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2000
Dedico esta dissertação a
Newton Tambara
que não teve medo do meu medo
que confiou na minha luz
e foi parteiro do meu Ser...
2
AGRADECIMENTOS
À Jerold Bozarth...
3
RESUMO
4
ABSTRACT
5
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7
1) AS PESQUISAS SOBRE AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS E SUFICIENTES
PARA A MUDANÇA TERAPÊUTICA DA PERSONALIDADE:.............................. 10
2) UMA PREMISSA FUNDAMENTAL: A TENDÊNCIA ATUALIZANTE: ........... 12
3) “ NENHUMA OUTRA CONDIÇÃO É NECESSÁRIA”:....................................... 13
4) EMPATIA .................................................................................................................. 15
4.1. REFLEXO DE SENTIMENTOS .................................................................................. 17
4.2. A EXPERIÊNCIA EMPÁTICA................................................................................... 23
4.2.1. A experiência empática e a aceitação incondicional do terapeuta são, em essência, a mesma
experiência: ........................................................................................................................................ 25
4.3. REFLEXO DE SENTIMENTOS SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA ..................... 25
4.4. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM REFLEXO DE SENTIMENTOS ..................... 28
4.4.1. Experiência empática na busca por uma melhor qualidade de vida .......................................... 28
4.4.2. Experiência empática no silêncio do terapeuta ........................................................................ 30
4.5. COMPREENSÃO EMPÁTICA ................................................................................... 31
4.6. COMPREENSÃO EMPÁTICA SEM EXPERIÊNCIA EMPÁTICA ...................... 32
4.7. A NÃO-DIRETIVIDADE .............................................................................................. 34
4.8. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM COMPREENSÃO EMPÁTICA ...................... 38
4. 8.1. Experiência empática no silêncio do cliente ............................................................................ 39
4.8.2. As ‘falhas’ na compreensão empática ..................................................................................... 42
4.8.3. Ludoterapia ......................................................................................................................... 43
5) CONSIDERAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL ................................................ 46
6) CONGRUÊNCIA .................................................................................................... 48
6.1. GENUINIDADE E TRANSPARÊNCIA ..................................................................... 49
6.2. CONGRUÊNCIA EM RELAÇÃO À EMPATIA E CONSIDERAÇÃO POSITIVA
INCONDICIONAL ............................................................................................................... 52
7) A ESSÊNCIA DA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE .................................... 54
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 59
ANEXO I ........................................................................................................................ 68
ANEXO II ...................................................................................................................... 69
6
INTRODUÇÃO
7
o mundo privado do cliente como se fosse o seu, mas sem perder a qualidade de ‘como
se’” (Rogers, 1957, pp.97-99).
A hipótese de Rogers é de que essas condições são necessárias e suficientes para
promover o processo de mudança construtiva da personalidade. Apesar dessas condições
terem se tornado as atitudes fundamentais para o terapeuta centrada no cliente (Rogers,
1959), a hipótese de Rogers postula que estas condições são essenciais para todas as
terapias e para todas as relações de ajuda que tenham a mudança terapêutica da
personalidade como objetivo.
1
“Neither Rogers’ theory of therapeutic change nor the hypothesis of the necessary and sufficient
conditions are expressed in terms of behavior. (...) Any behavior that has the appearance of a therapeutic
attitude may or may not implement the attitude”.
8
expressões idiossincrásicas, quais os limites a que Bozarth se refere? Apesar de não
existirem comportamentos ou técnicas que estabeleçam a priori a presença das condições
básicas, como reconhecer e identificar estes limites que definem a relação terapêutica
como sendo “centrada no cliente”?
Esta investigação foi realizada a partir de uma perspectiva clinica. Minha própria
experiência clínica e relatos clínicos da literatura foram discutidos e analisados a partir
de considerações teóricas que, por sua vez, foram expandidas e clarificadas por estas
experiências. Em certa etapa desta investigação, decidi gravar uma de minha sessões
terapêuticas a fim de obter novos dados de pesquisa. A análise desta sessão foi
apresentada no 15º encontro anual da ADPCA1 (Association for the Development of the
Person-Centered Approach), num pequeno grupo de discussão que me ajudou no
aprimoramento de minhas conclusões. Posteriormente, algumas destas conclusões foram
apresentadas e discutidas na rede da Internet do Person-Centered International
proporcionando um significativo aprofundamento e clarificação da minha perspectiva2.
Participaram desta discussão Jerold Bozarth, Ph.D., Barbara Brodley, Ph.D, Godfrey
Barrett-Lennard, Ph.D., Marvin Frankel, Ph.D., e Lisbeth Sommerbeck. Ao longo de
1
Realizado na Universidade da California, em San Diego, de 9 a 13 de agosto de 2000.
2
A Internet tornou-se um instrumento valioso para a minha investigação também por me proporcionar um
contato direto com muitos autores e pesquisadores que me enviaram, através de e-mail, seus trabalhos
teóricos mais recentes. Desta forma, algumas das citações apresentadas ao longo desta dissertação não
contém o número da página pelo fato de terem sido obtidas através deste meio eletrônico.
9
toda esta investigação, Jerold Bozarth foi uma constante fonte de inspiração, tanto através
de seus artigos e discussões na rede do Person-Centered International, como através de
comunicações pessoais por e-mail.
10
Truax & Mitchell (1971), numa revisão das pesquisas sobre as condições básicas
concluíram que:
Rudolph, Langer & Tausch (1980), realizaram uma pesquisa quasi-experimental com
149 clientes e 80 terapeutas centrados no cliente e obtiveram como principal resultado
que os terapeutas que exibiam altos níveis de duas das três condições de empatia, calor e
genuinidade tinham clientes com mudanças positivas. Outras conclusões deste estudo
foram: (1) as mudanças nos clientes não dependiam do tipo de distúrbio; (2) os clientes
que abandonavam a terapia o faziam em grande parte por causa das condições
desfavoráveis dos seus terapeutas; (3) a mudança no cliente podia ser prevista após a
quarta sessão por declarações de suas percepções do terapeuta e dos seus sentimentos
sobre as sessões.
Após a metade da década de 80, as hipóteses de Rogers foram investigadas por onze
estudos (sendo que três destes investigaram somente a empatia) e todos tiveram resultados
positivos (Sexton & Whiston, 1994).
Lambert, Shapiro e Bergin (1986), numa revisão de pesquisas sobre psicoterapia
concluíram que as qualidades atitudinais do terapeuta constituem uma porção
significativa dos ingredientes eficazes da psicoterapia. Orlinsky e Howard (1986)
1
“Therapists and counselor who are accurately empathic, nonpossessively warm in attitude and genuine
are indeed effective. Also, these findings seem to hold with a wide variety of therapists and counselors,
regardless of their training or theoretic orientation, and with a wide variety of clients or patients, including
college underachievers, juvenile delinquents, hospitalized schizophrenics, college counselees, mild or
severe outpatient neurotics, and a mixed variety of hospitalized patients. Further, the evidence suggests that
these findings hold in a variety of therapeutic contexts and in both individual and group psychotherapy or
counseling”
11
concluíram sua revisão de pesquisas sobre as condições atitudinais afirmando que de 50
a 80% dos estudos nesta área eram significativamente positivos, indicando que estas
dimensões estavam relacionadas de maneira muito consistente ao resultado positivo da
terapia. As hipóteses de Rogers foram apoiadas, de forma independente, por Duncan e
Moynihan (1994), que concluíram que a variável operacional mais importante para o
resultado bem-sucedido da terapia é a utilização intencional do marco de referência do
cliente. Esta conclusão ressoa com a concepção rogeriana da empatia (Bozarth et al.,
2000).
Stubbs & Bozarth (1994) concluíram em sua revisão de pesquisas sobre resultado de
psicoterapia que as únicas variáveis do relacionamento terapêutico consistentemente
relacionadas à eficácia são as condições de empatia, genuinidade e consideração positiva
incondicional.
1
“Practice, theory and research make it clear that the person-centered approach is built on a basic trust in
the person... (It) depends on the actualizing tendency present in every living organism’s tendency to grow,
to develop, to realize its full potential. This way of being trusts the constructive directional flow of the
human being toward a more complex and complete development. It is this directional flow that we aim to
release”.
12
A teoria de Rogers da tendência atualizante é uma teoria organísmica onde as
qualidades fundamentais da natureza humana são as de crescimento, processo e mudança.
Rogers (1980) afirma que toda motivação e a fonte central de energia do organismo está
na tendência organísmica em direção à auto-atualização. O processo de atualização é
dirigido ao crescimento e inclui o movimento em direção à realização, desenvolvimento
e aperfeiçoamento das capacidades e potencialidades inerentes do indivíduo (Rogers,
1963). A tendência atualizante, segundo Rogers (1980), não pode ser destruída sem que
se destrua também o organismo.
De acordo com Bozarth (1998), a posição básica da terapia centrada no cliente é de
que o terapeuta confia na tendência atualizante do cliente e acredita verdadeiramente que
o cliente que experiencia a liberdade de uma clima psicológico que promova a liberação
da sua tendência atualizante será capaz de resolver, de forma autônoma, seus próprios
problemas. O terapeuta confia na autoridade do cliente sobre si mesmo e se relaciona com
ele como um igual, respeitando as suas percepções. O terapeuta não intervêm e não tem
a intenção de interferir pois o papel do terapeuta é somente o de criar um clima
interpessoal que promova a liberação da tendência atualizante do cliente. Para Bozarth,
este é o aspecto mais revolucionário da teoria de Rogers.
