
Estas perguntas são as que tentarei responder ao longo desta unidade, via-
jando pelos recônditos da mente humana! Ficou entusiasmado com a proposta?
Então vem comigo!

Introdução
110 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A PERCEPÇÃO HUMANA

O que acontece quando olhamos um objeto? As ondas luminosas e as partículas


de luz (os fótons) refletidas pelo objeto chegam aos nossos olhos e estimulam os
terminais do nervo ótico, transmitindo, em seguida, esse estímulo para o cérebro.
A esse complexo processo, nós denominamos de sensação, pois é apenas um estí-
mulo que impressiona a um de nossos órgãos sensoriais – neste caso, os olhos.
Esse estímulo viaja a uma velocidade incrível pelas transmissões do nervo
ótico e quando o cérebro capta o objeto e o decodifica temos, então, uma per-
cepção. Desta forma, concluímos que a percepção é uma atividade mais elevada
da mente, que envolve o processamento dos dados recebidos do meio antes de
assimilá-los. O termo percepção, portanto, aplica-se à maneira como se chega
a conhecer a realidade física e à forma como se experimenta o mundo dos obje-
tos e acontecimentos.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


111

Além dos estímulos da retina, por meio da luz que incide nos objetos e
se reflete incidindo posteriormente no olho humano, denominado de
forças externas (...) o homem está sujeito a forças internas de organiza-
ção que estruturam as formas em determinada ordem. Essas forças in-
ternas de organização da mente humana estão baseadas em constantes
denominadas “padrões” ou leis de organização da forma perceptual da
Gestalt. (...) são essas forças ou esses princípios que explicam porque
vemos as coisas de uma determinada maneira e não de outra (WA-
CHOWICZ; ARBIGAUS, 2003, p. 97-98).

A correspondência entre as características da realidade física (objetiva) e a rea-


lidade perceptiva (subjetiva) aparece, ao sentido comum, como algo óbvio, que
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não requer ser explicado, mas que se justifica por si mesmo. Entretanto, nem
sempre existe uma correspondência entre a realidade física e a nossa percepção
desta realidade.
Por exemplo: no clássico filme “O Pescador de Ilusões” (The Fischer King),
há uma cena em que um dos atores (Parry – Robin Williams) convida seu amigo
(Jack – Jeff Bridges) para deitar-se à noite no Central Park e “mover as nuvens
com o poder do pensamento”. Ambos ficam olhando para a lua e o céu parcial-
mente coberto de nuvens, que dá a impressão de que a lua se move em velocidade,
quando, na verdade, são as nuvens que estão se movendo.
Todos nós já experimentamos também “quão longe” é um banheiro quando
estamos com dor de barriga ou “quão rápido” passa um minuto de diversão.

FATORES OBJETIVOS E SUBJETIVOS NA PERCEPÇÃO

Assim, quando procuramos definir o fenômeno da percepção com maior precisão,


vamos encontrar alguns desafios: é realmente o mundo tal como o percebemos?
Que diferença existe entre o mundo objetivo e o mundo subjetivo? É possível
saber por que existe esta diferença e no que ela consiste? Questões como essas
são formuladas por psicólogos que estudam as percepções.
Diferentemente de algumas definições que propõem ser uma ilusão, a
discrepância entre o “percebido” e o “real”, concebemos as ilusões como
surgindo da discrepância entre o “percebido em uma dada situação” e o
“percebido em outra situação”. A vantagem da última definição é evitar
(ou desconsiderar) a menção a uma “realidade” da qual nossa percep-

A Percepção Humana
112 UNIDADE III

ção fosse meramente uma “representação”. Esse é o cerne de um antigo


problema filosófico, que tem perdurado através dos séculos e aborda
a relação entre o mundo externo, “real”, e a percepção que temos dele.
Quão fiel é a “representação” que nossa percepção faz desse mundo?
Podemos conceber essa “representação” como única (já que supomos
ser o mundo lá fora real e único (BALDO; HADDAD, 2003, p. 7).

Como citado, toda percepção é a excitação de um ou de vários órgãos dos senti-


dos pelos estímulos, e essa é a base objetiva de toda percepção. Entretanto, nem
toda a informação que chega aos nossos sentidos, em termos de energia esti-
mulante, é registrada em nossa mente. Existem inúmeros estímulos ao nosso

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
redor acontecendo neste exato momento, que sequer nos damos conta, como,
por exemplo, um barulho do lado de fora da porta.
As portas sensoriais que nos colocam em comunicação com o meio ambiente
nem sempre estão abertas de par em par. Umas abrem-se e outras se fecham em
função do que o organismo necessite fazer em cada instante. Os mecanismos de
atenção encarregam-se de filtrar a informação que nos chega, reforçando alguns
de seus aspectos e ignorando ou minimizando outros.
Nosso cérebro, ao mesmo tempo em que registra, também interpreta, orga-
niza, completa e retifica os estímulos de acordo com nossos desejos, necessidades,
experiências e imaginação. Experimentos têm demonstrado que a percepção de
fatos e objetos se desfigura por temores, desejos e expectativas. Em geral, perce-
bemos aquilo que estamos preparados ou dispostos. Esse é, por exemplo, o caso
de pessoas que sofrem de anorexia e bulimia – embora magérrimas, estas pes-
soas se olham no espelho e veem a imagem de uma pessoa obesa.
Distorção da imagem corporal é uma alteração da sensopercepção
(percepção de si mesmo) e está presente nas pessoas com anorexia
nervosa, como critério diagnóstico inclusive. A percepção distorcida
do corpo é a única distorção que essas pessoas têm da realidade, sen-
do que invariavelmente se sentem e se percebem mais gordos do que
são. Essa percepção distorcida não se modifica, quando o profissional
utiliza técnicas de influenciação ou persuasão para “convencer” seu pa-
ciente da real imagem (CABRERA, 2006, p. 376).

Da mesma forma, resistimos à percepção do que nos desagrada. Existe muita ver-
dade no ditado popular que afirma: “Não existe pior surdo do que aquele que não
quer ouvir, nem pior cego do que aquele que não quer ver”. Tem se demonstrado

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


113

que a descrição de acontecimentos por testemunhos emocionalmente envolvi-


dos não é digna de confiança. Por isso, não se admite como testemunha em um
tribunal algum familiar próximo.
Como vimos na unidade anterior, ao estudarmos a Gestalt, nossas percep-
ções não captam aspectos isolados ou dispersos da realidade, antes conjuntos,
estruturas ou configurações globais. Isto é, vemos, ouvimos, tocamos as coisas
como totalidades com sentido, antes que como elementos simples que são uni-
dos na mente. Por exemplo, quando escutamos uma composição musical, não
ouvimos uma soma de sons isolados, mas os agrupamos de forma natural em
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

uma unidade totalizadora.


A percepção não é uma simples soma de sensações, ela antes se encontra em todo
momento como um campo altamente
organizado e estruturado. Por
exemplo: quando nos apresen-
tam uma pessoa, temos uma
impressão dela nos primeiros
segundos; quando voltamos a
encontrá-la, sabemos que já a
conhecemos. Ainda que todos
nós tenhamos dois olhos, um
nariz e uma boca, existe algo
particular de cada rosto que
lhe dá uma característica pes-
soal. Para chegar à percepção
de uma realidade tão com-
plexa como é uma pessoa, são
suficientes uns breves segun-
dos. Não temos que unir todos
os elementos componentes,
mas captamos a totalidade de
uma vez só. Isso ocorre desde
que nascemos! (ILARI, 2002).

A Percepção Humana
114 UNIDADE III

Apesar do uso da música na infância ser universal, há ainda quem pen-


se no bebê como um ouvinte passivo e pouco sofisticado. Porém, nas
últimas décadas, estudiosos da área de percepção e cognição musical
na infância revelaram que, antes mesmo de completar 1 ano de idade,
os bebês são ouvintes bastante sofisticados (ILARI, 2002, p. 84).

A estas unidades globais significativas que percebemos em nossa vida corrente,


os psicólogos têm denominado de “estrutura”, “configuração”, “forma” ou sim-
plesmente “gestalt” – a palavra alemã para descrever este fenômeno. Na Unidade
II, explicamos as diversas Leis da Gestalt, todas ligadas a nossas percepções. Se
você não lembra bem, sugiro que volte algumas páginas e releia.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Só quero repassar algumas características principais de uma estrutura
(ANDRADE, 2016, on-line).
1. Todas as partes de uma estrutura (ou Gestalt) têm seu valor
específico somente em uma configuração única. Uma estru-
tura é percebida antes pela relação constante entre suas partes
que pela soma delas.
2. Uma estrutura não pode dividir-se em seus elementos sem que
perca seu significado como uma totalidade e sem que mude
o valor de cada parte.
3. Ao mudarmos uma parte significativa de uma estrutura, muda-
mos o todo. Se acrescentar uns poucos elementos que alteram
a estrutura básica, a figura muda por completo. Ao contrário,
pode-se acrescentar muitos elementos secundários e a figura
permanece inalterada.
4. Podem-se mudar todos os elementos sem mudar a gestalt, sem-
pre e quando a estrutura ou desenho tenha sido respeitado.
5. Percebemos os objetos sempre em um contexto. A este con-
texto conhecemos com o nome de fundo, cenário ou ambiente.
Este fundo influi poderosamente na maneira como percebe-
mos os estímulos.
6. A relação entre figura e fundo não é permanente. Em qual-
quer momento, o fundo pode destacar-se e converter-se em
figura. Isto é, o enfoque de nossa atenção sobre um objeto faz
com que este se converta em figura. Como o enfoque da aten-
ção não é permanente sobre um só objeto, a relação de figura
e fundo não é permanente.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


115

7. A camuflagem consiste precisamente em procurar diminuir


o contraste entre figura e fundo.

Contudo, existem elementos subjetivos na percepção, pois nossa mente interpreta


os objetos quando os percebe. Cada pessoa dá um significado próprio ao que vê,
ouve, toca etc. Na verdade, perce-
bemos não somente o que vemos,
mas o que esperamos ver. Não
percebemos somente o que está
diante de nós, mas também o que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

está dentro de nós, de forma que


nossas percepções são bastante
subjetivas. Em grande parte, são
construtos e não meros reflexos
do que está fora. Por esta razão,
os mesmos estímulos ocasionam
diferentes reações em diferentes
pessoas. Várias testemunhas de
um mesmo acidente nos relatam
diferentes versões do ocorrido, de
acordo com sua própria persona-
lidade e imaginação.
Na Figura 1, você vê uma caveira Figura 1 - Caveira ou damas?
ou duas mulheres sentadas vistas
de cima jogando cartas?
As realidades objetivas são percebidas de forma subjetiva, porque nossas
experiências, nossos interesses e nossa imaginação se sobrepõem aos objetos que
percebemos. Quando uma sensação surge no cérebro, imediatamente relacio-
na-se com outras impressões e lembranças, vincula-se com o que chama nossa
atenção e estimula nossa fantasia. Se nos dão para comer uma fruta que nunca
antes havíamos provado, logo dizemos: “isto se parece com...”.

A Percepção Humana
116 UNIDADE III

Segundo o médico e físico alemão Hermann von Helmholtz (1821-1894),


nossa percepção é construída por meio de inferências que inconsciente-
mente fazemos sobre o mundo à nossa volta. Essas inferências são contras-
tadas com informações que o organismo colhe do ambiente. Cada vez que
essas expectativas não são correspondidas, ajustamos nossos perceptos,
criando novas inferências e testando novas conjecturas.
Fonte: Baldo e Haddad (2003).

FATORES SOCIAIS NA PERCEPÇÃO

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Existem, também, fatores sociais que interferem em nossa percepção da reali-
dade, dentre os quais destacamos a sugestão e a influência do grupo. A sugestão
é a ação de dominar a vontade de outra pessoa, levando-a a atuar em determi-
nado sentido. O poder de sugestão sobre uma pessoa é muito grande na hipnose.
Como sabemos, a hipnose é uma espécie de sono artificial induzido, no qual a
pessoa perde o domínio de sua vontade e atua de acordo com as ordens do hip-
notizador. Uma pessoa hipnotizada é capaz de perceber coisas que não existem
ou percebê-las de forma muito estranha. Por exemplo: se o hipnotizador lhe diz
que faz frio, mesmo que esteja muito calor, a pessoa hipnotizada irá tremer de
frio, ou se lhe der água para beber e lhe disser que é leite, a pessoa hipnotizada
a perceberá como tal (SOUZA FILHO, 2007).
A influência do grupo consiste na força que tem a comunidade ou o con-
junto de pessoas achegadas sobre o indivíduo. Essa força é capaz de mudar a
forma da pessoa perceber o mundo. A Psicologia Social reconhece um fenômeno
muito comum em grupos e reuniões massivas, que é a perda da individualidade,
a ponto das pessoas atuarem na direção que “todos” atuam. Conceitos como “his-
teria coletiva” e “psicologia de massas” surgiram da análise destes fenômenos.
Sabe-se que um grupo de pessoas pacíficas pode tornar-se um bando criminal
por influência social num dado momento (FREUD, 1976).
Nos grupos de adolescentes, é muito comum que eles se comportem de
acordo com o que o grupo acredita como valores importantes, como, por exem-
plo, nos modelos estéticos.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


117

A cultura da magreza determina valores e normas que, por sua vez,


condicionam atitudes e comportamentos relacionados ao tamanho do
corpo, à aparência e ao peso, particularmente durante o período de
mudanças físicas e início do desenvolvimento de características sexuais
secundárias próprias da adolescência. A adolescente, sob pressão de
valores presentes na sua cultura, supervaloriza seu tamanho corporal,
o que pode levá-la a práticas danosas à sua saúde (NUNES et al., 2001,
p. 22).

Nem todas as pessoas são suscetíveis às mesmas pressões do grupo, mas os


“lavadores cerebrais” sabem muito bem qual o tipo de pessoa que, colocada em
determinadas circunstâncias, experimenta uma mudança total de suas convic-
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ções. Sem chegar a tanto, a publicidade comercial, a propaganda política e as


campanhas informativas realizam com os meios de comunicação de massa uma
profunda influência nos hábitos de compra, uso e convicções do público. Isto
se combina com o fato de que os meios de comunicação de massa são mane-
jados e controlados pelos grupos de poder que mantêm interesses econômicos
na sociedade.

OS ENGANOS DA PERCEPÇÃO

Os enganos da percepção são basicamente dois: as ilusões e as alucinações. Nossa


mente, ao interpretar os estímulos, pode equivocar-se e oferecer uma falsa per-
cepção, a isto se chama ilusão. O termo psicológico não deve confundir-se com
o significado popular do termo, que equivale a aspirações ou desejos. Na psi-
cologia, a palavra ilusão significa a falsa interpretação dos estímulos (BALDO;
HADDAD, 2003).
As ilusões obedecem a diversas causas. A mais comum é a semelhança de
um estímulo com outro já conhecido. Por exemplo: com todos nós já aconte-
ceu, alguma vez, de cumprimentarmos alguém muito amavelmente pensando
ser uma pessoa conhecida, quando na realidade era um estranho muito pare-
cido com um amigo.
O mau estado dos órgãos dos sentidos ou alguma deficiência dos mesmos
pode ocasionar a má interpretação dos estímulos. Tais são os casos de surdez,
miopia, daltonismo etc.

A Percepção Humana
118 UNIDADE III

Outra causa importante das ilusões é a expectativa. Quando se espera ansio-


samente que alguém ou algo apareça, a ilusão se produz com facilidade. Por
exemplo: em reuniões nas quais histórias de espíritos e aparições são os temas
predominantes, acontece muito facilmente que uma pessoa, após uma reunião
destas, tome por fantasma qualquer coisa, como, por exemplo, uma camisa pen-
durada no varal (BALDO; HADDAD, 2003).
As ilusões óticas não são as únicas. Estes fenômenos ocorrem também com
os outros sentidos. Podemos ter ilusões auditivas, gustativas, olfativas, de movi-
mento etc. e estas ocorrem com todas as pessoas, como coisas normais. Além

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disso, tem suas aplicações práticas, como a maquiagem, por exemplo. Diz um
ditado popular que “não existe mulher feia, só mal maquiada”. O cinema tam-
bém não é outra coisa, além de uma ilusão de movimento, já que consiste em
uma série de fotografias imóveis que passam em sequência por uma lente a uma
determinada velocidade (AZAMBUJA, 2015).
Enquanto as ilusões são frequentes nas pessoas normais, as alucinações são
raríssimas. Alucinações são casos de percepção imaginária. Consistem em “cap-
tar” um estímulo quando, na realidade, este estímulo não existe. Uma pessoa
que sofre de alucinações está certa de ouvir, ver ou tocar algo, quando objetiva-
mente não existe tal realidade. Existem enfermidades que se caracterizam por
alucinações, tais como a paranóia; o uso de certas drogas também ocasiona alu-
cinações. Pessoas que sofrem de alucinações necessitam de tratamento e cuidado
especial (SANTOS, 2006).
Um tipo especial de alucinação “normal” ocorre após a perda de uma pes-
soa querida e se tem visões, ou sente-se o perfume, ou os passos do falecido. Isso
tem mais a ver com a memória que está reativada pelos processos emocionais do
que pelos órgãos dos sentidos. Tais pessoas estão fragilizadas pela perda e, assim,
a memória dela “prega peças” perceptivas, que se confundem com a realidade
externa – o grande perigo nesse momento é a pessoa fragilizada ser influen-
ciada por outras pessoas, que tais fenômenos são de ordem do sobrenatural e
não como reações normais a uma perda significativa (MALDONADO, 2005).
Bem, estimado(a) aluno(a), iniciamos nosso passeio pelos subúrbios da mente
humana conhecendo os fenômenos perceptivos. Você gostou? Espero que sim! Então,
convido você a visitar outro setor da mente que é o das motivações. Vamos junto?

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


119
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A MOTIVAÇÃO E AS NECESSIDADES HUMANAS


BÁSICAS

A palavra “motivação” deriva-se da raiz latina que significa “o que coloca em


movimento”, ou seja, o que impulsiona a ação. Um motivo é diferente de um estí-
mulo, ainda que ambos possuam o poder de incitar, porém o estímulo produz
uma resposta determinada em relação a uma situação momentânea, enquanto o
motivo abarca muitas respostas e existe antes que surja o estímulo (MESQUITA;
DUARTE, 1996).
Uma motivação emocional básica está relacionada com a dualidade agradável-
-desagradável. Existem elementos desta dualidade que aparentemente não é algo
aprendido, pois, em geral, os sons suaves, os ritmos simples, as cores brilhantes
e os sabores doces são os preferidos. Outros gostos e aversões são condiciona-
dos culturalmente também por experiências e associações pessoais.
Mesmo sendo o prazer e a dor forças motivadoras gerais, estas reações
podem ser modificadas pela experiência individual, pois certos indivíduos bus-
cam a dor e evitam o prazer.

A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas


120 UNIDADE III

A motivação depende também de estímulos diretos externos, os quais são


mais fortes quando o reforço do estímulo é o prêmio e o castigo. O castigo cons-
titui um estímulo na aprendizagem dos animais, mas para nós, seres humanos, o
elogio e o prêmio parecem ser incentivos mais fortes que a reprovação e o castigo.
As motivações emocionais estão diretamente ligadas às intelectuais, ou seja,
interesses, ideais e propósitos. Na realidade, apenas podem ser separadas dida-
ticamente. O sucesso influi sobre nossos interesses em relação com o tipo de
atividade. Por exemplo: a atitude dos trabalhadores perante a empresa na qual
trabalham está relacionado positivamente com o êxito que obtém de seu traba-

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lho, por isso que incentivo tem grande influência na indústria moderna.
Muitas vezes, uma pessoa tem o desejo de realizar algo para evitar uma
punição, ou para conquistar uma recompensa. Nestes casos, a iniciativa
para a realização da tarefa não partiu da própria pessoa, mas de um
terceiro (fator extrínseco), que a estimulou de alguma forma para que
ela se movimentasse em direção ao objetivo pretendido (...). A pessoa
não teria caminhado em direção ao objetivo caso não houvesse a puni-
ção ou a recompensa. As pessoas podem, também, agir levadas por um
impulso interno (fator intrínseco), por uma necessidade interior. Neste
caso, existe vontade própria para alcançar o objetivo, existe motivação
(BUENO, 2002, p. 6).

Entretanto, é curioso observar que algumas pessoas perdem o interesse em uma


atividade precisamente quando começam a ter sucesso e, então, partem para
outra atividade. Neste caso, podemos afirmar que o interesse não está relacio-
nado com a atividade como tal, mas com o impulso para a realização.
Por outro lado, existem indivíduos que resistem à pressão da opinião pública
e reagem de forma contrária às condições externas. Nessa perspectiva, o inte-
resse pode estar relacionado com a necessidade de aprovação social ou com a
autoexpressão e pode envolver implicações intelectuais, morais ou religiosas.
Os interesses e motivações podem estar relacionados com ideais e, se uma
pessoa tiver um elevado ideal social, científico, religioso ou pessoal, tal interesse
se dirige a algo que lhe concerne diretamente.
Resumindo, chegamos à conclusão de que os interesses e propósitos não são,
necessariamente, o resultado da simples relação entre um estímulo e sua res-
posta, mas que a motivação é multidimensional. Cada motivo principal é uma
estrutura de muitos sub-motivos.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


121

É difícil definir exatamente o conceito de motivação, uma vez que este


tem sido utilizado com diferentes sentidos. De modo geral, motivação
é tudo aquilo que impulsiona a pessoa a agir de determinada forma ou,
pelo menos, que dá origem a uma propensão a um comportamento es-
pecífico, podendo este impulso à ação ser provocado por um estímulo
externo (provindo do ambiente) ou também ser gerado internamente
nos processos mentais do indivíduo (TADIN et al., 2005, p. 41).

MASLOW E A TEORIA DAS NECESSIDADES BÁSICAS


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Como nós estudamos na Unidade II, Abraham Maslow é um dos expoentes da


Psicologia Humanista. Naquela unidade, nós vimos que esta corrente de pen-
samento está centrada no ser humano - suas necessidades, suas metas, seus
desempenhos e triunfos - e tem dado lugar a uma nova filosofia da ciência, da
educação, da psicoterapia, da política, da religião etc.
Maslow (1954) conceitua o homem como um todo, motivado por certo
número de necessidades básicas, aparentemente imutáveis e de origem genética.
O original nas conclusões de Maslow é a hierarquização destas necessidades,
começando com as biológicas e terminando com as de autorrealização. Quando
as necessidades fisiológicas são satisfeitas, imediatamente surgem outras necessi-
dades que dominam o organismo e, quando estas últimas são satisfeitas, surgem
outras novas e mais elevadas e assim continuamente. Isto significa que as necessi-
dades humanas estão organizadas hierarquicamente, numa relação de prepotência.
Em síntese, segundo Maslow, as necessidades humanas estão arranja-
das em uma pirâmide de importância e de influenciação do comporta-
mento humano. Na base da pirâmide estão as necessidades mais baixas
e recorrentes, chamadas necessidades primárias – necessidades fisio-
lógicas e de segurança –; enquanto no topo estão as mais sofisticadas
e intelectualizadas – necessidades secundárias: sociais, de estima e de
auto realização (TADIN et al., 2005, p. 44).

Os postulados de Maslow (1954) sobre a motivação humana podem ser aplicados


a quase todos os aspectos da vida individual e social. O pressuposto básico destes
postulados é de que o indivíduo é um todo integrado e que a motivação opera
na pessoa. Os desejos do indivíduo, em sua maioria, estão inter-relacionados.

A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas


122 UNIDADE III

Um conceito exclusivo e fundamental da teoria de Maslow é que o ser humano


é motivado por certo número de necessidades básicas – de ordem fisiológica e
de segurança –, que abarcam a todas as espécies. Existem, ainda, necessidades
de desenvolvimento, que constituem a verdadeira natureza interior da espé-
cie humana. Estas últimas podem ser distorcidas, mudadas ou reprimidas pela
aprendizagem e pela cultura. Desta forma, Maslow (1954) elabora uma cate-
gorização das necessidades humanas às quais ele dispõe em forma piramidal,
sendo a base constituída pelas necessidades “básicas” e o topo pelas necessidades
de realização pessoal. Maslow (1954) sustenta que durante toda sua vida o ser

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humano está desejando algo, porque é um animal volitivo e raramente alcança
um estado de completa satisfação, ele afirma: “O homem é um animal desejante
e raramente atinge um estado de completa satisfação, exceto por um curto perí-
odo de tempo. Assim que um desejo é satisfeito, outro explode e assume o seu
lugar” (MASLOW, 1954, p. 69).

Autorrealização

Estima

Amor e pertença

Segurança

Fisiológica

Figura 2 - Pirâmide das Necessidades Humanas

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


123

O primeiro bloco de necessidades, que estão na base da conhecida “Pirâmide


de Maslow”, é denominado de necessidades básicas e abarcam as necessidades
fisiológicas e as necessidades de segurança.
As Necessidades Fisiológicas são as mais fundamentais, insubstituíveis e
poderosas em todo ser humano, pois se referem à sobrevivência física: alimen-
tação, sede, refúgio, sexo, sono e oxigênio. Para uma pessoa faminta não existe
maior interesse que o alimento. Tal pessoa sonha com comida, lembra-se dela
constantemente e tem fixo em sua mente a vontade de encontrar alimento e,
quando encontra, vibra diante dele; é a única coisa que deseja (MASLOW, 1954).
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Ainda que as necessidades fisiológicas possam ser identificadas mais facil-


mente que as demais necessidades, não podemos tratá-las como fenômenos
parciais, isolados. Por exemplo: algumas pessoas com falta de afeto comem
exageradamente.
Uma vez que as necessidades de índole fisiológica estão satisfeitas, emer-
gem, no ser humano, as Necessidades de segurança. Crianças necessitam de
um mundo previsível, estável e com certo grau de rotina. Quando estes ele-
mentos estão ausentes, elas são vítimas de insegurança e ansiedade. Por isso é
aconselhável o estabelecimento de uma liberdade com limites, antes que uma
total permissividade. Adultos inseguros atuam, de certa forma, como crianças
tímidas ou como se uma grande catástrofe estivesse sempre pronta a acontecer.
A pessoa insegura sente uma necessidade urgente de ordem e estabilidade, tra-
tando a todo custo de evitar o desconhecido, como se isto fosse uma questão de
vida ou morte (MASLOW, 1954).
Quando as necessidades básicas são satisfeitas, emergem o segundo grupo
de necessidades humanas, que também é conhecido como as necessidades de
desenvolvimento, e são as necessidades de amor e pertença; as necessidades de
estima e as necessidades de autorrealização.
Necessidades de amor e pertença, ou seja, a pessoa passará a sentir “fome”
de laços de afeto com as outras pessoas em geral, especialmente procurando obter
um lugar em seu próprio grupo. Para Maslow (1954), não se deve confundir amor
com sexo. Amor significa ser plenamente compreendido e profundamente aceito
por alguém, enquanto sexo, para o autor, é uma necessidade puramente fisiológica.

A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas


124 UNIDADE III

Maslow (1954) afirma que a ausência de amor impede o crescimento e a


expansão do potencial da pessoa. O amor implica em uma sã e afetuosa relação
entre duas pessoas, a qual inclui mútua confiança. Nos laços adequados existe
ausência de temor e rebaixamento de qualquer defesa. Ao contrário, o amor se
deteriora quando um dos amantes teme que suas faltas e debilidades sejam des-
cobertas, sendo este fator que nos leva a evitar o aprofundamento da intimidade
e a manter nossas amizades a um nível meramente superficial.
No que se refere à necessidade de estima, Maslow (1954) estabelece duas cate-
gorias: a autoestima e a estima por parte dos demais. A primeira inclui conceitos

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como o desejo de obter confiança, competência, perícia, suficiência, autonomia e
liberdade. A estima por parte dos demais inclui conceitos como prestígio, reco-
nhecimento, aceitação, deferência, status, reputação e apreço. Uma pessoa com
suficiente autoestima é mais segura, mais capaz e, portanto, mais produtiva.
A identificação da necessidade psicológica referente a crescimento, desen-
volvimento e utilização do potencial foi denominada por Maslow (1954) de
Autorrealização ou atualização do eu.
Necessidades de autorrealização ou autoatualização – compre-
endem a ideia, defendida por muitos autores (como Jung, 1987, por
exemplo), de que as pessoas têm um potencial interno que necessi-
ta tornar-se ato. Maslow dedica dois capítulos à autorrealização, nos
quais mostra dados colhidos a partir de análises biográficas de figuras
históricas, estudo de pessoas contemporâneas de destaque e jovens
que pareciam estar se desenvolvendo rumo à autoatualização (DOS
REIS SAMPAIO, 2009, p. 9).

