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Globalização e soberania

Discussão sobre os efeitos da globalização no Estado Nacional e sobre o


conceito tradicional de Soberania.

Por Onildo Pereira de Oliveira Filho

INTRODUÇÃO

O estudo do conceito de “soberania” ganha importância perante a globalização, visto que, para
alguns estudiosos aquela já está em via de extinção. A fundamentação está na mudança do
paradigma de Estado adotado pelo constitucionalismo, pois as fontes de produção normativa, cujo
controle sempre foi visto como primordial para a existência de uma nação soberana, não mais
pertencem ao Estado, mas a organismos internacionais.

O Estado, sob esse ângulo, perde sua autonomia e sua independência. Todavia, alguns teóricos,
como Hirst e Thompson, acreditam que a organização política dos Estados é favorecida pela
existência de um sistema mundial de direitos, ou seja, a globalização amplia e aperfeiçoa a
cooperação entre os Estados soberanos sem inviabilizar a independência das nações.

Antes de afirmar se a globalização extingue ou não a soberania, é imperioso verificar se esse


processo é realmente vislumbrado. A palavra “globalização” tornou-se comum no vocabulário dos
cientistas sociais, uma máxima central nas prescrições dos economistas, um slogan para jornalistas
e políticos. Vivemos uma era em que a maior parte da vida social é determinada por processos
globais, em que culturas, economias e fronteiras nacionais estão-se dissolvendo.

É possível, nos contextos social, econômico, tecnológico e político contemporâneos, verificar a


isonomia tão falada pelos defensores da era global? Vive-se realmente um momento de
uniformização? Seria esta a melhor palavra para expressar o significado a que se pretende
remontar?

Segundo as versões mais exaltadas, os países em desenvolvimento estariam indefesos diante de


movimentos irreversíveis, só restando a submissão e a aceitação passiva das imposições feitas.
Não obstante tais idéias vigorarem em algumas esferas das relações intergovernamentais, essa
premissa é refutada. Não será necessariamente a globalização, como fenômeno integralizador,
que mitigará a soberania nacional, mas a forma como os governantes se colocam diante dela?

O Princípio da Autodeterminação procura resguardar o direito que um povo tem de constituir-se


em Estado com a total liberdade de escolha de governo e direito, sem a submissão a qualquer
forma de intervenção de algum outro Estado. A Autodeterminação dos Povos “é o direito do
Estado de ter o governo e as leis que bem entender sem sofrer interferência estrangeira”, e que
ainda, num outro entendimento, é o “direito de uma população não ser cedida ou entregue a
outros Estados sem o seu consentimento”.

O conceito de soberania apareceu em um momento histórico específico, apresentando


características que, com o passar dos séculos, incorporaram novos elementos. A análise conceitual

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da soberania deve estar atrelada às condições históricas em que surge o conceito.

O CONCEITO TRADICIONAL DE SOBERANIA

O termo “soberania” era utilizado na Idade Média distintamente da forma como será interpretado
no século XVI. A noção de soberano que qualificava a pessoa do rei passa, na Idade Moderna, a
caracterizar o Estado moderno, apresentando novo significado.

No que diz respeito à origem epistemológica da palavra “soberania”, os teóricos contrapõem-se.


Segundo Paupério, Sahid Maluf, Oliveira e Ribeiro Júnior, o termo provém do latim medieval
1
superamus, que significa “aquele que supera”. Para Menezes, vem do latim clássico super omnia .
Mas configurou-se pelo vocábulo francês souveraineté, que, no conceito de Bodin, expressa o poder
2
absoluto e perpétuo de uma República .

