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GAZETA DE MATEMATICA 87

Panorama da Geodesia Contemporânea (*)


por F. Taixeira de Queiroz

1. O problema geodésico. 3) O aparecimento de instrumentos elec-


trónicos medidores de distâncias.

Como acontece com toda a ciência em rá- 4) A colocação em órbita de satélites


pido desenvolvimento, ó extremamente difícil artificiais.
a apresentação duma panorâmica da geodesia
contemporânea porque, não só alguns dos Parece-nos útil, porém, antes de abordar-
factos expostos podem à altura da publicação mos a influência que cada um destes pontos
estar já desactualizados, mas também, e prin- tem em geodesia, fazer um apanhado dos
cipalmente, porque a exposição duma ciência objectivos e métodos da geodesia clássica
em tais condições está muito mais marcada pois, só assim, será possível inserir e fazer
do que qualquer outra por influências subjec- ressaltar o papel que cada um dos factores
tivas, que sempre existem, daquele que a acima assinalados desempenha no desenvolvi-
expõe. A qualquer desses perigos nos expo- mento e renovação desta ciência.
mos ao apresentar esta panorâmica duma
ciência que, como tantas outras, adquiriu *
depois da segunda guerra mundial um desen-
volvimento que so pode classificar de ex- A geodesia é uma ciência que tem como
plosivo. objectivo a determinação das dimensões e da
Deve-se um tal desenvolvimento a quatro forma da Terra. É uma das ciências mais
factores fundamentais: antigas pois, já na Grécia clássica, AERÀTÓS-
TENES realizou uma determinação do raio

1) Uma m e l h o r colaboração entre as da Terra.