Em geral, as necessidades básicas surgem na ordem apresentada, contudo ocor-


rem exceções. Existem muitos exemplos históricos de pessoas que chegaram a
ser mártires, defendendo um ideal mesmo em detrimento de suas necessida-
des mais básicas.
Maslow (1954) também alerta para o risco de se considerar, de modo muito
rígido, a hierarquia de necessidades. Não se deve supor que a necessidade de segu-
rança irá emergir somente quando a necessidade de alimento está plenamente
satisfeita etc., mesmo porque, em nossa sociedade, a maioria das necessidades só
é preenchida de forma parcial, podendo, assim, as pessoas ter maior ou menor
grau de consciência de suas necessidades vitais.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


125

Além destas conhecidas necessidades, Maslow (1970) acrescentou, a pos-


teriori, mais duas que são a necessidade de conhecer e a necessidade estética.
Infelizmente, a maioria dos leitores de Maslow não atenta para esse fato e, por
isso, a famosa “pirâmide de Maslow” contém apenas cinco estágios.
Maslow (1970) postula sobre a necessidade que o ser humano tem de conhe-
cer, que estaria indiretamente relacionado com a necessidade de construir um
sistema de valores. Esta necessidade vem da curiosidade natural que os seres
humanos (e outros animais mamíferos superiores) têm. O autor afirma que essa
necessidade é compreendida como “um desejo de entender, de sistematizar, de
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organizar, de analisar, de procurar por relações e significados, de construir um


sistema de valores” (MASLOW, 1954, p. 97).
A ciência em geral tem ignorado a possibilidade de que as pessoas possuam
uma necessidade pelo estético. Maslow (1970) afirma que, ao menos em alguns
indivíduos, esta necessidade é muito intensa, a ponto que sua ausência pode
fazê-los enfermar. Os efeitos que causam em algumas pessoas tanto os ambien-
tes aconchegantes quanto aqueles de aparência sinistra são uma comprovação
desta necessidade.
A necessidade do estético está ligada à imagem que o indivíduo tem de si,
ou seja, aqueles que não se tornam mais saudáveis diante da beleza estão cer-
ceados por uma visão degradada deles mesmos. Por exemplo: alguém que vai
sujo e desarrumado a um restaurante de primeira qualidade logo se sente mal,
pois acha que “não merece” estar em tal lugar. Maslow (1970) observou que a
necessidade do estético está quase universalmente presente em crianças sadias.
As condições ambientais e sociais do grupo estão estreitamente relacionadas
com a motivação individual. Alguns requisitos para a satisfação das necessidades
fundamentais são: a liberdade de expressão, de inquirir e defender-se, de fazer
o que deseja sem prejudicar o próximo, a justiça, a honestidade, a igualdade e a
ordem. Sem tais condições, as necessidades tornam-se quase impossíveis de efe-
tuar-se ou, pelo menos, ficam seriamente comprometidas.
Maslow (1970) ainda afirma que as necessidades de desenvolvimento estão
apoiadas sobre as necessidades básicas e precisam das mesmas como fundamento
para seu crescimento. Maslow (1970) relacionou da seguinte forma estas neces-
sidades (também denominadas de meta-necessidades ou “Meta-motivação”):

A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas


126 UNIDADE III

1. Totalidade: unidade, integração, tendência à unidade, simpli-


cidade de interconexão, organização, estrutura, transcendência
da dicotomia, ordem.
2. Perfeição: necessidade de justiça, igualdade, adequação, ajuste,
inteireza, equidade, inevitabilidade.
3. Completar: fim, finalidade, término, realização, destino, “telos”.
4. Justiça: imparcialidade, ordem, legalidade.
5. Vivacidade: atividade, espontaneidade, autorregulação, pleno

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funcionamento.
6. Riqueza: diferenciação, complexidade.
7. Simplicidade: honestidade, transparência, abstrato, essencial.

8. Beleza: retidão, forma, vitalidade, esplendor, totalidade, per-


feição, exclusividade, franqueza.
9. Bondade: retidão, benevolência, honestidade, desejabilidade.
10. Originalidade: idiossincrasia, individualidade, incompara-
bilidade, novidade.
11. Facilidade: soltura, ausência de tensão, esforço ou dificuldade,
graça, perfeição, bom funcionamento.
12. Recreação: diversão, deleite, entretenimento, júbilo, humor,
exuberância, facilidade.
13. Verdade: honestidade, realidade, pureza, nitidez, não adulte-
rado, integridade, transparência.
14. Autossuficiência: autonomia, independência, não precisar de,
separatividade, autodeterminação, transcendência do meio.

Para concluir a etapa de reflexão sobre a motivação humana, devemos entender


que os antigos gregos analisavam os fatores da motivação de diversas formas: em
função da razão e dos apetites, segundo Platão e Aristóteles, e de acordo com a dor
e o prazer, segundo Epicuro. Já Descartes explicava a motivação como um princí-
pio mecânico, e outros filósofos em função do bem e do mal (DESCARTES, 1979).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


127

A psicologia moderna mecanicista tem explicado a motivação levando em


conta os reflexos, os instintos e os tropismos que, como máquinas inatas, res-
pondem às forças do ambiente, por meio do condicionamento ambiental: ponto
de vista segundo o qual todas as máquinas são externas e o organismo somente
proporciona a instalação e os condutores.
Recentemente, a motivação tem sido considerada como uma função do
organismo total, mais que uma simples resposta a um estímulo. A psicologia das
formas (Gestalt) assinala o aumento de tensão durante a motivação, e a psicaná-
lise firma-se no trabalho das forças antagônicas. O conducionismo, enfocando seu
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interesse exclusivo sobre a conduta, tem omitido a motivação de suas teorias. As


hipóteses racionalistas colocam a importância da razão, da reflexão, da lógica e da
inteligência acima da motivação; as teorias do inconsciente sublinham os efeitos
dos impulsos, pressões e direcionamentos latentes. Outras teorias sobre a emoção
consideram a esta como a fonte da motivação (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Em resumo: a motivação é a grande força que unifica as diferentes mani-
festações da atividade psicológica; abarca as forças unificadoras dos processos
mentais e emocionais.
Depois de passear pela teoria de Maslow, você se sente motivado a seguir
viagem para conhecer mais alguns aspectos da mente humana? Que tal, então,
saber algumas coisas sobre nossas emoções?

A Motivação e as Necessidades Humanas Básicas


128 UNIDADE III

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O AFETO E AS EMOÇÕES

A característica mais importante que distingue o ser humano dos animais é sua
capacidade de raciocinar. Entretanto, suas reações emocionais surgem cronológica
e fenomenologicamente antes da razão e da reflexão. O papel que desempenham
na conduta é enorme, muitas vezes dominam a personalidade, obscurecendo a
razão. Os defensores da psicologia profunda ou psicanálise asseguram que nos-
sos impulsos e emoções são responsáveis últimos pelos nossos atos. Deste ponto
de vista, o ser humano como ser emocional é muito mais importante que o ser
humano como ser racional (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Já vimos na Unidade II que, para a psicanálise, os nossos impulsos e emoções
são os responsáveis últimos pelos nossos atos. As emoções não são fenômenos iso-
lados, mas estão em conexão com o todo do nosso ser, de tal forma que indícios
de alterações emocionais manifestam-se por meio de mudanças da respiração; dos
batimentos cardíacos; da pressão arterial; da temperatura do corpo; da secreção glan-
dular e até pode ocorrer uma maior fluidez de energia elétrica na pele, de forma que
as emoções podem ser definidas basicamente com um desequilíbrio do organismo.
Uma definição do que são emoções nos é trazida por Oliveira e Jaques (2008, p. 157):

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


129

[...] emoção é considerada como um elemento do conjunto genérico de


estados afetivos, no qual, também, se encontra o humor, entre outros.
Ao contrário do humor, que costuma ter uma duração mais longa (ho-
ras, dias) e não tem uma causa bem definida, a emoção é normalmente
breve (minutos) e ocorre em função de um estímulo interno ou exter-
no. Neste contexto, uma expressão emocional é aquilo que é demons-
trado a outras pessoas, voluntária ou involuntariamente.

As emoções estão intimamente ligadas com os estados mentais. Por exemplo: se


imaginarmos vivamente uma situação perigosa, podemos chegar a sentir medo e
acelerar o ritmo cardíaco. Recordando fatos agradáveis, podemos rir. Pensando
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em atividades sexuais podemos nos excitar etc. Por outro lado, as emoções estão
intimamente ligadas entre si. O amor pode estar associado com a alegria, com
o medo, às vezes com a ansiedade e até o ódio. A ira pode transformar-se em
pena, a vergonha em agressividade etc. Às vezes, dois estados emocionais opos-
tos formam duas faces de uma mesma moeda.

AS EMOÇÕES PRIMÁRIAS E AS EMOÇÕES COMPLEXAS

As causas das emoções podem ser muito diversas e tornam-se visíveis por meio
de reações corporais características. As emoções têm uma “linguagem” interna
e outra externa. Algumas “palavras” da linguagem interna são: as mudanças do
batimento cardíaco, a secreção de saliva, as mudanças de temperatura da pele
e muitas outras supramencionadas. A linguagem externa é muito mais visível e
compreensível e consiste em choro, sorrisos, gestos, brincadeiras, gritos, estados
depressivos, imobilidade etc. Existem muitas manifestações emocionais que par-
ticipam de ambas as linguagens (MESQUITA; DUARTE, 1996).
Damásio (2000) afirma que as emoções devem ser entendidas como pro-
cessos e que as mesmas têm um papel fundamental na preservação da vida do
organismo e são determinadas biologicamente por certos mecanismos cerebrais
inatos. Entretanto, o autor ressalta a importância da cultura e do processo de
desenvolvimento da criança na modelagem das emoções, na forma de modelar
os aspectos de sua expressão.

O Afeto e as Emoções
130 UNIDADE III

Ainda que seja muito difícil fazer uma classificação das emoções, em geral os
psicólogos diferenciam dois grandes grupos: as “emoções primárias” e os “esta-
dos afetivos complexos”. As emoções primárias representam os aspectos mais
gerais e básicos da vida afetiva. São o prazer e a dor, o agradável e o desagradá-
vel, o bem-estar e o mal-estar; que são variantes do mesmo sentir. As emoções
primárias ou afetos básicos estão diretamente relacionados com as necessidades
básicas. Quando estas alcançam seu objetivo, se produz um estado agradável, de
bem-estar ou prazer, mas quando elas não são satisfeitas (por exemplo: a criança
que tem fome e não recebe ali-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mento) se produz um estado
desagradável, de mal-estar
ou dor, o qual é conhecido
com o nome de “frustração”
(BERKOWITZ, 1989).
As causas mais graves das
frustrações são encontradas
nos conflitos, ou seja, quando
duas ou mais tendências dis-
putam entre si o predomínio
da pessoa. Por exemplo: um
estudante encontra-se entre
duas situações difíceis: um estudo chato ou a perda do ano. Pode acontecer
também que um mesmo objeto desperte simultaneamente o desejo e a repulsa,
como o caso de uma pessoa que gostaria muito de receber uma promoção de
cargo em sua empresa, mas, ao mesmo tempo, receia que as demandas de uma
nova função lhe roubem tranquilidade e tempo de qualidade.
As frustrações desempenham um papel muito importante na vida, porque
são profundamente sentidas e causam tristeza, temor, ira e até sérias complica-
ções afetivas, dependendo da personalidade da pessoa e da gravidade da situação.
Quando a frustração se agrava ou se repete e não é resolvida de uma maneira
positiva, ela pode causar angústia. Esta é um medo vago e generalizado que
invade a pessoa de forma desagradável quando ela se sente incapaz de enfrentar
as tarefas e situações da vida (MESQUITA; DUARTE, 1996).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


131

As emoções complexas, como o nome indica, são estados afetivos mais ela-
borados, tais como o ódio e o amor, a alegria e a tristeza, o orgulho e a vergonha
etc. Estes tipos de emoções subdividem-se em duas classes: as chamadas emo-
ções-choque e as emoções-sentimento. A emoção-choque consiste em uma
manifestação afetiva violenta, mas pouco duradoura. Por exemplo: um susto
quando um cão avança sobre nós latindo; uma explosão de raiva diante de uma
situação que nos desagrada etc. Este tipo de emoção vem acompanhado de alte-
rações fisiológicas e psicológicas características, como a agitação, a imobilidade
entre outras. A emoção-sentimento é a emoção suave, relativamente estável e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

duradoura, como o que é produzido na contemplação de uma cor agradável e


até os sentimentos intelectuais, estéticos, morais e religiosos (DAMÁSIO, 1996).

AS EMOÇÕES SEGUNDO A ANÁLISE TRANSACIONAL

A Análise Transacional afirma que o ser humano possui emoções autênticas e


borrões. As emoções autênticas são cinco: alegria (ou prazer); afeto (com seus
variantes, desde a simpatia até a paixão); tristeza, medo e raiva (ira). Os Borrões
são emoções ou condutas fomentadas, na maioria das vezes, pelos pais, inade-
quadas ou patológicas, que encobrem uma emoção autêntica, cuja expressão não
foi permitida em remota idade ou que não obteve estímulos positivos. Por exem-
plo: uma criança sente raiva porque seus pais não lhe deram o presente que lhe
haviam prometido. Expressa sua raiva, porém é desqualificada. Como necessita
de ‘estímulos’, decide chorar. Vem sua mãe e a consola dando-lhe os estímulos
que ela procura. Como esta sequência se repete várias vezes, a criança ‘conclui’
que é melhor chorar que sentir e expressar sua raiva. Desenvolve assim um “bor-
rão de tristeza ao invés de uma raiva autêntica”. O Quadro 1 resume as possíveis
situações familiares que geram os “borrões” mais frequentes.

O Afeto e as Emoções
132 UNIDADE III

Quadro 1 - Emoções autênticas e Borrões

EMOÇÃO BORRÃO MAIS


POSSÍVEL SITUAÇÃO FAMILIAR
AUTÊNTICA COMUM

Não podia estar alegre se todos não estavam alegres, ou se era


Culpa
reprovada quando se alegrava.

Ansiedade Cada vez que se alegrava era reprovada ou cobrada.


ALEGRIA
PRAZER
Falso medo Alegrava-se se era ameaçada ou castigada.

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“Chorar de alegria”. A família temia que se mostrasse alegria de
Falsa Tristeza
forma direta, algo ruim iria acontecer. Expressavam por choro.

Inadequação, ansiedade Ao demonstrar afeto o rebaixavam ou o rejeitavam.

AFETO
Falsa raiva Brigavam para evitar intimidade.
AMOR

Não havia suficientes carícias para todos e alguém era prefe-


Ciúmes
rido.

MEDO Falsa Alegria Era induzido a rir do perigo e a prejudicar-se.

Falsa Alegria Riam dele quando estava mal.

Falsa Raiva, Se estava triste, perturbavam-no até que se irritava. Além disso,
TRISTEZA
ressentimento outro elemento da família “elegia” a tristeza, monopolizando-a.

Temia não controlar sua tristeza e entristecer a outros e como


Ansiedade
resultado estes se deprimissem ou se suicidassem.

Falsa Alegria Riam quando estavam chateados ou quando ele se chateava.

Se alguém se chateava, temiam que matasse alguma pessoa.


RAIVA Ansiedade, Falsa Tristeza
Não distinguiam “sentir” de “atuar”.

Culpa Se mostrava raiva o culpavam e se queixavam.

Fonte: adaptado de Berne (1985).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


133

FATORES DETERMINANTES DAS EMOÇÕES

No estudo das emoções, tem se podido reconhecer certos fatores que, somente
por motivo didáticos, foram nomeados de forma isolada. Na dinâmica real dos
fenômenos vitais, estes fatores encontram-se fortemente entrelaçados uns com
os outros de tal forma que é muito difícil separá-los. Encontramos que os prin-
cipais fatores que influem nas emoções são: a hereditariedade, a maturidade,
a aprendizagem e o inesperado (MALDONADO, 1991).
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Para Vigotski, as emoções são funções psicológicas superiores, portanto,


culturalizadas e passíveis de desenvolvimento, transformação ou novas apa-
rições (...) em estreita relação com outros do psiquismo.
(Letícia P. Machado, Marilda G. D. Facci e Sonia M. S. Barroco)

A hereditariedade

O recém-nascido possui emoções? Evidentemente sim; desde que nascemos


temos reações emotivas. O recém-nascido é capaz de reagir diante de estímulos
intensos e bruscos, como um ruído forte ou um golpe, ou diante de estímu-
los internos como a fome e a dor. A criança recém-nascida parece demonstrar
somente um tipo de reação emocional básica que é denominada de “excitabili-
dade”. Quando tem fome (sensação desagradável), manifesta seu estado emotivo
agitando os braços e as pernas, chorando e gesticulando. Toda mãe ‘compreende’
a linguagem emotiva de seu filho e sabe quando este tem fome, quando está con-
tente, quando quer que lhe troquem as fraldas, quando dói o estômago, entre
outros. Desta reação emotiva básica desenvolvem-se, de forma normal e natu-
ral, as demais emoções à medida que a criança vai crescendo.

O Afeto e as Emoções
134 UNIDADE III

A MATURIDADE

Os processos emocionais básicos inatos desenvolvem-se e diferenciam-se por si


mesmos, do mesmo modo que o corpo desenvolve-se e seus membros chegam
a diferenciar-se mais e mais pelo processo natural do crescimento físico. Este
desenvolvimento emotivo se dá de forma independente da aprendizagem ou da
influência do meio. Os padrões emocionais crescem com a criança e parecem
realizar-se da seguinte maneira:
Quando a criança nasce possui uma emoção básica (difícil de diferenciar)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
chamada excitabilidade.
■■ Aos três meses: excitabilidade, prazer, pena.
■■ Aos seis meses: excitabilidade, prazer, pena, ira, asco, medo.
■■ Aos doze meses: excitabilidade, prazer, pena, ira, asco, medo, alegria,
afeto (carinho ou amor).
■■ Aos dezoito meses: excitabilidade, prazer, pena, ira, asco, medo, alegria,
afeto, ciúmes.

A Aprendizagem

O ser humano também pode aprender certas reações emocionais por influên-
cia do meio que o rodeia. Esta aprendizagem se dá de diferentes maneiras. As
principais são: condicionamento direto, condicionamento indireto, condi-
ções sociais e identificação.
■■ Condicionamento direto: um condicionamento direto realiza-se quando
um estímulo que provoca uma reação emocional vem associado com outro
estímulo qualquer, em uma quantidade de vezes necessárias para desper-
tar no indivíduo uma reação emocional própria do primeiro objeto, mas
na presença do segundo (como no caso do experimento de Watson com
o menino Albert visto na Unidade I – lembra?).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


135

■■ Condicionamento indireto: um médico desperta, numa ocasião qualquer,


uma reação negativa na criança, associada com as moléstias da doença, e
posteriormente gerando o medo. Pessoas que tenham algo parecido com
tal médico podem, mais tarde, produzir sentimentos emocionais aversi-
vos, aparentemente “sem motivo”.
■■ Condições sociais: por exemplo: crianças sentem-se atraídas pelos ani-
mais e tem uma inclinação natural de brincar com eles. Contudo, se todos
na família ficam horrorizados quando veem um rato, a criança também
aprenderá a ter medo dos ratos. Isto explica porque do temor generali-
zado a animais pequenos e inofensivos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

■■ Identificação: Muitas reações emocionais são adquiridas por identifi-


car-se com os personagens de um livro, de uma novela, de um filme ou
por condicionamento simbólico (como o medo e terror de fatos e seres
sobrenaturais).

O INESPERADO

Constitui um forte estímulo tanto para as emoções positivas como para as nega-
tivas. Quando o filho que esteve ausente do lar por muito tempo retorna sem
aviso prévio, sua visita inesperada produz uma impressão emocional forte que
faz com que algumas mães chorem e outras riam.
Bem, agora que caminhamos um pouco pelo campo das emoções e enten-
demos a sua importância no comportamento humano, vamos adiante e vejamos
como estas emoções ficam gravadas em nossa memória e como isso vai gerando
certas aprendizagens que levamos pela vida afora. Sigamos em nossa viagem!

O Afeto e as Emoções
136 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A MEMÓRIA E A APRENDIZAGEM

Se não tivéssemos memória, apesar dos órgãos dos sentidos, não seríamos cons-
cientes do que vemos, ouvimos ou percebemos, porque os estímulos passariam
através de nós sem deixar impressões. Graças à memória, podemos conhecer o
mundo que nos rodeia e acumular experiências. A memória é a função do orga-
nismo que conserva o passado em forma de experiências e conhecimentos para
usá-los na vida presente e futura.
A memória não é somente uma atividade da mente, mas de todo o orga-
nismo. “Guardamos” o passado em nossos costumes, em nossos hábitos, em nossa
maneira de reagir diante das coisas, na atitude perante a vida etc... Manejamos
diferentes tipos de memória: a que nos faz recordar um acidente que tivemos
há alguns dias; a que nos capacita a recitar uma poesia decorada; a que nos per-
mite reconhecer um amigo em uma foto de 10 anos atrás; a memória habitual
que nos lembra de que almoçamos às 12:00 horas; a que nos permite reapren-
der algo que soubemos algum dia e que requer muito pouco esforço para ativar
tal conhecimento, entre outros.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


137

Segundo os conceitos tradicionais, a memória era semelhante a uma máquina


que adquire impressões, as retém e as recorda. Desta forma, foi considerada um
processo quase mecânico que continha os seguintes passos: aquisição, retenção
e recordação. Por exemplo: se alguma vez aprendemos que os alimentos vendi-
dos na rua (doces, sorvetes etc) estão conta­minados por milhões de micróbios,
bactérias e parasitas, nós adquirimos este conhecimento, seja na escola, numa
palestra ou numa leitura. Este conhecimento fica guardado na memória, ou seja,
o retemos para utilizá-lo no momento oportuno. Quando passamos pela rua e
vemos alguém vendendo alimentos expostos ao pó, logo reconhecemos que ali
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existe um perigo para a saúde, porque recordamos o que havíamos aprendido


acerca dos micróbios. Estudos recentes nos mostram que esta forma de explicar
o funcionamento da memória, ainda que faça sentido, é muito parcial, porque
nosso organismo funciona como uma totalidade inter-relacionada e a memó-
ria depende também de outras funções orgânicas e mentais. Para Smolka (2000,
p. 186):
[...] estudar a memória no homem, então, não é estudar uma “função
mnemônica” isolada, mas é estudar os meios, os modos, os recursos
criados coletivamente no processo de produção e apropriação da cul-
tura. Os trabalhos de Halbwachs, sociólogo francês, e de Bartlett, psicó-
logo inglês, contemporâneos de Vygotsky, Luria e Bakhtin, vão apontar,
de maneiras diferenciadas, nessa mesma direção.

Por outro lado, não podemos reter tudo na memória. Quando andamos pela rua,
vemos centenas de rostos, ouvimos inumeráveis ruídos, percebemos um grande
número de estímulos, mas só nos lembramos de muito pouco de tudo isso. Nossa
mente armazena, em alguma parte, uma enorme quantidade de informação.
Alguns fatos ou impressões que retemos na memória ficam na superfície ou
no consciente e são facilmente lembrados. Essas impressões são fáceis de recor-
dar por­que são mais recentes, são de interesse da pessoa ou estão associados com
aspectos diários da vida. Outras impressões não aparecem espontaneamente,
mas depois de algum esforço. Podemos dizer que estas impressões encontram-
-se em uma segunda camada, mais profunda que a anterior. Algumas coisas que
cremos esquecidas, como o nome de uma pessoa, realmente não se perderam,
mas encontram-se em alguma parte da memória. Por último, existem impres-
sões que permanecem em camadas mais profundas e não podem ser lembradas

A Memória e a Aprendizagem
138 UNIDADE III

a não ser sob certas circunstâncias. Muitas destas impressões são guardadas na
memória sem que nos demos conta delas. Alguns psicólogos chamam de incons-
ciente esta terceira camada (IZQUIERDO, 1989).
A memória atua dinamicamente e está em contínua atividade. Comprovamos
isto no seguinte exemplo: uma pessoa se esquece do nome de um amigo que
encontra na rua; faz um esforço para lembrá-lo, mas não pode; por fim decide
deixar de esforçar-se para lembrar. Então, repentinamente, o nome da pessoa apa-
rece de súbito e de forma bem clara em sua mente. É como se a mente estivesse
“procurando” no subconsciente ou no inconsciente o que não pode encontrar

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
conscientemente.
Também a memória, como já visto com as outras dimensões da mente
humana, não está desconectada do TODO de nosso ser, antes tem ligação íntima
com as emoções, as motivações, as percepções etc.
Que efeito uma espantosa capacidade de memória tem em outros as-
pectos da personalidade, nos hábitos de pensamento e imaginação de
um indivíduo, em seu comportamento e desenvolvimento da persona-
lidade? Que mudanças ocorrem no mundo interno da pessoa, nas suas
relações com os outros, no seu estilo de vida, quando um elemento do
seu psiquismo – sua memória – desenvolve a um ponto tão incomum
que começa a alterar cada um dos outros aspectos de sua atividade?
(LURIA, 1968, p. 13)

ALGUNS FATORES DA MEMÓRIA

Alguns fatores que tornam possível o armazenamento de impressões na memó-


ria são os seguintes: a repetição, pois estabelece e reforça as conexões cerebrais.
A memória funciona melhor se repetir o mesmo estímulo, já que a cada repeti-
ção, a impressão fica gravada mais profundamente. Entretanto, a repetição não é
o fator mais importante da memória. Muitas vezes lembramos mais um fato que
nos impressionou ou que nos convem, antes do que um que se repete constante-
mente. Por exemplo: não lembramos tanto da disposição das pedras junto ao muro
de nossa casa, mesmo que as vejamos todos os dias, quando nos lembramos de
um elogio que recebemos dado por uma pessoa importante (IZQUIERDO, 1989).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


139

A intensidade é outro fator importante na memória. Um fato extraordiná-


rio e que nos impressiona (como um acidente) é lembrado com maior facilidade
e com mais detalhes que um fato corriqueiro. O interesse é outro dos fatores
importantes na assimilação dos fatos na memória. Por exemplo: um agricul-
tor e um motorista ouvem a mesma explicação sobre como cultivar melhores
sementes. Dos dois, o agricultor recordará mais e melhor o que foi dito, pois tem
interesse no assunto. Tem-se comprovado que lembramos mais nas situações em
que somos elogiados ou premiados do que nas situações que nos castigaram ou
sancionaram. Isto é, a satisfação ocasiona­da por um estímulo é um fator muito
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importante na memória. O organismo geralmente se defende esquecendo as


impressões desagradáveis. Por outro lado, o que tem sentido é lembrado melhor
do que o que não tem sentido (IZQUIERDO, 1989).
O agrupamento é outro fator importante na atividade de memorizar.
Agrupamos os fatos de acordo com vários princípios, tais como (JOHN, 1967):
■■ O ritmo: aprendemos com maior facilidade uma canção que tem ritmo
antes que a página de um livro qualquer;
■■ A semelhança: se sua mãe chama-se Arlete, será mais fácil lembrar-se do
nome de qualquer outra pessoa que tenha o mesmo nome;
■■ A proximidade: existem anúncios de mercados ou lojas que indicam
sua localização dando a proximidade de um local conhecido. “Próximo à
catedral” ou “à meia quadra do correio”. A proximidade a um lugar muito
conhecido faz com que lembremos facilmente;
■■ A associação: se alguma pessoa menciona o nome “Romeu”, em nossa
mente surge imediatamente o nome “Julieta”. Quando ouvimos pronun-
ciar o nome “Jesus”, automaticamente nos vêm à mente a ideia de Deus,
fé etc. Nossa estrutura mental está constituída de tal forma que contém
um grande “sistema” de enlaces ou “cadeias” de ideias.