Entre o final dos anos 70 e o início dos anos 80 surgiram diversas revisões de
pesquisas que tentaram provar que as condições formuladas por Rogers eram necessárias
mas não suficientes para a mudança terapêutica da personalidade (Stubbs & Bozarth,
1994). Entretanto, Stubbs e Bozarth (1994) não encontraram nenhum estudo que apoiasse
diretamente a afirmação de que as condições de Rogers são insuficientes em si mesmas.
Segundo Patterson (1984), as conclusões destas revisões estão completamente
equivocadas devido à tendenciosidade e aos preconceitos destes pesquisadores. Apesar
da direção das evidências, as conclusões destas revisões não reflete acurada ou
adequamente o próprio parecer dos revisores em relação às pesquisas analisadas:
13
Os revisores são mais do que cautelosos em suas conclusões –
eles são freqüentemente inconsistentes, ambivalentes e incapazes
de aceitar os resultados de suas próprias revisões (Patterson,
1984).1
Bozarth (1993) considera que esta equivocada conclusão de que as condições básicas
não são suficientes baseia-se numa incompreensão e não-aceitação da suposição básica
da teoria da terapia centrada no cliente de que o cliente conhece melhor sobre sua vida e
progride quando certa atmosfera é proporcionada por um terapeuta que opera nessa
premissa. Segundo Bozarth, estes autores são incapazes de descartar a noção que o
terapeuta tem que intervir de alguma maneira, em algum ponto, para colocar o cliente na
direção apropriada. Ou seja, a conclusão de que as condições básicas não são suficientes
é uma visão oriunda de outros marcos de referência (comportamental ou psicanalítico)
que não se baseiam na pressuposição da tendência atualizante. O modelo operacional
nestas abordagens predispõe o terapeuta a agir ou intervir para influenciar o cliente, na
medida em que considera que a responsabilidade do terapeuta é saber o que está
acontecendo com o cliente e o que necessita ser feito em relação a isto (Schaff, 1992). Na
perspectiva da abordagem centrada no cliente, ao contrário, o terapeuta recorre e confia
na tendência atualizante, que permeia toda a vida organizada (Rogers, 1980). Só que isto
não é reconhecido por estes outros paradigmas em psicologia. Assim, devido a esta falha
na compreensão da posição de Rogers, diversos autores se referem às condições básicas
como sendo apenas as condições preparatórias para as ‘intervenções’ do terapeuta
(Lazarus, 1993; Norcross, 1992; Quinn, 1993). Bozarth (1998) conclui que a postura
revolucionária de Rogers, que identifica o cliente como o melhor expert sobre sua vida,
não tem sido bem compreendida ou assimilada nem pelos mais brilhantes scholars no
campo da psicoterapia.
1
“The reviewers are more than cautious in their conclusions - they are often inconsistent, ambivalent, and
unable to accept the results of their own reviews”.
14
4) EMPATIA
Analisando esta definição apresentada por Rogers, percebemos que ela engloba ao
mesmo tempo três facetas distintas do modo de ser empático, que chamaremos de
‘experiência empática’, ‘compreensão empática’ e ‘reflexo de sentimentos’:
15
- deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar
no mundo do outro sem preconceitos;
- num certo sentido, significa pôr de lado nosso próprio eu.
- transmitir a maneira como você sente o mundo dele à medida que examina sem viés e
sem medo os aspectos que a pessoa teme;
- freqüentemente, avaliar com ele a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas
respostas obtidas;
- sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto
poderia ser muito ameaçador;
- mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências.
Ao longo de todo o artigo, Rogers se refere indistintamente a estas três facetas como
sendo sinônimos de empatia, como sendo diferentes aspectos de um fenômeno único.
Sendo assim, na concepção de Rogers, estas facetas não existiriam independentemente.
A experiência empática, a compreensão empática e o reflexo de sentimento seriam
fenômenos interdependentes, isto é, a presença de um implicaria necessariamente na
presença dos outros.
16
Entretanto, alguns relatos clínicos e discussões na literatura apontam para a
possibilidade de que os fenômenos da experiência empática, compreensão empática e
reflexo de sentimentos sejam independentes. A fim de investigar esta hipótese, discutirei,
inicialmente, os conceitos de reflexo de sentimentos e o de experiência empática. A
seguir, apresentarei relatos clínicos que apontam para a possibilidade destes dois
fenômenos ocorrerem independentemente. Posteriormente, discutirei o conceito de
compreensão empática e, da mesma forma, apresentarei relatos clínicos que apontam
para a possibilidade da compreensão empática e a experiência empática ocorrerem
independentemente.
1
“Empathic understanding response process".
2
“Empathic understanding responses”.
17
As respostas de compreensão empática se referem a uma
ampla categoria de respostas, todas estas são uma tentativa de
articular acuradamente a experiência que o cliente expressou ou
está se esforçando para expressar. As respostas de compreensão
empática variam de reiterações bastante literais, resumos do que
o cliente expressou, respostas mais fragmentadas a formas de
respostas que envolvem maior inferência ou suposição em relação
ao que o cliente vem expressando. Mas em todas as instâncias de
respostas de compreensão empática elas representam a tentativa
do terapeuta de articular o ponto de vista do cliente e são uma
tentativa de acompanhar o cliente de uma maneira empática. Elas
não são baseadas numa tentativa de interpretar o cliente ou de ficar
à frente da consciência do cliente de suas experiências” (Brodley,
1998, p. 27)1
1
“Empathic understanding responses (EURs) refer to a broad category of responses all of which are an
attempt to accurately articulate the experience the client has expressed or has been striving to express. EURs
range from very literal restatements or summaries of what the client has expressed, to more fragmental
responses, to forms of response which involves more inference or guessing about what the client has been
expressing. But in all instances of EURs, they represent the therapist’s attempt to articulate the client’s
point of view and are an attempt at an empathic following of the client. They are not based on an attempt
to interpret the client or get ahead of the client’s awareness of his or her experiences”.
18
(3) A seguir, o terapeuta pode ou não fazer uma resposta explícita que comunique sua
compreensão interna (ou que reconheça a falta de compreensão) do cliente. Se o
terapeuta não faz uma resposta verbal-oral explícita, ele pode fazer um movimento
afirmativo com a cabeça, um gesto vocal tal como “Uhm-hm”, ou simplesmente
permanecer atento e silencioso de uma maneira que implica uma compreensão do
cliente.
(4) Finalmente, neste “ciclo empático”1, em resposta à presença, à atenção, ou às
respostas explícitas do terapeuta, o cliente pode ter o sentimento de ser
compreendido ou aceito. Estas experiências tendem a estimular o cliente a avançar
na sua auto-reflexão e expressão (Brodley, 1998).
Segundo Bozarth (1997), qualquer que seja o meio de expressão ou forma das
respostas empáticas, elas são do tipo “seguir-tão-perto-quanto-possível”2 o cliente
enquanto ele narra e expressa a si mesmo. Ademais, todas as respostas empáticas são
inerentemente “tentativas”, implicando a pergunta do terapeuta para o cliente: “Isto está
correto?”3.
(1) Na primeira fase uma pessoa (A) está atendendo ativamente com uma atitude
empática à outra pessoa (B) que de alguma maneira está expressando seu próprio
experienciar. Esta postura empática inclui uma abertura ativa para conhecer a
outra pessoa em seu próprio interior, no experienciar imediato do seu mundo e
engajamento do eu4. Esta é uma pré-condição para empatia, e o começo da escuta
empática. Cedo ou tarde, à medida em que este processo continua, A ressoa
experiencialmente com B num imediato reconhecimento da experiência e
significado sentido que foi compartilhado por B. A principal característica da
experiência de B, algumas vezes toda a sua qualidade e substância tal como foi
expressa e subentendida5, está agora também viva e em movimento na consciência
1
termo formulado por Barrett-Lennard (1981)
2
“as-close-as-possible-following”.
3
“Is this accurate?”
4
“active openness to knowing the other person in their own inside, immediate experiencing of their world
and engagement of self”
5
“implied”
19
de A. Este processo interno e esta qualidade de compreensão experiencial é a
primeira essencial fase da empatia. Nesta Fase 1 o reconhecimento e compreensão
interna não é ainda conhecida por B.
(3) A expressão de uma resposta empática real (de A) potencia a etapa culminante de
consciência (de B) de ser empaticamente compreendido. Esta crucial terceira fase
é a de empatia recebida ou apreendida. A consciência de ser literalmente escutado
e profundamente compreendido, em alguma esfera pessoal vital, tem seu impacto
direto próprio, seja de alívio, de algo finalmente fazendo sentido, um sentimento
de uma conexão interna e de estar menos sozinho, e uma maior abertura para
compartilhar sua expressão ou exploração.