Foi inquietante iniciar o estudo da teoria da soberania pelo conceito estabelecido por Bodin, pois,
reconhecidamente um dos formuladores do conceito moderno de soberania e, embora seja
sempre citado, nunca se fez uma análise profunda de sua obra. Jean Bodin escreveu livros sobre
variados temas, porém, como bem explica Barros, não reivindicava a originalidade, no sentido de ser
inédito, de apresentar algo totalmente novo. Pretende apenas introduzir sua marca na tradição que
3
remonta aos antigos . Ele consagrou-se ao publicar, em 1576, Les Six Livres de la République, além de
ter sido o primeiro a afirmar que a soberania era uma característica do Estado.

4
No primeiro livro da obra Os seis livros da República, Bodin define a República , detalha seus
elementos e diferencia-a da família. Segundo o autor, República é um correto governo de várias
famílias, e do que lhes é comum, com poder soberano. Ela surge a partir da lenta multiplicação das
5
famílias e estabelece-se mediante a violência dos mais fortes e o consentimento dos demais .

O primeiro elemento da República a ser explicitado foi o justo governo, que serve para
diferenciá-la de um bando de ladrões e piratas com os quais não se podem estabelecer relações
de comércio nem fazer alianças, atividades respeitadas nas repúblicas organizadas. No
entendimento de Bodin, ela deve buscar território suficiente para abrigar os seus habitantes, uma
terra fértil, animais para alimentar e vestir os súditos, céu e temperatura agradáveis, boa água e
material para construção das casas. Posteriormente, seriam satisfeitas as comodidades menos
urgentes.

A família foi o segundo elemento a ser considerado para conceituar a República, pois ela é a sua
fonte, seu principal elemento, sem o qual ela não existiria. Para Bodin, as sociedades políticas
formam-se pela reunião natural de várias famílias, seja mediante o medo ou a violência. Os antigos
chamam república uma sociedade de homens reunidos para viver bem e felizmente. Dita definição, sem
embargo, contém mais ou menos o necessário. Faltam, nela, três elementos principais, é dizer, a família, a
soberania e o que é comum em uma república.

Em suma, a diferença entre a família e a República reside no fato de a primeira ser o reto governo
de vários sujeitos sob a obediência de um chefe de família e do que lhe é próprio, enquanto a
segunda é o reto governo de várias famílias e do que lhes é comum. O autor critica a idéia de
Aristóteles de separar a administração pública da doméstica, por entender que não é possível
separar a parte principal (família) do todo (República).

A coisa pública será o terceiro elemento, pois, para a existência da República, é necessário que
algo seja compartilhado por todas as famílias. Bodin expõe: é preciso que haja alguma coisa em
comum e de caráter público, como é o patrimônio público, o tesouro público (...). Não existe república se
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não há nada público .

O quarto elemento indispensável é a soberania. O autor utiliza a metáfora do navio para explicitar

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a importância que a soberania tem na República. Do mesmo modo que o navio só é madeira,
sem forma de embarcação, quando lhe é suprimida a quilha que sustenta os lados, a proa, a
popa e o convés, assim também a República sem poder soberano, que une todos os membros e
partes, e todas as famílias, corpos e colégios, não é República.

Para entender o conceito tradicional de soberania, temos que conhecer os elementos


constitutivos do Estado, os quais são o povo, o território e o poder político ou governo. O
último elemento é o que oferece maior importância na questão em tela.

O governo é uma organização política que tem por escopo a realização do bem comum da
coletividade e a manutenção de relações com os demais Estados.

A noção de soberania surgiu como advento do Estado moderno e nada assegura-nos que
seja perpétua, na forma com que a estamos apresentando: através do conceito tradicional.

Pelo exposto, soberania é um dos traços do poder do Estado: aquele que qualifica-o de
supremo (suprema potestas). Não obstante, esse traço, a soberania, também apresenta
duas faces: a interna e a externa.

A soberania interna é a que confere ao poder do Estado a supremacia sobre qualquer


outro poder social existente em seu território. Com efeito. O governo é o responsável pela
aplicação do bem comum a todo o povo, ao passo que os outros poderes sociais
representam certa parcela de pessoas, certa categoria de gentes. Ora, nada mais natural
que o interesse da coletividade se sobreponha o de um grupo. Assim, o termo soberania
significa, na lição do mestre Darcy Azambuja, “que o poder do Estado é o mais alto
7
existente dentro do seu território” . É chamada, também, autonomia.