A Memória e a Aprendizagem
140 UNIDADE III

O ESQUECIMENTO

A memória do ser humano não age como um viajante inexperiente que enche sua
mala com todos os objetos que estão à mão, mas como aquele que sabe escolher seu
equipamento e seleciona o que levar consigo, colocando na mala somente aquilo
que vai ser útil durante a viagem. Se não esquecêssemos, viveríamos em um con-
tínuo estado de confusão. Esquecer também é essencial para sobrevivermos. Por
outro lado, nem tudo que percebemos podemos reter na memória. Grande parte do
que vemos e ouvimos não assimilamos ou “perdemos” depois de haver aprendido.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Além disso, as impressões que são guardadas na memória podem sofrer defor-
mações. Estes fenômenos também podem ser considerados com “esquecimentos”.
Muitas pessoas acreditam que o esquecimento seja algo ruim, indeseja-
do, e afirmam que gostariam de ter uma memória melhor. Isso é perfei-
tamente compreensível, se pensarmos nas diversas vezes em que fica-
mos frustrados por esquecermos de algumas coisas, como um conteúdo
que caiu numa prova ou o telefone de uma pessoa que conhecemos.
Todavia, um outro aspecto do esquecimento, aquele que diz respeito
às vantagens de esquecer, é frequentemente negligenciado. Imagine se
você tivesse uma memória perfeita e se lembrasse de absolutamente
tudo aquilo que já vivenciou. Embora imaginar tal fato seja um tanto
quanto difícil, uma conclusão pode ser tirada: você não conseguiria ter
ideias do genérico, não conseguiria trabalhar com o abstrato, você seria
“escravo do particular” (PERGHER; STEIN, 2003, p.130).

O esquecimento obedece a várias causas que podemos chamar de “fatores do


esquecimento”. O primeiro fator é o tempo. Com o tempo, as impressões da
mente vão se tornando cada vez mais débeis e obscuras, ou sendo armazena-
das em camadas mais profundas da memória. Contudo, devemos considerar
um fenômeno bastante frequente que se conhece com o nome de reminiscência.
A reminiscência é a capacidade de lembrar mais (em vez de menos) com
o passar do tempo. Certas marcas deixadas na memória necessitam de algum
tempo para emergir à superfície. Isto ocorre com a aprendizagem da música, com
a memorização de poemas etc. Alguns autores falam de uma “pausa criativa”
para descrever o intervalo necessário entre a aprendizagem de alguma habili-
dade, especialmente na arte. Entretanto, a reminiscência não é um fenômeno
totalmente progressivo, mas apresenta-se em um período determinado após a

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


141

impressão. Depois de passado muito tempo, a impressão na memória vai dete-


riorando-se e obscurecendo-se (PERGHER; STEIN, 2003).
A falta de uso da informação e do conhecimento que temos guardado na
memória faz com que estes vão sendo esquecidos paulatinamente. Canções, poe-
mas, jogos, lições que aprendemos na escola, entre outros, esquecemos porque
não voltamos a usá-las.
As interferências contribuem no processo do esquecimento. Tem sido
provado que se uma pessoa memoriza um material qualquer e, em seguida,
empreende outras atividades mentais, estas atividades posteriores exercem uma
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ação negativa sobre a memorização do primeiramente aprendido. Afirma-se que


a melhor forma de reter uma lição é aprendendo-a à noite, dormindo e repassan-
do-a no dia seguinte, logo cedo, pela manhã, para evitar interferências.
As reações emocionais também devem ser levadas em conta como fator
do esquecimento. Já citamos que a memória é reforçada pelos sentimentos de
agrado ou satisfação que acompanham a impressão e, por outro lado, a mente
parece rejeitar o que a desagrada.
Por fim, temos a tendência de esquecer todo detalhe desnecessário ou aquele
com o que não temos associações nem esperamos tê-las, a fim de conservar o
equilíbrio mental. Por isso, grande parte do que aprendemos é esquecido ime-
diatamente depois; parte se integra e parte desaparece lentamente.

A APRENDIZAGEM

Se nosso cérebro e todo o nosso organismo não retivessem na memória as experi-


ências vividas e os conhecimentos adquiridos para utilizá-los em novas situações,
não seríamos capazes de nos proteger de perigos, nem teríamos como satisfa-
zer nossas necessidades, ou seja, sem aprendizagem não teríamos como viver.
Todos os seres vivos aprendem, desde as amebas até o homem. As primeiras
“aprendem” a esquivar-se de um raio de luz que as incomoda, enquanto que o
homem é capaz de aprendizagens complexas. A aprendizagem animal e a apren-
dizagem humana têm elementos comuns, porém na maioria dos aspectos são
bastante diferentes.

A Memória e a Aprendizagem
142 UNIDADE III

Os animais aprendem por meio da repetição de estímulos e reações, um pro-


cesso denominado de ensaio-erro. O animal, quando vai executar alguma ação
nova, repete várias vezes a mesma até que, após muitos erros consegue aprendê-
-la, eliminando os atos que conduzem ao fracasso e fixando os atos que conduzem
ao êxito (SOUZA et al., 2013).
O homem também aprende por ensaio-erro e tal forma de aprendizagem é
mais comum na infância, quando a fala ainda não se desenvolveu plenamente.
Por exemplo: a criança que for aprender a andar de bicicleta, fatalmente cairá
algumas vezes. Depois desta etapa, os ensaio/erros geralmente não são mais físi-

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cos, mas sim mentais. Podemos afirmar que o homem sabe “calcular” as coisas
para não errar.
Os animais superiores não aprendem somente por ensaio-erro, mas usam
também algum tipo de discernimento e este tipo de aprendizagem também é a
que predomina no ser humano. O homem se vale de princípios gerais extraídos
das situações concretas e das experiências passadas fazendo abstrações e, tam-
bém, podendo fazer transferência de conhecimentos que tem em um campo
determinado e aplicá-lo em outro. Podemos afirmar que a maior parte da apren-
dizagem humana deve-se a reações inteligentes.
Aprendizagem, também, relaciona-se à vivência individual. Remete ao
uso de conhecimentos e experiências passadas que foram incorporadas
pelo indivíduo, auxiliando-o em suas novas aquisições. Este passaria
a aprender, segundo esta perspectiva, de acordo com aquilo que já vi-
venciou, e tal aprendizagem seria capaz de nortear sua ação futura (JU-
NIOR; BORGES-ANDRADE, 2008, p. 224-225).

Alguns animais superiores aprendem por imitação, e no ser humano esta é uma
maneira importante de aprender. Já vimos que desde criança temos a tendência
de imitar para aprender e sermos aceitos no grupo ao qual pertencemos. Acima
de tudo, entretanto, o ser humano vale-se da linguagem para realizar sua apren-
dizagem, ou seja, tem a capacidade de expressar-se gráfica e verbal­mente, fator
que não possuem os animais (pelo menos não no grau que possui o homem) e
isto faz toda a diferença entre a aprendizagem animal e a aprendizagem humana
(SOUZA et al., 2013).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


143

FATORES DA APRENDIZAGEM HUMANA

Os principais fatores que influenciam a aprendizagem humana são: a maturação,


a prática (ou condicionamento), o discernimento e a motivação.

A maturação

Para que o homem, ou qualquer ser vivo, chegue a efetuar a aprendizagem, se


requer certa maturação orgânica. O organismo deve estar apto e capacitado
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fisicamente para que possa aprender. Por exemplo: para uma criança aprender
a caminhar necessita de certa maturação de todo seu corpo, especialmente de
suas extremidades inferiores – e neste caso, não devemos confundir maturação
com maturidade. Maturidade, ou que também podemos chamar de maturação
emocional, é também um elemento necessário para certas aprendizagens, como
aprender a aceitar os demais tais como são e amá-los com todos os seus defeitos.

A prática (ou condicionamento)

Antigamente, havia firmemente a ideia de que quanto mais prática, mais apren-
dizagem ocorria, sendo essa considerada como o principal requisito para a
aprendizagem. Hoje em dia, sabe-se que nem sempre aprende melhor aquele
que mais praticou, mas sim pessoas que estão altamente motivadas e que gos-
tam do que fazem.
A prática tem uma posição importante, especialmente na aprendizagem de
atividades que requerem movimento, pois, para aprender certas coisas, necessi-
ta-se de repetição do mesmo ato até fixá-lo. Vemos a importância da prática na
formação dos hábitos, que é uma das formas mais comuns de aprendizagem. Por
exemplo: aprendemos a dirigir um carro, por meio da prática.

A Memória e a Aprendizagem
144 UNIDADE III

O discernimento

É a capacidade de distinguir entre


um fato e outro no processo da
aprendizagem humana, esta capa-
cidade é muito importante, já que
o homem é o único ser que usa a
razão e a lógica em sua interação
com o mundo. Esta faculdade da

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mente intervém na aprendizagem para “selecionar” os estímulos que quer reter.

As motivações

Por motivações da aprendizagem entendemos as condições do organismo e das


circunstâncias que impulsionam ou mo­vem a pessoa para aprender, com o propó-
sito de satisfazer uma necessidade ou conseguir um fim. Por exemplo: um sujeito
frequenta um curso de aperfeiçoamento motivado pelo desejo de conhecer algo
mais de seu ofício e obter uma melhor posição e salário na empresa onde tra-
balha. Atualmente, a psicologia dá muita ênfase no estudo das motivações, por
considerá-las um fator muito importante em toda conduta humana (já vimos
isso em destaque quando estudamos sobre Maslow – lembra-se?).
O homem também aprende por um propósito determinado de aprender.
Esta motivação só pertence à espécie humana. Somente o homem aprende por
desejo de aprender, ou seja, pelo desejo de adquirir conhecimentos.

O Construtivismo representa uma visão epistemológica de construção do co-


nhecimento, em que a natureza fundamental do aprendizado se mostra inse-
parável do contexto histórico e da interação social.
(Adaptado de Donizeti L. Souza, Jorgiane S. Souza, Lílian Ferrugini e André L. Zombalde)

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


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A INTELIGÊNCIA E A PERSONALIDADE

A inteligência parece ser o dom mais elevado que o ser humano possui, já que
ela nos diferencia dos animais. Ao mesmo tempo, dizemos que os cachorros e os
cavalos são animais mais inteligentes. No plano humano se afirma que uma pes-
soa é mais inteligente que outra, porque pode realizar certo tipo de atividade, ou
porque pode aprender com maior facilidade as lições da escola. Como vemos nos
exemplos citados, a inteligência é um aspecto da experiência humana muito difícil
e complexo de definir, pois pode ser visto de diferentes ângulos e porque encerra
uns cem número de fatores e capacidades humanas. Segundo Miranda (2002,
p. 19), “Na linguagem comum, a palavra inteligência refere uma qualidade dos
indivíduos. Na linguagem científica, refere uma qualidade do comportamento”.
Em primeiro lugar, a inteligência não é igual ao acúmulo de conhecimentos.
Uma pessoa com conhecimentos enciclopédicos e com vários títulos acadêmicos
não é, necessariamente, mais inteligente que outros que não tiveram a oportuni-
dade de escolarizar-se. A inteligência dependerá do uso que a pessoa faça de seus
conhecimentos e da forma que os relacione e os aplique na vida prática. Sendo

A Inteligência e a Personalidade
146 UNIDADE III

a memória o “armazém” de nossas ideias, existe a crendice bastante divulgada


de que a inteligência é igual à amplitude da memória e à habilidade para utilizar
os dados guardados nela. Contudo, a capacidade de memorizar não equivale ao
grau de inteligência. Mesmo pessoas com inteligência baixíssima possuem uma
excepcional capacidade de memorizar números, nomes e até complicados pro-
blemas, como os de um jogo de xadrez. A inteligência também não é o resultado
da prática ou do exercício em alguma disciplina. Um ato inteligente pode ocor-
rer sem prática e, pelo contrário, apesar da prática, podem ser realizados atos
pouco inteligentes (MIRANDA, 2002).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A inteligência é o resultado da interação de fatores psíquicos, biológicos e
sociais. Entre os fatores psíquicos, encontramos a atenção, a memória, a com-
preensão, a imaginação, a associação de imagens, o raciocínio, a capacidade de
síntese etc. Os fatores biológicos que intervêm na inteligência são, entre outros,
a herança, o sistema nervoso e a atividade das glândulas endócrinas. Entre os
fatores sociais, podemos enumerar o meio ambiente, a formação cultural, a posi-
ção econômica, as circunstâncias do momento etc. Embora possamos nomear
todos estes fatores, não podemos separá-los, nem sequer considerar que atuam
de forma isolada. Todos estão inter-relacionados, interferindo uns sobre os
outros e atuando como uma unidade. Desta forma, podemos dizer que a inte-
ligência não depende tanto da soma de capacidades como da harmonia entre
elas (MIRANDA, 2002).

INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS

Já que a inteligência é o resultado da confluência de muitos fatores psíquicos, bio-


lógicos e ambientais, representa um mundo muito complexo. Existem pessoas
que são capazes de comportar-se de forma “mais inteligente” que outras em cer-
tas áreas, e a estas inteligências específicas denominamos de aptidões. Nenhuma
pessoa possui todas as aptidões em grau elevado. Uns são melhores que outros
em determinadas áreas.
Uma teoria sobre as diversas expressões da inteligência humana foi ela-
borada por Howard Gardner, pesquisador norte-americano, que colocou em

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


147

questionamento o conceito de inteligência elaborado por Binet e, por conseguinte,


a elaboração de um teste capaz de medir a inteligência e fornecer um quociente
numérico para essa inteligência, que ficou conhecido como QI.
Na visão tradicional, a inteligência é conceituada como a capacidade
de responder a testes de inteligência, o Q.I. Alguns testes realizados de-
monstram que a “faculdade geral da inteligência” não muda muito com
a idade ou com treinamento ou experiência. A inteligência é um atribu-
to ou uma faculdade inata do ser humano. Gardner procurou ampliar
este conceito. A inteligência, para ele, é a capacidade de solucionar pro-
blemas ou elaborar produtos que são importantes em um determinado
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ambiente ou comunidade cultural. A capacidade de resolver problemas


permite às pessoas abordar situações, atingir objetivos e localizar cami-
nhos adequados a esse objetivo (TRAVASSOS, 2001, p. 3-4).

Desta forma, Gardner (1994) conclui que existem sete tipos de inteligência, a saber:
1. Lógico-matemática: é a capacidade de realizar operações numé-
ricas e fazer deduções;
2. Linguística: é a habilidade de aprender idiomas e de usar a fala
e a escrita para atingir objetivos;
3. Espacial: é a disposição para reconhecer e manipular situações
que envolvam apreensões visuais;
4. Físico-cinestésica: é o potencial para usar o corpo com o fim
de resolver problemas ou fabricar produtos;
5. Interpessoal: é a capacidade de entender as intenções e os dese-
jos dos outros e, consequentemente, de se relacionar bem em
sociedade;
6. Intrapessoal: é a inclinação para se conhecer e usar o entendi-
mento de si mesmo para alcançar certos fins;
7. Musical: é a aptidão para tocar, apreciar e compor padrões
musicais.

Posteriormente, Gardner acrescentou à lista as inteligências natural (reconhecer


e classificar espécies da natureza) e existencial (refletir sobre questões fundamen-
tais da vida humana), sugerindo o agrupamento da interpessoal e da intrapessoal
numa só.

A Inteligência e a Personalidade
148 UNIDADE III

Podemos concluir dizendo que a inteligência humana pode ser resumida na


capacidade de resolver problemas novos por meio do pensamento, sendo que
cada ser humano tem distintos problemas a serem resolvidos e quando o fazem
estão demonstrando sua inteligência!

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Uma das consequências da valorização da inteligência lógico-matemática
é a tendência de definir o desempenho do aluno mais pelo que ele não é
do que pelo que é. Você acha que isso pode começar a ser mudado? Como?
(Márcio Ferrari)

A PERSONALIDADE

Frequentemente ouvimos a expressão: “Este é um homem (ou uma mulher) com


muita personalidade”. Quem enuncia essa afirmativa quer dizer que tal pessoa pos-
sui certas qualidades atrativas e que, por isso, desperta o respeito, a consideração
e a admiração dos demais. No sentido popular do termo, “personalidade” equi-
vale ao conjunto de qualidades que leva uma pessoa a alcançar certo êxito social.
Existem poucas palavras na nossa língua com tanto fascínio para o
público em geral como o termo personalidade. Embora a palavra seja
usada em vários sentidos, a maioria desses significados populares se
encaixa em um ou dois tópicos. O primeiro uso iguala o termo à habi-
lidade ou à perícia social. A personalidade de um indivíduo é avaliada
por meio da efetividade com que ele consegue eliciar reações positivas
em uma variedade de pessoas em diferentes circunstâncias. É nesse
sentido que a professora que se refere a um aluno como apresentan-
do um problema de personalidade, provavelmente, está indicando que
suas habilidades sociais não são adequadas para manter relações satis-
fatórias com os colegas e com a professora. O segundo uso considera
a personalidade do indivíduo como consistindo-se na impressão mais
destacada ou saliente que ele cria nos outros. Assim, podemos dizer
que uma pessoa tem uma “personalidade agressiva” ou uma “perso-

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


149

nalidade submissa” ou uma “personalidade temerosa”. Em cada caso, o


observador seleciona um atributo ou uma qualidade altamente típica
do sujeito, que presumivelmente é uma parte importante da impres-
são global criada nos outros, e identifica sua personalidade por esse
termo. Está claro que existe um elemento de avaliação em ambos os
usos. As personalidades, conforme descritas comumente, são boas e
más (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2000, p. 32).

Não é esse o sentido psicológico do termo. Para a psicologia, a personalidade de


um indivíduo compõe-se de todas as expressões de seu comportamento e, nesse
sentido, todos nós temos personalidade.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A personalidade não pode ser medida nem pesada, mas deduzida a partir
do comportamento do indivíduo. Porém, o resultado obtido na observação da
conduta de uma pessoa num determinado momento não nos dirá como é sua
personalidade, porque teremos observado somente certos traços da mesma mani-
festados naquele instante. A atuação da personalidade em diferentes momentos
da vida e em diferentes circunstâncias nos revelará outros traços. O conjunto
destes traços, qualidades e condutas nos levarão a formarmos um juízo do que
é sua personalidade, sem, contudo, termos uma noção completa e absoluta-
mente correta de toda a personalidade de um indivíduo (HALL; LINDZEY;
CAMPBELL, 2000).
Se personalidade, desde o ponto de vista psicológico, inclui todo o con-
junto de qualidades, traços e condutas de uma pessoa, realmente é um conceito
muito amplo e muito complexo. A totalidade dos traços que compõe a persona-
lidade pode ser observada somente quando existe certa continuidade no tempo.
Ademais, a conduta de uma pessoa desenvolve-se em vários planos: o social, o
político, o religioso, o familiar, etc. Em cada um deles, a personalidade se mani-
festa de forma particular. Encontramos, então, a dificuldade de formular uma
definição exata de personalidade.
Assim, acreditamos que a personalidade é definida pelos conceitos empí-
ricos específicos que fazem parte da teoria da personalidade empregada
pelo observador. A personalidade consiste concretamente em uma série
de valores ou termos descritivos que descrevem o indivíduo que está
sendo estudado em termos das variáveis ou de dimensões que ocupam
uma posição central dentro de uma teoria específica (HALL; LIND-
ZEY; CAMPBELL, 2000, p. 33).

A Inteligência e a Personalidade
150 UNIDADE III

Poderíamos oferecer a seguinte tentativa, apenas didática, de tentar abordar este


tema tão complexo e apaixonante: Personalidade é um conjunto estável de carac-
terísticas, tendências e condutas das pessoas que denotam continuidade no curso
do tempo e se expressam nas diferentes áreas da vida de forma mais ou menos
consistente.
A palavra personalidade deriva do termo “persona”, que eram a máscaras
utilizadas pelos atores no antigo teatro greco-romano, para facilitar ao público
a identificação dos personagens que estavam representando. O significado da
palavra permanece basicamente o mesmo, ou seja: identidade individual de uma

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pessoa. É o conjunto de características que permitem diferenciar-nos dos outros
habitantes da Terra (MESQUITA; DUARTE, 1996).
O processo de formação da personalidade inicia com o nascimento (alguns
afirmam com a concepção) e está calcado nas características hereditárias, ou
seja, os caracteres hereditários recebidos de nossos antepassados servem de
“matéria-prima” sobre a qual irá atuar o meio ambiente, modelando e modifi-
cando-nos ao longo de toda nossa vida. Esta integração entre hereditariedade e
meio ambiente pode ser nitidamente observada em gêmeos univitelinos (nas-
cidos do mesmo óvulo) que, em virtude das inúmeras experiências individuais
sofridas ao longo da vida, desenvolvem traços de personalidade bastante dife-
renciados (MALDONADO, 1991).

NORMALIDADE E ANORMALIDADE

A noção de personalidade normal refere-se essencialmente ao que é comum e


habitual (e ao que não é) entre os membros de um determinado grupo humano.
Em outras palavras, estabelecer um padrão de normalidade para as características
da personalidade depende da aceitação social que estas características recebem.
Existem muitos testes concebidos para avaliar as distintas características da per-
sonalidade e, apesar de serem muito úteis, não possuem um alto grau de precisão.
É muito difícil medir características ou traços de personalidade com padrões
rigidamente estabelecidos. Existem vezes em que a fronteira entre normalidade
e anormalidade é pouco definida e os testes não são capazes de localizá-la.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


151

Apesar destas dificuldades, um indivíduo “normal” pode ser definido como


alguém que, considerado o conjunto de traços de sua personalidade, não se afasta
muito do que é estabelecido como características usuais dentro de um grupo
social determinado. De acordo com esta definição estatística de normalidade, a
palavra “anormal” não tem necessariamente um sentido negativo ou pejorativo.
São Francisco de Assis, Martin Luther King e Ghandi podem ser considerados
“anormais” diante desta definição, pois pouco ou nada se assemelhavam com o
indivíduo comum de suas épocas (MALDONADO, 1991).
Da mesma forma que, do ponto de vista somático, não é saudável ter 10 resfria-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dos por ano, isto ocorre a um grande número de pessoas “normais”. Analogamente
poderíamos dizer que, embora não sejam saudáveis, as crises de ansiedade ou
depressão ocorrem em indivíduos “normais”. Da mesma forma, a pessoa que
sofre de resfriado tem de tratar-se para eliminá-lo do organismo, o mesmo
ocorre com alguém que passa por uma depressão e consegue reabilitar-se total-
mente após o tratamento.
Existem certas enfermidades crônicas que necessitam constante vigilância
(como a diabetes, por exemplo). Certos indivíduos também precisam de vigi-
lância mais ou menos constante sobre seus transtornos de personalidade (no
caso de depressões crônicas).
Existem estados de desajuste da personalidade que não estão ligados a fato-
res formacionais da personalidade (na infância), mas sim a crises enfrentadas
na vida real (perdas, violências entre outras). Os seres humanos são animais
sociais e, talvez, a característica mais importante de uma personalidade sadia
seja a capacidade para estabelecer relações profundas e duradouras com outras
pessoas, de forma adulta e madura.
Muitas atitudes dogmáticas, crenças falsas e sarcásticas contribuem para a
manutenção do temor às enfermidades mentais. O mistério inato de suas con-
dições e causas também atormentam as pessoas. É experiência comum termos
nos deparado com alguém cuja conduta nos chamava a atenção pelo padrão
desviante do corriqueiro, à qual denominamos de patológica. Contudo, existem
certos comportamentos que nós não nos atreveríamos a denominar de “loucura”,
mas que também não se enquadram nos padrões usuais (SILVA, 2008).

A Inteligência e a Personalidade
152 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
É difícil de entendermos normalidade somente a partir daquilo que é comum
para um determinado grupo humano, pois um soldado que se adapte per-
feitamente às normas de matar todo aquele que não use o mesmo uniforme
deve ser considerado perfeitamente equilibrado, ainda que ceife a vida de seus
semelhantes.
Muitos psicólogos e psiquiatras definem “normal” a partir de um ponto
de vista pragmático: “toda a pessoa que busca ajuda é candidata a um trata-
mento terapêutico e as etiquetas de normal e anormal tornam-se desnecessárias”
(MALDONADO, 1991, p. 233).
Durante muitos anos, o modelo médico elabora­do pela psiquiatria definiu
quem era normal e anormal. Esse modelo tinha como pressuposto que todas as
enfermidades mentais se originavam por um mau funcionamento orgânico ou
déficit genético, o que levava a tratar os pacientes em hospitais.
Um movimento contrário ao estabelecimento de padrões do que é normal
ou anormal, denominado de anti-psiquiatria, que tem nas pessoas de R.D. Laing
e Thomas Szasz seus nomes mais expressivos, critica os conceitos tradicionais de
“rotulamento” e tratamentos psiquiátricos propondo o fechamento dos hospitais

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


153

psiquiátricos e procurando integrar o “louco” à sociedade, visto que, para estes


autores a “loucura” tratar-se-ia de uma desadaptação geral e falha na capacidade
de interatuar com o outro. A “enfermidade mental” é somente uma “resposta
saudável” a uma “sociedade enferma” (SZASZ, 1974).
Várias podem ser as causas do desequilíbrio psicológico: a culpa de ter uma
amante; a tensão em momentos de crise; o desalento de uma perda; a ansiedade
de não galgar postos na carreira profissional, entre outros. Uma for­ma de livrar-
-se de tais tormentos pode ser simplesmente o esquecimento; outra pode ser o
consolo oferecido pela fé diante da crise, mas ninguém quer renunciar a uma
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

amante ou à carreira profissional, e nessas horas nem o esquecimento nem a fé


parecem ser de muito auxílio. Então, as pessoas recorrem aos medicamentos,
para que estes façam com que “sintam-se melhores sem ter que renunciar o que
fazem”. Infelizmente, para alguns médicos e para algumas pessoas esta tem sido
a única forma de enfrentar as crises na vida e os laboratórios de fármacos psi-
quiátricos estão longe de diminuir suas vendas.
Na próxima unidade, vamos refletir um pouco sobre uma nova forma de
entender o ser humano, a partir de um novo modelo científico e também como
esse modelo se aproxima dos conceitos da filosofia hebraico-cristã!

A Inteligência e a Personalidade
154 UNIDADE III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, procuramos conduzir você por meio das paisagens da mente
humana em toda sua complexidade. Iniciamos esta maravilhosa viagem pelas
trilhas da percepção e como somos enganados pelas mesmas. Parece engraçado
que a realidade é mais do que aquilo que podemos apreender dela, não é ver-
dade? Pensar que existem tantas coisas que “enxergamos com as cores que nossos
olhos dão a elas” parece meio surreal, mas é a pura verdade!
O Bispo anglicano Don Robinson Cavalcanti, em uma conversa pessoal, me

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
disse certa vez: “isso resolve o problema da inerrância da Bíblia. A Bíblia é a abso-
luta verdade de Deus, mas como todos seus intérpretes são pecadores e, portanto,
falhos na sua percepção e interpretação, nenhuma interpretação é 100% correta!”.
Nossa viagem também percorreu as paisagens da motivação humana e
como as mesmas estão intimamente conectadas às nossas necessidades. Claro,
não devemos esquecer que a forma que percebemos também está ligada à nossa
motivação: muitas vezes enxergamos o que queremos ver!
Nossas emoções igualmente estão conectadas com o todo de nosso ser, inter-
ferem e são afetadas tanto pelas nossas motivações como pelas nossas percepções
da realidade. A velha piada da diferença entre o otimista e o pessimista revela
isso: o pessimista sempre vê um copo pela metade como “meio vazio”, enquanto
o otimista o percebe como “meio cheio”!
Todas as nossas experiências, sejam elas perceptivas, afetivas, emocionais,
etc., ficam gravadas em nossa memória e vão construindo nossa forma de lidar
com a realidade – que denominamos de aprendizagem. O conjunto de todas
estas habilidades utilizadas para a resolução de novas situações constitui o que
a psicologia chama de inteligência!
Por fim, a integração de todas as nossas capacidades forma aquilo que conhe-
cemos como “personalidade”, que pode adequar-se ou não ao meio em que
está inserida e aí usamos as expressões “normal” e “anormal” para definir essas
adequações.
Agora, convido você a uma “viagem ao novo”, na qual vamos percorrer cami-
nhos diferentes e deslumbrantes – vamos juntos para a próxima unidade!