1
“Hearing from another the essence of our personal feeling and meaning which we have been struggling
to articulate and express, which perhaps is like a chameleon that keeps changing and disappearing as we
pursue it, and which may evoke sickening anxiety in us, to hear in this context a listener who is devoting
his/her whole attention to what we are going through speak back to us that which we ourselves are
strenuously and barely grasping can have the impact of a skilful midwife assisting in a literal birth”.
20
A formalização do “reflexo de sentimentos” e da “regra da reiteração” provê o
terapeuta com uma ferramenta poderosa para obter uma compreensão empática do cliente
(Rogers, 1980; Teich, 1992) Segundo Bozarth (1997), o processo de resposta de
compreensão empática pode ser considerado como uma provável implementação da
atitude empática aceitadora do terapeuta centrado no cliente1, na medida que, para alguns
terapeutas, este processo é a melhor maneira de manter uma postura empática e de
aprender a confiar no cliente. Para Rogers (1986b), o reflexo de sentimentos é uma forma
de checar com o cliente se ele o está compreendendo e de comunicar sua compreensão
ao cliente. Brodley (1986) salienta que o reflexo de sentimentos funciona como
expressão da compreensão empática quando a intenção do terapeuta é perguntar ao
cliente: ‘é isto o que você está me dizendo? Ou ‘é isto o que você quer dizer?’ ou ‘é isto
o que você está sentindo?’.
Em Kirschenbaum (1979), Rogers afirma que o reflexo de sentimentos comunica
não apenas a compreensão empática, mas também a aceitação incondicional do terapeuta:
Entretanto, como enfatiza Brodley (1986), a terapia centrada no cliente não é a técnica
de ‘reflexo de sentimento’ ou de ‘respostas de compreensão empática’. O processo de
respostas de compreensão empática, segundo Bozarth (1997), precisa ser compreendido
como uma expressão das atitudes do terapeuta e não como uma técnica ou estratégia.
Neste sentido, afirma Brodley (1986):
1
“client-centered therapist’s acceptant empathic attitude”
2
“Reflection of feelings communicates to the client that whatever his feelings and behavior are or have
been, no matter how troubling or frightening or socially disapproved of, he is still accepted as a worthy
human being by the therapist”.
3
“Only if empathic understanding responses (or any other types of response used in the context of client-
centered therapy) are used as expression of the therapist’s genuine attitudes of congruence, acceptance
and empathic understanding are they an expression of client-centered therapy”.
21
Existe muita confusão em relação ao papel da técnica na terapia centrada no
cliente. Técnicas de ‘reiteração’1 ou de ‘escuta ativa’2 (Gordon, 1970) são freqüentemente
empregadas como sendo representativas da concepção de Rogers da compreensão
empática. Estas técnicas podem, de fato, ajudar os clientes e produzir um processo de
mudança terapêutica, mas elas não representam a terapia centrada no cliente. A teoria de
Rogers enfatiza claramente as atitudes e sentimentos do terapeuta na relação terapêutica
e não as técnicas (Brodley, 1998).
Segundo Bozarth (1998), esta confusão entre atitude e técnica se originou do contexto
de pesquisa e da metodologia científica na qual Rogers desenvolveu sua teoria da terapia.
A maior parte do trabalho de Rogers na Universidade de Chicago, apesar de ter se
baseado nos princípios atitudinais, foi focalizado nas respostas do terapeuta, examinando
os efeitos de respostas específicas do terapeuta em comportamentos específicos do
cliente. Este foco comportamental surgiu em função do método quantitativo utilizado
nas pesquisas. Rogers e seus colegas se perguntavam: “O que o cliente faz quando o
terapeuta responde de uma certa maneira? E como o terapeuta deveria responder?”.
Rogers declara (in Kirschenbaum, 1979) que quando ele percebeu as interpretações
tecnológicas dadas ao seu trabalho, ele passou a usar uma referência mais ampla do que
‘reflexo de sentimentos’ e passou a se referir à “adoção do quadro de referência do
cliente”. Somente nesta época é que Rogers começou a utilizar o termo empatia:
1
restatement
2
active listening
3
“It was not until Rogers became concerned about the misunderstandings of ‘reflection’ and use of
reflection techniques that he talked about the client’s frame of reference and, then, began to use the term,
‘empathy’. Empathy provided Rogers with a more comprehensive meaning that emphasized attitude
rather than a response repertoire”
22
uma canal através do qual o terapeuta comunica empatia e consideração positiva
incondicional, mas não é uma garantia da presença das atitudes facilitadoras, já que um
sentimento também pode ser refletido de uma maneira que comunica uma falta de empatia
do terapeuta.
Segundo Bozarth (1998), o freqüente foco na técnica e nas estratégias
comportamentais do terapeuta tem sido responsável pelas distorções e pela trivialização
da terapia centrada no cliente e do seu conceito de empatia. Bozarth critica os modelos
de Carkhuff (1971), Cormier e Cormier (1991) Corey (1982) e Egan (1975) que
desenvolveram o conceito de empatia num quadro de referência comportamental.
1
“It is my view that this quality of restatement is a powerful modality when it does reflect the other's
genuine empathic resonation. Put another way, reflections can be an excellent channel for the flow of
empathy, which is the active ingredient”.
2
cf. item (4).
23
- ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior;
- deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para
entrar no mundo do outro sem preconceitos;
- pôr de lado nosso próprio eu (Rogers & Rosenberg, 1977, p73).
1
“... the person-to-person blending of the therapist enmeshed in the world of the client with empathic
reactions and ‘total’ attunement to the other”.
2
“ [empathic experience is] the therapist walking in the world of the client... being in the world of the
client and so responding/ reacting in ways that are blending with that world without or by minimally
violating it....sort of like an anthropologist living in another culture, adapting to the other culture and
accommodating to the culture... not in terms of conversation so much as just being”.
24
4.2.1. A experiência empática e a aceitação incondicional do terapeuta são,
em essência, a mesma experiência1:
Rogers (1980) afirma que a empatia ajuda o indivíduo a se sentir valorizado, cuidado
e aceito como a pessoa que ele é, e que a empatia é sempre livre de qualquer qualidade
avaliativa ou diagnóstica. Consideramos que Rogers, neste momento, se referia
especificamente à experiência empática e não à empatia em seu sentido genérico2.
Para Bozarth (1998), esta qualidade não avaliadora e aceitadora que Rogers atribui à
empatia corresponde à própria definição de consideração positiva incondicional. Bozarth
conclui, portanto, que a empatia Rogeriana é a manifestação e o veículo de comunicação
da consideração positiva incondicional:
1
O conceito de consideração positiva incondicional será discutido no item 5, onde sua relação com a
experiência empática será mais uma vez investigada
2
A possibilidade da compreensão empática e do reflexo de sentimentos apresentarem uma qualidade
avaliativa e diagnóstica será discutida nos próximos tópicos.
3
Bozarth se refere à empatia “rogeriana” em contraposição a outros conceitos de empatia, principalmente
à concepção de Kohut, que não subentendem a dimensão da ‘experiência empática’.
4
“Rogerian empathy is primarily the purest way to communicate unconditional positive regard. Rogerian
empathy is, in fact, inseparable from unconditional positive regard and, ultimately, I suggest that they are
the same condition”.
25
[o terapeuta] está tentando compreender empaticamente o
cliente de acordo com a intenção do cliente de ser compreendido
naquele momento (Brodley, 2000)1.
Mas existem situações nas quais o cliente não tem a intenção de se conhecer ou de
empreender uma exploração do eu. Por exemplo, quando o auto-conhecimento implica
em reconhecer sentimentos ou significados que são experienciados pelo cliente como
extremamente ameaçadores. Segundo Prouty (1999), experienciar estes sentimentos
diretamente pode ser desintegrador para o eu. Somente uma lenta entrega ao processo de
experienciação e integração natural do cliente seria um caminho seguro. Nestes casos, o
reflexo de sentimentos expressaria uma total falta de empatia do terapeuta em relação
ao cliente.
Indivíduos extremamente deprimidos ou cuja noção de eu está extremamente
debilitada também podem não estar dispostos a empreender uma exploração do eu. Esta
foi uma das conclusões do projeto de pesquisa de Wiscosin, empreendido por Rogers,
Gendlin, Truax e Kiesler, no início da década de 60, com o objetivo de examinar os
resultados terapêuticos das atitudes facilitadoras em indivíduos diagnosticados como
‘esquizofrênicos’ e cronicamente hospitalizados (Rogers et. al., 1976). Foi encontrada
uma diferença de ‘foco’, na psicoterapia, entre os clientes denominados ‘neuróticos’ e os
denominados ‘esquizofrênicos’. O foco central dos clientes ‘neuróticos’, segundo Rogers,
1
“[the therapists] are trying to empathically understand the client in accord with the client's intentions to
be understood at that moment”.
2
“It seems that the therapist's intention with the empathic understanding responses is not solely to
"check" the accuracy of the therapist's understanding but there is also an intention to "offer" such
understanding to the client. As if the therapist were saying: "Is that what you are looking for?”... So, the
therapist is being empathic with the client's need for self-understanding.”