Por outro lado, a soberania externa designa a igualdade entre os Estados, sendo também
chamada independência.

Quanto às características da soberania, tomemos as palavras de Dalmo de Abreu Dallari,


que as apresenta conforme a orientação da maioria dos estudiosos:

“a soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível. É una pois dentro do Estado só


vigora um poder soberano, que sobrepõe-se aos demais. É indivisível pois é o mesmo
poder que se aplica a todos os fatos ocorridos dentro do Estado. Em que pese utilizar-se
órgãos distintos para distribuir funções, é o mesmo poder e autoridade que os anima, haja
vista ser a soberania indivisível. É inalienável, uma vez que desaparece aquele que a detém
quando fica sem ela. E, finalmente, é imprescritível, pois um poder superior não seria
8
superior se tivesse prazo certo de duração” .

Do exposto, podemos concluir que, seguindo a orientação tradicional, a soberania é a


qualidade do poder político que o torna supremo dentro do Estado e torna-o igual ao
poder de outros Estados, sendo tal soberania una, indivisível, inalienável e imprescritível,
não sendo, contudo, arbitrária; ao contrário, é autolimitada pela ordem jurídica e limitada
pela existência de outros Estados.

SOBERANIA E GLOBALIZAÇÃO – CRISE OU EVOLUÇÃO

Com efeito, a questão crucial apresentada pela globalização aos Estados nacionais é se eles
se manterão independentes e autônomos. Para alguns estudiosos entusiastas, a
globalização colocaria a soberania no museu da História. Outros, no entanto, afirmam que
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o sistema mundial de direitos contribui para o fortalecimento dos Estados .

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Idéias díspares são defendidas por Oliveira, Ribeiro e Bonavides. Para os dois
primeiros, a soberania está em crise em decorrência da globalização. Observam
também que os países periféricos têm a soberania limitada. O terceiro revela que
os neoliberais pretendem extinguir a soberania interna e externa e menciona que
só sabem conjugar cinco verbos: desnacionalizar, desestatizar,
desconstitucionalizar, desregionalizar e desarmar.

Dando continuidade a esse pensamento, encontram-se os globalistas, segundo os


quais a globalização “esvaziou” os Estados, enfraquecendo a sua autonomia e
soberania, uma vez que não têm capacidade para contrapor os ditames da
economia global, nem de proteger a comunidade do seu território. Os processos
econômicos, ambientais e políticos regionais e globais redefinem profundamente o
10
conteúdo das decisões nacionais .

Assim, na concepção desses teóricos, há o declínio do Estado nação e o aumento


do multilitarismo. Acrescenta-se a essa corrente a posição de Torres: esse
enfraquecimento do Estado nacional, vale ressaltar, dá-se de duas formas:
voluntariamente, quando o Estado delega competências deliberadamente a instâncias
supranacionais, fortalecendo organismos mundiais, e/ou de forma involuntária,
11
decorrente do próprio processo de globalização .

Não se concebe, na atual conjuntura, a idéia de que um Estado tenha o poder


soberano enfraquecido por vincular-se a organismos internacionais, já que o
12
pensamento dominante durante a assinatura da Paz de Westfália , de que os
Estados soberanos tinham liberdade absoluta para governar um espaço nacional,
não é atualmente aceito, pois a Carta das Nações Unidas estabelece um limite
13
consensual ao arbítrio dos Estados no exercício da soberania . Aceitar a soberania
como poder ilimitado e absoluto do Estado no seu território é não vislumbrar as
mudanças sofridas pelo conceito para adaptar-se à realidade jurídica e social.

Em sentido diametralmente oposto, posicionam-se os céticos Hirst e Thompson.