OS PRINCIPAIS CONCEITOS NA PSICOLOGIA E SUA APLICAÇÃO NA TEOLOGIA PASTORAL


155

1. Não percebemos as coisas como elas são, antes como nós somos, porque:
a) Os órgãos dos sentidos não são suficientemente refinados.
b) Nem toda informação que chega a nossos sentidos, em termos de energia
estimulante, é registrada em nossa mente.
c) Nossa mente registra, interpreta, completa e retifica os estímulos de acordo
com nossas necessidades, experiências e imaginação.
d) Existem leis da percepção que obrigam o indivíduo a perceber subjetiva-
mente.
e) A percepção é somente uma projeção do inconsciente.
2. As ilusões e alucinações diferenciam-se no fato que:
a) Ambas se dão em doentes mentais, só que em diferentes graus.
b) Ambas significam diferentes graus de desequilíbrio emocional devido a uma
perda.
c) As ilusões ocorrem em doentes mentais, enquanto as alucinações surgem
em pessoas normais.
d) As ilusões ocorrem em pessoas normais, enquanto as alucinações surgem em
estados de desequilíbrio mental ou em decorrência de perdas significativa.
e) Uma tem origem no Superego e outra no ID.
3. Uma “Gestalt” ou configuração básica é:
a) A soma ordenada de sensações.
b) A soma de elementos intercambiáveis com os de outra gestalt sem perder
seu significado.
c) Um conjunto de elementos em relação constante que formam um todo.
d) Um agregado de elementos simples que, ao unirem-se como elementos
afins, formam uma configuração.
e) Uma falsa percepção da realidade.
4. A motivação, como força que impulsiona um ser vivo, é um fenômeno ligado:
a) Com as necessidades biológicas dos seres vivos.
b) Com as necessidades afetivas dos seres humanos.
c) Com as necessidades intelectuais do homem e da mulher.
d) Com as necessidades totais do organismo em sua complexidade global.
e) Com a memória e as reminiscências.
156

5. As necessidades fisiológicas do ser humano, segundo Maslow:


a) São de origem genética e aparentemente imutáveis.
b) São exclusivamente humanas e fruto da aprendizagem.
c) São impostas pela cultura e, portanto, relativas.
d) São basicamente de autorrealização e desenvolvimento pessoal.
e) São resultado de mutações genéticas.
6. No esquema de Maslow, a autorrealização está:
a) Acima de todas as necessidades.
b) Como base de todas as necessidades.
c) Entre o amor e o apreço.
d) Entre as necessidades fisiológicas e as de segurança.
e) Junto com as necessidades fisiológicas.
7. As emoções consistem basicamente em:
a) Um desequilíbrio do organismo.
b) Uma qualidade de vida superior a dos animais.
c) Um momento de alteração mental.
d) Um vestígio dos instintos primários.
e) Uma expressão do inconsciente.
8. Segundo a Análise Transacional, a ansiedade e a culpa são:
a) Emoções primárias.
b) Sentimentos.
c) Borrões.
d) Estados emotivos complexos.
e) As emoções mais autênticas do ser humano.
9. Se não esquecêssemos, viveríamos em um estado de contínuo(a):
a) Sobressalto.
b) Despreocupação.
c) Desalento.
d) Confusão.
e) Sonolência.
157

10. O método de aprendizagem por ensaio-erro:


a) É exclusivo dos animais.
b) É exclusivo dos seres humanos.
c) É mais forte no ser humano antes do aparecimento da linguagem.
d) É próprio das pessoas de pouca inteligência.

e) É característico dos autistas.




















158

O CRISTÃO E AS EMOÇÕES

Existem duas formas extremas de experi- realizar nosso desenvolvimento espiritual.


mentar as emoções que podem produzir
Um dos erros mais comuns que comete um
atitudes danosas: na primeira, a pessoa
cristão em relação às suas emoções é o de
aprende a evitar todo tipo de sentimen-
negá-las. Isto ocorre também na cultura em
tos, convencendo-se de que não existem e
geral; desde crianças nos ensinam que não
que, portanto, devem ser negados ou igno-
é bom ser “emotivo” e que não devemos
rados. No outro extremo, ao contrário, a
mostrar nossos sentimentos e nos treina-
pessoa se entrega às emoções, sem ofe-
ram a negá-los e evitá-los. Este problema
recer nenhuma resistência. Em ambos os
tende a agravar-se quando cristãos e toda a
casos, perdem-se de vista um ponto muito
comunidade de fé resistem à expressão de
importante: que as emoções formam parte
sentimentos e emoções. Em parte, porque
essencial da vida e que são os elementos
temem a intimidade, e em parte porque
mais importantes sobre os quais se cons-
perpetuamos desta maneira a negação de
trói a felicidade e o prazer pela existência.
nossos sentimentos; principalmente por-
Muitos cristãos experimentam um grande que tememos a rejeição.
conflito quanto à suas emoções: como
Esta atitude não é honesta e, antes, auto-
reconciliar as mesmas com sua espiritu-
destrutiva. Um dos primeiros passos para
alidade?
a saúde psicológica é a honestidade emo-
Um dos erros mais graves que podemos cional; ou seja, a habilidade de reconhecer
cometer é o de pensar que, se somos cris- e admitir os sentimentos. O segundo passo
tãos, não devemos nos deixar influenciar consiste na pessoa permitir-se mais espaço
por nossos sentimentos, ou que devemos para expressar estes sentimentos, procu-
estar no controle total deles. Esta ideia rando ser emocionalmente mais “real”.
pode nos levar à inautenticidade – uma
Outro erro é o de nos entregarmos às nos-
espécie de falsidade que destrói nosso tes-
sas emoções de forma derrotista, em que a
temunho e nossa efetividade para ajudar
pessoa não vê a importante conexão entre
os demais. Também pode nos expor a cair
seus pensamentos e seus sentimentos. Sen-
em problemas mentais e emocionais. Não
timentos são diferentes dos pensamentos,
somos “super-homens”. Deus não nos cha-
mas, algumas vezes, os primeiros podem
mou para o sermos. Mesmo que não seja
ser consequência dos últimos. Os senti-
necessário que nossas emoções nos domi-
mentos podem ser o produto final de uma
nem, também não precisamos temê-las, de
série de declarações irracionais em relação
tal forma que elas nunca tenham lugar em
a nós mesmos. Podemos evitar a extensão
nossas vidas. Nossas emoções não entram
destes sentimentos se primeiramente exa-
em conflito essencial com nossa espiri-
minarmos cuidadosamente o conteúdo de
tualidade: o sentir em si não implica em
nossos pensamentos, desafiando sua vali-
pecado. Ao invés de permitir que alterem
dade e mudando seus conteúdos.
nosso bem-estar espiritual, podemos utili-
zar nossas emoções para complementar e Uma pessoa nem sempre é totalmente
159

responsável por aquilo que sente. Muitas um crente nunca deve permitir-se reações
emoções desagradáveis são produzidas emocionais; ou que o pecado é o único
por um mau funcionamento do orga- que produz desordens emocionais; ou que
nismo; quando ocorre uma disfunção das nossos pais são culpados de todos nossos
glândulas endócrinas ou o desequilíbrio mal-estares emocionais. Estas e outras
do sistema nervoso autônomo, gerando ideias errôneas acerca das emoções cau-
mudanças de estados de ânimo. sam sentimentos de culpa e sofrimentos
desnecessários.
Somos seres complexos e são muitos os
fatores que contribuem para nossos esta- Ser cristão não implica em deixar de ser
dos emocionais. Ao mesmo tempo, cada humano e estar sujeito a todas as emoções
ser humano é único no que diz respeito que são normais. É certo que um cristão
às emoções. A idade, a condição física, tem à sua disposição muitos recursos para
a personalidade e muitos outros fatores enfrentar os problemas da vida, mas nem
têm uma influência na maneira como se por isso deixará de sentir e experimentar as
experimentam as emoções. Deus nos deu emoções. Lembremos de que as emoções
a capacidade de usar nosso complexo sis- nos foram dadas por Deus para nosso bem.
tema emocional para benefício próprio;
Passar a vida controlando ou reprimindo as
uma força que nos atraia mais para Ele e
emoções consome muita energia – a pes-
não um meio de destruição, como ocorre
soa que vive deste modo pode desenvolver
com frequência.
um estilo de vida neurótico. Com frequên-
Existem muitas falsas ideias sobre a natu- cia, este controle generaliza-se para todas
reza das emoções. Estas ideias tendem a as emoções. Se não nos permitimos sentir
criar problemas, porque tem o poder de raiva, é possível que também não nos per-
influenciar poderosamente nosso compor- mitamos amar ou ser amados.
tamento. Por exemplo: uma ideia errônea,
Nossa cultura nos treina para controlar
mas muito comum, é de que a ira pode ser
nossas emoções. Necessitamos, então,
acumulada e se não é descarregada perio-
encontrar maneiras de experimentá-las e
dicamente pode nos causar dano. Esta ideia
expressá-las de forma mais livre. Infeliz-
enfoca a ira como algum tipo de energia
mente, para muitos, o único lugar seguro
que pode acumular-se e nos leva a pensar
onde isto pode ocorrer é na relação tera-
que não se pode fazer nada para deter o
pêutica profissional e de confiança. Para o
processo, e que uma vez cheio, o “reserva-
cristão, existe outro lugar onde ele pode
tório de ira” deve ser esvaziado. Emoções
ser completamente ele mesmo e ter plena
simplesmente não se acumulam porque
liberdade para expressar suas emoções: a
não são energias mas sim o produto final
oração. Para muitos cristãos, a oração repre-
de uma série de interações complexas entre
senta, talvez, a experiência terapêutica mais
nossa mente e nosso corpo.
eficaz que encontraram.
Algumas ideias errôneas que com frequ-
Fonte: adaptado de Maldonado (1991).
ência se observam entre cristãos são que
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Psicologia Da Percepção
Manuel Jimenez
Editora: Instituto Piaget
Sinopse: se a percepção humana do meio ambiente parece ser,
ao mesmo tempo, imediata e evidente, ela é, contudo, muito mais
uma construção mental do que um simples dado. Manuel Jimenez
pretende mostrar que os conhecimentos prévios desempenham
um papel importante no momento do processo perceptivo. Ele
ilustra isso por meio do estudo dos testemunhos de fenômenos aéreos raros.

Teorias Da Personalidade
Schultz, Duane P. E Schultz, Sydney Ellen
Editora: Cengage Do Brasil
Sinopse: repleto com pesquisa e achados atualizados, esta
edição de “Teorias da Personalidade”, de Schultz e Schultz, dá aos
alunos uma introdução clara e convincente a esta área dinâmica.
Organizado por teoria, este texto popular discute grandes teóricos
que representam as abordagens psicanalíticas, neopsicanalíticas,
do curso da vida, dos traços, humanísticas, cognitivas, comportamentais e de aprendizagem social,
enquanto demonstra a influência dos eventos nas vidas pessoais e profissionais dos teóricos no
desenvolvimento dessas teorias. O livro também explora as formas em que questões raciais, sexuais e
culturais desempenham um papel no estudo da personalidade e na avaliação da personalidade e inclui
inúmeros exemplos, tabelas e figuras que aprimoram ainda mais a compreensão do conteúdo pelos
alunos. O último capítulo, “Personalidade em Perspectiva”, integra tópicos explorados nos capítulos
anteriores e sugere conclusões que podem ser tiradas do trabalho dos muitos teóricos.

Divertida Mente
Com a mudança para uma nova cidade, as emoções de Riley, que
tem apenas 11 anos de idade, ficam extremamente agitadas. Uma
confusão na sala de controle do seu cérebro deixa a alegria e a
tristeza de fora, afetando a vida de Riley radicalmente.
MATERIAL COMPLEMENTAR

Pescador De Ilusões
Jack Lucas é um locutor de rádio que fala o quer em seu programa.
Um dia um ouvinte conversa com ele ao vivo, dizendo que conheceu
uma mulher por quem se apaixonou em um bar yuppie. Jack de
imediato descarta que ela tenha se interessado por ele, dizendo
que todos os yuppies deveriam morrer. O ouvinte não pensa duas
vezes: pega o rifle, vai até o bar e mata seis pessoas, antes de se
suicidar. A tragédia provoca forte impacto em Jack, que desaba no
alcoolismo e larga a carreira.

O vídeo a seguir, embora de curta duração, é um trecho de uma palestra do Dr. Thomas
Szsaz, um dos pais da anti-psiquiatria e é importante entender qual o conceito dele de
doença mental! Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CzQj9V0f9Vs>.

No vídeo a seguir, você pode fazer a experiência de uma ilusão de ótica. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Rl4jpxB_jug>.

Material Complementar
162
REFERÊNCIAS

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165
REFERÊNCIAS
GABARITO

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7. A.
8. C.
9. D.
10. C.
Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

IV
A PSICOTEOLOGIA E A

UNIDADE
PERSPECTIVA SISTÊMICA
NA PSICOLOGIA PASTORAL

Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender a interface entre a psicologia e a teologia como ciências
que estudam o ser humano e o conceito de psicoteologia.
■■ Conhecer os principais conceitos do pensamento sistêmico e do
pensamento complexo.
■■ Compreender como o pensamento sistêmico se aproxima da leitura
antropológica hebraico-cristã.
■■ Verificar qual a relevância de tais conceitos para uma pastoral.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Psicoteologia e a Perspectiva Sistêmica na Psicologia Pastoral
■■ O surgimento de um novo modelo nas ciências
■■ Teologia, ciência e abordagens epistemológicas
■■ Novos paradigmas para novos tempos
169

INTRODUÇÃO

Seguindo nossa viagem por um mundo novo, a partir do fascinante campo de


estudo do comportamento humano – a psicologia –, convido você, estimado(a)
aluno(a), a passear comigo por paisagens novas!
Vamos juntos conhecer um pouco de uma nova forma de se fazer ciên-
cia, surgida em meados do século XX, que é conhecida como o “Pensamento
Sistêmico”, que questiona o modelo cartesiano linear, mecanicista e causal, ao
passo que propõe o entendimento da pessoa humana de uma forma relacional.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Essa nova forma de fazer ciência traz uma agradável aproximação com a
perspectiva antropológica hebraico-cristã, que entende que a pessoa humana
foi criada para viver em relação com seu próximo: “não é bom que o homem
esteja só” (GÊNESIS 2:18).
Um segundo campo a ser apreciado na interface entre a psicologia e a teo-
logia, a partir da perspectiva sistêmica, é a noção de unidade de unidades
– conceito difícil de ser compreendido dentro da perspectiva cartesiana ociden-
tal. Entretanto, a dimensão relacional proposta na antropologia hebraico-cristã
é exatamente esta: “e eles se tornarão uma só carne” (GÊNESIS 2:24).
O carro condutor que nos levará por esta viagem é o emergente conceito
de transdisciplinaridade, conforme proposto por Nicolescu (1999), que indica
um estudo não somente que aproxima as disciplinas, mas que as atravessa e está
além do campo exclusivamente disciplinar, “e seu objetivo é a compreensão do
mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento”
(NICOLESCU, 1999, p. 51).
Assim, quero propor, nesta unidade, não apenas uma exposição de como a
psicologia entende a pessoa humana, mas um aprofundamento no estudo do ser
a partir de uma forma de pensamento que perpassa a psicologia, a antropologia,
a teologia e outras ciências para emergir em uma nova compreensão da realidade.
Embarque nesse carro-chefe e venha comigo nesta descoberta!

Introdução
170 UNIDADE IV

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA


PSICOLOGIA PASTORAL

Ao ouvir o termo “psicoteologia”, o ouvinte mais desavisado pode pensar tra-


tar-se de uma nova linha de psicologia ou mesmo de algum tipo de “psicologia
cristã”. Por isso, iniciamos essa unidade explicando as origens deste termo e o
seu significado – que não é nenhum dos que foram citados.
Esse termo remete ao início dos anos 80, do século XX, quando um grupo
de psicólogos, psiquiatras e pastores se reuniram em São Paulo para dialogar

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sobre a interface entre psicologia e fé cristã. Entre os expositores do grupo estava
um psicólogo norte-americano chamado J. Harold Ellens e foi justamente ele o
autor desta expressão, já utilizada em seu livro God’s Grace & Human Health.
Posteriormente, este livro foi traduzido para o português e dividido em dois
escritos, a saber: Graça de Deus e Saúde Humana e Psicoteologia, aspectos bási-
cos, ambos editados pela editora Sinodal.
Esse grupo de psicólogos pertencia a uma associação que existe até os dias
de hoje, intitulada Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos. Seus membros
regularmente se reúnem e convidam pensadores para a continuidade da refle-
xão sobre essa interface entre as duas ciências.
É importante ressaltar que o objetivo destes encontros não é criar uma nova
escola de psicologia ou desenvolver uma “psicologia cristã”. A psicologia, como
nós estudamos nas unidades anteriores, ao longo do tempo tem claramente defi-
nido seu campo de estudo, cujo objeto de estudo é o ser humano. Contudo, este
ser tem uma dimensão existencial religiosa – ainda que algumas metateorias ten-
tem reduzi-la ao campo da psicopatologia, intitulando como uma neurose – que
também é parte essencial de sua vida, de forma que a busca do entendimento da
religião cristã torna-se significativa na construção do sentido existencial e valo-
rativo para um grupo expressivo de pessoas, passando a ser campo de interesse
da psicologia. E o diálogo desarmado e fecundo com a teologia, que constrói
tais valores, tem grande relevância na busca da compreensão da integralidade
da pessoa.
Assim, essa discussão tem sido fomentada por pensadores das mais distintas
correntes de psicologia, os quais, a partir dos pressupostos teóricos das escolas

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


171

que seguem, refletem quais os benefícios e/ou malefícios que a visão antropo-
lógica hebraico-cristã tem trazido para a pessoa humana. Nesse sentido, essa
discussão tem um caráter essencialmente transdisciplinar e é a partir desta pers-
pectiva que vamos entender esta interseção.
O ponto de partida para a compreensão da transdisciplinaridade é o modelo
sistêmico de reflexão da realidade.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O SURGIMENTO DE UM
NOVO MODELO NAS
CIÊNCIAS

Desde a Antiguidade, o
pensamento científico foi
muito influenciado por uma
visão linear de causa-efeito.
Embora tenha passado por
distintos paradigmas ao longo
da história (ANDOLFI, 1996), a
explicação da realidade geralmente
aconteceu em termos de regras e leis. Os
filósofos gregos procuravam explicar a realidade e os fenômenos da natureza a
partir de um método dedutivo, que partia do universal para se chegar ao parti-
cular, no qual o efeito estava sempre contido na causa. Desenvolveu-se, assim, a
chamada Lógica Aristotélica. Essa lógica serviu de base para toda a construção
da ciência ocidental por séculos. Entretanto, este modelo de abordagem cientí-
fica é limitado em vários aspectos. Para pensadores como Bateson (1987, p. 66),
“a lógica é um modelo medíocre de causa e efeito”.

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


172 UNIDADE IV

Grzybowski (2006, p. 98) argumenta que “(...) embora o pensamento cien-


tífico tenha mudado, a partir de Galileu, para uma perspectiva mais empirista,
com a explicação da realidade passando a ser feita através do método indutivo
(...), continua utilizando a relação de causa-efeito”. Como já tivemos a oportu-
nidade de estudar na Unidade I, o Positivismo e o Iluminismo vieram reforçar
esta posição, reafirmando as Ciências Naturais e considerando como “científicos”
somente os fatos comprováveis a nível laboratorial, em que os efeitos pudessem
ser mensuráveis a partir de suas causas. Para Telfener (1991), na ciência clássica,
os acontecimentos são explicados por meio da utilização de “verdades” como for-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ças, energias e causas, criando-se leis para definir os fenômenos. Os elementos que
não se encaixavam dentro dos modelos do racionalismo científico eram conside-
rados não científicos e aí se incluíam todo o campo das chamadas “humanidades”
e também o “senso comum”.
É, portanto, uma negação da complexidade humana e um triunfo da
racionalidade instrumental que favorece um desvio da ciência, afir-
mando sua legitimidade de maneira tautológica e sem oposição: é ela
que edita o que é tomado por verdadeiro, tornando-se o critério das
‘boas práticas’ de cuidado, isto é, aquelas valorizadas e autorizadas
pelo sistema. Inversamente, tudo aquilo que não é assim validado
torna-se suspeito, residindo o sucesso na única finalidade do pensa-
mento dominante, com os meios tornando-se a razão dos fins, mes-
mo que numerosas situações contradigam essas ‘verdades’ (PAUL,
2005, p. 74).

Constrói-se, desta forma, uma ciência na qual elementos de padronização e afe-


rição do “verdadeiro” se impõem dogmaticamente e determinam uma única
forma de chegar-se ao conhecimento. Segundo Santos (1995), o racionalismo
moderno funda-se no cartesianismo, que postula a existência de somente duas
maneiras de conhecimento: as disciplinas formais da lógica e da matemática e o
modelo mecanicista das ciências naturais.
O pensamento cartesiano predominou no campo da ciência por mais de
300 anos e, no final do século XIX, parecia dar ao homem a segurança de que
afinal, a vida e seus mistérios começavam a ser explicados. O ‘mundo carte-
siano’, concebido sempre como algo eterno e bem ordenado, sendo regido
por leis simples e imutáveis, leva a pessoa a considerá-lo cognoscível, desde
que abordado de forma racional. Assim, a eleição das situações estáveis tem

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


173

sido o caminho do desenvolvimento e do ‘progresso’ científico, sempre com


o objetivo de encontrar um princípio explicativo decodificador da realidade.
Essas situações estáveis seriam, então, fragmentadas em múltiplas partes para
serem objetos de análise – termo utilizado por Descartes (1979) como opo-
sição à síntese.
As sociedades do início do século XX seguiam regras bastante rígidas, com
pouca mobilidade social e valores fixos que eram transmitidos de geração em
geração. Isso parecia trazer consigo certa “acomodação” da humanidade a padrões
hierárquicos e lineares.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Na área das ciências do comportamento humano, predominava a emergente


teoria psicanalítica, de Sigmund Freud, cujo alicerce se apoiava nesta mesma
noção de que a cada efeito (sintoma) correspondia a uma determinada causa
(de origem intrapsíquica inconsciente). A isto se chamava de “determinismo psí-
quico” (OSÓRIO, 1996). A própria descrição freudiana das três instâncias do
psiquismo e a visão de como funcionam e se relacionam entre si revelam que,
mesmo sendo Freud um homem além de seu tempo, usou da mesma compre-
ensão mecanicista na qual se movia a ciência de sua época.
A chegada do Século XX, contudo, revelou que a política fechada dos
sistemas imperialistas estava longe de promover o equilíbrio e a satisfa-
ção social. A Primeira Guerra Mundial (1912) e a Revolução Russa (1917),
guerras tribais na África e em outras regiões do mundo, sacudiram violen-
tamente as certezas até então instaladas a partir da visão simplista de causa
e efeito. Teria o homem algum controle sobre seu próprio destino? Nas pala-
vras de Bloch:
[...] que tipo de explicação psicológica de maior significado pode-
ria dar sentido a um mundo tão brutal, aos tormentos intraduzíveis
que se abatiam sobre numerosas vidas humanas? (...) a capacidade
que as pessoas possuem de ter controle sobre o seu próprio destino
parecia ter sido posto à mercê de forças sobre as quais elas podiam
exercer pouco ou nenhum controle mais permanente, que não sim-
plesmente correr em círculos, evitando os golpes de martelo de um
destino cego (BLOCH apud ELKAÏM, 1998, p. 28).

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


174 UNIDADE IV

A eclosão da Segunda Guerra Mundial aumentou a consciência a respeito da


importância do contexto social sobre a vida dos indivíduos, especialmente após a
necessidade do atendimento das crianças de Londres, impactadas pelos bombar-
deios e pela perda dos pais na guerra. Esses fatos apontaram para a realidade de
que a saúde mental não podia mais ser lida como a resultante única de fenôme-
nos intrapsíquicos, mas que as experiências reais dos contextos sociais jogavam
importante fator de higiogenia emocional.
Ao mesmo tempo em que o movimento psicanalítico se expandia enor-
memente nos Estados Unidos (especialmente como resultado da imigração de

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psicanalistas judeus-europeus refugiados), o descontentamento com o modelo
também crescia. Além das questões já mencionadas, agregavam-se outras duas:
1. A visão do feminino dentro da teoria psicanalítica, que começava a ser
vista como vitoriana e preconceituosa numa sociedade que cada vez mais
precisava do envolvimento da mulher no mercado de trabalho. O ingresso
massivo de mulheres no mercado de trabalho competente (que gerou o
que se conhece hoje como a primeira onda da revolução feminista logo
após a Primeira Guerra Mundial), ocupando cargos-chaves e reivindi-
cando direitos em uma Europa com população masculina reduzida pela
guerra, mostrava os limites do modelo freudiano.
2. As noções de saúde mental embutidas no paradigma psicanalítico mos-
travam-se muito específicas ao contexto no qual a teoria foi elaborada.
Comportamentos culturais de tribos e povos distantes do modelo euro-
peu colocavam em cheque a universalidade dos conceitos da Psicanálise.

Além disso, o fermento social-político e científico fazia crescer mudanças pro-


fundas nos paradigmas vigentes nestes campos. Vários pesquisadores, de distintas
disciplinas da ciência, trazem inovações que já não podem ser explicadas a par-
tir do modelo cartesiano.
Na física, Max Planck propõe que o átomo não é a menor unidade da maté-
ria, mas que existem partículas ainda menores denominadas “quantum” (SILVA,
2008) e a física mecânica de Newton se mostra limitada na explicação desta nova
realidade, abrindo-se o campo para o surgimento da física quântica. Dentre as
muitas novidades que tal campo da ciência trouxe, talvez as mais expressivas
tenham sido as propostas do terceiro incluído e dos níveis de realidade.

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


175

Lupasco (apud NICOLESCU, 1999)


propõe uma lógica diferenciada da
lógica cartesiana, além do axioma
de identidade (A é A) e do axioma
da não contradição (A não é não
A), um terceiro axioma, do terceiro
incluído, um terceiro termo T (que
é ao mesmo tempo A e não A). Esta
lógica não elimina a lógica carte-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

siana do terceiro excluído, apenas


limita sua área de validade, pois é a
lógica do terceiro excluído em situa-
ções simples (por exemplo: em uma
rodovia não é possível introduzir um terceiro elemento entre mão e contra-
mão). Entretanto, esta lógica é nociva aos casos complexos, como, por exemplo,
o campo social, político ou psicológico (bem ou mal; ricos ou pobres; brancos
ou negros; normais ou loucos).
Na proposição dos níveis de realidade, entende-se que uma realidade pode
apresentar-se simultaneamente em distintos níveis. Niels Bohr, buscando a
explicação para a natureza da luz, propõe que a luz é, ao mesmo tempo, onda e
corpúsculo (fótons). “Um único e mesmo nível de Realidade só pode provocar
oposições antagônicas. Ele é, por sua própria natureza, autodestruidor, se for
completamente separado de todos os outros níveis de Realidade” (NICOLESCU,
1999, p. 37).
No campo da comunicação humana, surge a Teoria da Informação, de Claude
Shanon (SHANNON; WEAVER, 1975), que propõe o entendimento de um
modelo não linear vigente até então (conhecido como modelo telegráfico), na
qual a comunicação é transmitida ponto a ponto e substituindo tal modelo por
uma forma denominada de “orquestral”, na qual a comunicação ocorre simul-
taneamente em vários planos, de forma circular e contínua. Tal modelo vai ser
amplamente estudado por um grupo de linguistas (Watzlawick, Goofman entre
outros) especialmente interessados no impacto da comunicação sobre a con-
duta (a dimensão pragmática da comunicação). O postulado mais significativo

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


176 UNIDADE IV

destes estudos é de que toda a conduta é comunicação!