26
seria a exploração do eu ao passo que o foco dos clientes ‘esquizofrênicos’ seria a
formação de um relacionamento:
1
“Our therapists were sometimes baffled by the lack of self-exploration among our schizophrenic clients,
since they had come to think of self-exploration as characteristics of most psychotherapy. The
schizophrenic individual seems to be seeking a relationship he can trust, and it is the therapist’s potential
as a trustworthy, caring person which appears crucial to him. Hence, in terms of our measures, his
perception of the congruence and positive regard of the therapist are central. Only later does empathic
understanding become more important, and perceptible to a higher degree”.
2
“They do not feel understood and they do not experience unconditional positive regard by the therapist's
exclusive adherence to empathic reflection. When "tracking" them with empathic reflections, they may
rather feel persecuted, intruded upon, overwhelmed, oppressed, and coerced. The issue for them is not
primarily one of freedom, it is one of safety. Not primarily one of feeling understood, but one of feeling
cared for. To me it feels like the crying of the infant: you don't empathically reflect, you demonstrate
empathic understanding by changing his diapers”.
27
experiência empática do terapeuta deve, necessariamente, ir ao encontro desta
necessidade. Os resultados de Wiscosin, portanto, evidenciam que o reflexo de
sentimentos nem sempre é um veículo para a implementação da atitude empática na
relação terapêutica.
Bozarth (1997) afirma que empatia não é reflexo de sentimentos. Empatia, segundo o
autor, é um processo em que o terapeuta entra no mundo do cliente como se fosse o
cliente. O reflexo é somente uma das maneiras de se entrar no mundo do cliente, ou uma
técnica que pode ajudar neste processo. O que é facilitador para o cliente não é o reflexo
em si, mas o ‘caminhar no mundo do cliente’. Outras formas de respostas empáticas,
verbais ou não-verbais, que tentam representar o quadro de referência interno do cliente
na interação imediata também são possíveis. Bozarth, portanto, sugere que outros
‘modos’ de empatia também sejam observados e analisados.
Bozarth (1999) apresenta alguns relatos de sua experiência clínica com indivíduos
internados num hospital psiquiátrico público no final da década de 50. Este relatos
demonstram que o compromisso do terapeuta com o quadro de referência do cliente não
envolve necessariamente o repertório usual de respostas de compreensão empática. O
terapeuta, Bozarth, fora contratado pelo hospital como um Psychiatric Rehabilitation
Counselor, com a função de ajudar os pacientes, internados há muitos anos no hospital, a
realizar um treinamento profissionalizante, conseguir um emprego e sair do hospital.
28
Bozarth era recém-formado e esta era a sua primeira experiência profissional. Diz Bozarth
(1999):
Howard havia sido hospitalizado vinte anos antes de eu conhecê-lo, diagnosticado como
Esquizofrênico, tipo Paranóide. Ele apunhalara vários indivíduos anteriormente à sua
admissão. (...) Ele ouviu falar de mim através de outro residente e pediu ao seu médico
para encaminhá-lo a mim. Nós conversamos duas vezes a respeito de seus pensamentos
de sair do hospital. Ele decidiu que isto não era a coisa para ele fazer, era ameaçador
demais! Eu principalmente o escutei, e falei a ele sobre algumas das possibilidades
educacionais e de treinamento com as quais eu poderia ajudá-lo se ele decidisse
desenvolver planos fora do hospital. Aproximadamente um ano depois, ele retornou para
retomar aonde tinha deixado. Ele me perguntou sobre a possibilidade da “Escola de
Barbeiros”. Nós conversamos semanalmente durante vários meses com ele assumindo o
comando. Ele falava sobre sua filha, seus relacionamentos no hospital e coisas que a
maioria de nós falaria em conversas normais. Sua consistência na procura de
treinamento resultou em ele ser aceito num financiamento para ingressar nessa escola.
Havia um período de espera antes de ir para a escola e ele decidiu procurar emprego
na comunidade. Embora houvesse o peso de uma recessão na comunidade industrial, eu
apoiei seu desejo de procurar emprego. Nós conversávamos antes e depois de viagens
para a cidade. A maioria da equipe estava bastante céptica dele encontrar emprego
quando indivíduos “normais” não conseguiam encontrar nem mesmo trabalho de turno
1
“Knowing little about what to do, I depended upon the individuals with whom I worked. I listened,
cared for and trusted them”.
2
“there was seldom focus on depth of self exploration or experiencing or any other particular process. (...)
There was no systematic way that I dealt with individuals; they dictated the means, the mode and directions
of contact”.
3
Ver no Anexo I o texto original em inglês.
29
parcial. Uma semana depois, Howard tinha três ofertas de trabalho. Ele aceitou um
trabalho para depilar indivíduos antes de irem para cirurgia. Mais tarde, ele foi para a
escola e trabalhou como barbeiro até sua aposentadoria. Eu sempre pensei que estes
seriam empregos interessantes para ele já que ele foi originalmente admitido no hospital
por um ato de violência com uma faca que resultou em ferimentos em algumas pessoas
(Bozarth, 1999).
Eleanor foi encaminhada a mim por um atendente da enfermaria. Ela tinha sido
diagnosticada vinte e um anos atrás como Esquizofrênica, tipo Indiferenciado. Ela estava
numa enfermaria fechada do hospital. O atendente disse que ela tinha expressado um
interesse em sair da enfermaria e ele se perguntava se eu poderia ajudá-la de alguma
maneira. Quando eu cheguei, Eleanor estava sentada no chão brincando com suas fezes.
Eu não tinha idéia do que fazer ou dizer. Eu me apresentei e disse a ela um pouquinho
sobre o meu papel no hospital. Ela não foi responsiva exceto por um arrebatado sorriso
de dentes pretos enquanto continuava a brincar com suas fezes. Eu continuei sem saber
o que dizer ou fazer. De vez em quando eu fazia uma pergunta ou dizia alguma coisa. Eu
tentava experienciá-la da melhor maneira que eu podia me perguntando o que eu
poderia fazer para estar mais certo do meu contato com ela. Em desespero, eu finalmente
deixei escapar alguma coisa como: “Você acha que você poderia gostar de ir para uma
escola de beleza?” Talvez eu tivesse lembrado de sua criatividade e destreza manual
enquanto brincava com suas fezes. Surpreendentemente, ela descartou sua atividade com
as fezes e sentou-se na cadeira ao meu lado. Eu lhe falei que poderia voltar na próxima
semana para checar com ela de novo. Pouco tempo depois, ela começou a parar com
alguns de seus comportamentos bizarros. Ela se asseou durante os meses seguintes e
mudou para uma enfermaria aberta. Ela finalmente trabalhou um pouco no comissariado
do hospital. Eu não creio que ela tenha alguma vez saído do hospital mas a qualidade de
sua vida melhorou significativamente (Bozarth, 1999).
Teresa iniciou a psicoterapia afirmando que o seu problema era que o seu marido
bebia. Ela se sentia extremamente deprimida, tensa e ansiosa. Ela utilizava os cinqüenta
minutos da sessão para se queixar do marido e para relatar, em minuciosos detalhes, os
fatos acontecidos na sua vida ao longo da semana anterior. Havia momentos em que ela
entrava em contato com seus sentimentos de desespero, mágoa e raiva, como também
havia momentos em que ela simplesmente descrevia fatos e diálogos, com extremo
preciosismo. Teresa falava de forma ininterrupta, não me deixando ‘espaço’ para dizer
nada. Quando eu falava algo na sessão, era no máximo duas frases que pareciam sequer
não serem ouvidas por ela. Ela continuava a seu fluxo verbal como se eu não tivesse lhe
dito nada. Percebi, assim, que ela queria ‘apenas’ ser escutada, ou, talvez, se escutar.
Percebi que não havia necessidade de eu me expressar verbalmente para expressar a
minha empatia e aceitação incondicional. Confesso que eu mesma me surpreendi com o
30
seu progresso ao longo do processo terapêutico. Dois meses após o primeiro
atendimento, Teresa mudou radicalmente sua atitude em relação a si mesma, ao marido
e à própria vida. Reconheceu que o seu problema não era o seu marido porque era ela
que devia ir atrás da sua felicidade. Ela passou a se valorizar, a ‘cuidar’ de si mesma e
a sofrer menos com as atitudes do marido. Sua qualidade de vida mudou
significativamente. E a única coisa que eu ‘fiz’ para ajudá-la foi permanecer em silêncio.
1
cf. item (4)
31
- sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em
relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou
ao que quer que ele esteja vivenciando;
É possível o terapeuta obter uma compreensão dos significados vividos pelo cliente
sem ter uma experiência empática do cliente na relação?