Eles acreditam que o Estado permanece soberano, sem ser onipotente na base
territorial. Ele é fortalecido pelos processos de internacionalização, uma vez que é o
Estado nacional, em última análise, que detém o monopólio das normas, sem as quais os
poderosos fatores externos perdem eficácia. Nesse sentido, alerta Magnoli para o fato
de que as tendências integradoras e globalizadoras da economia contemporânea
colocam novos desafios para os Estados nacionais. A resposta a tais desafios evidencia
14
não uma suposta fraqueza dos Estados, mas, pelo contrário, sua força e vitalidade .

Sendo assim, o Estado passa a atuar, em algumas situações, com exclusividade


como intermediário entre as aspirações políticas externas e internas e deixa de
desempenhar funções eminentemente locais. A questão ambiental passa a ocupar
a agenda do Estado na medida em que as conseqüências dessas questões são
globais, entre as quais destaca-se a diminuição da biodiversidade. Entendida como
um problema transfronteiriço, cujo combate definirá o futuro da humanidade, o
reconhecimento da extensão do problema e do seu caráter coletivo fez com que o
Estado atuasse diretamente na solução da questão. Desta feita, o Estado, para
responder aos novos padrões mundialmente implantados, abdica de algumas
funções e avoca outras, consolidando a sua autoridade e seu poder soberano.

REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44ª ed. São Paulo: Globo, 2003.

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BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:
FAPESP, 2001.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 6ª ed. Tradução Carmem Varrialle.


Brasília: Ed. da UnB, 1994.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Giafranco. Dicionário de


política. Trad. de Carmen C. Varriale et al. 7. ed. Brasília: Universidade de
Brasília, 1995.

BODIN, Jean. Los seis libros de la república. Trad. de Pedro Bravo Gala. 3. ed.
Madrid: Tecnos, 1997.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


São Paulo: Editora Rideel, 2007.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria geral do Estado. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001.

MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
1995.

MENESES, Anderson de. Teoria geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1999.p. 148

PEIXOTO, Alexandre Kotzias. A erosão da soberania e a teoria das Relações


Internacionais. 1997.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à


consciência universal. São Paulo: Record, 2001.

TORRES, Igor Gonçalves. O enfraquecimento do Estado nacional como


entidade reguladora do comércio exterior. 1997.

1 MENESES, Anderson de. Teoria geral do Estado. 8. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1999.p. 148

2 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 1995.

3 BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:
FAPESP, 2001.

4 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria geral do Estado. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.

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5 BODIN, Jean. Los seis libros de la república. Trad. de Pedro Bravo


Gala. 3. ed. Madrid: Tecnos, 1997.

6 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Giafranco.


Dicionário de política. Trad. de Carmen C. Varriale et al. 7. ed. Brasília:
Universidade de Brasília, 1995.

7 AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. p. 62.

8 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado.


p.115.

9 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único


à consciência universal. São Paulo: Record, 2001.

10 PEIXOTO, Alexandre Kotzias. A erosão da soberania e a teoria das


Relações Internacionais. 1997.

11 TORRES, Igor Gonçalves. O enfraquecimento do Estado nacional


como entidade reguladora do comércio exterior. 1997.

12 Segundo Held, o modelo de Westfália apresenta as seguintes


características: 1) o mundo é composto por Estados soberanos, que
não reconhecem autoridade superior; 2) o processo legislativo, de
solução de contendas e de aplicação da lei concentra-se nas mãos
dos Estados individualmente; 3) o Direito Internacional volta-se para
o estabelecimento de regras mínimas de coexistência; 4) a
responsabilidade sobre atos cometidos no interior das fronteiras é
assunto privativo do Estado envolvido; 5) todos os Estados são
vistos como iguais perante a lei e regras jurídicas não levam em
consideração assimetrias de poder; 6) as diferenças entre os
Estados são, em última instância, resolvidas a força; 7) a
minimização de impedimentos à liberdade do Estado é prioridade
coletiva.