Se o pé de um homem bater, enquanto passeia, numa pedra, a energia é
transferida do pé para a pedra; esta será deslocada e, finalmente, voltará
a parar numa posição que é totalmente determinada por fatores, tais
como o montante de energia transferida, o formato e o peso da pedra,
a natureza da superfície em que ela rola. Se, por outro lado, o homem
der um pontapé num cão, em vez de na pedra, o animal poderá saltar e
mordê-lo. Neste caso, a relação entre o pontapé e a mordida é de uma
ordem diferente. É óbvio que o cão recebe a energia, para a sua reação,
do seu próprio metabolismo e não do pontapé. Portanto, o que é trans-
ferido não é energia, mas informação. Por outras palavras, o pontapé

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é um item de comportamento que comunica algo ao cão e este reage à
comunicação com outro item de comportamento-comunicação. Eis aí,
essencialmente, a diferença entre a psicodinâmica freudiana e a teoria
da comunicação, como princípios explicativos do comportamento hu-
mano. Como se vê, eles pertencem a diferentes ordens de complexida-
de; o primeiro não pode abranger o segundo e nem o segundo pode ser
derivado do primeiro: mantêm-se numa relação de descontinuidade
conceitual (WATZLAWICK et. al, 2011, p. 25-26).

A Cibernética, termo utilizado por Norbert Wiener, em 1948, e que se desenvol-


veu na ciência que estuda os seres vivos e as máquinas nos processos de controle
e transmissão de informação, trouxe para a ciência moderna os conceitos de
“retroalimentação” (feedback) e “autorregulação”. Esses conceitos asseguram que
os sinais de saída de um sistema voltam a entrar no sistema modificando subs-
tancialmente os resultados. Questionou-se, assim, a convicção já arraigada das
explicações da conduta humana em termos de causa-efeito ou estímulo-resposta.
“Os sistemas autorreguladores – sistemas com retroalimentação – requerem uma
filosofia própria, em que os conceitos de modelo e informação são tão essenciais
como os de matéria e energia no começo do século atual” (WATZLAWICK et.
al, 2011, p. 28).

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


177

A segunda objeção feita aos modelos da Teoria da Informação, a do caráter


linear dos esquemas, teve como reação os estudos desenvolvidos, sobretu-
do nos Estados Unidos, a partir dos anos cinquenta, que propõem um mo-
delo “circular para a comunicação”. Podem ser mencionados os trabalhos de
G. Bateson, E. Hall e E. Goffman, entre outros, e as noções de base como a de
feedback ou de retroação e realimentação. Trocando em miúdos, a comuni-
cação no quadro da teoria da “nova informação”, da sociologia da comuni-
cação ou da análise da conversação não deve mais ser pensada como um
fenômeno de mão única, do emissor para o receptor, mas como um sistema
reversível e interacional. Dois pontos merecem destaque: em primeiro lu-
gar, deve-se mencionar que para esses estudiosos não importam apenas os
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

efeitos da comunicação sobre o destinatário, mas também os efeitos que a


reação do destinatário produz sobre o destinador.
Fonte: Barros (2007, p. 29).

Por fim, a Teoria Geral dos Sistemas, proposta por Ludwig Von Bertalanffy, que
visa o entendimento de uma realidade externa mais complexa e menos contro-
lável de que aquela oferecida pelo modelo freudiano.

O MODELO SISTÊMICO

O modelo sistêmico representa um novo paradigma no desenvolvimento das


ciências. É uma nova maneira de perceber o mundo e suas relações; uma nova
forma de pensar, que significa uma ruptura com as formas anteriores de fazer
ciência. Nas palavras de Bertalanffy, “implica numa fundamental reorientação
do pensamento científico” (BERTALANFFY, 2008, p. 3).
Ainda que seja possível encontrar vestígios do pensamento sistêmico na his-
tória da filosofia, da religião e da ciência, os aspectos específicos e os elementos
concretos deste tipo de pensamento são resultado das investigações e postu-
lados expressos nas últimas décadas. Atribui-se precisamente a Ludwig von
Bertalanffy, biólogo vienense, emigrado aos Estados Unidos no final da Segunda
Guerra Mundial, a utilização pela primeira vez, ao final da década de trinta, a
frase “Teoria Geral dos Sistemas”.

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


178 UNIDADE IV

Este “novo modo de pensar” almeja ser aplicado tanto às ciências exatas como
às ciências naturais e, inclusive, às ciências sociais, parecendo, portanto, propor-
cionar um marco teórico unificador para o conhecimento humano. Engloba no
que Kuhn (1975) descreveu como uma “revolução científica”. Segundo Kuhn,
quando os esquemas conhecidos já não são suficientes para explicar a comple-
xidade do mundo e suas relações, surge a necessidade de novos paradigmas.
Pineau (2005, p. 107), a partir das proposições de Kuhn, afirma que:
[...] por paradigmas entendemos uma matriz disciplinar compreenden-
do o conjunto de elementos práticos (quem investiga o quê?), ideológi-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
cos (por quê?) metodológicos e epistemológicos (como?) que estrutu-
ram e legitimam em um certo momento um campo científico.

Assim, o paradigma sistêmico emerge no campo das ciências para tentar respon-
der as necessidades de compreensão dos elementos complexos vindos à tona a
partir das novas descobertas em várias disciplinas.
A partir da proposição de Bertalanffy, estima-se que o enfoque sistêmico
passou a afetar toda a produção científica, passando a ocupar o lugar das teorias
baseadas na termodinâmica no campo da física e o lugar das teorias mecanicis-
tas no campo da psicologia. Segundo Grzybowski (2005, p. 89-90),
[...] diante do paradigma analítico, fragmentário, mecanicista e de cau-
salidade linear das ciências clássicas baseadas na física de Newton e na
filosofia de Descartes, o enfoque sistêmico implementou a necessidade
da exploração científica de totalidades, de organização, de relações e
das dimensões holísticas do mundo.

Para Bertalanffy (2008, p. 53):


[...] e necessário estudar não somente partes e processos isoladamente,
mas também resolver os decisivos problemas encontrados na organi-
zação e na ordem que os unifica, resultante da interação dinâmica das
partes, tornando o comportamento das partes diferente quando estu-
dado isoladamente e quando tratado no todo.

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


179

A pessoa humana é um sis-


tema altamente complexo
e, portanto, não pode ser
analisada a partir do para-
digma cartesiano, ou da
chamada ciência ‘tradicio-
nal’. O conhecimento que
se obtém ao se analisar um
sistema complexo a partir
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de um modelo simplificador
é somente o “saber manipular”,
operacionalizar ou reduzir a simpli-
ficações, admitindo-se que certas “forças”
estão agindo aos pares. “Claro que conhecer, no
decurso dos três últimos séculos, foi muitas vezes identificado
com ‘saber manipular’” (PRIGOGINE; STENGERS, 1984, p. 205). Exatamente
pela dificuldade de se trabalhar com sistemas complexos, a ciência cartesiana
e positivista acaba trabalhando apenas frações do sistema e, como consequên-
cia natural, chegando a conclusões e princípios parciais, o que não impede de
trabalhar com tal conhecimento. Entretanto, o resultado da fragmentação e sim-
plificação é a super-especialização e o não diálogo entre os distintos campos da
ciência, criando, inclusive, linguagens muito específicas para descrever as rea-
lidades parciais.
O enfoque sistêmico tem seu corpo de conceitos que o identifica e explica.
Faremos, a seguir, uma breve descrição dos termos que são de maior relevân-
cia para o estudo do modelo sistêmico em base da didática descrição feita por
Friesen e Grzybowski (2006).

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


180 UNIDADE IV

PRINCIPAIS CONCEITOS DO MODELO SISTÊMICO

Sistemas e subsistemas

Um sistema é uma entidade com componentes que co-variam de maneira interde-


pendente dentro de limites (semipermeáveis ou permeáveis) e que busca manter
o equilíbrio. Como os sistemas possuem uma hierarquia entre si, um subsistema
é um sistema menor, contido em um sistema hierarquicamente superior, mas

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que, por sua vez, também contém em si sistemas menores ou hierarquicamente
inferiores (BERTALANFFY, 2008).
Uma forma de exemplificar isto seria o corpo humano, que em si é um sis-
tema vivente, composto de sistemas de órgãos (nervoso, circulatório, respiratório),
que seriam subsistemas do corpo, mas que também são constituídos por órgãos
(cérebro, medula, bulbo, pulmão, coração, entre outros), os quais são constituí-
dos por tecidos e assim consecutivamente.

Sistemas abertos ou fechados

Um sistema aberto caracteriza-se pela permeabilidade de seus limites, que além


de semipermeáveis, são também seletivos. Por estes limites, o sistema importa
ou recebe entradas, denominadas de “inputs”, em forma de energia, matéria e
informação, e exporta ou emite “outputs”, também em forma de matéria, ener-
gia e informação.
Os sistemas abertos estão em constante interação com outros sistemas em
seu ambiente e buscam permanentemente um equilíbrio com o meio a partir da
promoção de mudanças no mesmo. O atributo de abertura do sistema perante
o meio onde subsiste é algo que compete a três teorias: sistêmica, comunicacio-
nal e interacionista.
O atributo de oclusão de um sistema não é compatível com os sistemas orgâ-
nicos nem sociais, antes, corresponde a determinados componentes químicos,
os quais, por sua própria natureza, não realizam intercâmbios de nenhum tipo
de elemento (BERTALANFFY, 2008).

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


181

Conceito de globalidade (ou totalidade)

É o oposto do conceito de somação. Significa que toda e qualquer parte de um


sistema está relacionada com as demais partes, de tal forma que uma mudança
em uma pequena parte provocará a mudança no sistema em todas as outras e no
sistema como um todo, pois um sistema é um todo inseparável, uma “Gestalt”.
O contrário de globalidade é a somação, e esta é a soma das coisas, um amon-
toado. Um amontoado de maçãs, que somadas dão 1.000 maçãs, não forma um
sistema. O corpo humano não é um amontoado de órgãos, mas a interação, inter-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

-relação e comunicação entre os mesmos.


Entre os conceitos de globalidade e somação existe tanta semelhança quanto
entre um organismo vivo e um amontoado de maçãs. Contudo, se as partes de um
sistema não estão relacionadas de forma somatória, no que se baseia sua unidade?
Uma das respostas dadas no passado foi que a energia unificava o sistema. Com o
advento da cibernética e seu consequente descobrimento da retroalimentação, o
conceito de energia como elemento unificador do sistema mudou para a comuni-
cação, veiculada pelos elementos de retroalimentação e da circulação da mesma.
Estes dois princípios são os pilares da teoria sistêmica (BERTALANFFY, 2008).

Retroalimentação (ou feedback)

A retroalimentação é entendida como uma cadeia de eventos nos quais o último


elemento conduz de volta ao primeiro, tornando a cadeia de eventos circular e não
mais linear. Especialmente a cibernética ocupou-se em demonstrar a circulari-
dade dos eventos. Da mesma forma,
a teoria da comunicação utiliza-se
da mesma explicação para enten-
der como a comunicação se altera
no curso de sua expressão. Sabe-se
que a retroalimentação pode ser
positiva ou negativa. Ela é posi-
tiva quando conduz a mudanças e
à perda de estabilidade; enquanto

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


182 UNIDADE IV

a retroalimentação negativa produz o efeito exatamente de manutenção do sis-


tema. Não devemos concluir precipitadamente que a retroalimentação negativa
é desejável e a positiva deva ser evitada (BERTALANFFY, 2008).

Homeostase

Termo que significa duas coisas:


■■ Manter o “status quo”, ou seja, uma constância frente à mudança, cujo
caso a homeostase é um fim.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Exercer retroalimentação negativa para manter o “status quo”, cujo caso
a homeostase se converte em um meio.

Para tornar claro esse conceito, vejamos o exemplo que segue: um membro de
uma família muda sua conduta e esta mudança desestabiliza (afeta) aos outros
elementos do sistema familiar. Diante desta nova conduta, surgem as reações
(retroalimentações) algumas podem ser positivas - são as que irão apoiar a nova
conduta do membro mutante - desestabilizando ainda mais o sistema. Outras
podem ser negativas, procurando opor-se à mudança, a fim de manter a estabi-
lidade do sistema. A este último esforço, denomina-se homeostase como meio,
para manter o status quo. A este tipo de homeostase chamamos “pura” e tem
sido questionada se, apesar da retroalimentação negativa, produzem mudanças; e
apesar das mudanças, a família, não necessariamente, perde a estabilidade – não
se desintegra – como poderia supor-se. Desta forma, o conceito de homeostase
como um fim, isto é, manter a constância, o status, o equilíbrio das forças inter-
nas e externas, é o que continua em vigência (TIPIA, 2008).

Equifinalidade

Significa que os mesmos resultados podem brotar de diferentes origens, porque


a natureza da organização é que é definida, ou seja, a alteração de um estado
em um sistema aberto não é tanto determinado pelas condições iniciais do sis-
tema quanto pela natureza do processo ao qual ele foi submetido. Embora alguns
pensadores sistêmicos afirmem que arrancar do todo o estado inicial não é uma

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


183

postura sólida, porque equivale a um esvaziamento e que o conceito esgota-


-se somente na explicação da inter-relação presente, os defensores do conceito
da equifinalidade explicam, em termos de sistemas abertos, que por serem tais
como são, não estão sujeitos às condições iniciais como os sistemas fechados.
Uma adequada compreensão desta postura indica que não negam o efeito dos
estados iniciais, mas que dão predomínio aos parâmetros do sistema sobre as
condições iniciais. No fundo, trata-se de um debate entre a postura genética e a
histórica por um lado e a sistêmica por outro (TIPIA, 2008).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Calibração

Este termo é utilizado para explicar o equilíbrio que alcançava uma família
diante de retroalimentações positivas, negativas e outros mecanismos. O uso
do termo homeostase, com o sentido de meio e fim, levantou algumas dúvidas
sobre a capacidade fundamental do ser humano para a mudança sem se dese-
quilibrar. Tal capacidade denomina-se calibração. Podemos fazer uma analogia
com o termostato de uma geladeira.
Suponhamos que o termostato de uma geladeira está calibrado para manter-la
funcionando normalmente (internamente) para um nível de 20 ºC na tempera-
tura ambiente. Ocorre, então, uma subida na temperatura externa. O termostato
irá modificar sua calibração até colocar-se de acordo com o nível “regulado”. O
conflito aparece quando se necessita regulá-lo mais alto ou mais baixo que o
grau de temperatura habitual. Ali se coloca à prova a capacidade calibradora do
sistema. Este experimenta alterações; as retroalimentações continuam sendo
as mesmas; existem razões que impossibilitam colocar de novo o termostato a
20 ºC. Somente permanece a capacidade calibradora do sistema. Aqui entra em
função um procedimento escalonado, dando passos progressivos de ajuste até
obter o ajuste do sistema à nova regulação. Esta analogia serve para observar a
família em um constante calibrar-se às novas regulações. O crescimento de um
filho, o casamento de outro, entre outras coisas, são mudanças reais e inevitáveis.
Uma calibração não escalonada, drástica, desequilibra o sistema (TIPIA, 2008).

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


184 UNIDADE IV

Sistemas interacionais estáveis

São sistemas nos quais as variáveis que os compõem tendem a permanecer em


limites definidos. Se as variáveis mais representativas tendem a sair dos limites, qua-
lifica-se o sistema como não estável. Para fins de estudo da comunicação humana,
o estudo de um sistema estável é relevante. A repetição de sequências somente é
possível ser percebida em um sistema estável, o que indica as necessárias conse-
quências em longo prazo. O critério de sistema estável leva a uma consequência
lógica: a relação estável. Esta, duradoura, poderá ser sã ou enferma, o que dará

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
relevância para a psicologia e psiquiatria (TIPIA, 2008).

Ruptura do sistema estável

O sistema estável pode romper-se e, por conseguinte, existem rupturas nas rela-
ções estáveis. Embora esta área do enfoque sistêmico já pertença ao campo da
psicopatologia da família, convém fazer uma revisão sumária das principais for-
mas de rupturas. As principais formas de rupturas do sistema familiar são três
(TIPIA, 2008):
1. A Coalizão, que significa a confrontação de um subsistema contra outro
subsiste­ma ou o sistema total. Lembremos que um subsiste­ma pode ser
formado de um ou vários membros familiares.
2. Coalescência significa um problema comum e orienta a formação de um
grupo, que atuará em coalizão. Por exemplo, agrupam-se os que pensam
que são explorados pelos demais (coalescência) e confrontam (coalizão)
os exploradores reclamando de tal discriminação.
3. A Coagulação significa que um subsistema, em relação ao sistema total,
diante de uma ameaça comum, se estanca. Aparentemente, ocorre uma
integração, mas efetivamente o que acontece é uma postergação da rup-
tura ou conflito até que passe a emergência.

A Teoria Sistêmica hoje não se restringe somente ao campo das ciências humanas,
mas tem pensadores nos campos das ciências exatas, das ciências biológicas e em
todos os outros campos do saber humano, incluindo as artes e a filosofia. Esta incur-
são do pensar sistêmico nos diversos campos da ciência tem recebido o nome de

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


185

“paradigmas”, mas que em sua essência vislumbram uma concepção única, ou seja,
a complexidade dos sistemas vivos e a necessidade da análise de suas totalidades e
dos padrões que unificam esta totalidade (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995).
Se quiséssemos apontar a disjunção, falaríamos de diversos “paradigmas”:
diríamos que Morin, por exemplo, tem pensado o “paradigma da complexidade”;
que Prigogine e seus colaboradores têm pensado o “paradigma da instabilidade”
ou “paradigma da ordem a partir da flutuação”; que Von Glasersfeld e Pearce,
entre outros, têm questionado a objetividade e pensado o “paradigma do cons-
trutivismo”, de uma realidade construída. E poderíamos, também, nos referir
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

aos demais teóricos e especialistas contemporâneos, posicionando-os mais ou


menos claramente em relação a estes “três paradigmas”.
Pode-se afirmar que o conceito central que abarca os distintos “paradig-
mas” é a ideia de circularidade, que rompe com o conceito linear e afirma
a impossibilidade de, no caso dos sistemas viventes, determinar a uma
parte uma influência causal sobre outra. Bateson (1978, p. 53) afirma que
um cérebro não pensa, o que pensa é um cérebro dentro de uma pessoa
e que é parte de sistemas gerais que habitam, em equilíbrio, dentro de
seu meio. Portanto, não podemos traçar uma linha divisória que indique
que uma parte pensa e outra aproveita o pensamento, antes “o que pensa
é um circuito total” (ESTEVES DE VASCONCELOS, 1995, p. 116-117).

Uma consequência direta desta forma de pensamento é o questionamento da


possibilidade de se haver um conhecimento objetivo, embora a grande parte da
pesquisa científica, acreditando ter um acesso privilegiado à realidade objetiva,
atua considerando que a dificuldade em se ser eficiente decorre da dificuldade
de se encontrar uma representação mais verdadeira dessa realidade objetiva e
independente. O modelo circular de pensamento leva à compreensão de que um
objeto a ser pesquisado só tem sua existência concretizada quando em relação ao
pesquisador ou, nas palavras de Esteves de Vasconcelos (1995, p. 65), “a realidade
só existe a partir da pergunta do investigador sobre ela”. Esta ideia não nega que
haja uma realidade numa existência independente do investigador científico, mas,
antes, afirma que os objetos da pesquisa científica são conhecidos por meio do
olhar do investigador e mantêm com este uma relação íntima e circular de influ-
ência recíproca, o que, por sua vez, torna o campo da pesquisa científica altamente
complexo. Detalhes do pensamento complexo serão desenvolvidos na sequência.

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


186 UNIDADE IV

O PENSAMENTO COMPLEXO

A partir da reflexão sobre a Teoria dos Sistemas, o sociólogo francês Edgar Morin
(2006b) postula que a chave de toda a compreensão do enfoque sistêmico está
no conceito de complexidade e propõe uma compreensão da realidade fundada
no entendimento das relações dinâmicas entre as partes que compõem esta rea-
lidade e a totalidade resultante da interação das partes. O termo complexidade já
havia sido utilizado na ciência por pensadores, como o filósofo G. Bachelard, o
criador da teoria da informação Claude Shannon e o matemático e um dos pio-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
neiros da cibernética Warren Weaver. Contudo, foi Morin que desenvolveu os
principais postulados do pensamento complexo e exerceu o papel de seu “grande
artesão”. A ideia de complexidade, antes de ser um postulado teórico ou um para-
digma, está presente no cotidiano ao nosso redor, desde a estrutura do átomo
mais simples à organização das sociedades mais desenvolvidas.

A primeira coisa a ser dita é que a complexidade está no mundo, em


todas as coisas (materiais ou não). A vida cotidiana é impregnada de
complexidade. (...) Portanto, a complexidade, antes de ser uma teoria,
um paradigma, um modelo para pensar a matéria, a vida e o homem, é

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


187

mais propriamente um atributo de toda a matéria. (...) A complexidade


é o estado de ser de todos os sistemas abertos, quer dizer, auto-eco-or-
ganizadores (ALMEIDA, 2006, p. 27).

O paradigma da Complexidade contrapõe-se ao modelo de pensamento cartesiano


que dominou a ciência moderna por quase três séculos. Na visão disseminada
por Descartes (1979, p. 37-38), a ciência deveria “dividir cada uma das dificulda-
des que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas necessárias
fossem para melhor resolvê-la”, e assim propunha uma forma de pensar dicotô-
mica das dualidades (sujeito-objeto; razão-emoção, etc.).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Todo fato tem uma causa que o precede e as mesmas causas, nas mes-
mas condições, produzem os mesmos efeitos. Mas, para conhecer e
analisar, é necessário dividir. A realidade deve não somente existir fora
e independentemente do observador, mas ela deve, também, ser de-
componível e analisável em partes, o todo se recompondo depois pela
soma de suas partes (PAUL, 2005, p. 76-77).

Para Bohm (1980) este é exatamente o grande equívoco da ciência e de onde


advém a maior parte das dificuldades que os cientistas encontram: a tendência
de fragmentar o mundo e ignorar a interconexão entre todas as coisas. Em opo-
sição à ideia da simplificação e fragmentação dos objetos para posterior análise,
como proposto pelo modelo cartesiano, o paradigma da complexidade propõe a
exploração de objetos complexos em sua totalidade e em sua relação com outros
objetos e os processos enquanto síntese de determinantes múltiplos.
Um primeiro elemento diferencial do Paradigma da Complexidade em rela-
ção aos postulados básicos da Teoria dos Sistemas é que o mesmo postula que
a relação entre a parte e o todo não é apenas a parte que está no todo, mas o
todo que está igualmente na parte (MORIN, 2006b), como no holograma, em
que o menor ponto de cada imagem contém a totalidade, ou quase totalidade
da informação do objeto que representa (MORIN, 1996b). A este princípio, o
autor denomina de ‘Princípio Hologramático’, o qual, segundo ele, está presente
tanto no mundo biológico quanto no mundo sociológico.
Encontramos nas células de nosso organismo a totalidade da informação
genética deste organismo, da mesma forma que encontramos na família toda
representação dos elementos culturais na qual ela foi desenvolvida. Assim, o
conhecimento adquirido no conhecimento das partes volta-se sobre o todo e o

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


188 UNIDADE IV

que se aprende sobre as qualidades emergentes do todo se volta sobre as par-


tes. “Esta ideia aparentemente paradoxal imobiliza o espírito linear” (MORIN,
2006a, p. 75). O diferencial do princípio hologramático para a visão holística,
característica da teoria dos sistemas e da Gestalt, é que o todo, para Morin, pode
ser maior ou menor que a soma das partes e o importante é a dialógica existente
entre todo e partes.
Outro princípio que Morin (2006a) aponta como sendo chave para a com-
preensão do paradigma da Complexidade é o ‘Princípio Dialógico’. Segundo o
autor, na construção da realidade estão presentes duas lógicas: uma geradora de

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continuidade e outra geradora de descontinuidade, ou em outros termos, uma
promotora de estabilidade e outra promotora de instabilidade.
Estas duas lógicas não são simplesmente justapostas, mas necessárias uma
à outra, como no caso do organismo vivo, o qual nasce do encontro de um
elemento estável – o DNA, e de um elemento instável – os aminoácidos que for-
mam as proteínas. A proteína instável vive em contato com o meio e permite a
existência fenomênica e o DNA assegura a reprodução. “O princípio dialógico
nos permite manter a dualidade no seio da unidade. Ele associa dois termos ao
mesmo tempo complementares e antagônicos” (MORIN, 2006a, p. 74). O prin-
cípio dialógico não coloca em oposição fenômenos como ordem e desordem ou
natureza e cultura, mas entende os mesmos como simultaneamente concorren-
tes, antagônicos e complementares.
Um terceiro conceito ou princípio-chave do paradigma da complexidade é o
da recursividade organizacional, ou “Princípio Recursivo”, que pode ser compre-
endido como “um processo onde os produtos e os efeitos são simultaneamente
causas e produtores do que os produz” (MORIN, 2006a, p. 74), negando a cadeia
linear de causa-efeito. Tal ideia permeia todos os campos do saber humano, da
biologia à sociologia, passando pela linguagem. Para Morin (2006a), a sociedade
é resultado da interação entre os indivíduos por meio da linguagem e, simul-
taneamente os indivíduos estão sendo formados dentro da sociedade que eles
produziram e que os produz, ou seja, os indivíduos produzem a sociedade que
produz os indivíduos em um contínuo, que visualmente poderia ser represen-
tado em um espiral ascendente que vai se ampliando.

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


189

A ideia recursiva é, pois, uma ideia em ruptura com a ideia linear de


causa/efeito, de produto/produtor, de estrutura/superestrutura, já que
tudo o que é produzido volta-se sobre o que o produz num ciclo ele
mesmo auto-constitutivo, auto-organizador e auto-produtor (MORIN,
2006a, p. 74).

Outro princípio importante para a compreensão do pensamento complexo é o


‘Princípio da auto-eco-organização’. Este princípio está ligado à relação autono-
mia/dependência, na qual toda a autonomia é inseparável de sua dependência,
indicando a inexistência de uma realidade absolutamente objetiva. Para Maturana
e Varela (1995), cada componente de um ser vivo é agente participativo na pro-
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dução e mudança de outros componentes em um sistema reticular, resultando


desta produção conjunta de componentes uma rede, a qual será o padrão de
organização daquele determinado sistema vivente. Desta forma, ao descrever
uma realidade, o observador interage com ela, modificando-a e sendo modifi-
cado pela mesma.
Finalmente, um último princípio importante do pensamento complexo é o da
‘Reintrodução do Sujeito Cognoscente’. Nesse princípio, o sujeito é resgatado no
processo de conhecimento como autor de sua história e, por conseguinte, co-au-
tor de construções coletivas. O sujeito e o meio onde ele está inserido tornam-se
co-dependentes, sendo este meio entendido não como algo pré-determinado,
mas como uma construção em interação com o sujeito. O caminhar, por exem-
plo, só acontece quando existe a interação entre o solo e o sujeito caminhante.
A ausência de um destes elementos desconfigura o processo.
Para Morin (1996), o pensamento complexo é um pensamento que busca
ao mesmo tempo distinguir – mas sem separar – e unir. O modelo dialético nas
concepções da física e da biologia procura separar o pensamento da substân-
cia, as qualidades das propriedades e outros conceitos em termos de pólos; o
enfoque sistêmico reunifica estes conceitos. Enquanto Laplace conduziu a um
pensamento atomista, o enfoque sistêmico nos direciona para uma visão da orga-
nização complexa (MORIN, 1983). Quanto mais complexo for um sistema, mais
imprevisível ele se torna e de igual forma torna impossível a precisão da trajetó-
ria e a determinação das condições iniciais destes sistemas.