32
significados vividos pelo cliente, nem sempre me propicia uma experiência empática do
seu mundo:
A cliente começou a sessão dizendo que não tinha nada para falar. Então, eu utilizei
a técnica de reflexo de sentimentos e após alguns minutos ela disse que não sabia quem
ela era realmente. Ela não expressou nenhuma emoção ao dizer isto, parecia, naquele
instante, ser uma “casca” morta sem vida interior. A seguir, ela começou a falar sobre
todas as coisas que ela “tinha que ser”. Ela disse que tinha que ser forte, organizada,
responsável, competente, ativa, esperta, etc... Mas eu não consegui aceitar que ela se
impusesse tantas “condições de valor” para si mesma e quis “convencê-la” que ela
deveria se libertar destas auto-imposições. No entanto, eu não tentei convencê-la através
de afirmações diretas, mas fiz isto sutilmente, através da técnica de reflexo de
sentimentos, dizendo-lhe: “Parece que tem sido muito pesado para você ter que carregar
todos esses ‘tenho que’...”. Esta afirmação expressou uma compreensão empática
acurada do seu mundo. Ela estava realmente se sentindo sobrecarregada e cansada por
tantas auto-exigências; ela concordou com minha percepção/compreensão, mas de
alguma maneira ela se sentiu ameaçada por esta percepção. Então recuou e se fechou
ainda mais na sua “casca morta”. E eu me senti irritada e frustrada porque ela
continuou defendendo o seu ponto-de-vista de que ela tinha que ser isto e aquilo... Neste
momento eu percebi que não estava experienciando consideração positiva incondicional
e empatia em relação a ela apesar de eu ter obtido uma compreensão empática do seu
mundo e ter feito um acurado reflexo de sentimento. Eu teria tido uma experiência
empática se tivesse percebido/aceito que ela não queria olhar para o seu ser real naquele
exato momento.
33
Desta forma, minha experiência nesta sessão sugeriu-me uma investigação a respeito
dos objetivos na relação terapêutica centrada no cliente, o que acabou por me conduzir
à discussão da não-diretividade no contexto da teoria de Rogers.
4.7. A NÃO-DIRETIVIDADE
1
“It is the nature of the organism, a characteristic of the actualizing tendency, to grow, to develop, to strive
to actualize its potentials, to become what it is capable of becoming – to be more self-actualizing. (...) The
three conditions offered by the therapist frees the operation of this drive in the client”
34
Ao considerar o hipotético ponto final máximo do processo terapêutico, Rogers
(1958, 1961, 1963b) formulou o conceito da ‘pessoa em funcionamento pleno’. Uma das
características desta pessoa em funcionamento pleno é que ela estaria mais aberta ao seu
fluxo experiencial. Segundo Bozarth (1998b) estas considerações de Rogers levaram
muitos teóricos da abordagem centrada no cliente a interpretar a abertura ao fluxo
experiencial como objetivo ou ‘instrução’ para o terapeuta centrado no cliente. A
‘experienciação’, que na teoria de Rogers era um resultado provável do processo
terapêutico, passou a ser perseguida como objetivo por estes terapeutas.
Neste sentido, a abordagem centrada no cliente se diferencia das abordagens
experienciais. O papel do terapeuta nas abordagens experienciais é o de um expert em
‘processo’, que tem o objetivo de ‘guiar’ o cliente na direção do seu processo de
experienciação (Lietaer, 1998). Segundo Prouty (1999), na terapia centrada no cliente, ao
contrário, a intenção do terapeuta é de se ‘entregar’ à auto-direção do cliente1. Prouty
(1999) observa que o conceito de experienciação está presente na teoria de Rogers como
um resultado da vivência das atitudes facilitadoras, não como uma causa da mudança
terapêutica.
Brodley (1998) afirma que o terapeuta centrado no cliente “por princípio, e no seu
íntimo, não tem a intenção de produzir efeitos no cliente”2 (p.26). Brodley (2000)
também observa que as respostas de compreensão empática do terapeuta centrado no
cliente, têm como efeito, muitas vezes, com alguns clientes, de promover uma maior
relação da sua expressão comunicativa com seus sentimentos e reações internas. Mas ela
salienta que esta não é a intenção imediata do terapeuta centrado no cliente:
Rogers (in Baldwin, 1987) é bastante explícito ao afirmar que o seu único objetivo
como terapeuta diz respeito a ele mesmo, ao seu jeito de estar4 na relação com o cliente.
1
“surrender to client self-direction”
2
“in principle and in the heart, not intending to produce effects on or in the client when doing therapy”
3
“We make empathic understanding type responses primarily to seek verification or modification of our
inner empathic understandings of the client's immediate internal frame of reference. We are not intending
to promote more experientially focused activity in the client”.
4
way of being
35
Para Rogers, o único objetivo apropriado para o terapeuta é o de estar realmente presente
com o cliente naquele momento1. Para Bozarth (1999) isto se justifica teoricamente na
medida em que o fundamento da teoria da terapia centrada no cliente é a existência de um
processo construtivo natural em cada indivíduo. Este processo natural é promovido
quando o indivíduo percebe a experiência de consideração positiva incondicional em
relação a ele. O objetivo de Rogers era estar de uma certa maneira na relação com o cliente
porque ele confiava que este jeito de estar promoveria a liberação da tendência de
crescimento do indivíduo. Bozarth, portanto, conclui:
Quando o terapeuta tem objetivos para o cliente, ele se coloca numa posição de
autoridade na relação terapêutica. Ao invés de confiar no processo de auto-atualização,
na direção e auto-determinação do cliente, o terapeuta passa a confiar na suas técnicas e
expertise. Esta falta de confiança impossibilita o terapeuta de experienciar uma aceitação
incondicional do quadro de referência do cliente. Bozarth (1998), ao considerar a
dificuldade que alguns terapeutas enfrentam em implementar a atitude de consideração
positiva incondicional (cf. Lieater, 1984), conclui que esta dificuldade surge quando o
terapeuta assume um papel de expert clínico que pretende influenciar o cliente a ser de
uma certa maneira. A confiança no quadro de referência do cliente e na tendência
atualizante é “contaminada” pela dedicação do terapeuta a influenciar o cliente numa pré-
determinada direção:
1
“Am I really with this person in this moment?” (p.48)
2
“There are no goals of the person-centered therapist for the client. The only goal of the therapist is to be
a certain way. There is not a goal of experiencing, or of depth of self-exploration or of self-actualization.
There is no particular process or behaviors or direction that any particular person is expected to follow”.
36
‘incondicionalidade’... Sua confiança na auto-determinação e
autoridade do cliente está diminuída (Bozarth, 1998, p.85)1.
1
“There is a subtle but critical difference between the view that there is a natural process within the client
that the therapist fosters and the view that the therapist must urge this process. No wonder the therapist
begin to have difficulties with their capacity to hold ‘unconditionality’... Their trust in the client’s self-
determination and self-authority is diminished”.
2
“For those who believe the critical foundation of client-centered theory, i. e., that the client is his or her
own best expert about his or her life, non-directivity is a natural stance that emerges from the theory”.
3
cf. item (4)
37
4.8. EXPERIÊNCIA EMPÁTICA SEM COMPREENSÃO EMPÁTICA
1
“there is not even hope of understanding what is going on...”
2
“by surrendering yourself to the process, certain things happen”.
38
‘entrega’, é um ‘estar junto’ com o outro mesmo sem a possibilidade de ‘compreensão’
do outro. Se utilizarmos a metáfora do antropólogo sugerida por Bozarth1 para descrever
a experiência empática, poderíamos dizer que esta seria a situação na qual a cultura
‘visitada’ pelo antropólogo é tão ‘estranha’ a ele que, apesar de participar dos rituais
desta cultura, os significados destes rituais lhe escapam à compreensão. Esta situação foi
vivida por Bozarth (2000) em seu trabalho como ‘rehabilitation counselor’ de pacientes
de um hospital psiquiátrico:
1
“like an anthropologist living in another culture, adapting to the other culture and accommodating to the
culture... not in terms of conversation so much as just being”
2
“I was only interested in their world... what it was like for them from their perspective... I could not be
clear on my experience of their worlds most of the time and when I did I did not understand... I could not
relate it to experiences of my own....being abducted by flying saucers... but on the other hand they did talk
about things I understood...they wanted to get out of the hospital, work...could talk about the frustrations
in the hospital... I could respond to this with empathic understanding so then I would use empathic
understanding responses to some extent but at the same time I was experiencing their perceptual world in
another way...”
39
O primeiro relato é apresentado em Calia & Corsini (1973). A terapeuta era
counselor numa escola secundária1. Uma aluna a procurou dizendo que tinha
“problemas”. Como a terapeuta não tinha tempo para conversar com ela naquele
momento, combinaram um atendimento para o dia seguinte num horário conveniente para
ambas2:
[Jill] não disse nada quando chegou. Eu digo isto literalmente. Ela bateu na
porta, eu fui abri-la e a cumprimentei agradavelmente. A meu convite, ela se sentou, e
olhamos uma para a outra. Eu esperei ela dizer alguma coisa, se explicar, se queixar, ou
fazer perguntas. Eu olhei para ela tentando ser tão agradável e aceitadora quanto eu
podia. Seus olhos se encheram de lágrimas e as lágrimas rolaram por suas faces, mas
ela não disse nada. Eu me perguntei o que eu deveria fazer. A coisa mais simples e mais
natural poderia ter sido dizer: “O que está lhe aborrecendo?” Mas há que ser lembrar
que eu tinha sido treinada precisamente a não fazer perguntas ou dar conselhos, e então,
me sentindo bastante tola, eu simplesmente me mantive olhando para a garota. Durante
meia hora, nada aconteceu. Eu então lhe disse: “Está na hora de terminar nossa sessão.
Você gostaria de me ver novamente?” Um tanto para minha surpresa e alívio, ela
concordou com um movimento de cabeça, e quando eu sugeri outro encontro na mesma
hora na próxima semana, ela novamente concordou com a cabeça e saiu sem ter dito
uma única palavra.