13 PEIXOTO, Alexandre Kotzias. A erosão da soberania e a teoria das


Relações Internacionais. 1997.

14 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento


único à consciência universal. São Paulo: Record, 2001.

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A globalização e os recursos naturais: a maldição, a bênção e a isenção, por Elia Elisa Cia
Alves e Andrea Quirino Steiner

Como a globalização impacta a gestão e exploração dos recursos naturais? Para muitos autores,
é simples: é uma vilã! Porém, há outras possibilidades de resposta quanto à relação destes
processos quando se considera as variáveis internacionais de modo mais abrangente: além de
uma possível relação negativa, há visões mais positivas ou, ainda, uma terceira possibilidade que
tem ganhado corpo na literatura e que mescla as duas visões anteriores. Ou seja, a globalização
não teria um efeito uniforme sobre os recursos, de modo que não seria correto nem demonizá-la,
nem atribuir a este processo o sucesso de países que foram eficazes na boa gestão de seus
recursos naturais.

Assim, o que se busca, nesta breve análise é investigar os efeitos do fenômeno internacional
sobre a gestão de recursos no âmbito doméstico. Especificamente, serão apresentados
argumentos sobre como a expansão dos mercados internacionais pode afetar o modo em que os
países extraem e gerenciam seus recursos naturais.

Os autores que enxergam a relação de uma perspectiva cética ressaltam as crescentes ameaças
do processo à gestão dos recursos em um nível mais abrangente. Existiria, portanto, uma relação
negativa direta entre o aumento substancial do comércio internacional (industrial e de
commodities), da maior abertura aos fluxos de capitais internacionais e dos investimentos
externos diretos e a má gestão de recursos naturais.

As maiores preocupações permanecem sobre três pilares. Primeiro, a crescente demanda de


países emergentes representaria ameaças aos estoques de recursos não-renováveis (ou que se
renovam a uma velocidade menor que o aumento da demanda) e um impulso à degradação
ambiental, com o descarte impróprio de resíduos e o crescimento exponencial na emissão de
gases de efeito estufa (GEE) e de poluentes em geral (Meadows et al., 2004).

Segundo, a globalização tenderia a agravar os desafios à governança dos recursos naturais nos
países que carecem de instituições que promovem a responsabilidade política (Ivanova, 2005). O
argumento clássico por trás desta ideia é o da “maldição dos recursos”, desenvolvido por
Mahdavy (1970). Este autor levantava hipóteses por trás da prevalência de regimes autoritários
no Oriente Médio, remetendo à abundância do petróleo nos países da região. Com isso, os
governos não precisariam de contribuições tributárias para se manterem e, consequentemente,
não teriam que se submeter ao “pacto fiscal” nem, consequentemente, oferecer serviços e
representação através de instituições em troca do recolhimento de impostos. Logo, se
instaurariam nesses países democracias débeis ou mesmo regimes autoritários os quais seriam
fortalecidos pela globalização, num cenário de acirrada competição dos mercados
de commodities (Dunning, 2005; Haber e Menaldo, 2012).