nações a respeito dos problemas geodó - Contudo, é por alturas da revolução fran-
•icos. cesa que a geodesia principia a adquirir o
aspecto que tem hoje. Nessa altura, a obser-
2) O aparecimento de máquinas de cal- vação duma cadeia de triângulos centrada em
cular electrónicas que permitem a resolução Paris e estendendo-se para Norte e Sul da
de sistemas de equaçóes lineares a um muito Europa, levou alguns geodetas a formularem
grande número de incógnitas. a hipótese de ser a Terra sensivelmente um
elipsóide alongado de revolução (elipsóide de
CASSINIS). Tal hipótese deu origem a uma
(*) O presente artigo consta de dois extractos, a grande controvérsia pois estava em contra-
Introdução e o Capítulo V, do trabalho apresentado dição com a teoria de NEWTON; O HUYGENS a
pelo Autor ao Concurso organizado pela «Gazeta de qual conduzia a admitir ser um elipsóide
Matemática» com o apoio da Fundação Calouste achatado de revolução o que melhor se
Gulbenkian e que mereceu o 2.° prémio da Secção B. adaptava à forma da Terra. A fim de decidir
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qual o elipsóide que melhor se adaptava h num ponto da superfície terrestre, a normal
Terra, a Academia das Ciências de Paris a um elipsóide dado. Contudo, sempre que o
mandou, em 1735, duas expedições para re- elipsóide escolhido seja uma boa aproximação
giões de latitude elevada com o objectivo de da superfície terrestre, a vertical desse lugar
aí medirem arcos que se podessem comparar é uma linha vizinba da normal referida.
com o da Europa Central. Uma das expe- É por isso que todas as observações geo-
dições, enviada para a Patagônia, depois de désicas são baseadas nessa vertical.
inúmeras peripécias, ficou impossibilitada de Assim, nas observações astronómicas deter-
chegar a resultados conclusivos. A outra, minam-se os parâmetros da vertical que passa
enviada para a planície de Lapland, pôde pelo lugar de observação.
provar ter a Terra uma forma mais próxima Na triangulação geodésica medem-se recti-
dum^ elipsóide achatado do que dum alon- líneos de diedros cujas arestas são tangentes
gado* a verticais.
Com a controvérsia acima referida ficou No nivelamento geométrico determina-se a
posto nm dos problemas fundamentais da equidistência dos planos horizontais (Planos
geodesia: a determinação do elipsóide que perpendiculares à referida vertical) que pas-
melhor se ajusta à superfície da Terra. sam em lugares vizinhos.
Este problema é duma importância capital Finalmente nas medições da gravidade de-
pois ó sobre uma tal superfície que, na geo- termina-se qual a superfície equipotencial
desia clássica, se efectuam os cálculos das (superfície normal às verticais) que passa por
observações geodésicas. Portanto, estes con- um lugar dado.
duzem a resultados diferentes conforme o Desta forma, nas observações geodésicas
elipsóide escolhido, afastando-se tanto maia que referimos, ressalta a importância qne tem
dos valores observáveis quanto mais diferir o campo da gravidade terrestre, já qne a ver-
a snperfície terrestre desse elipsóide. Evi- tical dura lugar não é senão a tangente, nesse
dentemente não se pode pensar que toda a lugar, à linba de corrente desse campo que
massa de observações, feita ou a fazer, possa passa por ele.
ser referida automaticamente a um elipsóide Aparece-nos assim, como segundo objec-
satisfatório. Escolhido nm, ele é conservado tivo da geodesia, o estado do campo da gra-
dnrante o maior tempo possível, já que a vidade terrestre.
mudança de milhares de dados observados, Da determinação das diferentes superfícies
dam elipsóide para outro é uma operação equipotenciais e das linhas de corrente desse
muito dispendiosa. Além disso, não sendo a campo deduz-se uma superfície (a superfície
Terra ama superfície regular, pode haver equipotencial de nível zero) que é uma melhor
um elipsóide que se ajuste melhor a uma aproximação da superfície terrestre do que
dada região e que não seja satisfatório para o elipsóide. Ela será a superfície que contém
outra. a superfície de equilíbrio dos oceanos. Em
Fixado um elipsóide de referência, todo geodesia dá-se o nome de geoide a uma tal
o ponto do espaço pode ser determinado pela snperfície.
normal ao elipsóide que passa por ele e Ficam assim definidas em geodesia três
pela distância do ponto (afectada dum sinal) superfícies: a superfície terrestre, o geoide
a esse elipsóide. Em particular, podem ser e o elipsóide de referência. A geodesia
referidos a essa superfície todos os ponto» clássica desenvolve-se usando-as alternada-
da superfície terrestre. Na prática, é porém mente : as observações são feitas sobre a
impossível, duma maneira simples, determinar primeira em relação à segunda $ calculadas
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sobre a terceira. Das vantagens e inconve- Em Berlim nos anos de 1864 e de 1807,
nientes dom tal método teremos ocasião de era Viena (1871), em Dresde (1870), em
falar no decorrer deste trabalho. Stutgart (1877), em Munique (1880), em Roma
(1883), novamente em Berlim (1886), em
Paris (1889), em Copenhague (1903), em
2, A Associação Internacional de G e o - Budapeste (1906), em Cambridge (19U9).
desia- Com esta reunião terminou a primeira fase
da vida desta organização.
O estudo da figura da Terra não se pode Se q u i s e s s e m o B apontar os nomes da al-
compreender sem observações que abranjam, guns geodetas que se distinguiram durante
senão a totalidade, pelo menos uma grande este período três aparecem imediatamente
extensão da superfície terrestre. Para a rea- destacados: G A U S S , B E S S E L e H E L M E R T .
lização de tais observações ó fundamental Porém, numa organização deste tipo, é o
um perfeito acordo entre as nações, não só trabalho contínuo de observação, sistemati-
para que aquelas tenham sensivelmente a zação e cálculo que mais convém destacar.
mesma precisão mas, principalmente, para Durante o primeiro período de actividade
que se possam interligar. da organização pode-se apresentar como obra
O trabalho de coordenação e de sistemati- realizada:
zação das observações, bem como a compi- A Convenção Internacional do Metro que
lação dos estudos acerca da forma da Terra, permitiu uniformizar as unidades de compri-
tem sido realizado pela Associação Interna- mento.
cional de Geodesía (AIG). O Serviço Internacional de Latitudes ao
A A I G que tem hoje, pràticamente, repre- qual está entregue a conservação da hora.
sentações de todas as nações completou há A repetição, com precisão muito maior,
poucos anos o seu primeiro centenário. Criada da observação dos arcos em regiões de lati-
com o nome de Associação Geodésica Inter- tude elevada, a que já fizemos referência no
nacional, funcionou desde 1862 até 1914, inicio deste trabalho.
altura em que a guerra interrompeu a sua A medição de diversos arcos de paralelos
actividade. Tornada a criar em 1922, já com e de meridianos.
o nome de AIG, a sua actividade tem-se DetermiuaçOes de desvios da vertical, pes-
mantido até à actualidade. quisas sobre isostasia e sobre marés terres-
Apraz-nos salientar que o bom entendi- tres, etc.
mento entre as secções das diferentes nações A seguir á guerra de 1914-1918 voltou a
permitiu colocar ao serviço da A I G assuntos pôr-se a necessidade da Instituição. A mesma
tais como as coordenadas geográficas de pon. foi integrada numa União Geodésica e Geo-
tos bem definidos, os quais até há bem pouco física Internacional da qual passou a ser uma
tempo eram classificados como segredo militar. das Associações.
A A I G foi primitivamente criada para in- Realizaram-se as Assembleias Gerais de
terligar os países do centro da Europa mas Roma (1922), Madrid (1924), Praga (1927),
tornou-se rapidamente uma organização à Estocolmo (1930), Lisboa (1933), Edinburgo
escala planetária, podendo hoje reeuvidicar (1936), Washington (1939), e a seguir à se-
com orgulho o titulo da mais antiga organi- gunda guerra mundial, Oslo (1948), Bruxelas
zação cientifica mundial. (1951), Roma (1954), Toronto (1967), Hel-
A sua actividade foi estructurada numa sínquia (1960) e Berkeley (1964),
sequência de congressos; A estructura da A I G tem evoluído sendo
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actualmente formada por cinco secções: de- trictos os membros da A I G a que ele inte-
terminação geométrica de posições, nivela- resse. O problema é estudado por esse grupo
moDto e movimentos dos solos, astronomia duma forma permanente e, quando se justi-
geodésica e satélites artificiais, gravimetria e fique, em sessões de trabalho.
geodesia física. A seguir ao congresso de Berkeley as
Para dar uma primeira ideia da problemá- comissões permanentes ficaram a ser:
tica da geodesia contemporânea, damos a se-
guir um apanhado dos principais problemas 1." Comissão: Nova compensação de con-
que são o objecto de cada uma destas sec- junto das triangulações europeias. 2.* Comis-
ções : são : Estabelecimento duma rede europeia de
nivelamento unificada (REUN). 3.* Comissão:
I Secção: Triangulações e trilaterações, c o m i s s ã o gravimétrica internacional. 4.*
poligonais de alta precisão, bases, medições Comissão : marés terrestres. 5.* Comissão:
electromagnéticas e ópticas de distâncias, bibliografiia geodésica. 6." Comissão: movi-
nivelamento trigonométrico, refracção atmos- mentos recentes da crusta terrestre. 7. 1
férica, cálculo. Comissão: satélites artificiais.
II Secção: Altitudes, definições, nivela-
mento de precisão, métodos e instrumentos, Quanto aos grupos de estudo foram criados
resultados, precisões e cálculos, movimentos os seguintes (indicamos entre parêntesis a
horizontais e verticais do solo. secção a que o grupo diz respeito):
III Secção. Métodos de observação em
astronomia geodésica, variação das latitudes GEE 1 (I) Problemas teóricos respeitantes
e das longitudes, problemas da hora, utiliza- ao cálculo e à compensação das grandes
ção geométrica dos satélites artificiais. triangulações. GEE 2 (I) Cálculo das redes
IV Secção: Medições absolutas erelativas de S H O R À N (e de processos análogos) e das
da gravidade, estabelecimento duma rede grandes geodésicas. GEE 3 (II) Estudo dos
gravimétrica mundial homogénia, bases de erros sistemáticos dos nivelamentos de pre-
calibração, estabelecimento de cartas de ano- cisão por métodos de análise estatística.
malias da gravidade, utilização, prática dos GEE 4 (III) Estudo crítico dos métodos de
métodos de redução. astronomia geodésica. GEE 5 t (IV) Deter-
V Secção: Desvios da vertical, reduções minações absolutas da gravidade. Ligações
da gravidade, interpretação física das ano- entre estações absolutas. Fórmula da gravi-
malias da gravidade, determinação do poten- dade normal. G E E 5 2 Técnica das observa-
cial exterior e do campo gravítico terrestre, ções gravimétricas. GEE 6 (IV) Estabeleci-
utilização dinâmica dos satélites artificiais, mento duma base europeia de calibração de
marés terrestres. gravímetros. Bases de calibração GEE 7 (IV)
Sobre a oportunidade da adopção dum sis-
tema único de decomposição em zonas para
A estruturação da A I G em cinco secções
o cálculo das reduções topográficas (e isos-
não é suficiente para abordar os diferentes
táticas) e para o cálculo dos desvios absolutos
problemas da geodesia moderna. Por isso,
da vertical. G E E 8 (V) Reduções das obser-
sempre que um problema o justifique, é criada
vações gravimétricas com vista à sua utiliza-
uma Comissão Permanente ou, pelo tempo
ção na fórmula de S T O K E S . GEE 9 (III)
que for julgado necessário, um Grupo Espe-
Emprego em geodesia dos resultados das
cial de Estudo (que pode eventualmente ser
observações lunares e de satélites artificiais
desdobrado em Bubgrupos) a que ficam ades-
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(eclipses, ocultações, fotografias sobre um ocasião de nos referir a alguns particular*