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


190 UNIDADE IV

Claro que não se pode explicar de maneira lógica as relações deste todo
e de suas partes e vice-versa. É por isso que se chama pensamento com-
plexo, pois parece não haver uma lógica para estas relações aparente-
mente sistêmicas, é o que Morin denomina a ‘ordem dentro da desor-
dem’ ou a ‘certeza da incerteza’, e é justamente por este motivo que se
chama complexidade (FRANCELIN, 2003, p. 64).

O pensamento complexo não se propõe a ser uma teoria que responda a todas as
inquietudes da ciência pós-moderna, isso porque na essência do próprio para-
digma está incluída, obrigatoriamente, a ideia de que todo o saber é sempre
inacabado e incompleto e, portanto, não poderia haver um paradigma que abar-

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casse a completude dos saberes. “O pensamento complexo também é animado
por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não fragmentado, não
compartimentado, não redutor, e o reconhecimento do inacabado e da incom-
pletude de qualquer conhecimento” (MORIN, 2006a, p. 7).

A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os seus


objetos do seu meio ambiente. Ela não pode conceber o elo inseparável en-
tre o observador e a coisa observada.
(Edgar Morin)

Para Morin (2006a), existe uma interdependência entre ordem e organização,


mas estas instâncias não podem ser compreendidas sem a consideração do ele-
mento desordem. Isso nos leva ao pensamento-chave de que os elementos que
são antagônicos, como ordem e desordem, são simultaneamente complementa-
res e que geram uma interação denominada de multidimensional.
Nos postulados do paradigma da complexidade, sujeito e objeto interagem
numa relação dinâmica e interdependente que vai além da ideia sistêmica que
ambos, sujeito e objeto, fazem parte do mesmo sistema que está sendo analisado.
Para Morin (1987a), não é suficiente a explicação de que sujeito e objeto fazem

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


191

parte de um mesmo sistema,


mas que há uma relação entre
o sujeito e o conhecimento
que ele produz. Para Morin
(1987a, p. 137), “este desen-
volvimento exige não só que
o observador se observe a si
mesmo ao observar os sis-
temas, mas também que se
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esforce por conhecer o seu


conhecimento”. O impacto
desta nova forma de perceber
o mundo e os elementos nele
contidos, numa perspectiva
de contínua inter-relação,
modifica radicalmente nossa análise dos fenômenos que observamos.
Desta forma, a objetividade, de acordo com Morin (1987b), possui um elemento
intrínseco de subjetividade e, de forma distinta do pensar cartesiano, são elemen-
tos constituintes da realidade. Para o autor, a objetividade é o elemento norteador
do pensamento complexo, desde que considerada num todo em interação com
a subjetividade, pois uma parte sem a outra descaracterizaria a identidade com-
plexa do sistema.
A tentativa de compreensão de um sistema complexo a partir de um para-
digma simplificador pode estabelecer ajustes parciais e reducionismos, a fim de
se adequar um fenômeno à teoria, ao invés de questionar a teoria que não com-
porta o fenômeno. A análise da espiritualidade humana sob a ótica de um modelo
complexo pode enriquecer nossa visão a respeito da pessoa humana.
Então, estimado(a) aluno(a), teve fôlego para me acompanhar até aqui ou
a viagem está parecendo, para você, mais como um passeio em uma montanha
russa de conceitos e ideias? Bem, vamos seguir agora fazendo uma tentativa de
costura entre o que foi visto até aqui com o foco central de nosso curso, que é a
teologia hebraico-cristã. Respire fundo e vamos seguir viagem!

O Surgimento de um Novo Modelo nas Ciências


192 UNIDADE IV

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TEOLOGIA, CIÊNCIA E ABORDAGENS
EPISTEMOLÓGICAS

Quero trazer a você algumas ideias sobre a interface entre a teologia e os mode-
los sistêmico e da complexidade. Tais pensamentos foram, em parte, publicados
na revista Vox Escripturae (GRZYBOWSKI, 2006) e atualizados pelo autor neste
trabalho.
A ciência tem procurado cada vez mais se conscientizar de que os fenôme-
nos observáveis têm várias formas de serem explicados – a partir de distintas
linguagens, as quais, antes de serem excludentes, nos desafiam a uma compreen-
são ampliada do universo e a uma postura menos dogmática e, por conseguinte,
mais abrangente.
A teologia, assim como a maioria das ciências humanas, por muitos anos
seguiu o modelo das Ciências Naturais, limitando seu estudo e compreensão
pela metodologia com a qual se procurava entendê-la. Em particular, a teolo-
gia hebraico-cristã nasce e se desenvolve a partir de uma concepção não grega
da realidade.

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


193

O pensamento subjacente à construção da bíblia não tem as características do


padrão linear e dicotômico grego e sofre pouca influência deste – algumas ressal-
vas podem ser feitas na leitura de algumas cartas paulinas e nos escritos de João.
A primeira e grande distinção entre o pensamento grego e o hebraico-cristão
é o padrão dicotômico presente no primeiro em contraposição ao padrão holís-
tico – consoante a todo o pensamento oriental – presente no segundo. Como a
construção cartesiana da realidade segue o padrão dicotômico grego, a interpre-
tação das Sagradas Escrituras passa a ser realizada no mesmo modelo, deixando
não só de distanciar-se da intencionalidade original dos narradores, como difi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cultando muito sua compreensão (GRZYBOWSKI, 2006).


Para Bateson G. e Bateson M. (1989, p. 68):
[...] a primeira é a ideia que está na base de toda gama das superstições
modernas, ou seja, que existem dois princípios de explicação diferen-
tes: ‘espírito’ e ‘matéria’. Como ocorre invariavelmente com semelhantes
dicotomias, este célebre dualismo cartesiano criou uma multidão de
outras divisões tão monstruosas como ele mesmo: espírito/corpo; inte-
lecto/afetividade; vontade/tentação, etc.

As divisões entre espírito/matéria e sagrado/profano têm dificultado uma compre-


ensão implícita na Bíblia de um Deus que é “espírito” (João 4:24) e que também
é “matéria” (João 1:14). Torna-se necessário, desta forma, alterar o modelo de
abordagem para um modelo integrativo (em oposição ao dicotômico) e circu-
lar (em oposição ao linear).
Outro elemento do pensamento grego/cartesiano de difícil assimilação no
campo de estudo da teologia é a necessidade de quantificação da experiência.
Exatamente esta dificuldade levou os cientistas e pensadores modernos a para-
metrarem a teologia com a religiosidade e a superstição, deixando-a fora do
campo de estudos científicos.
Outra contribuição de Descartes, que leva seu nome e se ensina a toda
criança que estuda em um laboratório científico (...) foi a ideia de usar
a interseção de coordenadas (chamadas coordenadas cartesianas) para
representar duas ou mais variáveis em interação ou para representar o
curso de uma variável no tempo (...) e assim em nosso marco científico
se estabeleceu como de suma importância a quantidade (BATESON,
G.; BATESON M. 1989, p. 69).

Teologia, Ciência e Abordagens Epistemológicas


194 UNIDADE IV

Também a visão do ser humano é distinta a partir do modelo sistêmico e do pen-


samento complexo. A medicina do século XIX foi impregnada pelo conceito de
energia – advindos das descobertas das máquinas a vapor e da eletricidade. O
modelo médico então concebe a etiologia dos problemas em termos lineares e
o tratamento consiste em encontrar a etiologia do “mal” e depois instituir um
tratamento para bloquear os processos físicos considerados culpáveis do estado
do paciente (HOFFMAN, 1992).
No conceito de circularidade trazido pelo pensamento sistêmico, “os com-
ponentes não funcionam de acordo com sua ‘natureza’, mas segundo sua posição

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dentro da rede” (FRIEDMAN, 1997, p. 30-31).

Mudar o foco da abordagem dicotômica para a sistêmica pode ser difícil


para quem foi treinado numa concepção cartesiana da realidade – muda do
excludente (OU) para o integrativo (E).
(Niels Bohr)

Desta forma, o conceito de pecado não se restringe a condutas que estejam


em desacordo com o Decálogo, mas em todo e qualquer padrão de desarmo-
nia dentro do projeto original de Deus na criação, incluindo aí os padrões de
saúde integral da pessoa humana. Conceitos de saúde e salvação estão estreita-
mente relacionados, pois o espiritual não se desvincula do físico na perspectiva
hebraico-cristã, como, por exemplo, em Tiago 5:13 a 20, onde tais conceitos estão
estreitamente relacionados.

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


195

A vida abundante, no conceito trazido por Cristo em João 10:10, não se limita
à ideia da vida eterna e, muito menos, ao conceito da teologia da prosperidade,
em acúmulo de bens materiais, antes enfatiza a perspectiva de saúde integral.
Zandrino (1998, p. 25), em um artigo sobre saúde integral, afirma que “segundo
o conceito judeu, não se separava a saúde física da psíquica nem da espiritual”.
Para Hernandéz (2008, p. 131):
[...] o pensamento sistêmico é um sistema aberto, que se desenvolve de
forma espiral através de conceitos, experiências, incorporando novos
conceitos e experiências. Tem a complexidade acompanhada de flexibi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

lidade. A perversão é causal, binária. O trinitário é circular, espontâneo


e relacional.

Temos, então, que o homem passa a ser visto como uma unidade integral, muito
mais que a soma de vários componentes em associação. Não é mais um estô-
mago que está com uma úlcera, ou um neurótico com os nervos desgastados,
mas uma unidade funcional onde cada fator interfere sobre outro e leva a hege-
monia salutar ou à patologia – unidade, acima de tudo, que tem valores que o
destacam dos demais animais, pois é o único ser portador da Imago Dei.

Teologia, Ciência e Abordagens Epistemológicas


196 UNIDADE IV

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NOVOS PARADIGMAS PARA NOVOS TEMPOS

O estudo da teologia, em especial a teologia hebraico-cristã, não pode ser feito


a partir dos parâmetros da lógica Aristotélica ou dos pressupostos cartesianos
que norteiam as Ciências Naturais. Tal esforço, além de inócuo, traz profundas
distorções no seu processo, pois parte de premissas filosófico-antropológicas
muito distintas do pensamento original dos escritores bíblicos – que é a base de
todo estudo teológico hebraico-cristão.
Dessa forma, faz-se necessário recorrer a novos paradigmas de análise e
encontra-se que o modelo sistêmico se demonstra o mais adequado, não só para
o estudo da teologia, como também para todo o campo das ciências humanas.
A partir desta perspectiva, o estudo da teologia hebraico-cristã a partir do
pensamento sistêmico, toma uma direção específica: perceber a realidade em ter-
mos de uma ruptura (separação ou alienação) sistêmica do ser humano com seu
Criador, com seu próximo, consigo mesmo e com o uni­verso. Sem desconhecer
outras explicações igualmente válidas (lembrando que a realidade é muito mais
que todas suas explicações juntas) e consciente dos perigos de um reducionismo
espiritualista, a dimensão da fé cristã, entretanto, tem palavras a pronunciar diante
da multifacial e complexa problemática do homem e mulher contemporâneos.

A PSICOTEOLOGIA E A PERSPECTIVA SISTÊMICA NA PSICOLOGIA PASTORAL


197

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, procuramos levar você, estimado(a) aluno(a), a uma reflexão um


pouco mais profunda a respeito de distintos paradigmas sobre a pessoa humana.
Primeiramente, levei você a refletir sobre um conceito novo, ao qual deno-
minamos de “psicoteologia”, que é muito distinto de uma “psicologia cristã”, algo
que efetivamente não existe no campo das ciências.
Quando pensamos nos possíveis campos de inter-relação entre psicologia e
teologia, logo verificamos que o modelo cartesiano e positivista das ciências físi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cas e exatas é limitado para a compreensão dessa interface. Convidei, então, você
a conhecer uma nova forma de pensar a realidade que vem progressivamente
tomando conta dos vários campos da ciência, a partir de meados do século XX,
denominada de Pensamento Sistêmico.
Diante do modelo fragmentário analítico de compreensão do ser, o pen-
samento sistêmico propõe a percepção das complexas interconexões nas quais
cada pessoa está inserida.
Entender a pessoa humana a partir do Pensamento Sistêmico e do Pensamento
Complexo traz uma interessante aproximação com a teologia hebraico-cristã,
conforme rapidamente elucidamos na parte final da unidade e, naturalmente
distancia-se do pensamento filosófico-teológico grego, com sua compreensão
dicotômica Aristotélica da realidade. Entretanto, isso não significa absoluta-
mente a criação de um novo saber humano, antes e principalmente, implica na
utilização de uma nova metodologia, a saber, a transdisciplinaridade, que nos
tira de nossos “guetos de pretenso saber” e nos impulsiona a novas e interessan-
tes construções.
Para finalizar, quero te desafiar, estimado(a) aluno(a), a aprofundar-se na lei-
tura a respeito do pensamento sistêmico e do pensamento complexo e, ao mesmo
tempo, entender como essa forma de compreensão da realidade pode ser extre-
mamente útil para a aplicação pastoral da atividade teológica em favor último
da pessoa humana, razão principal de nosso labor científico.

Considerações Finais
198

1. O termo “psicoteologia” significa:


a) Um novo campo de estudo científico.
b) Outro nome dado à psicologia cristã.
c) O estudo da interface entre a psicologia e a teologia.
d) Uma nova escola de psicologia.
e) Um ramo da teologia.
2. A Transdisciplinaridade propõe um campo de estudo:
a) Que atravessa as disciplinas e está além do campo exclusivamente discipli-
nar.
b) Que aproxima disciplinas que tenham um mesmo objeto de estudo.
c) Que analisa um objeto a partir de vários campos disciplinares e depois soma
os achados de cada campo.
d) Que almeja uma simples troca de informação entre as diferentes disciplinas,
mas mantendo cada uma seu domínio.
e) Que isola as disciplinas dentro de sua especificidade.
3. O pensamento sistêmico surge:
a) Como uma forma de entendimento da realidade que é complementar ao
pensamento cartesiano.
b) Como um novo paradigma da ciência, provocando uma ruptura com a forma
cartesiana dominante até então.
c) Como uma explicação mais adequada da relação causa-efeito.
d) Como uma nova escola de psicologia.
e) Como uma forma de integrar psicologia e teologia.
4. Podemos dizer que o pensamento sistêmico hoje em dia está presente:
a) Somente na psicologia, na forma de um modelo de terapia.
b) Na teologia e na psicologia, sendo uma forma de estudar a interface destas
duas ciências.
c) Somente na física quântica, sendo uma forma de opor-se ao pensamento
mecanicista de Newton.
d) Em distintos campos da ciência, propondo uma nova forma de compreensão
da realidade.
e) Exclusivamente na biologia, por meio dos estudos de Bertllanffy.
199

5. Dentro da teoria dos sistemas, o conceito de Totalidade significa:


a) Que toda e qualquer parte de um sistema está relacionada com as demais
partes.
b) Que cada parte é totalmente independente das demais.
c) Que as partes estão relacionadas com as demais partes que ficam mais pró-
ximas.
d) Que todas as partes podem ser divididas em partes menores ainda para uma
melhor compreensão do todo.
e) Que um sistema se autorregula de forma integral.
6. O pensamento sistêmico e o pensamento complexo percebem a realidade de
uma forma:
a) Linear.
b) Triangular.
c) Circular.
d) Esotérica.
e) Dividida em partículas cada vez menores denominadas “quantum”.
7. Um diferencial entre o pensamento sistêmico e o pensamento complexo é que
este último considera que:
a) As partes somadas compõem o todo.
b) O todo é mais que a soma das partes.
c) Não é apenas a parte que está no todo, mas o todo que está igualmente na
parte.
d) Partes e todo não tem nenhuma relação entre si.
e) Todo e partes são uma coisa só.
8. O pensamento complexo utilizado na teologia nos ajuda a:
a) Entender melhor a clara divisão entre o sagrado e o profano.
b) Integrar divisões clássicas como espírito/matéria; sagrado/profano.
c) Incrementar o pensamento dicotômico grego.
d) Elevar a teologia à categoria de ciência.
e) Entender a essência da alma.
200

O PAPEL DO TERAPEUTA

De acordo com WINNICOTT, o terapeuta problema e o mistério. É importante o tera-


se constitui como terapeuta, quando o peuta acreditar no que o outro é capaz de
paciente pode usá-lo como objeto e este fazer, respeitando seu tempo, seu processo.
não se defende. O terapeuta é uma pessoa
que sobrevive às agressões do paciente. É No processo terapêutico, o que o terapeuta
o equivalente à posição de mãe. A mãe é espera do paciente, é diferente do que o
aquela que sobrevive às agressões do filho. paciente faz. E esse respeito possibilita ao
paciente atuar com liberdade. Ex.: casal
O terapeuta precisa apreender que na rela- se separando. O marido procura terapia,
ção consigo mesmo, na relação com o outro vem primeiro e diz que não sente afeto pela
e com aquilo que faz possível a relação com esposa. Com o seguir do processo terapêu-
o outro, existem imagens estéticas, justas, tico, ele percebe que o problema não é só
religioso e fé. E que está frente ao que o com ela, mas com todas as pessoas (sem-
terapeuta acredita que sustenta as relações. pre fecha negócios com rapidez, pois não
A incorporação do mistério é a incorpora- quer estar com as pessoas – ele percebe
ção da máquina trituradora de imagens. isto). Tem filhos de 4 e 9 anos, em que pode
Ele tira imagens que a pessoa possa ter ter um tipo de relação diferente do que
anteriormente do outro, em uma relação tem com as outras pessoas. Certo dia, seu
complexa, flexível e aberta. filho veio, se jogou sobre ele e o acariciou;
ele permitiu sentir esse carinho do filho. O
A aproximação sucessiva, progressiva terapeuta não podia imaginar que isto iria
da verdade, vai constantemente triturar acontecer. Foi algo criativo e novo (algo que
imagens anteriores. É a capacidade do ele e o filho permitiram acontecer).
conhecimento, o espírito humano que
se aproxima do que é verdade. E simulta- “Não é só o terapeuta que ‘cura’ o paciente.
neamente é método por experiência que Ele também é ‘curado’ pelo paciente”. Existe
acontece como experiência nova. um trânsito aí. E esse trânsito é o mistério.
O aparecimento de condutas criativas é
O terapeuta precisa mostrar uma maior um parâmetro que o terapeuta deve ter.
capacidade de se relacionar, pois conhece Esse parâmetro o permite avaliar o processo
mais de relacionamento que o paciente. A terapêutico. O permite avaliar o apareci-
fé que o terapeuta tem no que faz, o sus- mento de condutas criativas, validadas
tenta, cria sustentabilidade e as condições como saúde. O terapeuta tem, então, a con-
de sustentabilidade. Não é uma fé infun- dição de avaliar a saúde e não a doença.
dada, mas ligada com o conhecimento que Apenas a sintoma.
se nutre do conhecimento científico e expe-
rimental sério. Um conhecimento que se Quando aparece o criativo, aparece a
aproxima da verdade de forma sucessiva e saúde. O criativo traduz saúde. Isto neu-
não se prende a um conhecimento lógico traliza o sintoma. A saúde NEUTRALIZA o
e formal. É a complementaridade entre o sintoma. “Quando aparece a criatividade no
201

paciente, isto é lindo, surgem coisas boas”. forma distinta, pois sai da repetição e traz
aspectos novos e criativos de mudanças
A criatividade é gestáltica. Desobstrui, abre, para dentro da família. O terapeuta precisa
cria novas formas e possibilidades de atua- tentar entrar e abrir a família.
ção, novas formas de relação. Isto acontece
assim porque se constata uma mudança O sistêmico é um sistema aberto, que se
sem se importar o porquê fez assim. O apa- desenvolve de forma espiral a partir de con-
recimento da criatividade faz neutralizar ceitos, experiências, ou seja, incorporando
o sintoma e, por fim, desmancha esse sin- novos conceitos e experiências. Tem a com-
toma até desaparecer. A criatividade nasce plexidade acompanhada de flexibilidade. O
de gestalts e com isto já se forma novos outro se manifesta à medida que eu o deixo
modos de se “mover” e se relacionar com o ser, e eu mesmo na medida em que me dou.
meio e no meio. Amplia as relações, aumen-
tando a rede relacional. Os pacientes preferem mais o modelo car-
tesiano, o mais lógico, quer ser enquadrado,
O indivíduo não é algo concreto que se ter um medicamento (isto é concreto e
possa “abarcar”. O indivíduo é uma rede “parece” ser mais direto). O indivíduo tem
de relações, sua família está sob os seus dificuldade de lidar com esta liberdade e
ombros. Não se pode separá-lo de sua famí- abertura. O terapeuta precisa trabalhar esta
lia. E sim, se trabalha com suas más relações. atitude de querer uma resposta. É necessá-
rio construir esta descoberta.
No sentido sistêmico, não se trabalha o indi-
víduo isolado, mas sim aberto à sua família. Fonte: Hernandez (2005).
Então o indivíduo volta se movendo de
MATERIAL COMPLEMENTAR

Mente E Natureza
Gregory Batenson
Editora: Francisco Alves
Sinopse: o livro sintetiza a essência do pensamento sistêmico, no
qual o autor coloca em questionamento a proposta cartesiana de
fragmentar a realidade em partes cada vez menores para se chegar
à compreensão da mesma e propõe um novo paradigma para essa
compreensão, que é a busca pelos padrões relacionais, ou seja, como os elementos da realidade estão
conectados entre si e de que forma a compreensão destas interconexões leva a um conhecimento
mais profundo da realidade.

A Árvore Do Conhecimento
Humberto Maturana E Francisco Varella
Editora: Palas Athena
Sinopse: a nossa vida vista por estes grandes cientistas e filósofos,
como um processo de busca e aquisição de conhecimento
construído ao longo das interações no mundo. Uma concepção
original e desafiadora – criada no rigor científico, mas ao mesmo
tempo na combustão calorosa da insondável e arriscada aventura humana – cujas consequências
éticas começam a ser percebidas com crescente nitidez, que faz repensar a pedagogia, a psicologia, a
sociologia, a economia e a comunicação.

Manifesto da Transdisciplinaridade
Barsab Nicolescu
Editora: Triom
Sinopse: Nicolescu (2001) propõe o surgimento do homem
com espírito investigativo e criativo para que possa situar-se e
reconhecer-se perante o outro como humano em sua dignidade,
a fim de que a educação integral do ser humano harmonize
efetividade, sendo capaz de apontar caminhos a uma vida plena.
A obra contribui para uma reflexão sobre a relevância de novos métodos a serem utilizados por
professores e pesquisadores, que venham a facilitar a compreensão dos eventos a serem registrados,
com os dados coletados que levam ao fazer por meio do pensar
MATERIAL COMPLEMENTAR

Ponto De Mutação (mindwalk)


Na belíssima cidade medieval de Saint Michel, na França, uma física
afastada do trabalho devido a conflitos éticos (Liv Ullmann, de
Sonata de Outono); um candidato à presidência dos EUA derrotado
nas eleições (Sam Waterston, de Gritos do Silêncio); e um poeta
que acabou de viver uma decepção amorosa (John Heard, de
Prison Break) se encontram e conversam sobre ecologia, guerra,
políticas e filosofias alternativas para o século XXI.
Comentário: apesar de aparente monotonia – pois o filme todo é
somente esse diálogo entre os três personagens –, a riqueza das reflexões é impactante.

Apresentação: uma ecologia da mente – Uma das filhas de Gregory Bateson filmou
um documentário a respeito da obra de seu pai, que é muito elucidador sobre
a centralidade de todo o pensamento sistêmico. O vídeo a seguir tem duração
aproximada de uma hora e mostra a trajetória de um dos maiores pensadores
sistêmicos do século XX – Gregory Bateson.
Disponível em: <https://vimeo.com/142576244>.

Material Complementar
204
REFERÊNCIAS

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Di Leone. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
BATESON, G. Mente e natureza a unidade necessária. Tradução de Claudia Gerpe.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1987.
BATESON, G.; BATESON, M. C. El temor de los Angeles: epistemologia de lo sagrado.
Barcelona: Editorial Gedisa, 1989.
BERTALANFFY, L. V. Teoria geral dos sistemas: fundamentos, desenvolvimento e
aplicações. Petrópolis: Vozes, 2008.
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ção da Sociedade Bíblica Internacional. São Paulo: Vida, 2001.
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207
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GABARITO

1. C
2. A
3. B
4. D
5. A
6. C
7. C
8. B
Professor Dr. Carlos Tadeu Grzybowski

V
POSTURAS NO

UNIDADE
ACONSELHAMENTO E
CAPELANIA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Levar o aluno ao conhecimento do Movimento de Aconselhamento
Pastoral.
■■ Refletir sobre a importância da utilização dos conceitos de psicologia
no trabalho de aconselhamento e capelania.
■■ Compreender a influência do Movimento de Aconselhamento
Pastoral na realidade da igreja brasileira hoje.
■■ Avaliar os elementos de interseção entre a teologia e a psicologia.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O Movimento de Aconselhamento Pastoral
■■ Onde a psicologia e a teologia se encontram
211

INTRODUÇÃO

Estimado(a) aluno(a), estamos chegando ao fim de nossa jornada. Já percorre-


mos tantas “paisagens” diferentes, não é verdade? Iniciamos lá na antiga Grécia,
percorremos por caminhos bem conhecidos da Europa, seguimos pelos Estados
Unidos, e ao percorrermos os caminhos do desenvolvimento da psicologia, fomos
simultaneamente conhecendo os mistérios da mente humana.
Sensações, percepções, memória, emoções, aprendizagem, inteligência, per-
sonalidade... Espero que você tenha se encantado com esse conhecimento, que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nos ajuda a entender mais profundamente a beleza deste ser criado por um Deus.
Depois visitamos alguns lugares novos, pouco explorados, como a teoria sis-
têmica, o pensamento complexo, a transdisciplinaridade e a psicoteologia, que
para alguns pode ter parecido uma paisagem muito estranha e para outros uma
visão fascinante!
Nesta reta final de nossa empreitada, eu convido você a fazer uma espécie de
“álbum de viagem”! Explico melhor a metáfora: vamos tentar lembrar todos os
conceitos vistos (como se estivéssemos olhando para as fotos de nossa viagem)
e integrar isso no todo de nosso labor pastoral e ministerial.
Naturalmente, esse álbum terá aspectos mais genéricos (o entendimento
geral das pessoas com as quais trabalhamos em nosso dia a dia) e aspectos mais
específicos (a aplicação no aconselhamento e no serviço de capelania dos con-
ceitos vistos até aqui).
Para isso, vamos, primeiramente, situar historicamente o movimento de acon-
selhamento pastoral e as influências que recebeu, especialmente no decorrer do
século XX, das correntes da psicologia moderna. Depois, vamos fazer uma aná-
lise crítica do excesso de “psicologismo” dentro da teologia, causando alguma
descaracterização deste ramo da ciência e gerando alguma confusão termino-
lógica. Finalizando, vamos chegar ao ponto final de nossa viagem, analisando o
ponto no qual a teologia e a psicologia se encontram!
Venha junto nesse trecho final e descubra comigo as aplicações práticas de
tudo que vimos nas unidades anteriores!

Introdução
212 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O MOVIMENTO DE ACONSELHAMENTO PASTORAL

O povo cristão sempre teve um compromisso com o cuidado com as pessoas. A


Bíblia (2000) está repleta de ensinamentos a este respeito, como podemos cons-
tatar na segunda epístola do apóstolo Paulo aos Coríntios, que afirma que
[...] bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das mise-
ricórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em todas as nossas
tribulações, para que, com a consolação que recebemos de Deus, possamos
consolar os que estão passando por tribulações (BÍBLIA, 2 Coríntios 1:3;4).