A sessão seguinte foi uma repetição da primeira. Nós nos olhamos, ela chorou
silenciosamente, eu esperei, e então ela uma vez mais aceitou meu convite para outra
sessão sem nenhuma palavra ser dita. Para não fatigar o leitor, nós tivemos mais duas
sessões e todas elas foram duplicatas exatas das duas primeiras, apesar de que diversas
vezes eu pensei que a estudante estivesse a ponto de falar. Ao final da quarta sessão,
quando eu lhe perguntei novamente se ela queria ter outra sessão, ela sacudiu sua cabeça
[significando ‘não’], e saiu caminhando. Na última semana do semestre, eu recebi outra
solicitação de Jill e a vi imediatamente. Sua declaração foi um incidente crucial para
mim. “Eu quero lhe agradecer muitíssimo pelo que você fez por mim, Mrs. - ” “Mas eu
não fiz nada!” eu impulsivamente protestei. “Eu queria tanto ajudá-la, mas eu não fiz
nada a não ser olhar para você.”
“Você fez muitíssimo. Você mudou toda a minha personalidade. Porque você teve
a generosidade e o amor para me esperar para falar, para apenas estar ali e não me
fazer perguntas ou tentar me fazer falar, porque você esteve disponível para apenas
estar ali e não ser crítica, e não se queixar que eu estava desperdiçando seu tempo, foi
a coisa melhor e a mais maravilhosa. Enquanto nós estávamos olhando uma para a outra,
eu estava pensando como o silêncio é maravilhoso, como era bom para você me
compreender e fazer eu me sentir boa e importante; você foi amorosa e confortadora.
Eu simplesmente não consegui falar e se eu tivesse teriam sido banalidades. Porque você
me valorizou tanto, porque você estava simplesmente disponível para estar comigo, eu
me dei conta que meus pensamentos loucos de que ninguém me amava ou se importava
comigo estavam todos errados. Você me amou e cuidou de mim, você foi paciente,
bondosa, compreensiva e calorosa, você não colocava nenhuma pressão em mim ou
tentava me fazer falar ou me manipular. Eu me senti tão confortável com você e o
relacionamento foi tão real. Não, você fez muitíssimo por mim e, como resultado, eu
1
high school
2
Ver no Anexo II o texto original em inglês.
40
decidi que eu tinha valor, que eu era uma pessoa boa, que eu era alguém para ser
respeitada, que eu era capaz de resolver os meus problemas que eu tinha dolorosamente
exagerado”
Depois dessa longa declaração, nós conversamos um pouco e ela realmente
pareceu ter se transformado da garota que ela me disse que tinha sido antes da terapia
para a garota que ela era agora. Ela insistiu que as quatro sessões comigo tinham
representado um ponto de mutação na sua vida.
Patterson (in Calia & Corsini, 1973) comenta que, apesar do desconforto da terapeuta
na primeira sessão, ela comunicou à cliente seu interesse, atenção e respeito simplesmente
por estar ali, lhe oferecendo o seu ‘tempo’. Apesar da terapeuta não ter compreendido o
significado da sua experiência e ter se sentido inicialmente insegura em relação à
validade da sua atitude de permanecer em silêncio, podemos considerar que esta foi uma
experiência empática, na medida em que a terapeuta aceitou a necessidade da cliente de
ficar em silêncio e esteve presente com ela, acompanhando-a em seu silêncio.
O cliente solicita ao terapeuta uma sessão extra. É a primeira vez que ele faz esta
solicitação. Ele entra no consultório, se senta e fica 50 minutos em silêncio. Ele chora,
ri, se mexe na poltrona, mas não verbaliza nada. Ao final dos 50 minutos, o terapeuta lhe
diz que o tempo da sessão terminou. O cliente, então, diz: “Só para te acalmar, foi a
melhor coisa que eu fiz na minha vida, pedir esse horário, é a primeira vez que eu consigo
pedir algo, eu estou cansado de falar, falar, e quero me escutar, me ouvir mais...”
(Tambara & Freire, 1999, p.168)
41
4.8.2. As ‘falhas’ na compreensão empática
A fim de obter novos dados para esta investigação da relação entre compreensão
empática e experiência empática, analisei a gravação de uma de minhas sessões
terapêuticas1. Esta análise revelou que ao longo de quase toda a sessão eu utilizei a
técnica do reflexo de sentimentos. Eu tive 129 falas no total da sessão, sendo que 13
delas ficaram inaudíveis na gravação. Das minhas 116 falas analisadas, apenas 9 não
eram reflexos de sentimentos, pois eram inferências feitas a partir do meu quadro de
referência. Deste total de 107 respostas-reflexo, 15 foram respostas não acuradas.
Um exemplo de reflexo de sentimento ‘não acurado’:
Terapeuta: Não sei se o seu medo é de que: será que ela vai
mudar agora, depois de tanto tempo?
1
ver Anexo III
2
ameaçador para o seu auto-conceito
42
com intensidade crescente, até poder expressar com clareza que “eu não aceito toda essa
omissão da minha mãe.... Hoje”. Os meus erros na compreensão empática e as minhas
inferências pessoais pareceram não ter afetado o movimento autônomo da cliente de
‘enfrentar-se’ com este sentimento e de integrá-lo ao seu auto-conceito.
4.8.3. Ludoterapia
1
o papel da auto-consideração positiva incondicional na teoria da terapia centrada no cliente será discutida
no item (5).
2
“I think that there is confusion that progress is dependent upon the client’s clarification/re-organization of
self... not that this doesn’t happen but that it is not the cognitive or emotional clarification and understanding
that is curative in the theory... it is the development of unconditional positive self regard.... this often leads
to there-structuring of self... possibly always but this development is because of the upsr that is developed
from receiving upr...”
43
A minha experiência clínica com ludoterapia centrada na pessoa também me
proporcionou algumas reflexões sobre a relação entre experiência empática e
compreensão empática.
Durante quatro sessões consecutivas, Rodrigo me pediu para jogar bola com ele.
Começamos a jogar sentados no chão, lançando uma pequena bola de plástico de um
para o outro. Rodrigo logo começou a contar ‘pontos’. Quando um de nós não conseguia
pegar a bola, o outro marcava um ponto. Rodrigo começou jogando a bola na minha
direção, mas depois de algum tempo passou a jogar a bola com força e em direções que
era impossível para mim pegá-la. À medida em que jogávamos, Rodrigo ia modificando
as regras do jogo. Ele decidia quais eram as regras e quando elas valiam ou deixavam
de valer. Por exemplo, se a bola batia na cadeira, não era ponto, ou então ele jogava
três bolas ao mesmo tempo e se eu não pegasse todas eu não fazia nenhum ponto. Do
chão, passamos a jogar em pé. Primeiro, só ‘valia’ usar a mão, depois só ‘valia’ usar o
1
“This is a form of empathy a therapist and client might experience together as their relationship
develops in the absence of our more routinely expected therapeutic dialog of client statement followed by
an empathic understanding response by the therapist. It seems to me that children embody their feelings
and that if we can attentively and respectfully be with the child we are to some extent already being with
and accepting the child's feelings”.
44
pé, depois ‘valia’ qualquer coisa. Todas as regras eram decididas por Rodrigo e aceitas
incondicionalmente por mim. A contagem dos pontos era feita por Rodrigo e ele sempre
modificava as regras em seu próprio benefício. Rodrigo, manipulando as regras,
conseguia ficar muitos pontos de vantagem à minha frente. Quando a diferença entre
nossos pontos ficava muito grande, ele dizia que me ia me dar uma ‘chance’ e me dava
muitos pontos de presente a fim de que nossa diferença ficasse pequena. Todas as
decisões de Rodrigo eram aceitas por mim sem questionar. Eu aceitava ser ‘roubada’
por ele, sem reclamar, como também aceitava os seus pontos ‘de presente’. Durante as
sessões eu não tentava ‘compreender’ o significado do seu jogo ou os sentimentos que
ele estava expressando através da brincadeira. Meu único propósito era estar com ele,
aceitando-o incondicionalmente. Para estar com ele desta maneira, eu precisava deixar
de lado o meu próprio quadro de referência, ou como diria Rogers, pôr de lado o meu
próprio eu, com todas as minhas expectativas, necessidades e valores. Eu odeio jogar
bola. No entanto, deixei de lado o meu eu, que não gosta de jogar bola, e ofereci a minha
presença para jogar bola com ele. Eu não concordo que as regras de um jogo possam
ser modificadas arbitrariamente mas eu deixei de lado a minha posição pessoal para
estar incondicionalmente com ele, aceitando a sua decisão de alterar as regras do jogo.
Eu gostaria que Rodrigo tivesse ficado sentado, bem quietinho, simbolizando seus
conflitos emocionais com os bonecos da família de pano, mas eu deixei de lado as minhas
expectativas e necessidades e o aceitei da maneira como ele queria estar e se relacionar
comigo. Após estas sessões, fui informada de que o comportamento de Rodrigo na família
e na escola se modificou significativamente. De uma criança tímida e insegura ele se
tornou uma criança extrovertida e auto-afirmativa.
1
“If the individual can be affirmed in being who he or she is at the moment, then that is good enough”.