campo estolar, etc.). G E E 10 (V) Determi- mente.
nação do geóide europeu pelos desvios rela- A Associação Internacional de Geodesia
tivos da vertical. GEE 11 (V) Interpretação publica uma revista, o (Balletin Géodésiquei,
g e o f í s i c a das a n o m a l i a s da gravidade. ao qual fomos buscar os elementos relativos
GEE 12 (I) Utilização nos diferentes domí- a esta Associação.
nios da geodesia das modernas máquinas de m
cálculo (máquinas de cartões perfurados, de
fita magnética, etc,). GEE 13 (I) Determi- Redigidas estas notas em 1965, são publi-
nação dos movimentos da crusta terrestre cadas em 1970. Como não notar desactuali-
(exceptuando o das marés) por todas as me- zações? As palavras com que abriiamos estas
didas susceptíveis de serem realizadas à su- notas confirmaram-se plenamente. Contudo,
perfície da Terra. G E E 14 (I) Especificações quere-nos parecer que o contexto que serviu
das precisões requeridas para as triangulações de base à redacção desta panorâmica da
E as trilateraçfles. Pontos de L A P L A C E . Em- geodesia ainda se mantêm o que justifica
prego combinado de trilaterações e triangu- a sua publicação. Ao fazS-lo, importa assi-
lações. G E E 15 (V) Estudo das secções do nalar os principais factos que introduzem
geóide que atravessam largas regiões do mar desactualizações e os principais pontos onde
(Creta, Egipto, Canadá, etc.). G E E 16 ( V > nma influência subjectiva marcada, pode ter
Estudo prático sobre a aplicação à fórmula conduzido a um erro de apreciação.
de S T O I Í E S das anomalias definidas pela teoria Assim, importa assinalar os seguintes factos
de J. DE G K A A F H U N T E R . GEE 17 ( I V ) Re- ocorridos durante este período :
sultados obtidos por observação de satélites
artificiais acerca do campo da gravidade ter- a) A conclusão dos projectos de observação
restre. GEE 18 (IV) Métodos para a deter- baseados nos satélites ECOS, GEOS e PA-
minação absoluta da gravidade. GEE 19 (I) GEOS.
Medições electrónicas de distâncias. GEE 20 b) A introdução dam novo elipsóide inter-
(IV) Medições da gravidade no mar (em nacional de referência: o IAU, 1963.
submarinos e em navios). GEE 21 Cálculos c) O início dnm novo capítulo da geodesia:
numéricos com interesse para as grandes o estudo da forma da Lua. A este novo
triangulações. G E E 22 (II) Estudo do nível capitulo deu-se o nome de selenodesia (*).
médio dos mares. GEE 23 Estudo da re- ti) O início e possível conclusão do projecto
fracção atmosférica. GEE 24 Notações e SECOR.
nomenclatura a usar em geodesia. GEE 25
(III) Observações ópticaB de satélites artifi- Como influência subjectiva, assinalamos a
ciais. GEE 26 (III) Ligações geodésicas por importância excessiva que demos às observa-
meio de satélites artificiais. GEE 27 (III)
Navegação por meio de satélites artificiais.
(") Quere-nos parecer que o nome de geodesia
GEE 28 (V) Dinâmica dos satélites artifi- lunar teria sido mais apropriado. O que realmente BO
ciais. está a passar neste momento é o facto do objecto da
geodesia estar a sofrer uma mutação: de ciência que
Demos uma tão extensa lista de agrupa- estuda a forma da Terra tende a transformar-se cia
ciência que estuda a forma dum Planeta qualquer.
mentos da A I G por nos parecer que assim Donde se justifica a conservação do nome da ciência
destacávamos melhor um certo número de mas não o sen conteúdo. Tal como aconteceu à geo-
problemas da geodesia moderna. Teremos metria.
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ções ópticas de satélites em detrimento das minação dos coeficientes Jn, Jnm, e Kn„i
observações baseadas no efeito U O P P L E H - Essa determinação faz-se pela análise daB
- F I Z E A U . O segundo tipo de observações reve- perturbações causadas no movimento dos
la-se de momento mais preciso do que o satélites artificiais devido à existência do
primeiro. potencial de perturbação.
Como resultado de tal precisão, a geodesia Torna-se então necessário separar as per-
por satélites encontra-se de momento dife- turbações causadas pelo campo de pertur-
renciada em dois sectores. Um, o da «geo- bação daquelas devidas a diversos efeitos
desia ricas utiliza satélites activos do tipo parasitários. Destes, os mais importantes são
GEOS e SECOEt. É a geodesia dos Estados o atrito da atmosfera, a atracção do Sol e da
Unidos e da União Soviética. O outro, o da Lua e a pressão da radiação solar. Destas
a geodesia pobre», utiliza satélites passivos perturbações parasitárias as de mais difícil
do tipo ECO, PAGEOS ou Diamante. É a controle são a pressão de radiação e o atrito
geodesia da Europa. atmosférico pois dependem grandemente da
actividade solar. A fim de minimizar os seus
efeitos, são escolhidos satélites cujas órbitas
tenham um perigeu não muito pequeno 6 um
ELEMENTOS apogeu não muito grande, pois a acção da
DE GEODESIA DINÂMICA atmosfera faz-se sentir quando o satélite está
mais próximo da Terra e a perturbação cau-
sada pela pressão de radiação é tanto maior
I. Introdução. quanto mais afastado está o satélite da Terra.
Além disso escolhem-se para estudo satélites
Mostramos nos dois últimos capitulos a pequenos e pesados.
importância que tinha em geodesia a deter- A órbita é escolhida em conformidade com
minação do potenciai do campo da gravidade. a perturbação a analisar. Para isso procura-se
Essa determinação fazia-se decompondo o uma órbita que torne máximas as perturba-
campo da gravidade Dura campo de gravi- ções de interesse geodésico e mínimas as
dade normal e num campo de perturbação. perturbações parasitárias. Em geral, uma dada
Ao primeiro correspondia nm potencial de perturbação não é estudada só relativamente
gravidade normal e ao segundo um potencial a uma dada órbita. Procuram-se observar
de perturbação, T . satélites em diversas órbitas, com diferentes
A geodesia dinâmica tem por objectivo estu- inclinações (afastadas em geral da inclinação
dar o campo de gravitação terrestre. Para crítica), para ee obter uma determinação sufi-
isso, decompõe este num campo de gravitação cientemente precisa. Ura método a usar é o
normal e num campo de perturbação. Para da escolha de satélites onde os harmónicos
campo de gravitação normal toma-se um em estudo criem fenómenos de ressonância.
campo de simetria esférica. Em tais condi-
ções, o potencial de perturbação é o mesmo
usado em geodesia fisica quando se toma 2. As equações do movimento dum
como superfície de referência uma esfera. satélite.
Se desenvolvermos o potencial de pertur-
bação em série de L E O E N I X I E A Í I O S , tal como As equações do movimento dum satélite
o fizemos nos capítulos anteriores, o problema artificial sob a acção dum campo criado por
central da geodesia dinâmica será o da deter- um potencial da forma
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Com a força viva dada por (2) e o poten-