Também na mesma carta, o apóstolo afirma que:


[...] tudo isso provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por
meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, ou seja, que
Deus em Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não lançando
em conta os pecados dos homens, e nos confiou a mensagem da recon-
ciliação (BÍBLIA, NVI, 2 Coríntios 5:18-19, 2000).

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


213

A terminologia que por muitos séculos se utilizou para referir-se às pessoas


que promoviam um cuidado pastoral era “cura de almas”, que, em virtude das
mudanças no campo da psicologia em sua etapa científica (ver Unidade I) caiu
em desuso, pois o “termo” alma foi paulatinamente sendo substituído por “mente”.
Clebsch e Jaekle (1975) afirmam que:
[...] the ministry of the cure of souls, or pastoral care, consists of hel-
ping acts, done be representative Christian persons, directed toward
the healing, sustaining, guiding, and reconciling of troubled persons
whose troubles arise in the context of ultimate meanings and concerns.
(O ministério de cura de almas, ou cuidado pastoral, consiste em atos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de ajuda, feitos por pessoas caracteristicamente Cristãs, dirigidas para


a cura, suporte, orientação e reconciliação de pessoas com problemas
que surgem no contexto de significados e preocupações básicas - tradu-
ção livre) (CLEBSCH; JAEKLE, 1975, p. 4).

OS EXEMPLOS LITERÁRIOS

Entretanto, ao longo da história da igreja, nós temos inúmeros exemplos literá-


rios de pessoas que se preocupavam com o cuidado pastoral, tais como a ‘Carta
aos esposos’, que foi escrita por volta do ano 380 d.C. por João Crisóstomo, que
era arcebispo de Constantinopla, um dos patriarcas da igreja cristã. Nessa cor-
respondência, o conselheiro orienta aos esposos que:
[...] não chameis por ela, nunca duma maneira seca, mas empregai,
pelo contrário, palavras aduladoras, ternas, palavras de amor. (...) De-
pois do casamento, já não sois dois! Sois um só e pensais que há ainda
duas propriedades distintas? É lamentável! Depois do casamento não
formais senão um só ser, uma só vida. Por que dizeis: o teu, o meu? Esta
palavra abominável e degradante é uma invenção diabólica. O criador
fez um bem comum de coisas seguramente necessárias (CRISÓSTO-
MO, 2017, on-line)2.

Outro exemplo literário de preocupação com o cuidado pastoral está em um


escrito do século VI, no ‘Livro do Cuidado Pastoral’, escrito pelo papa Gregório,
o Grande – mais conhecido pela implantação litúrgica dos cantos na celebra-
ção, posteriormente conhecidos como cantos gregorianos. Segundo Muceniecks

O Movimento de Aconselhamento Pastoral


214 UNIDADE V

(2013, p. 21-22), “Gregório foi, em certos aspectos, um inovador, principalmente


pela sua habilidade nas questões seculares, mundanas, terrestres que, não obs-
tante, não eram o foco de sua atenção principal ou seu maior anseio”.
Um clássico literário, escrito por Thomas de Kempis, um monge alemão, no
século XV, e que continua sendo reeditado até os dias de hoje, intitulado “Imitação
de Cristo”, traz em seu conteúdo, no segundo capítulo, a seguinte pérola:
[...] todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ci-
ência, sem o temor de Deus? Melhor é, por certo, o humilde camponês
que serve a Deus, do que o filósofo soberbo que observa o curso dos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
astros, mas se descuida de si mesmo. Aquele que se conhece bem se
despreza e não se compraz em humanos louvores. Se eu soubesse quan-
to há no mundo, porém me faltasse a caridade, de que me serviria isso
perante Deus, que me há de julgar segundo minhas obras? (KEMPIS,
[2017], p. 2, on-line)4.

O reformador Martinho Lutero também possui, entre seus escritos, vários textos
que denotam a preocupação com o cuidado pastoral. Definitivamente, Lutero
mostra-se um homem muito à frente de seu tempo ao propor que a postura
diante dos fracos e frágeis deveria: “não devem abordá-los áspera e grosseira-
mente com insistência e imposição, nem com condenações… mas agir delicada
e cuidadosamente com eles, carregando a sua fraqueza até que se fortaleçam”
(WEINGAERTNER, 2017, p. 3).
O contra-reformista Inácio de Loyola também denota uma preocupação pas-
toral em seus “Exercícios espirituais”, escritos em 1522 e publicados em 1548,
após ser impactado pela leitura de “Imitação de Cristo”, nos quais ele insiste em
que as pessoas devam continuamente examinar a sua interioridade, a fim de bus-
carem uma vida de maior integridade.
Por fim, temos o belo texto do reformador e puritano Richard Baxter sobre o
encargo pastoral. A respeito deste livro, o teólogo contemporâneo Dr. J. I. Packer
descreve o mesmo como sendo um dos melhores escritos sobre temas práticos
e devocionais que o puritanismo produziu.
Desta forma, a história nos revela que a preocupação com a saúde integral da
pessoa humana sempre esteve presente no exercício pastoral da igreja cristã, seja
ela romana, reformada ou ortodoxa. Contudo, como já estudamos nas unidades
anteriores deste livro, houveram mudanças significativas a partir do Iluminismo.

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


215

O campo do cuidado, espe-


cialmente do cuidado da alma da
pessoa, passa para as mãos da psi-
cologia; paulatinamente, o termo
‘alma’ vai sendo substituído pelo
termo ‘mente’ e o aconselhamento
se transfere dos gabinetes pastorais
para os consultórios dos psicólogos.
Durante a Idade Média, espe-
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cialmente na época dos embates


políticos/religiosos da Reforma
Protestante, as pessoas que mos-
travam uma ‘conduta distinta’ da
imposta pelos modelos feudais/
imperialistas eram classificadas
como ‘bruxas’ e exterminadas de
forma cruel (geralmente em fogueiras). Em oposição a isso, os cientistas ‘escla-
recidos’ pós-iluminismo passaram a isolar estas pessoas do convívio social, em
centros de acolhimento denominados de ‘sanatórios mentais’ (posteriormente
de hospitais psiquiátricos).
O primeiro destes locais foi criado na França, pelo médico Henri Pinel,
sendo que hoje este nome está intimamente vinculado a tais centros (muitos
levam o nome de Pinel em homenagem ao seu pioneiro) e até à doença men-
tal propriamente dita. Não é raro alguém referir-se a uma pessoa que apresenta
uma conduta inadequada como: “aquele sujeito é meio pinel”, indicando a ideia
que a pessoa deveria estar internada em um hospital psiquiátrico.
Na medida em que a ciência vai ocupando o espaço do cuidado com a “alma/
mente” humana, ela também vai sutilmente influenciando todo o campo da pas-
toral por meio das emergentes descobertas e teorias sobre o funcionamento de
nosso cérebro e suas funções, de tal forma que toda a linguagem pertencente ao
campo científico vai sendo incorporada por aqueles que exercem o cuidado pas-
toral, especialmente na área de aconselhamento.

O Movimento de Aconselhamento Pastoral


216 UNIDADE V

Torna-se comum, hoje em dia, ouvirmos no aconselhamento pastoral ter-


mos como: depressão, neurótico, egocêntrico, autoestima etc., termos que não
são encontrados na linguagem teológica/religiosa dos escritos sagrados cristãos
– no caso a Bíblia.
A própria ideia do aconselhamento como uma matéria específica dentro
do campo mais amplo da teologia era inconcebível até o início do século XX.
Simplesmente acreditava-se que a vocação para o ministério pastoral automati-
camente habilitava a pessoa a “dar bons conselhos”.

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Anton Boisen

Atribui-se a Anton Boisen (1876-1966) o pioneirismo dentro daquilo que se


conhece hoje com o nome de ‘Movimento de Aconselhamento Pastoral’. Boisen
foi um linguista muito interessado nas questões de religião, a ponto de atender
um chamado para o ministério. Entretanto, ele tinha muitos conflitos interio-
res, especialmente ligados à sua sexualidade e, em função disto, teve uma crise
psicótica e ficou internado em um hospital psiquiátrico entre 1920 e 1922. Neste
tempo que esteve internado, ele sente um ‘chamado’ para quebrar o muro que
dividia religião e os medicamentos. Ele acreditava que certos tipos de esquizo-
frenia podiam ser compreendidos como tentativas de resolver problema da alma
– a partir de sua própria experiência pessoal (HART, 1994).
Após receber alta do hospital, ele é convidado pelo Dr. William A. Bryan,
então superintendente do Worcester State Hospital, em Massachusetts, para
tornar-se capelão deste hospital e desenvolver uma pesquisa que intitulou de
“educação pastoral clínica”.
No verão de 1925, Boisen convida quatro estudantes de medicina para passar
um tempo com ele no hospital e trabalhar nesta pesquisa. Dentre esses estudan-
tes estava Helen Flanders Dunbar, que depois se tornaria a diretora médica de
uma organização denominada “Conselho de Treinamento Pastoral Clínico de
Estudantes de Teologia”, na cidade de Nova York, tornando-se, posteriormente,
uma das pioneiras no campo da medicina psicossomática (LEAS, [2017] on-line)3.

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


217

Boisen (1995) acreditava que as crises que nos sobrevêm durante a vida tem
imensas possibilidades criativas e trazem mudanças, tanto para melhor quanto
para pior, e que é justamente no meio da crise que ideias novas invadem nossa
mente. Segundo ele, estas ideias podem surgir de forma tão vívida que parecem
vir de uma fonte externa.
Com o apoio e a tutela do Dr. Bryan, o capelão Boisen desenvolveu um pro-
grama no qual os alunos atuavam como atendentes nas alas do hospital e, à noite,
participavam de seminários com ele e com outros membros da equipe profissio-
nal. Esse programa cresceu e recebia anualmente um contingente cada vez maior
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de estudantes de teologia interessados nesse novo modelo.


Boisen tivera uma forte influência da psicanálise em seus estudos que reali-
zara em Harvard. Dessa forma, ele lança mão dos postulados psicanalíticos para
embasar seu modelo de treinamento. Em 1930, ele sofre outro colapso mental
com a morte de sua mãe, e então, é afastado da direção da capelania do hospital.
Quando ele é substituído pelo Reverendo Carroll Wise, na capelania do hospi-
tal Worcester, o programa de treinamento na clínica pastoral também sofre uma
mudança, pois Wise estava mais interessado em uma ênfase pastoral, ao contrá-
rio de Boisen que era essencialmente um pesquisador (LEAS, [2017]on-line)3.
Em 1932, Boisen muda-se para Chicago, onde assume uma cadeira como
professor no Seminário Teológico de Chicago e também vai trabalhar no Elgin
State Hospital, como capelão até 1954. Durante toda sua vida, escreveu inúme-
ros artigos e foi o primeiro teólogo a escrever artigos para revistas científicas de
psiquiatria.
O legado de Boisen traduziu-se em vários movimentos de treinamento de
estudantes de teologia na prática pastoral, dentre os quais se destacam o Council
for Clinical Training of Theological Students, fundado por Samuel Eliot em 1930;
o Institute for Pastoral Care, em 1944, na cidade de Boston; o Lutheran Advisory
Council, em 1945, no Missouri; a Southern Baptist Association of Clinical Pastoral
Education, em 1957; e a Association for Clinical Pastoral Education, no Kansas,
em 1967 (LEAS, [2017]on-line)3.

O Movimento de Aconselhamento Pastoral


218 UNIDADE V

Leslie Weaterhead

Talvez um personagem ainda mais controverso que Boisen no campo do


Aconselhamento Pastoral seja o inglês Leslie Weaterhead, um pastor metodista
liberal, que igualmente interessou-se pelo campo da psicologia, especialmente a
psicanálise, em um período paralelo aos estudos de Boisen, porém na Inglaterra.
Apesar de ser um pregador de excelente qualidade, ele também preocupava-
-se com o bem-estar emocional das pessoas e, em função disto, ele foi chamado
por seus contemporâneos de um “médico das almas e pregador de integração da

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personalidade através de Cristo” (BISHOP, [2017], on-line, tradução do autor)5.

Weaterhead trabalhou como missionário na Índia e ali interessou-se pelos estu-


dos de Freud e seus seguidores, começando a utilizar as técnicas da psicanálise
como a associação livre de ideias e a interpretação dos sonhos, e chegou até a
utilizar o divã e a hipnose na sua prática de aconselhamento. Sob esta forte influ-
ência, ele buscava sempre uma explicação na repressão da sexualidade para os
problemas dos seus aconselhados (HURDING, 1995).

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


219

Seus sermões eram repletos de termos da psicologia e buscavam sempre ver


a dimensão mais humana e menos metafísica para a explicação dos textos bíbli-
cos, como, por exemplo, quando ele afirma:
[...]Paul was a great theologian as well as a great saint and a he-
roic missionary, but we are not bound to imprison our minds in his
theories. Newton was a great scientist, but it is no disparagement
of Newton to realize that even schoolboys today know more than
he did about atoms. Thought moves on in every field of inquiry.
(Paulo era um grande teólogo, bem como um grande santo e um mis-
sionário heróico, mas não devemos encarcerar nossas mentes em suas
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teorias. Newton era um grande cientista, mas não é tratar Newton com
menosprezo ao afirmar que mesmo os alunos secundaristas de hoje sa-
bem mais do que ele afirmou sobre os átomos. O pensamento se move
em todos os campos de pesquisa. - Tradução do autor) (WEATERHE-
AD, 1965, p. 117).

Foi sem dúvida um personagem bastante polêmico, com afirmações de impacto


para os seus contemporâneos, os quais afirmavam que seus sermões deixavam de
lado a sã doutrina e tendiam a ser exposições de psicoterapia. Dessa forma, ele bus-
cou certas “explicações estranhas” para alguns textos bíblicos, criando a polêmica
proposta de que Jesus não teria tido um nascimento virginal, e sim era fruto de um
relacionamento entre Maria e Zacarias (o pai de João Batista), tese esta adotada pos-
teriormente pela igreja da Unificação do Reverendo Moon. Em outro texto, ele coloca
em dúvida a necessidade de derramamento de sangue para a remissão de pecados.
Em sua prática de aconselhamento, Weaterhead desenvolveu um tipo de
mini análise, ou análise breve, que constava de poucas sessões – entre 5 e 10 – e
suas orientações eram, ora bastante diretivas, ora bastante não diretivas, mes-
clando nesse processo a psicanálise com o behaviorismo a algumas abordagens
comportamentais (HURDING, 1995).
Embora tenha seu destaque no pioneirismo da compreensão da importân-
cia mais ampla da psicologia para a prática do aconselhamento, Weaterhaed
também tem o pioneirismo no excesso da “psicologização” da teologia, um erro
muito comum entre conselheiros cristãos hoje em dia.
A assimilação da psicologia secular foi de vital importância para impulsionar
o campo do aconselhamento, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra,
na década de 30 a 50 do século XX.

O Movimento de Aconselhamento Pastoral


220 UNIDADE V

A partir dos muitos enfoques no aconselhamento, precisamos avaliá-los da


perspectiva de uma teologia que encerre um entendimento divino acerca
da existência humana, isto é, uma antropologia bíblica bem fundamentada.
(Roger F. Hurding)

O ACONSELHAMENTO PASTORAL NO BRASIL

Bem, talvez você esteja pensando que estes sujeitos nos Estados Unidos e na

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Inglaterra, no começo do século XX, não têm nada a ver com a realidade bra-
sileira de hoje em dia. De certa forma, isso é verdadeiro e de certa forma não.
Um fato muito interessante a respeito do tema de aconselhamento pastoral
no Brasil é que essa matéria não fazia parte de nenhum currículo de seminá-
rio cristão, seja evangélico ou católico, até o final dos anos 70, do século XX, ou
seja, de alguma forma, parece que não se dava nenhuma importância ao papel
do pastor/teólogo enquanto conselheiro, acreditando-se que, uma vez que a pes-
soa tivesse uma boa formação teológica, o aconselhamento seria um resultado
“natural” do domínio da teologia.

Jay Adams

Foi com o advento da tradução do livro Conselheiro Capaz, de Jay Adams, que a
temática veio à tona. Entretanto, por um viés bastante conservador, pois Adams
afirmava em seu livro que toda a expressão da psicologia era satânica – embora
sua abordagem reducionista limitasse a psicologia à escola psicanalítica. Chega
a afirmar em seu livro que Freud criou a psicanálise para “vingar-se dos cristãos”
por terem feito bullying com ele quando criança pelo fato dele ser judeu – uma
afirmação deveras imaginativa, haja visto que Freud jamais mencionou tal fato
em seus livros, tampouco isso é mencionado em suas biografias (ADAMS, 1977).
Contudo, o livro de Adams foi rapidamente adotado na maioria dos seminá-
rios evangélicos denominacionais da época e seu conteúdo passou a ser fortemente
disseminado dentro das igrejas como sendo a única forma de abordagem dentro
do aconselhamento – denominado pelo próprio Adams de noutético, ou seja, de

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


221

confrontação. A ideia de Adams é que, ou a pessoa é um enfermo mental, com


algum distúrbio neurológico, ou a pessoa tem algum pecado em sua vida, o qual
precisa ser confrontado e confessado (ADAMS, 1977).
Apesar de sua limitada forma de compreender a psicologia, Adams abriu cami-
nho para que outros autores estrangeiros da área de aconselhamento passassem
a ter seus livros traduzidos e progressivamente utilizados nas escolas teológicas.
Nos Estados Unidos, Gary Collins organiza a AACC – American Association
of Christian Counselours –, que chegou a ter mais de 50.000 membros nos anos
90 (hoje em dia se fala em 80.000), entre psicólogos, psiquiatras, conselheiros
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licenciados, assistentes sociais etc. Em um encontro de organizações de conse-


lheiros cristãos, realizado pela AACC, no final dos anos 90, em Dallas, no qual
o autor do presente livro esteve presente, reuniram-se representantes de 29 asso-
ciações distribuídas pelos cinco continentes, sendo a mais antiga destas o CPPC
– Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, do Brasil (fundado em 1976).

A ideia do CPPC aconteceu a partir de benéficas inquietações espirituais e


desafios intelectuais em algumas pessoas. Uriel, Heckert e Ageu Heringer
Lisboa, no início dos anos 70, e toda uma primeira geração do CPPC: Francis-
co Lotufo Neto e Zenon Lotufo Jr., em São Paulo; Margareth Brepohl e Carlos
“Catito” Grzybowski, em Curitiba; Almir Linhares de Faria, em Belo Horizonte;
Terezinha Privatti e Glaucia Medeiros, no Rio de Janeiro, etc. O marco históri-
co se deu quando do Congresso Missionário da ABU em Curitiba, janeiro de
1976, que lançou as bases do que seria o CPPC. Decidiu-se por um Congres-
so no ano seguinte em Belo Horizonte. Então, difundiu-se a ideia do CPPC
em algumas publicações, como o Diário do Comércio, no Recife, em artigo
do Prof. Robinson Cavalcanti; em jornais de igrejas e, principalmente, pelas
trocas de correspondência entre amigos. Com o sonho e o projeto se corpo-
rificando, de um lado com direção compartilhado entre o Uriel em Juiz de
Fora, o Lotufo Neto e Zenon em São Paulo.
Fonte: CPPC (2014, on-line)6.

O Movimento de Aconselhamento Pastoral


222 UNIDADE V

Livros de autores, como Larry Crabb, Gary Collins, David Seamands, Tim LaHaye,
Howard Clinebell, John White e Paul Tournier passaram a fazer parte das estan-
tes das livrarias evangélicas e, gradualmente, foram surgindo autores brasileiros
e latino-americanos, como Daniel Schipanni, Carlos José Hernandéz, Karin
Wondracek, Roseli Oliveira e outros, que também deram contribuições signi-
ficativas ao tema.

PSICANÁLISE PARA PASTORES

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Assim, a temática do aconselhamento cristão cresceu bastante nos últimos anos,
seja no ensino dentro dos seminários, seja na prática pastoral nas igrejas, hospi-
tais e nos outros serviços de capelania. Contudo, junto com todo esse crescimento
vieram também algumas distorções.
Em meados dos anos 90, surg,e no Brasil, um movimento independente que
promete uma formação e uma titulação dirigida principalmente a pastores inti-
tulada “Psicanálise para pastores”. Essa formação, oferecida inicialmente por uma
instituição específica e hoje oferecida por várias instituições distintas, propunha
formar psicanalistas em cursos com 12 encontros. No conteúdo de seus cursos
tratava de temas que jamais seriam/serão reconhecidos pelas sociedades psica-
nalíticas internacionais (como PNL, por exemplo). A maioria destas instituições
que oferecem tais cursos também não está vinculada a nenhuma das Sociedades
Psicanalíticas reconhecidas mundialmente e que autorizam a abertura de cursos
e certificam a formação de psicanalistas ao redor do mundo.
Cabe aqui um breve esclarecimento: a formação de um psicanalista, em
qualquer sociedade psicanalítica reconhecida, é um processo longo e dispen-
dioso, pois além do postulante, o psicanalista precisa fazer a formação teórica
do curso, além de submeter-se à análise pessoal e, posteriormente, à análise
didática, com sessões semanais (em geral mais de uma sessão por semana) ao
longo de vários anos (em geral de 3 a 10 anos). Isso significa um investimento
altíssimo de tempo e dinheiro, e não se obtém uma formação de qualidade em
cursinhos de poucos encontros (alguns não presenciais) e sem nenhuma super-
visão/acompanhamento do trabalho e do aluno.

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


223

A profissão de psicanalista é reconhecida mundialmente e para obte-la não


é necessário ser um psicólogo ou psiquiatra (vide Unidade I), mas é preciso se
ter discernimento quanto às ofertas de uma titulação fácil em uma matéria de
tanta profundidade de estudo.

CENTROS DE ACONSELHAMENTO

Existe, também, hoje, um centro de aconselhamento voltado especialmente para


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acolher pastores, missionários e líderes que se sentem exaustos ou de alguma


forma adoecidos pelo exercício do ministério. Foi criado nos anos 90 e tem sido
um espaço de cuidado integral para a restauração deste público-alvo.
Pode-se dizer que hoje em dia a área de aconselhamento está em plena
expansão no Brasil, existindo até algumas associações de aconselhamento, que
desenvolvem-se a partir de distintos modelos, sob o grande guarda-chuva que
denominamos “aconselhamento pastoral”.

No meio da Região Centro-Oeste, uma gota de esperança. Um lugar especial


separado por Deus destinado àqueles que são, extremamente, especiais aos
olhos do Senhor. O Ministério Oásis é um espaço de refrigério, de renovo,
onde o filho pode falar e pode ouvir. Ouvir outros filhos e, por fim, ouvir a
voz do Pai. Um lugar onde não há julgamentos nem críticas, onde cada um
pode ser ele mesmo, sem máscaras, sem alegorias. Como é importante ser
ouvido! É essencial em qualquer processo de cura.
No Oásis, o soldado ferido encontra esse aconchego. Encontra pessoas que,
com a experiência de lutas, os entendem. Encontra o cuidado e, paulatina-
mente, a cura.
Para saber mais, acesse: <https://www.ministeriooasis.org.br/informacoes>.
Fonte: Ministério Oásis (2016, on-line)1.

O Movimento de Aconselhamento Pastoral


224 UNIDADE V

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ONDE A PSICOLOGIA E A TEOLOGIA SE ENCONTRAM

Certamente você já constatou que a maior interface entre a psicologia e a teolo-


gia está no campo da ajuda à pessoa humana, especialmente dentro da área de
aconselhamento.
Quero concluir a nossa reflexão sobre a importância da psicologia dentro
de um curso de teologia levantando algumas questões que, em nosso entender,
são essenciais para a compreensão desta matéria.
Em primeiro lugar, precisamos entender que a pessoa humana tem uma
complexidade muito grande e que o conhecimento da mesma não se esgota nem
na soma das inúmeras teorias que possam se postular a respeito dela. A ciência
tem um campo de ação fantástico e, a cada dia, novas descobertas e possibilida-
des se abrem para a compreensão do ser humano e a cada nova descoberta que
se tem, fica acentuada a sensação do quão pouco nos conhecemos efetivamente.
No nosso entendimento, o ser humano possui intrinsecamente uma com-
plexidade que envolve elementos da biologia, passa pelas construções sociais
e culturais, e desemboca num campo de estudo transdisciplinar instigante e

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


225

envolvente, exigindo do
cientista uma postura fle-
xível e não dogmática, e
em alguns momentos
mais contemplativa que
dedutiva, na percepção do
que Gabriel Marcel (1952)
denomina de “mistério”.
Marcel indica que há duas
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formas de abordar a rea-


lidade: como problema e
como mistério; e que estas duas formas são partes de uma mesma dinâmica do
conhecimento. Na categoria de ‘problema’ está a pertinência de todo trabalho
científico, pois posso analisar, objetivar e utilizar procedimentos no tempo e no
espaço que me permitem compreender o mundo.
Na categoria de ‘mistério’, o conhecimento é sempre parcial, as explicações
são sempre inesgotáveis e eu, como sujeito, estou imerso no processo, o que me
faz atuar sem poder distinguir o que está em mim e o que está diante de mim –
transcende toda técnica de aproximação possível, e só se pode referir a ele por
meio de metáforas, imagens e expressões plásticas (como os mitos). Para Marcell
(1952), há um grande risco de querer se converter o mistério em problema, por
obra do psicologismo, o que é uma tendência nas ciências modernas.
Em segundo lugar, precisamos estar conscientes de que vivemos cercados
por pessoas que sofrem neste mundo, tanto cristãos como não cristãos, e que não
existem respostas fáceis para o sofrimento humano, seja este de ordem social,
econômica, emocional ou física. Diante de todo esse sofrimento, devemos sem-
pre recordar que Jesus é apresentado nos Evangelhos como sendo aquele que:
[...] foi por toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas deles, pregando as
boas novas do Reino e curando todas as enfermidades e doenças entre
o povo (...) todos os que estavam padecendo vários males e tormentos:
endemoninhados, epiléticos e paralíticos; e ele os curou (BÍBLIA, Ma-
teus 4:23 - 24).

Onde a Psicologia e a Teologia se Encontram


226 UNIDADE V

Isto é, o ministério de Jesus é apresentado de forma integral, onde os atormen-


tados de espírito (endemoninhados), os atormentados de alma (epiléticos) e os
atormentados do corpo (paralíticos) eram igualmente cuidados e atendidos em
suas necessidades. Esse é o modelo de um aconselhamento integral! Em outras
palavras, no aconselhamento pastoral, tratamos das necessidades individuais
das pessoas:
1. de forma específica;
2. num diálogo transparente;

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3. em profundidade;
4. com o amor e o interesse de Deus.