45
5) CONSIDERAÇÃO POSITIVA INCONDICIONAL
1
The need for positive regard: a contribution to client-centered theory
46
que são dele, pode assumir em relação a si próprio a mesma
atitude. Descobre que também pode aceitar-se mesmo com os
acréscimos e as alterações que se tornam inevitáveis depois das
novas percepções de si mesmo (...) Ele pôde fazer isso porque uma
outra pessoa foi capaz de adotar sua estrutura de referência e de
perceber junto com ele – perceber com aceitação e respeito
(Rogers, 1992, p. 52)
1
Pode-se objetar que a confiança na tendência atualizante é uma crença que pertence ao quadro de
referência do terapeuta e que, portanto, o terapeuta não abandona totalmente o seu quadro de referência
na relação com o cliente. Esta constatação, entretanto, não altera o sentido fundamental de ‘entrega’ do
terapeuta ao ‘ser’ do cliente. Neste caso, é uma ‘entrega confiante’.
47
caminho do cliente, ele pode se transformar simplesmente numa ‘casca morta’ ou numa
‘marionete sem vida’. Mas a consideração positiva incondicional significa, na definição
de Rogers, a experiência de uma aceitação calorosa de cada aspecto da experiência do
cliente. O que torna esta aceitação calorosa, não fria, é que ela é ativa. De outro modo,
seria apenas indiferença. A aceitação é calorosa e ativa porque o terapeuta, ao retirar o
seu eu do caminho do cliente, oferece o seu ser, oferece a sua presença para estar com o
cliente no mundo do cliente:
Esta disponibilidade do terapeuta para entrar no mundo do cliente e para estar com ele
é a mesma disponibilidade que caracteriza a experiência empática (cf. item 3). Aqui
retomamos a conclusão de Bozarth (1998) de que a consideração positiva incondicional
e a experiência empática são, em última instância, a mesma experiência.
6) CONGRUÊNCIA
1
“Offering our being makes the difference between warm acceptance and just indifference. That is the
therapist’s willingness to enter into the client’s world, or the therapist’s willingness to be with the client
in whatever way the client wishes her to be”.
48
equivocadas da teoria da terapia de Rogers. Segundo a autora, a teoria da terapia centrada
na pessoa sugere que genuinidade, autenticidade e transparência são muito mais
resultados da congruência do que congruência per se. Ela conclui que quanto mais
plenamente o terapeuta estiver consciente de sua experiência, mais provavelmente ele
será experienciado como genuíno, autêntico e real.
Congruência, segundo Brodley (1998b), é a capacidade para, ou a atividade de
simbolização precisa das experiências na consciência. Congruência é, portanto,
teoricamente definida em termos da relação entre eu e experiência, não em termos do
comportamento do terapeuta. Brodley (id.), todavia, aponta que a teoria da terapia e a
teoria das relações interpessoais de Rogers apresentam diferentes funções para a
congruência. Na teoria das relações interpessoais, Rogers confere um papel central à
comunicação da experiência congruente, mas, na terapia, a congruência é vista como um
estado interno, subjetivo do terapeuta enquanto ele provê uma compreensão empática
aceitadora do cliente. Em nenhuma das formulações teóricas da terapia centrada no
cliente, Rogers afirma que o cliente tem que perceber a congruência do terapeuta. Desta
forma Brodley (id.) conclui que, na terapia, a congruência não precisa ser comunicada,
apesar de ser uma das condições necessárias para a mudança terapêutica. O estado de
congruência se refere a uma condição subjetiva do terapeuta: Congruência é um estado
integrado no qual [o indivíduo] se sente total e transparente1. (Brodley, 1998c).
1
“Congruence is an integrated state in which one feels whole and transparent”.
49
‘transparência’: tornar-se transparente para o cliente através da
comunicação de experiências e impressões pessoais (Lietaer,
1993, p.18)1.
Haugh (id.) considera que esta sutil mudança de significado proposta por Lietaer
(1993) é “perigosa” pois o terapeuta pode ser encorajado a fazer afirmações a partir do
seu quadro de referência com a intenção de ser experienciado pelo cliente como
transparente ou autêntico. Para Brodley (1998b), esta perspectiva identifica erroneamente
congruência com franqueza e conduz a distorções não apenas na terapia centrada no
cliente como também em situações de grupos centrados na pessoa. Na terapia centrada
no cliente, a distorção se apresenta quando o terapeuta sistematicamente declara suas
próprias reações ou pensamentos em relação ao cliente e justifica esta prática como sendo
uma forma de vivenciar a atitude terapêutica de congruência. Nos grupos, a distorção
aparece quando interpretações, acusações e insultos são justificados como sendo uma
forma de comunicação “congruente”. Brodley (1998c) salienta que a honestidade pode
existir num contexto de incongruência:
1
“The inner side refers to the degree to which the therapist has conscious access to, or is receptive to, all
aspects of his flow of experiencing. This side of the process will be called ‘congruence’; the consistency
to which it refers is the unity of total experience and awareness. The outer side, on the other hand, refers
to the explicit communication by the therapist of his conscious perceptions, attitudes and feelings. This
aspect is called ‘transparency’: becoming transparent to the client through communication of personal
impressions and experiences.”
2
“A person may be incongruent – not accurately symbolizing in awareness some aspect of his experience,
but is being honest – that is, speaking an accurate representation of his inner symbolizations. Honest but
not congruent”.
50
Patterson & Hidore (1997) consideram que o terapeuta é genuíno na relação com o
cliente quando ele é verdadeiro, real, e não uma fachada. Ser genuíno significa estar
envolvido no relacionamento e não ser um simples espelho ou tela em branco:
1
“The sessions are real encounters. Therapists are freely and deeply themselves, without facades, not
phony. They are not feeling and thinking one thing and saying something different”.
2
“genuineness must not be confused, as is so often done, with free license for the therapist to do what he
will in therapy, especially to express hostility. Therapy is not for the therapist”.
51
Carkhuff and Berenson (1967) apresentam resultados de pesquisa que evidenciam que
um baixo nível de genuinidade é um impedimento para o progresso do cliente em terapia,
mas que, acima de um certo nível mínimo, níveis muito altos de genuinidade não se
relacionam com um aumento adicional no sucesso terapêutico. Os autores concluem que,
apesar de ser de uma importância fundamental que o terapeuta evite ser uma fachada ou
“representar o papel terapêutico”, as pesquisas não apoiam a necessidade do terapeuta de
se expressar plenamente todo o tempo.
A revisão de pesquisas de Truax e Mitchell (1971), da mesma forma, aponta que o
que é eficaz na terapia é a ausência de defensividade do terapeuta. Não é o nível máximo
da escala de genuinidade que contribui para o resultado terapêutico. Ao invés disso, é a
falta de genuinidade que pesa contra mudanças positivas no cliente. Os autores, portanto,
sugerem que o termo genuinidade seja abandonado e que ao invés dele seja utilizado um
termo negativo que inclua a noção de defensividade e ‘fachada’.
Brodley (1998b) conclui que toda a comunicação do terapeuta deve ser moldada pela
presença da aceitação, compreensão empática e da atitude não-diretiva. Estas atitudes
influenciam a forma da resposta do terapeuta que procura se comunicar congruentemente.
O terapeuta deve se expressar de uma maneira que também transmita consideração
incondicional e compreensão empática.
Rogers (in Rogers & Wood, 1978) ao “especular” sobre a ordem de importância da
três atitudes do terapeuta (consideração positiva incondicional, congruência e empatia)
considerou que a congruência é a “mais básica” de todas:
52
forma que, em primeiro lugar, devo estar integrado e ser genuíno
no encontro terapêutico (Rogers & Wood, 1978, p. 213)
Em 1984, Rogers reafirma que a “genuinidade parece ser a mais básica: as outras
duas são importantes, mas provavelmente menos”1 (Rogers & Sanford, 1984, p.1378).
Bozarth (1998), entretanto, assinala que a natureza da congruência é diferente da natureza
das outras duas condições básicas. A congruência é primariamente um estado do
terapeuta. O terapeuta ‘está’ congruente. Ela é, portanto, uma característica contextual do
terapeuta. A compreensão empática e a consideração positiva incondicional são
condições para serem experienciadas pelo terapeuta em relação ao cliente e, de acordo
com a teoria de Rogers (Rogers, 1957, 1959) somente estas tem que ser percebidas pelo
cliente.
Bozarth (2000d) considera que a congruência não está separada mas integralmente
relacionada às condições de consideração positiva incondicional e compreensão empática
do quadro de referência do cliente. Existe um loop3 entre genuinidade e empatia, de
maneira que estas são, funcionalmente e em última instância, uma única condição. A
capacidade do terapeuta de estar consciente de sua própria experiência (genuinidade) lhe
permite estar mais consciente da experiência do cliente. À medida em que o terapeuta está
mais consciente da experiência do cliente, ele também se torna mais consciente da sua
própria experiência no relacionamento. Assim, a congruência é uma forma de preparação
1
“genuineness appears to be the most basic: the other two are important but probably less so”.
2
“The more I accept myself and am able to be present in a comfortable way with everything that bubbles
up in me, without fear or defense, the more I can be receptive to everything that lives in my client”.