(1) W' f M \ T= f M
r r cial da intensidade de campo dado por (1), as
equações do movimento podem ser escritas
Jn Pn+2(Jm<x>&ml+Knm BemnV)Pn
jW
(3) Y — r" — r 0'a — r cos 2 0 v)'2
dr
são mais facilmente deduzidas se utilizarmos
um sistema de coordenadas esféricas. Com 1 1 à \V
yt „ ± ( r a 0')' — r cos 0 sen 9 ti'2 = —
efeito, consideremos um sistema de coorde- r\ r jô
nadas esféricas, com origem no centro de
massas do corpo atraente e introduzidas por ÒW
( í - 2 COE 2 9 Tl')'
meio de r cos 9 r cos 0 d *)
x = r cos 0 cos m
A decomposição do potencial, no potencial
y = r c o s 0 sen » . de gravitação normal e no potencial de per-
z = r sen 0 turbação T, permite-nos escrever, em vez de
(3), as equações com a forma
Será então

~ dxa + dy2 + r» _ r 0'2 — r cos 2 0 r)'a + L ^ L =, H L


ra dr
=zdr* + r 2 d 0a + r 2 cos 2 0 d rí
— (ra 0'y + r cos 9 sen í * ' 3 — — -SlH (I)
e a força viva do satélite, que supomos de
massa m, será
òT
1 (?'a cos 2 7)')' = 1