Por último, em países cuja dotação de recursos naturais fosse muito abundante ou muito
deficitária, os efeitos negativos da globalização tenderiam a se ampliar. No primeiro caso, a
liberalização econômico-financeira seria motor de bolhas e crises econômicas que, mesmo
proporcionando benefícios temporários em fases de bolha, em cenários de crise teria profundas
consequências negativas à arrecadação e ao desenvolvimento econômico desses países.
Considera-se, ainda, que ao liberalizar a economia, os recursos se direcionariam para os setores
intensivos em recursos naturais, em detrimento de setores importantes para o desenvolvimento
econômico, como a indústria. Além disso, nestes casos, haveria maior propensão a renegar
contratos, não conseguindo se manter o Estado de Direito. No caso de países deficitários em
recursos, a globalização também poderia provocar um transbordamento negativo no sentido de
aumentar a vulnerabilidade e a sensibilidade em relação a decisões políticas externas ao país
(Nye Jr. & Welch, 2012).
Há, porém, uma linha de autores que observam a globalização de maneira positiva no que tange
a questão dos recursos naturais. Essa perspectiva também se desdobraria em três tipos de
argumentos. Em primeiro lugar, resgatando a abordagem liberal clássica, sugere-se que a maior
liberalização comercial, bem como a de fluxos de pessoas e de capitais, levaria à busca por maior
eficiência na gestão dos recursos naturais. A lógica é que como recursos naturais são escassos,
haveria uma precificação via mercado que resultaria em um ponto ótimo, equilibrando os diversos
interesses de oferta e demanda. Sob este ponto de vista, os desenvolvimentos teóricos das
teorias neoclássicas do comércio internacional, como o teorema de Hecksher-Ohlin sugerindo
que, ao liberalizar as barreiras comerciais, haverá maior demanda pelos fatores de produção
relativamente mais abundantes (setores com maior vantagem comparativa), resultando em
maiores retornos a esses fatores (Baumann et al., 2004). Com isso, os países se beneficiariam do
ponto de vista econômico e o mercado se encarregaria de fazer a gestão dos recursos de modo a
não serem excessivamente explorados (Bhagwati, 2004).

O segundo ponto remete à emergência de atores transnacionais que, no bojo da globalização,


teriam ganhado voz e estabelecido mecanismos de pressão para que os países tivessem um
posicionamento mais ambientalmente sustentável. Deste ponto de vista, a pressão internacional
proveniente de grupos da sociedade civil e de organizações intergovernamentais e regimes
internacionais, como é o caso do Protocolo de Montreal pela proteção da Camada de Ozônio
(1989), teria fomentado uma melhor gestão dos recursos naturais, junto com um aumento das
demandas por mais transparência e prestação de contas da parte dos países à sociedade civil
(Clark, 2000; Greene, 2001).

Em terceiro lugar são reforçadas as potencialidades das inovações tecnológicas sobre o aumento
da eficiência e eficácia da utilização dos recursos, proporcionadas pelos avanços da globalização.
Neste sentido, o respaldo político e financeiro às inovações seria proveniente, sobretudo, de
países escassos em recursos, que desde os eventos dos choques do petróleo, na década de
1970, teriam se direcionado para investir em tecnologias alternativas e de aumento da eficiência
de exploração de recursos escassos e esgotáveis (Castells, 1999).

Observa-se, porém, que ambas as vertentes apresentadas acima, defendidas por céticos ou
entusiastas, são ingênuas quanto às ambiguidades intrínsecas à globalização que cria e destrói,
agrega e fragmenta. Neste sentido, cresce uma linha de pensamento que atribui uma importância
central às instituições domésticas e internacionais quanto aos efeitos líquidos da globalização
sobre a gestão dos recursos (Rudra e Jensen, 2011; Acemoglu e Robinson, 2012).

Esses autores levantam evidências empíricas de que, na presença de fracas instituições políticas
domésticas, os impactos positivos da globalização não se sustentam, predominando os efeitos
negativos. Deste modo, a liberalização, sem prévio fortalecimento institucional, pode ter, sim,
efeitos catastróficos à gestão dos recursos naturais no âmbito doméstico. Em suma, é sugerido
que a globalização não tem um efeito uniforme sobre a governança dos recursos, onde a
performance das instituições domésticas passa a ser um elemento fundamental que determinará
se predominarão os efeitos negativos ou os positivos.

Logo, diante da dificuldade de se levantar dados empíricos globais confiáveis, a terceira


perspectiva apresentada é interessante ao levar em consideração tanto a maldição quanto a
benção da globalização. Por outro lado, é aberta uma extensa agenda de pesquisa que possa
explorar o quão as instituições domésticas realmente podem mitigar os impactos negativos ou
mesmo potencializar os efeitos positivos da globalização sobre os recursos naturais de cada país.

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