Certamente, existem mensagens que precisam ser proclamadas e tais mensagens


irão produzir mudanças no comportamento de nossos ouvintes. Todavia, numa
mensagem do púlpito ou num estudo bíblico, as necessidades são abordadas de
forma genérica e o sofrimento particular muitas vezes não é tocado.
Precisamos reservar momentos de qualidade para estar com as pessoas e
ouvi-las de forma não julgadora. Nos seminários e escolas de teologia ainda
se tem a tradição de ensinar a pregar e a gerir uma comunidade e isso implica,
muitas vezes, em só falar. Somos pouco instruídos a ouvir as pessoas em suas
necessidades, sem diagnosticá-las – seja com um rótulo psicopatológico ou um
rótulo moral.
O diagnóstico nada mais é que uma forma de categorizar as doenças e clas-
sificar as pessoas. Geralmente, manifesta desesperança em relação à mudança. A
grande verdade é que os que classificam têm o poder – neste sentido o diagnós-
tico exige um sistema ideológico e controla o pensamento alheio a respeito dos
tópicos classificados. O resultado é mais positivo quando há esperança e o con-
selheiro deve ser aquele que sempre comunica esperança a seus aconselhados.
Em terceiro lugar, é necessário entender que o problema que o aconselhado
nos traz geralmente é um sintoma de algo que está além e que, naquele momento,
é impossível de ser expresso. O sintoma precisa ser compreendido como a única
expressão possível naquele momento e não deve ser estigmatizado como sendo a
doença (esse é o problema do diagnóstico). O sintoma é, na verdade, um pedido

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


227

de ajuda e pode ser a evidência de uma enfermidade que envolve todo o sistema
familiar – crianças e adolescentes são bons porta-vozes. Assim, antes de catego-
rizar ou diagnosticar, o que precisamos é decodificar o sintoma, ou seja, buscar
compreender o que a pessoa quer dizer com aquilo.
Em quarto lugar, é preciso acolher a pessoa a ser aconselhada com o entendi-
mento de que ela nos foi “encomendada”, ou seja, diante de inúmeras possibilidades
que a pessoa tinha para buscar ajuda, por algum motivo que nos é desconhecido,
ela chega até nós. Em virtude disso, devemos receber a pessoa como ela se encon-
tra naquele momento, sem impor pré-condições para recebê-la ou nos colocando
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em um fantasioso papel de quem jamais cometeu qualquer erro durante a vida.


As pessoas cometem erros, mas isso não nos autoriza a impor juízos sobre o
erro dos demais, antes devemos recordar que somos todos feitos do mesmo barro.
Em quinto lugar, é preciso apostar nos aspectos saudáveis da pessoa. Devemos
lembrar sempre que todas as pessoas são uma imagem borrada de Deus pelo
pecado, mas nenhuma dela deixa de sê-la. Desta forma, todas as criaturas têm
um aspecto saudável e o conselheiro precisa acreditar nisso e buscar estes aspec-
tos saudáveis no outro.
Não exercer a medicina da doença, mas a medicina da saúde, lançando mão
dos recursos da pessoa para reintegrar seu ser. Tenha sempre o cuidado de se
obrigar a ‘salvar’ alguém! Lembre-se de que tomar resoluções pelo outro é afir-
má-lo como incompetente.
Em sexto lugar, pense
sempre no aconselhamento
como uma caminhada com
o outro. Quando uma pes-
soa vem pedir ajuda a um
conselheiro é porque ela
já tentou vários caminhos
e não encontrou soluções,
então ela vem ao conse-
lheiro para pedir que este
lhe ajude a encontrar saí-
das. Nossa tarefa, então, é

Onde a Psicologia e a Teologia se Encontram


228 UNIDADE V

caminhar com essa pessoa para ajudá-la a ver alternativas, além daquelas visões
que ela já tentou oferecer sobre a problemática.
Lembre-se de que o conselheiro deve oferecer alternativas, mas a escolha
final do caminho a seguir é sempre do aconselhado.
Por fim, precisamos ter a crescente consciência de que nem todos querem
mudar. Por mais paradoxal que possa parecer, muitas vezes a intenção das pes-
soas não é a de mudança, mas de alguém que referende seu comportamento, que
lhe diga que está certa naquilo que está fazendo (mesmo quando é algo moral-
mente dúbio ou mesmo incorreto). Existem outros que simplesmente vêm ao

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aconselhamento para desqualificar o conselheiro. Com esse comportamento,
tais pessoas realçam sua importância, pois afinal “os melhores conselheiros não
conseguiram ajudá-la”.
Como citado, o comportamento humano é algo complexo e definitivamente
não existem respostas fáceis para o sofrimento humano. Então, podemos nos
questionar: onde está a verdade, na teologia ou na psicologia? Qual descreve
melhor a condição humana?
Diante da complexidade da pessoa humana e do “não saber” efetivamente
tudo que se passa na mente deste ser complexo, utilizaremos de uma linguagem
que está ao nosso alcance para descrever esta realidade. Toda a linguagem con-
diciona a percepção da realidade, entretanto as realidades são sempre descritas
de forma parcial, são fragmentos da verdade, cuja descrição está atrelada a nos-
sas ideologias.
Assim, quando ‘diagnosticamos’ um comportamento dentro de um referen-
cial teórico que ‘dominamos’, também condicionamos alguma ação a ser tomada
em função daquele ‘diagnóstico’. Por exemplo: se estou diante de uma pessoa que
se joga ao chão, se retorce e balbucia expressões não inteligíveis, eu posso respon-
der com várias ações: se eu for um médico com uma formação em psiquiatria,
posso afirmar que a pessoa está tendo um ‘surto’ e a minha ação imediata será
medica-la para interromper o surto; entretanto, se eu for um psicólogo de linha
mais humanista, minha tendência será descrever tal conduta como uma ‘crise’ e
o procedimento decorrente disto seria tentar conversar com a pessoa e acalmá-la
até que saia da crise; por fim, se eu for um pastor de transfundo mais fundamen-
talista, eu afirmaria categoricamente que tal pessoa está endemoninhada e a ação

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


229

a ser tomada será exorcizar o demônio que aflige aquela pessoa.


Destas três condutas, podemos questionar: o que realmente promove a cura?
Talvez todas e ao mesmo tempo nenhuma! Se a minha atitude diante do outro
for somente tecnicista, poderei observar que qualquer das atitudes tem um efeito
imediato, mas poderemos constatar que a conduta da pessoa pode ‘reincidir’ após
algum tempo. O que efetivamente acontece é que uma ação realizada somente
pela ação tem somente um efeito imediato e pouca efetividade em longo prazo.
É necessário algo mais!
Esse algo mais tem a ver com o interesse genuíno que desenvolvemos pela pes-
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soa, que nos evangelhos é descrito com o nome de amor incondicional. O maior
de todos os mandamentos, segundo Jesus, é o amor, e na passagem de Mateus
22:37-40 ele faz uma equivalência impactante ao afirmar que o mandamento de
amar ao próximo é equivalente ao mandamento de amar a Deus – afirmativa
posteriormente reforçada na epístola de I João 4:12 e 4:20.
Se aquele psiquiatra, aquele psicólogo ou aquele pastor descritos não se dis-
puserem a caminhar com a pessoa que eles ‘diagnosticaram’, a situação da pessoa
não melhorará (em alguns casos, até irá piorar – Mateus 12:43-45). Essa cami-
nhada pressupõe um interesse, um cuidado, uma atenção diferenciada por esta
pessoa que vem a nós, que misteriosamente nos é encomendada – ou seja, pres-
supõe um amor incondicional!
No amor ao necessitado é onde psicologia e a teologia se encontram!

Onde a Psicologia e a Teologia se Encontram


230 UNIDADE V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste último trecho de nossa viagem, nós visitamos dois centros impor-
tantes que deram o início aquilo que hoje conhecemos como o “Movimento de
Aconselhamento Pastoral”.
Da América do Norte, aprendemos que Anton Boisen, a partir de suas pró-
prias experiências de crises emocionais, elabora um currículo de treinamento
de capelães para atenderam, nos hospitais, as pessoas que sofriam de alguma
dificuldade mental.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Na Inglaterra, encontramos o controverso pastor Leslie Weaterhead, que
impactado por suas experiências no oriente e pelas leituras dos escritores psi-
canalíticos, passa a utilizar estas em sua prática de aconselhamento e adapta a
linguagem dos postulados da Psicanálise em seus sermões.
Retornando ao Brasil, constatamos como o tema do aconselhamento chega
ao nosso território tardiamente e por meio da tradução de escritores radicais,
como Jay Adams. Por outro lado, um movimento pioneiro (CPPC) já procurava
estudar a interface entre a psicologia e a teologia.
Concluímos nossa viagem no seu destino final, propósito pelo qual a inicia-
mos, que é saber onde a teologia e a psicologia se encontram, ou seja, na ajuda
à pessoa que sofre. Neste ponto derradeiro, pudemos entender que a complexi-
dade da pessoa humana não permite tratar com a mesma apenas de uma forma
tecnicista, antes é preciso uma nova visão, que contemple dimensões que vão
além do operacional. É preciso acreditar nos potenciais da pessoa, entendendo
que o sintoma que ela apresenta é, muitas vezes, a única possibilidade daquele
momento, acolhendo a pessoa em seu sofrimento e entendendo que, infeliz-
mente, nem todas as pessoas estão dispostas a mudar.
Assim, no nosso destino final, pudemos constatar que tudo que sabemos,
seja no campo da psicologia, da teologia ou de outras áreas da ciência sobre essa
maravilhosa obra da criação que é a pessoa humana, ainda é somente algo par-
cial, o início de uma viagem ainda mais grandiosa e fantástica, a qual podemos
seguir por toda a vida!

POSTURAS NO ACONSELHAMENTO E CAPELANIA


231

1. O compromisso com o cuidado das pessoas:


a) É um compromisso da ciência moderna.
b) É algo que concerne à psicologia.
c) Sempre esteve presente entre o povo de Deus.
d) Está restrito ao campo da medicina.
e) É um arcabouço da sociedade neoliberal.
2. Pessoas que promoviam o cuidado integral dos demais eram conhecidas como:
a) Curandeiros.
b) Cura de almas.
c) Terapeutas.
d) Bruxos.
e) Sábios.
3. Os primeiros escritos sobre cuidado pastoral na igreja cristã datam:
a) Da época da Reforma.
b) Do Século XX.
c) Do Século X.
d) Do Século IV.
e) Do Século I.
4. É de Tomas de Kempis a obra:
a) Livro do Cuidado Pastoral.
b) Imitação de Cristo.
c) O Pastor Aprovado.
d) Aos esposos.
e) Conselheiro Capaz.
5. Pinel ficou mundialmente conhecido porque foi um:
a) Médico que fundou o primeiro hospital psiquiátrico.
b) Personagem da mitologia com condutas anormais.
c) Opositor ao movimento de aconselhamento pastoral.
d) Psicólogo que escreveu sobre psicologia da religião.
e) Teólogo da Idade Média que escrevia sobre psicologia.
232

6. É conhecido como o pioneiro do Movimento de Aconselhamento Pastoral:


a) Gary Collins.
b) Larry Crabb.
c) Rollo May.
d) Anton Boisen.
e) Leslie Weatherhead.
7. Boisen desenvolveu no serviço de capelania do hospital:
a) Um treinamento em aconselhamento pastoral.
b) Um serviço para cuidadores de idosos.
c) Uma teoria psicanalítica sobre os fenômenos religiosos.
d) Um treinamento para a melhora da relação médico-paciente.
e) Um Manual de como os capelães deveriam acompanhar os pacientes.
8. Leslie Weatherhead era um pastor metodista inglês que:
a) Utilizava termos de psicologia e psicanálise em seus sermões.
b) Chegou a utilizar o divã no aconselhamento pastoral.
c) Ficou conhecido por suas teorias acerca de Jesus como sendo filho bastardo de
Zacarias com Maria.
d) Foi denominado de médico das almas e pregador de integração da personalida-
de por meio de Cristo.
e) Todas as alternativas estão corretas.
9. O movimento de aconselhamento pastoral no Brasil inicia:
a) No início do século XX, com a chegada dos missionários norte-americanos.
b) Na década de 60, como forma de combater a Revolução Sexual e orientar melhor
os jovens das igrejas.
c) No final dos anos 70, com a tradução dos primeiros livros nesta área.
d) Na virada para o século XXI, com a chegada do liberalismo às igrejas cristãs brasileiras.
e) No final do século XIX, com a vinda dos pastores que trabalhavam nas igrejas de
imigrantes.
10. O ponto de convergência da psicologia e da teologia está:
a) No amor ao necessitado.
b) Nos estudos sobre a sexualidade humana.
c) Nos estudos da psicologia da religião.
d) Na linguagem técnica comum.
e) Não existe nenhum ponto de convergência.
233

O MODELO SISTÊMICO COMO REFERÊNCIA NO CUIDADO PASTORAL


FAMILIAR

Cuidado Pastoral não é um tema novo no vocês mesmos e de todo o rebanho”. Den-
contexto da fé cristã, pelo contrário, é intrín- tro da igreja cristã, tal cuidado é tão antigo
seco à natureza da própria igreja. A Bíblia quanto a própria igreja e é impossível dis-
(2000, p. 890) cita em Atos: “Cuidem de sociar ambas. Blazer afirma que:
[...] o sacerdócio cristão esteve, através da história, entre os primeiros a ou-
vir os problemas emocionais das pessoas. (...) Os pastores viram sua tarefa
como cura de almas e escreviam exaustivamente sobre suas teorias para a
cura de almas feridas. Muitos desses escritos enfatizavam orientação par-
ticular e penitência pública (BLAZER, 2002, p. 64-65).

Entretanto, aquilo que conhecemos hoje Entretanto, também não se deve incorrer
como “aconselhamento pastoral”, como no erro de tornar o cuidado pastoral como
sendo uma das vertentes mais expressi- sinônimo de atendimento psicoterápico.
vas do cuidado pastoral não é algo tão Maldonado (2004, p. 22) afirma que: “As
antigo assim. Segundo o Hurding (1995), diversas abordagens, escolas, teorias e téc-
com o advento do modelo cartesiano como nicas no terreno da saúde mental são – e
padrão para o reconhecimento que qual- sempre têm sido – relativos. As ciências
quer expressão da ciência como “verdade”, são aproximações da realidade e nenhuma
surgem os primeiros intentos de estudo da pode pretender ter a última palavra sobre
relação de ajuda desvinculados do campo o ser humano”.
religioso e estruturados de forma autô-
noma sob a bandeira da psicologia. A partir Embora alguns como Collins (1982) e
de então a psicologia, em suas mais dis- Mulholland (1984) procurem enquadrar as
tintas correntes teóricas, passa a exercer diversas linhas de aconselhamento debaixo
grande influência sobre o campo do cui- de grandes “guarda-chuvas” ideológicos, a
dado pastoral. grande maioria dos escritores que abordam
esse temática não deixam claro de onde
Esta influência não deve ser vista apenas surgem seus pressupostos.
de uma perspectiva negativa, como afirma
Adams (1977), mas como uma contribuição Machado utiliza a expressão “psicoterapia
positiva, desde que delimitados os cam- centrada na Bíblia” e afirma o seguinte:
pos de atuação destas áreas de relação de
ajuda.
[...] toda a técnica psicoterápica centrada na Bíblia tem como propos-
ta uma investigação em profundidade da vida do nosso analisado, para
detectarmos todo seu procedimento que está em desarmonia com as
leis de Deus e tentar mudá-lo, fazendo com que ele venha a entrar em
sintonia com o seu Criador (MACHADO, 1993, p. 110).
234

O autor faz uma crítica a várias escolas de Outros autores nem procuram refletir
psicologia, entretanto não consegue afir- sobre o assunto e afirmam que todo cui-
mar com exatidão de que forma construiu dado pastoral nada tem a ver com as teorias
sua metodologia, a qual deixa transpare- e ideologias das correntes psicológicas
cer muito claramente raízes psicanalíticas. modernas. Veja-se o exemplo de Andrade
que afirma:
[...] cura interior não é um processo psicológico, não se faz através de
técnicas de convencimento, não é regressão, não ocorre por meio de
simples orações de intercessão, não é aconselhamento e não é apenas
participar de um grupo de apoio (ANDRADE, 2002, p. 145).

Todavia, na sequência de seus escritos ele torná-los pragmáticos, reprodutores não


relata a sequência dos mecanismos de reflexivos “do que funciona”.
um processo de “cura interior”, utilizando
toda uma linguagem do campo da psi- Também nesse campo, uma exceção à regra
cologia como: diagnosticando a situação; é o curso de formação de assessores fami-
purificando a memória; purificando os pen- liares proposto pela Associação Brasileira
samentos; purificando a vontade, etc. de Assessoramento e Pastoral da Família
– EIRENE do Brasil, cuja fundamentação teó-
Conclui-se que a maioria dos autores que rica é declaradamente de base sistêmica.
propõe temas relativos ao aconselhamento
pastoral não procura refletir profundidade Os modelos tradicionais do aconselha-
sobre os alicerces de sua epistemologia ou mento pastoral são histórica e fortemente
de sua metodologia. influenciados pela visão psicanalítica do
mundo. Visão esta filha natural do pen-
Uma rara exceção a esta regra é o escrito samento cartesiano e assentada numa
de Friedman (1997), que inicia seu traba- antropologia e numa concepção filosó-
lho apresentando de forma sucinta a teoria fica grega da realidade.
sistêmica.
O modelo sistêmico pode ser de grande
Como a maioria dos cursos de aconse- valia como instrumento no cuidado pas-
lhamento pastoral existem no Brasil está toral, pois se apresenta como integrador e
desenvolvida a partir da literatura disponí- não como divisor entre as questões psico-
vel no mercado, o resultado é que também -emocionais e a espiritualidade, tendo as
estes cursos não deixam claro a seus alu- relações familiares como seu foco princi-
nos quais as bases epistemológicas daquilo pal. Conforme Friedman:
que se está sendo ensinado, tendendo a
[...] o modelo sistêmico da família não tem somente a capacidade de po-
tencializar os aspectos de nossa posição sanadora, mas também os faz
sem violentar a metáfora religiosa. (...) De fato o modelo sistêmico da fa-
mília coloca o assessoramento pastoral a serviço da espiritualidade ao
invés de criar outra pesada sub-especialidade (FRIEDMAN,1997, p. 18-19).
235

O entendimento da pessoa a partir do Pensar em totalidades é pensar em unida-


modelo ideológico grego-cartesiano se opõe des relacionais e todo o conceito bíblico de
à antropologia hebraico-cristã, cujo funda- mutualidade. A partir do modelo sistêmico,
mento são unidades de unidades – como podemos pensar em uma pastoral que vá
a Trindade e o Casamento, por exemplo – além dos cuidados individuais, antes inclua
concepções estas de difícil entendimento a família e a comunidade como família de
para o pensador ocidental justamente em famílias nesta perspectiva.
virtude da forte influência dicotomizadora
da filosofia e antropologia grega. Fonte: Grzybowski (2005).
MATERIAL COMPLEMENTAR

A Árvore da Cura
Roger F. Hurding
Editora: Vida Nova
Sinopse: este livro divide-se em duas partes: a primeira apresenta o
desenvolvimento das psicologias seculares, com raízes em Freud e
com posteriores ramificações, como a psicanálise, o behaviorismo,
a psicologia humanista e existencialista e as “novas terapias”. A
segunda parte põe diante do leitor a resposta cristã, muito bem representada por figuras como
Anton Boisen (pai de uma teologia pastoral que leva em conta as teorias de aconselhamento e de
psicoterapia), Leslie Weatherhead, Paul Vitz, Jay Adams, Gary Collins, Larry Crabb, Selwyn Hughes, Paul
Tournier, Bruce Narramore e Frank Lake, além de vários outros, de menor expressão no Brasil, cujos
pensamentos, entretanto, também são merecedores de atenção e de estudo.

Manual de Relacionamento de Ajuda


Jaques e Claire Poujol
Editora: Vida Nova
Sinopse: a sociedade contemporânea é extremamente frenética
e exigente. Os males causados por tanta demanda têm levado
muitas pessoas a padecer de diversos problemas psicológicos,
e isso inclui pessoas ligadas à religião cristã. A maioria não sabe
como reagir diante dos problemas e das tensões da vida. Para
ajudar essas pessoas, os experientes terapeutas Jacques e Claire Poujol conceberam este guia completo
de acompanhamento psicológico e espiritual. Os autores, especialistas no assunto, estão convencidos
de que a solução para esses males da modernidade está no relacionamento de ajuda, no poder
terapêutico das palavras. Embasados na declaração bíblica de que “a língua dos sábios é medicina”, eles
explicam a finalidade, os princípios básicos e objetivos práticos desse relacionamento.
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Caminho da Sabedoria no Aconselhamento


Pastoral
Daniel S. Schipani
Editora: Sinodal
Sinopse: quais as diferenças entre o aconselhamento pastoral e a
psicoterapia ou o aconselhamento psicológico? A partir da reflexão
teológica sobre a tradição bíblica da sabedoria, o livro leva--nos
a pensar o tema do aconselhamento pastoral de forma muito mais ampla do que como “técnicas
psicológicas adaptadas a um contexto religioso”. O autor sugere que o aconselhamento pastoral vise
primariamente a despertar, alimentar e desenvolver a inteligência moral e espiritual.

Bíblia de Estudo Conselheira


Vários
Editora: Sociedade Bíblica do Brasil
Sinopse: para desenvolver esse grandioso trabalho, desde 2005,
um grupo de conceituados psicólogos e psiquiatras cristãos –
apoiados pelo CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos)
e pela SBB – tem se dedicado à tarefa de entender, explicar e
enfatizar a riqueza terapêutica das Escrituras Sagradas. O objetivo da obra é promover a saúde física,
mental e espiritual do ser humano por meio do texto bíblico. A edição do Novo Testamento permite
a leitura do texto bíblico na perspectiva da aplicação terapêutica em situações de aconselhamento
psicológico e pastoral para recuperação de traumas e fortalecimento de valores e relacionamentos
do indivíduo com Deus e seus semelhantes. Com a leitura das notas e quadros explicativos da edição,
os leitores serão ajudados a encontrar, na Palavra de Deus, o suporte e orientação de que precisam.

Gênio Indomável
Matt Damon e Ben Affleck escreveram e estrelaram este drama
sobre o rebelde Will Hunting (Damon), um garoto dotado de grande
inteligência, mas que vive se metendo em encrenca. Sem família e
com pouca educação formal, ele devora livros, mas guarda tudo que
aprende para si e procura empregos que dispensam qualificação.
Um professor do MIT descobre que Will é um gênio e quer o garoto
em sua equipe de matemática, mas, como Will tem problemas com
a polícia, é preciso fazer um acordo com a justiça. São impostas
duas condições: ele tem que trabalhar com o professor e fazer terapia. Sean McGuire (Robin Willians) é
o terapeuta chamado para domar o difícil temperamento do rapaz. Ambos são igualmente teimosos,
mas surge uma amizade que convence Will a encarar seu passado e seu futuro.

Material Complementar
REFERÊNCIAS

ADAMS, J. Conselheiro Capaz. São Paulo: Fiel, 1977.


ANDRADE, M. A. Plena paz através da cura interior. Vinhedo: IFC Editora, 2002.
ATIÊNCIA, J.; MULHOLLAND, K. Família: teologia e alternativas clínicas. Tradução
Therezinha F. Privatti. São Paulo: Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos, 1984.
BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução: Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora
Vida, 2000.
BLAZER, D. G. Freud versus Deus. Viçosa: Ultimato, 2002.
BOISEN, A. J. Religion In Crisis And Custom A Sociological And Psychological
Study. New York: Harper & Brothers, 1955.
CLEBSCH, W. A.; JAEKLE, C. R. Pastoral Care in historical perspective. Michigan: J.
Aronson, 1975.
CLINEBELL, H. J. Aconselhamento pastoral: modelo centrado em libertação e cres-
cimento. Tradução de Walter O. Schlupp e Luís Marcos Sander. São Leopoldo/São
Paulo: Sinodal e Paulinas, 1987.
COLLINS, G. R. Aconselhamento cristão. São Paulo: Vida Nova, 1982.
CRABB JR., L. J. Aconselhamento bíblico efetivo. Tradução de Elizabeth Stawell e
Charles Gomes. Brasília: Refúgio Editora, 1985.
FRIEDMAN, E. H. Generación a generación: el proceso de las familias en la iglesia y
la sinagoga. Traducción de Carolyn Kerr y Anne Crandell de Garrido. Buenos Aires:
Nueva Creación, 1997.
GRZYBOWSKI, C. T. O modelo sistêmico como referencial no cuidado pastoral fami-
liar. Via Teológica, Curitiba, v. 12, p. 83-92, 2005.
HART, C. W. Anton Boisen: Madness, Mental Health and the Ministry. Journal of Re-
ligion, Disability & Health, Philadelphia, v. 1, n. 2, p. 49–65, 1994.
HURDING, R. F. A árvore da cura: modelos de aconselhamento e de psicoterapia.
São Paulo: Vida Nova, 1995.
MACHADO, R. C. Psicoterapia centrada na Bíblia. Rio de Janeiro: JUERP, 1993.
MALDONADO, J. Introducción al asesoramineto de la familia. Nashville: Abing-
don Press, 2004.
MARCEL, G. Geheimnis des seins. Viena: Verlag Herold, 1952.
MUCENIECKS, A. S. Gregório Magno e a construção do modelo pastoral do medievo.
Via Teológica, Curitiba, v. 14, n. 28, p. 08-23, dez. 2013.
MULHOLLAND, K.; ATIENCIA, J. Família, teologia e alternativas clínicas. Tradução
de Therezinha F. Privatti. São Paulo: CPPC/EIRENE, 1984.
239
REFERÊNCIAS

WEATHERHEAD, L. D. The Christian agnostic. Nashville: Abingdon Press, 1965.


WEINGAERTNER. Martin Lutero e a poimênica (palestra). In: Reforma: Dádiva e
Oportunidade, 2017, Semana de Comemoração aos 500 anos da Reforma, Curitiba,
no prelo.

Referências On-line

1Em: <https://www.ministeriooasis.org.br/informacoes>. Acesso em: 03 jun. 2017.


2Em: <http://ejesus.com.br/carta-aos-esposos/>. Acesso em 05 set. 2017.
3Em: <http://www.acpewa.org/wp-content/uploads/2016/06/The-Biography-of-An-
ton-Theophilus-Boisen.pdf>. Acesso em: 05 set. 2017.
4Em: <http://www.culturabrasil.org/zip/imitacao.pdf>. Acesso em: 05 set. 2017.
5Em: <https://www.preaching.com/resources/past-masters/leslie-weatherhead-sur-
geon-of-the-soul>. Acesso em: 05 set. 2017.
6Em: <http://www.cppc.org.br/nossa-historia/>. Acesso em: 05 set. 2017.
GABARITO

1. C
2. B
3. D
4. B
5. A
6. D
7. A
8. D
9. C
10. A
241
CONCLUSÃO

Estimado(a) aluno(a), chegamos ao final de nossa viagem!


Passamos por tantas “paisagens” distintas do mundo da psicologia, não é
mesmo? Espero que ao longo desta jornada você tenha se entusiasmado com o
que viu.
Uma viagem – metáfora que usamos para nos referir ao estudo da psicolo-
gia – é sempre uma oportunidade de conhecermos algo novo. O novo sempre
nos gera alguma apreensão, mas se soubermos nos abrir às possibilidades que
se apresentam, teremos muito a desfrutar.
A cada novo local que chegamos, vamos poder conhecer algo daquela cul-
tura, costumes e forma de ser das pessoas do local. Assim, também quando
iniciamos uma viagem de estudos por um campo do saber humano, vamos
conhecendo novas ideias, novos conceitos e uma maneira nova que os autores
enxergam a realidade.
Numa viagem a um lugar novo, alguns costumes que observamos podem
nos chocar, outros nos farão rir e há, ainda, outros que nos deixarão deslum-
brados. Há sabores que acharemos exóticos e outros definitivamente não nos
apetecerão. Também o conhecimento exposto ao decorrer das unidades deste
livro podem ter causado diferentes impressões aos diferentes leitores. Talvez você
tenha achado a psicanálise complicada demais, ou então o behaviorismo muito
seco, mas, com certeza, ao experimentar estes diversos ‘sabores’ que a psicologia
oferece, você pode adquirir um aprendizado único, pois percorrer certos luga-
res, por si só já é um aprendizado.
Concluo lançando a você um desafio: que não somente com esta matéria você
trate como uma viagem, mas todas as matérias ao longo do curso! Você estará
caminhando sempre por territórios novos e alguns que podem parecer bastante
estranhos, mas não deixe de percorrê-los. Nem que seja para ao final da cami-
nhada dizer que conheceu um local e não gostou, e que não desejaria morar ali.
O conhecimento é como o Universo – imenso e com coisas fantásticas a
serem exploradas, uma fonte sempre inesgotável!
“Pois o Senhor é quem dá sabedoria; de sua boca procedem o conhecimento
e o discernimento” (Provérbios 2:6).

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