{2) 2 T = m (r3 + r2 0a + r a cos 2 9 r?). r cos 0 r cos S àn

Com auxilio das equações de L À G R A N G E


obtemos para componentes da aceleração da 3. O problema dos dois corpos.
partícula.
Se anularmos os segundos membros do
1 /d d_Tr - j t n - J L o , sistema de equações I, obtemos as equações
~ m \dí drr dr) m do movimento dum satélite sob a acção do
òT campo de gravitação normal escolhido. É o
- J_ / d — Í ^ . J L q , conhecido problema dos dois corpos, visto o
70 ) mr ~
~ m àÕ
anulamento do segundo membro equivaler a
1 / d dT
T _ _dT\ = 1 admitir que o corpo atraente tem simetria
m \dt n dt\ ) mrcos 0 esférica. As equações I tomam a forma

onde as segundas igualdades são uma conse- r" _ r 0'2 — r cos 2 0 y{* + = 0
quência de ser o trabalho realizado pelo r
campo, quando o satélite sofre um desloca-
mento d P , igual a — C1"2 0 7 + r cos 9 sen 9 n' 2 = 0 (II)

dW= Q.áf*^ Qrdr + QzdÜ+Q^dr,^


(í-2 C O S 2 O Tl')' - 0 .
= m / d Pi=m (yr d r + / r d 0 + r cos 9 d n). r cos 8
94 GAZETA DE MATEMATICA

Adoptamos, ao estabelecer o sistema de fM


em que m = Esta equação tem uma
equações, um sistema de coordenadas esférico 4 k2
cujo plano de referência era arbitrário. Va- solução da forma u — m = k cos (0 — 0O) o
mos agora admitir que esse plano contém no que mostra que a trajectória, visto não ter
instante í 0 f não só o ponto material, como pontos impróprios, é uma elipse. Escrevemos
ainda é paralelo à velocidade dele no mesmo a solução de (4) com a forma
instante. Por outras palavras, vamos admitir
que no instante t0 é n = r/ = 0. Em tais 1 + e c o s (6 — 90) 1 4-« cos 9
condições, a última das equações II admite 0 (5)
a (1 — eS) a (1 — e2)
integral primeiro r a cos 2 9 V = k que se reduz
a rf ~ 0 . Com uma segunda integração re-
sultará T) = / f j = 0 . Vemos que a trajectória A integração do sistema II leva ao apare-
do ponto material é uma curva plana que cimento de seis constantes. A forma como
está agora contida no plano de referência. eliminamos n , mostra-nos que duas das cons-
Em tais condições o sistema II toma a forma tantes deverão determinar o plano da tra-
mais simples jectória. Duas outras determinam a forma
da elipse (5) descrita pelo satélite. Final-
r " - r 0 ' í + ÜL=o mente, as duas restantes são necessárias para
(2)
determinar o movimento do satélite na sua
( r 3 0')' = 0. órbita. Tomaremos, para definir a órbita
descrita pelo ponto, o semi-eixo maior, a ,
A segunda equação dá origem ao integral e a excentricidade, e. O plano da órbita
primeiro ficará definido pelo conhecimento da sua
inclinação, i sobre o plano de referência
1 XOY e ainda pelo conhecimento dnm seu
( 3 )
r2 01
ponto nesse plano. Chamamos nodo ascen-
dente o ponto em que 0 satélite passa do
qne exprime que a velocidade areolar é cons- hemisfério Sul para o hemisfério Norte.
tante. A eliminação do tempo entre a pri- A outra constante a ser introduzida é a
meira das equações (2) e (3) dá-nos uma ascensão recta (ou a longitude) do nodo
nova equação que determina a trajectória. ascendente, í í . Por fim, para determinar o
Seja l/r = w = / ( 6 ) a sua solução. Será então movimento do astro, introduzimos o instante,
T, em que ele passa mais próximo do corpo
dr dr du 1 2k du
9' = — atraente (Instante da passagem no periastro)
dt du ~de U* r2
e o argumento do periastro, cu, qne é o arco
du da órbita compreendido entre o nodo ascen-
= - 2 k dente e o periastro. A estas constantes a , i,
~dJ
RÚ, ÍI, T , dá-se o nome de constantes elíp-
ticas.

dfi de2 d e2 Para acabar de resolver o problema dos


dois corpos, torna-se necessário fazer ainda
e, portanto, essa equação escrever-se-á a integração de (3). Para a fazermos, vamos
introduzir a variável auxiliar £ dada por

( 4 ) 4- « — m = 0
d 02 (6) r = a( 1 — Ô C O S Í Í ) .
GAZETA DE MA T E M A T I Ç A 95

Será
M = n (í — t)
1— es = (l + e cos v) • (1 — e cos E) E = e sen E = M
+
/— — e . E
8 portanto tg X — tg —
2
2 ~ VM 1 L—e (Ill)

cos E — e r *= a (1 — c cos E)
( 7 ) coa r : tg (« — fi) = cos i tg (w 4- v)
1 — e cos E
sen <í = sen i sen (M + r ) .
Vl - e 3 s e n E
sen v =
X — e cos E

on, o que é equivalente,

1 — cos v 1 + í
(8) tgs te 2 -
2 1 + cos v 1 — e "" 2

Finalmente, derivando (7), teremos

dv (1 — í^sen^
sent)-
dE (1 — e c o s Ef

ou seja

dv Vi — e*
Usando (6), (9) e (10) vemos que
e cos E
( 9 )
~dE

/drV
f 1 4- r2 ( |= (, a 2o — a aa»e 2 c o so2 Í77i\
í),
Utilizando esta relação e (6) para fazer \dt) \dt)
uma mudança de variável em (3), somos con-
duzidos a Usando novamente (6) podemos formar a
constante das forças vivas
(10) k = a s y T ^ ë ? (1 —e cos E)-^ ^
dt dt