3
Expressão de difícil tradução para o português. Literalmente significa laço. Neste contexto, significa
um circuito completo, que se retro-alimenta.
53
do terapeuta para ser maximamente receptivo. Isto é, a congruência é um
desenvolvimento atitudinal que habilita o terapeuta a ser mais capaz de experienciar
compreensão empática e consideração positiva incondicional em relação ao cliente. Estas
considerações de Bozarth clarificam a posição de Rogers (id.) de que a genuinidade do
terapeuta é mais importante das condições, na medida em que é a genuinidade que
propicia ao terapeuta a capacidade de experienciar empatia e consideração positiva
incondicional em relação ao cliente.
Por fim, Bozarth (2000d) conclui que é a auto-consideração positiva incondicional
do terapeuta que dá origem a este loop entre as três condições:
1
“The relationship among the conditions results in a “conditions loop” that is begotten by the unconditional
positive self-regard of the therapist. It is the unconditional positive self-regard that fosters congruency,
unconditional positive regard and empathic understanding of the client’s frame of reference”.
54
consideração positiva incondicional podem ser experienciadas pelo terapeuta sem
a utilização do reflexo de sentimentos.
- Percebemos que a empatia, tal como definida por Rogers, apresenta três facetas
distintas: a experiência empática, a compreensão empática e o reflexo de
sentimentos.
- Consideramos que estas três facetas são independentes.
- Consideramos que a experiência empática e a consideração positiva incondicional
são uma mesma e única experiência.
- Consideramos que esta única experiência (empatia/consideração positva
incondicional) é o elemento primariamente terapêutico na relação terapêutica
centrada no cliente.
- Consideramos que a não-diretividade é uma conseqüência inevitável da
experiência de empatia/consideração positiva incondicional.
- Consideramos que a congruência é uma forma de preparação do terapeuta para a
vivência da empatia/consideração positiva incondicional.
55
mais importante da terapia – quando eu estou muito claramente,
obviamente presente (Rogers in Baldwin, 1987, p.45)1.
Mas a presença do terapeuta não é imposta. Não é o ‘eu’ do terapeuta que se impõe
na relação; não é o poder, os valores, as expectativas e a expertise do terapeuta que se
fazem presentes. A presença do terapeuta se faz na entrega, na dedicação do terapeuta ao
ser único do cliente. Esta entrega se baseia na confiança do terapeuta na sabedoria
organísmica do indivíduo. Bower & Bozarth (1988), numa pesquisa qualitativa com seis
notáveis terapeutas centrados na pessoa, concluíram que estes terapeutas, ao
reconhecerem a autoridade do cliente sobre sua própria vida, entraram no mundo do
cliente de forma a ‘desaparecer’ no interior do seu processo de crescimento. Desta forma,
podemos concluir que o terapeuta centrado no cliente, ao implementar as atitudes
facilitadoras na relação terapêutica, retira o seu ‘eu’ do caminho do cliente, com todas
os seus valores e expectativas e oferece a sua presença, o seu ‘ser’, para entrar no mundo
do cliente. A implementação das atitudes facilitadoras que caracteriza a essência da
terapia centrada no cliente, portanto, pode ser definida como sendo:
1
“I am inclined to think that in my writing perhaps I have stressed too much the three basic conditions.
Perhaps it is something around the edges of those conditions that is really the most important element of
therapy – when myself is very clearly, obviously present”.
2
“the therapist’s dedication to going with the client's direction, at the client's pace, and in accordance
with the client's unique way of being”.
56
neste momento;
Eu te dou tudo de mim
neste momento;
Eu sou você
neste momento;
Leve-me e use-me
neste momento
para ser o que você puder tornar-se
neste momento e depois.
Jerold D. Bozarth
57
58
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67
ANEXO I
Original em inglês dos casos Howard e Eleanor1
Howard had been hospitalized twenty years before I saw him, diagnosed as,
Schizophrenic, Paranoid type. He had stabbed several individuals prior to his admittance.
He had a grounds pass at the hospital and worked at a paper route in the hospital. He
heard about me from other residents and asked his doctor to refer him to me. We talked
twice about his thoughts of getting out of the hospital. He decided that this was not the
thing for him to do, too threatening! I mostly listened, told him about some of the training
and educational possibilities that I could help him with if he did decide to develop out
hospital plans. Nearly a year later, he returned to pick up where he left off. He inquired
about the possibility of “Barbers School”. We talked weekly for several months with him
taking the lead. He talked about his daughter, his relationships at the hospital and things
most of us might talk about in normal conversations. His consistency with seeking
training resulted in him being accepted for funding to attend such a school. There was a
wait period before going to school and he decided to seek employment in the community.
Although, it was the height of a recession in an industrial community, I supported his
wish to seek employment. We talked before and after trips to the city. Most of the staff
were quite skeptical about him finding employment when “normal” individuals could not
find even part time work. One week later, Howard had three job offers. He accepted one
job as a “prep” person shaving individuals before they went to surgery. Later, he went to
the school and worked as a barber until his retirement. I always thought that these were
interesting jobs for him since he was originally admitted to the hospital for a rampage
with a knife that resulted in injuries to a number of people (Bozarth, 1999).
Eleanor was referred to me by a ward attendant. She had been diagnosed twenty one
years before as, Schizophrenic, Undifferentiated Type. She was on a locked ward in the
hospital. The attendant said that she had expressed an interest in getting out of the ward,
and he wondered if I could help her in any way. When I arrived, Eleanor was sitting on
the floor playing with her feces. I had no idea what to do or say. I introduced myself and
told her a little bit about my role in the hospital. She was not responsive except for a wild
black toothed smile as she continued to play with her feces. I stayed not knowing what to
say or do. Now and then I asked a question or made a statement of some kind. I tried to
experience her as best as I could wondering what I could do to be more sure of my contact
with her. In desperation, I finally blurted out something like, "Do you think that you might
like to go to beauty school?” Maybe I was reminded of her creativity and manual dexterity
as she played with her feces. Amazingly, she discarded her activity with the feces and sat
in the chair next to me. I told her I would come back next week to check with her again.
A short time later, she began to discontinue some of her bizarre behavior. She cleaned
herself up over the next months and moved to an open ward. She eventually worked some
in the hospital commissary. I do not think that she ever got out of the hospital but the
quality of her life increased significantly (Bozarth, 1999).
1
Bozarth, J.D. (1999) Forty years of dialogue with the Rogerian hypothesis. Trabalho apresentado no 14º
Encontro Anual da Association for the Development of The Person-Centered Approach, Ruston,
Louisiana
68
ANEXO II
Original em inglês do caso Jill1
[Jill] said nothing when she came in. I mean this literally. She knocked on the door,
and I went to open it, and greeted he pleasantly. At my invitation she sat down, and we
looked at each other. I waited for her to say something, to explain, complain, or ask
questions. I looked at her trying to be as pleasant and as accepting as I could. Her eyes
filled with tears and the tears rolled down her face, but she said nothing. I wondered what
I should do. The simplest and most natural thing might have been to say, "What is
bothering you?" But it must be remembered that I had been trained precisely not to ask
questions or to give advice, and so, feeling quite foolish, I just kept looking at the girl.
For half an hour, nothing happened. I then said to her, "It is time to end our session. Would
you like to see me again?" Somewhat to my surprise and relief, she nodded, and when I
suggested another appointment at the same time next week, she nodded again, and went
out without having said a single word.
The following session was a repeat of the first one. We looked at each other, she cried
silently, I waited, and then she once again accepted my invitation for another session
without a word being said. Not to weary the reader, we had two more sessions and they
were all exact duplicates of the first two, though several times I thought that the student
was about to talk. At the end of the fourth session, when I again asked if she wanted to
have another session, she shook her head, and walked out. During the last week of the
semester I got another request from Jill, and I saw her immediately. Her statement was a
critical incident for me. "I want to thank you very much for what you did for me, Mrs.-"
"But I did nothing!" I impulsively cried out. "I wanted to so much help you, but I just did
nothing but look at you."
"You did a great deal. You changed my whole personality. That you had the kindness
and love to wait for me to talk, to just be there, and not to ask me questions, or try to make
me talk, that you were willing to just be there, and not be critical, and not complain that I
was wasting your time was the best and most wonderful thing. While we were looking at
each other I was thinking how wonderful the silence was, how good it was for you to
understand me, and make me feel good and important; you were loving and comforting.
I just couldn't talk, and if I had it would have been banalities. Because you valued me so
much, that you just were willing to be with me, I realized that my crazy thoughts that no
one loved me or cared for me, were all wrong. You loved me and you cared for me and
you were patient and kind and understanding and warm, and you couldn't put any pressure
on me or try to get me to talk or to manipulate me. I felt so comfortable with you, and the
relationship was so real. No. you did a great deal for me, and as a result I decided I was
worthwhile and I was a good person and I was one to be respected, and I was able to solve
my problems which I had sorely exaggerated."
After this long statement, we talked a bit and indeed she seemed to have really
changed from the girl she told me she had been prior to the counseling to the girl she was
now. She insisted that the four sessions with me had represented a turning point in her
life (apud Calia & Corsini, 1973).
1
Calia, V. & Corsini, R. (1973) Critical Incidents in School Counseling. Englewood Cliffs, NJ: Prentice
Hall.
69
70