Introduzindo a constante auxiliar


fM _ _ i&cfi ntgS — fM
2k
a2 \/l _ e2
r ~ 2 r

o que mostra ser


e fazendo a integração temos

(12) 2h - - n* a? nV a' = f M .
(11) E — eaenE = n(t — T) .
Finalmente, a partir de (10), vemos que o
A posição do corpo atraído será então momento cinético da unidade de massa, cons-
determinada por meio de tantemente normal ao plano da orbita, tem
96 GAZETA DE MATEMATICA

a grandeza dltl , ,d O / Tí — e 2 ["


cos v i ? +
~dj COS 1 ~dt n ae
(13) = n a V l - « 2 - / / A f a (1 — e 2 ) .
oi í + sen v (l-{ \ ri
\ 1 + e cos v ) J
As suas coordenadas no referencial celeste 1 /dta , .dQ\ 1
— _ _ [_ C O S í_ _ | = . — _
que introduzimos anteriormente, serão dt n \dt dt / n2
£JÎ(1 — e a )sen E 3 n e s e n 2 v (t — T)
Vf M a (1 — e 3 j sen i sen í i , R —
(1 ecos v) sen E
3 sen v
VfMa(1 — e2) sen tcos í i , VfMa{l—t*) cos i.
sen E J

Como em 1 a força perturbadora é dada


4. A análise das perturbações.
pelas suas componentes radial ^ = ,
Mostrámos já como obter as equações de \ àr )
1 ò T\
L A G K A X G E quando se toma como coordenadas
esféricas Isto ó tomámos como plano
( M= —
r d 3- /
) e perpendicular
de referência o plano equatorial. Porém, o ip í_i!L\ sera
método que usámos é geral: poderíamos ter \ r sen 3 da/
tomado como plano de referencia um plano
R = R
qualquer. As equações das perturbações sim-
plificam-se grandemente quando se toma para (1) T M cos X -I- P sen X
plano de referência o plano da orbita no B = M sen X — P cos X
instante t. Com efeito, nesse caso, o momento
de inércia é normal ao plano de referência. em que X é o angulo que o plano meridiano
Em vez de a usamos v . Podemos decom- que contem o satélite faz com o plano da
pór a força perturbadora numa componente órbita. Pela figura da página 05 vemos que
radial, R, numa componente transversa, T
cos i = cos 3 sen X
(situada no plano da órbita) e numa compo-
nente b i t r a n s v e r s a , B (Perpendicular ao (2) Ben iCOB(ÚJ + U) = cos 5 cos X

plano da órbita). Em tais condições as equa- sen i sen (w + v) = sen 3 .


ções de L A G R A X G E s ã o :
K I S T G - H E L E toma em primeira aproximação
P = 0 . Corresponde ÍSBO a considerar o
da
• [E sen v R + ( 1 -F e COB R ) T] corpo atraente como sendo de revolução. Uma
dt n\Zl — e2 tal aproximação, porém, só pode ser válida
quando a inclinação da órbita não for pequena.
de vT^êã
[sen v R + (cos v + cos E) T] Para pequenos valores de i , o factor que
dí 7i a
dT
multiplica é grande e portanto P toma
di v T - t2 cos (M 4- g) àx
B
dt na 1 + e cos v valores consideráveis. Isso mostra-nos que
se devem usar satélites com órbitas de pe-
dO V^l e 3 sen (m + c) (IV)
quena inclinação quando se desejam determi-
B
dt waseni 1-J-ecosí) nar os barmónicoB em xadrez.
97 G A Z E T A DE MATEMATICA

Uma variante das equações de LAÜRANGE quase exclusivamente, as equações em Q e


quando, como no caso presente, as forças de » para o estudo do potencial terrestre. A
perturbação derivam dum potencial T, d introdução dos elementos da órbita nos equa-
ções das perturbações permite dar às equações
da 2 dT das perturbações seculares a forma
dt n2 a d T
cf í i
2 c„ Jn - j - 2 CK m Jn Jm
de VT^ê2 dT 1 - d T dt
dt ' n2a2e df
na2 e á» (3)
d i- dT d a)
1 = 2dnJn-\-?.dnmJnJ„
dt nt&yi— e B sent dO dt

em que os coeficientes c „ , c„m , dn e d nin


«í dT são funções dos elementos eliptlcos. Assim,
na2\/ L — e2 doa por exemplo, KING-HELE (considerando só
quantidades até à ordem de Jq) obtém
(V)
díl dT d Q
n i / i V) cosi.r3—Jo-H
T ,
(4)
dt n a2 L — e2 sen i d i dt \1 L 2

d<a l/l — d T , S 2 d T
~dt n a2e de + na2)/1 —<2
+.-Í5.JÍ
dt ò T l — e2 d T 1G
dt n2 a da w3 a 3 e d e
d (á 1 y T (5cosaí — 1).
2
dt 4 \ l - t 2 J
Vários outros sistemas equivalentes têm
sido usados. Entre eles destaca-se o obtido
por DELAUNAY para o estudo do movimento A segunda destas equações mostra-nos a
lunar. Em todos esses sistemas, bem como importância que têm as órbitas com a incli-
nos que já referimos, torna-se necessário nação i —* 63,4° para as quais 5 c o s a i ' = l .
exprimir o segundo membro em função dos É de notar que um grande número de satéli-
elementos elípticos e do tempo. tes soviéticos têm uma inclinação próxima.
As perturbações a estudar são decompostas Isso permite diminuir as perturbações cau-
como habitualmente, em perturbações perió- sadas por J 2 no movimento do perigeu.
dicas e seculares. No estudo das perturbações A utilização de (3), calculado para diferen-
seculares não é necessário entrar em consi- tes satélites em órbitas distintas, e com incli-
deração com os coeficientes J„M e Knm pois, nações variadas, permite, depois de determi-
a existência do movimento de rotação da nado ^^ por observações determinar os
Terra, ó suficiente para fazer com que as per- dt
turbações correspondentes sejam periódicas. coeficientes Jn, K I Ü G - H E L E , por exemplo, faz
O potencial de perturbação causa pertur- uma determinação simultânea de J 2 , J\ o
bações mais sensíveis no movimento do peri- Je usando o Sputnik 2 (i = 65°), o Van-
geu e do nodo ascendente. Daí, utilizarem-se guard 1 (t = 34") e o Explorer 4 (t = 50°).
98 GAZETA DE MATEMATIÇA

Em 1963 melhora o resultado obtido pelo valores estes que são de muito menor pre-
estudo do movimento do nodo de sete satélites cisão.
com inclinações variando de 28,8° até 97,4°. Poderá snpor-se, pelos valores dados, que
KOZAI em 1962 utiliza igualmente sete saté- os métodos da geodesia dinâmica vêm subs-
lites mas com um número menor de órbitas. tituir, com vantagem, os métodos da gravi-
metria. Isso só em parte é verdade. Com
Breve análise dos resultados obtidos. efeito, a observação de satélites permite de-
terminar, com uma muito grande precisão, os
Foram já realizadas várias determinações harmónicos de ordem inferior. A precisão
dos coeficientes ./„. Assim, dos valores comu- com que se fazem estas determinações vai
nicados ao congresso de Berkeley, destacamos diminuindo à medida que a ordem dos har-
os de K I H S - H E L E e K O S A I a que já fizemos mónicos vai aumentando. Pelo contrário, a
referência. precisão com que se fazem as determinações
Ambas as determinações foram feitas pelo pelos métodos gravimétricos é independente
estudo do movimento secular do nodo ascen- da ordem dos harmónicos. Além disso, cer-
dente. Os valores obtidos foram: tamente essa precisão melhorará à medida
que forem aumentando o número de obser-
(Entre parêntesis indicam-se as precisões vações gravimétricas realizadas. Desta forma,
obtidas) é de esperar que os métodos gravimétricos
e os métodos da geodesia dinâmica se comple-
Jj.106 J i . W Je.106 Jg.10» ./„.IO« Ju. 10» tem harmoniosamente para, conjuntamente,
KOSAI determinarem o potencial terrestre.
+ 1082.48 —1.84 +0.39 +0.002
(0.04) (0.09) (0.09) (0.07)
5. Conclusão.
KISO-HILE
+ 1082 86 -1.03 +0.72 + 0.34 - 0.50 + 0.44 Ao apresentar os diferentes métodos usa-
(0.1) (0.2) (0.2) (0.2) (0.2) (0.2) dos para determinar a forma da Terra, pro-
curamos mostrar os problemas ligados a cada
Os coeficientes de ordem ímpar foram es- nm. Para isso tivemos que os eBtudar sepa-
cudados por meio das variações periódicas radamente desarticulando em parte a ciência
do perigeu, da excentricidade, da inclinação geodésica. Na verdade esta, para fazer esse
e do nodo ascendente. K O S A I dá-nos os valores estudo, não recorre alternadamente a um e
outro método mas, bem ao contrário, procura
Jj.ioo J5.106 J-,.106 Js.lO» utilizá-los simultaneamente.
—2.562 —0.064 -0.470 -0.117 Já demos alguns exemplos da colaboração
(0.007) (0.007) (0.010) (0.011) existente entre os diferentes métodos utiliza-
dos. Assim, vimos como o conceito de cota
Estes resultados melhoram muito os que geopotencial era obtido a partir do nivela-
tinham sido obtidos por métodos gravimétri- mento e da gravimetria. Vimos igualmente
cos. Com efeito J E F F K E Y S tinha chegado aos no fim do parágrafo anterior, que o potencial
valores: terrestre era determinado pela colaboração
da gravimetria e da geodesia dinâmica. Outros
j t ... ( + 1 0 9 3 + 5 ) . I O " « , J3 - ( - 0 . 4 + 2 . 8 ) . I O ' 0 exemplos de trabalho conjunto dos diferentes
J4 — (— 2 , 2 + 2.1).10- s ramos da geodesia podem ser apresentados.
GAZETA DE MATEMAT1CÀ 99

No Capítulo I mostra-se como por meio de por métodos gravimétricos e de geodesia


triangulação podemos definir referenciais li- dinâmica. Estes são, porém, impotentes para
gados à Terra. A cada datum escolhido cor- nos darem as dimensões desse elipsóide.
responde uma origem e uin sistema de eixos Temos então que recorrer a métodos da geo-
bem determinado. A extensão e a conexão desia geométrica para determinar o valor do
das diferentes redes permite reduzir os dife- seu raio equatorial. Esta determinação está
rentes referenciais a utilizar a um número ligada ao ajuste de rêdes geodésicas.
mínimo. O recurso a métodos de triangulação Por meio desta última operação faz-se a
com grandes lados (triangulação por meio de colocação do elipsóide escolhido e, portanto,
fachos e satélites, medição de Lados por meio faz-se a escolha de referencial terrestre.
de shoran, etc.) permitirá mesmo realizar um Como dissemos o referencial obtido não tem
referencial único ligado à Terra. Este é im- o sen centro no centro de massas terrestre.
possível de realizar pelos métodos clássicos Além disso, a cada rede geodésica corres-
dada a impossibilidade de triangular as gran- ponde um referencial distinto. A unificação
des extensões cobertas pelos oceanos. dos diferentes referenciais é uma tarefa da
Os métodos da geodesia geométrica são, geodesia dinâmica.
porém, impotentes para fazer com que a ori- Com efeito na geodesia dinâmica, estuda-se
gem de coordenadas do referencial terrestre O movimento dum satélite em relação a um
adoptado seja o centro de massas terrestre. referenciai celeste que tem a sua origem no
Será então necessário recorrer a métodos centro de massas terrestre. A passagem desse
gravimétricos e de geodesia dinâmica para referencial celeste para qualquer referencial
impor a condição que, nesse referencial, seja terrestre é obtida pelo estudo do movimento
J, = 0. do pêlo e das variações da velocidade de
Os diferentes pontos da Terra não são rotação da Terra. Este dar-nos-á elementos
coordenados nesse referencial. São-no mais para estabelecer, em cada instante, uma rota-
simplesmente pela introdução dum elipsóide ção de eixos. A mudança de referenciai ficará
auxiliar de forma muito vizinha da da Terra. determinada a menos de uma translacção.
Este pode ser de revolução ou triaxial. No pri- Conhecidos os coeficientes Ji, Jik e Kik
meiro caso, o seu achatamento será determi- do potencial de atracção terrestre, podemos
nado por métodos gravimétricos e de geo- determinar o movimento dum satétite artifi-
desia dinâmica. Para isso impõe-se a condição cial. Observado este de diferentes poütos
do elipsóide ser uma superfície de nível dam duma dada rede geodésica, podemos obter
campo de gravidade normal tal que uma as coordenadas dele no referencial ligado a
função bem determinada de J2 e J 4 tenha essa rede e em qualquer instante. A evolução
o mesmo valor nesse campo e no campo da do satélite permite-nos, além disso, determinar
gravidade terrestre. a translacção que nos faltava na mudança de
Se abandonarmos a condição do elipsóide referenciais a que nos referimos acima.
de referSncia ser de revolução, podemos Finalmente, conhecidas, em qualquer ins-
então introduzir a condição do campo de tante, as coordenadas dum satélite relativa-
gravidade normal ter os mesmos coeficientes mente a ama dada rede podemos, por meio
i/31 O K2I que o campo da gravidade ter- de observações, ligar qualquer ponto de
restre. Isso determina a elipticidade do equa- coordenadas desconhecidas a essa rede. O sa-
dor e a longitude do semi-eixo maior. télite comporta-se neste caso como um men-
Vemos que a forma do elipsóide de refe- sageiro qae leva as coordenadas duma dada
rência é determinada com maior precisão rede a qualquer ponto da Terra.
100 GAZETA DE MATEMATICA

Neste caso, ao contrário do que acontecia dentes vectores direccionais C[, e 2 , «3, • *• •
no método de triangulação por meio de saté- O ponto P será então determinado pelas
lites, as observações não têm de ser simultâ- equações vectoriais
neas visto serem conhecidas as coordenadas
do satélite observado, A precisão obtida não St- P = \St-P\Z.
é contudo tão grande como no referido mé-
todo, visto o satélite estar sugeito a perturba- A introdução de coordenadas aproximadas
ções que nem sempre são controláveis, Para do ponto P permite formar as equações de
que a precisão seja o maior possível, importa observação.
que as observações sejam realizadas em oca- O método que acabamos de indicar foi uti-
siões em que as coordenadas do satélite sejam lizado pelo Instituto Smitbsoneano para inter-
bem conhecidas, Para isso observa-se, do ligar as principais redes geodésicas.
ponto desconhecido, o satélite pouco depois
dele ter sido coordenado na rede adoptada.
BIBLIOGRAFIA
Neste caso o movimento do satélite foi pouco
perturbado pelos valores mal conhecidos do
W. A, HEISKANÍN AND F. A, VÍHISO-MEINIEZ, The
potencia). Pode ainda observar-se o satélite Earth and its gravity field. Bonford Geodesy.
depois dele ter dado uma revolução completa M . S . MOLOOENSKII, V . E . IÍHKUEEV M . I. YUILKINA, Met-
pois neste caso sé há a considerar, apenas, tods for study of the external gravitational field and
as perturbações seculares. figure of the Earth.
I. I. MUELLER, Introduction to Satellite Geodesy.
O problema da determinação das coorde- G. VEIS, Geodetic uses of artificial satellites.
nadas dum ponto terrestre pela observação Comunicações aos congressos da Associação Interna-
dum satélite reduz-se então a : cional de Geodesia.
Determinar as coordenadas dum ponto P The use of Artificial Satellites for Geodesy.
Contemporary Geodesy.
quando dele se observaram satélites nas posi- Geodesy io Space Age.
ções 5",, , Ss, , Sn, conhecidas, Foram ainda consultados diversos artigos de «Bulle-
A observação do satélite sobre um campo tin GtSodésiques.
de estrelas permite determinar os correspon- Survey Review.

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