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Globalização e soberania
INTRODUÇÃO
O estudo do conceito de “soberania” ganha importância perante a globalização, visto que, para
alguns estudiosos aquela já está em via de extinção. A fundamentação está na mudança do
paradigma de Estado adotado pelo constitucionalismo, pois as fontes de produção normativa, cujo
controle sempre foi visto como primordial para a existência de uma nação soberana, não mais
pertencem ao Estado, mas a organismos internacionais.
O Estado, sob esse ângulo, perde sua autonomia e sua independência. Todavia, alguns teóricos,
como Hirst e Thompson, acreditam que a organização política dos Estados é favorecida pela
existência de um sistema mundial de direitos, ou seja, a globalização amplia e aperfeiçoa a
cooperação entre os Estados soberanos sem inviabilizar a independência das nações.
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O termo “soberania” era utilizado na Idade Média distintamente da forma como será interpretado
no século XVI. A noção de soberano que qualificava a pessoa do rei passa, na Idade Moderna, a
caracterizar o Estado moderno, apresentando novo significado.
Foi inquietante iniciar o estudo da teoria da soberania pelo conceito estabelecido por Bodin, pois,
reconhecidamente um dos formuladores do conceito moderno de soberania e, embora seja
sempre citado, nunca se fez uma análise profunda de sua obra. Jean Bodin escreveu livros sobre
variados temas, porém, como bem explica Barros, não reivindicava a originalidade, no sentido de ser
inédito, de apresentar algo totalmente novo. Pretende apenas introduzir sua marca na tradição que
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remonta aos antigos . Ele consagrou-se ao publicar, em 1576, Les Six Livres de la République, além de
ter sido o primeiro a afirmar que a soberania era uma característica do Estado.
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No primeiro livro da obra Os seis livros da República, Bodin define a República , detalha seus
elementos e diferencia-a da família. Segundo o autor, República é um correto governo de várias
famílias, e do que lhes é comum, com poder soberano. Ela surge a partir da lenta multiplicação das
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famílias e estabelece-se mediante a violência dos mais fortes e o consentimento dos demais .
O primeiro elemento da República a ser explicitado foi o justo governo, que serve para
diferenciá-la de um bando de ladrões e piratas com os quais não se podem estabelecer relações
de comércio nem fazer alianças, atividades respeitadas nas repúblicas organizadas. No
entendimento de Bodin, ela deve buscar território suficiente para abrigar os seus habitantes, uma
terra fértil, animais para alimentar e vestir os súditos, céu e temperatura agradáveis, boa água e
material para construção das casas. Posteriormente, seriam satisfeitas as comodidades menos
urgentes.
A família foi o segundo elemento a ser considerado para conceituar a República, pois ela é a sua
fonte, seu principal elemento, sem o qual ela não existiria. Para Bodin, as sociedades políticas
formam-se pela reunião natural de várias famílias, seja mediante o medo ou a violência. Os antigos
chamam república uma sociedade de homens reunidos para viver bem e felizmente. Dita definição, sem
embargo, contém mais ou menos o necessário. Faltam, nela, três elementos principais, é dizer, a família, a
soberania e o que é comum em uma república.
Em suma, a diferença entre a família e a República reside no fato de a primeira ser o reto governo
de vários sujeitos sob a obediência de um chefe de família e do que lhe é próprio, enquanto a
segunda é o reto governo de várias famílias e do que lhes é comum. O autor critica a idéia de
Aristóteles de separar a administração pública da doméstica, por entender que não é possível
separar a parte principal (família) do todo (República).
A coisa pública será o terceiro elemento, pois, para a existência da República, é necessário que
algo seja compartilhado por todas as famílias. Bodin expõe: é preciso que haja alguma coisa em
comum e de caráter público, como é o patrimônio público, o tesouro público (...). Não existe república se
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não há nada público .
O quarto elemento indispensável é a soberania. O autor utiliza a metáfora do navio para explicitar
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a importância que a soberania tem na República. Do mesmo modo que o navio só é madeira,
sem forma de embarcação, quando lhe é suprimida a quilha que sustenta os lados, a proa, a
popa e o convés, assim também a República sem poder soberano, que une todos os membros e
partes, e todas as famílias, corpos e colégios, não é República.
O governo é uma organização política que tem por escopo a realização do bem comum da
coletividade e a manutenção de relações com os demais Estados.
A noção de soberania surgiu como advento do Estado moderno e nada assegura-nos que
seja perpétua, na forma com que a estamos apresentando: através do conceito tradicional.
Pelo exposto, soberania é um dos traços do poder do Estado: aquele que qualifica-o de
supremo (suprema potestas). Não obstante, esse traço, a soberania, também apresenta
duas faces: a interna e a externa.
Por outro lado, a soberania externa designa a igualdade entre os Estados, sendo também
chamada independência.
Com efeito, a questão crucial apresentada pela globalização aos Estados nacionais é se eles
se manterão independentes e autônomos. Para alguns estudiosos entusiastas, a
globalização colocaria a soberania no museu da História. Outros, no entanto, afirmam que
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o sistema mundial de direitos contribui para o fortalecimento dos Estados .
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Idéias díspares são defendidas por Oliveira, Ribeiro e Bonavides. Para os dois
primeiros, a soberania está em crise em decorrência da globalização. Observam
também que os países periféricos têm a soberania limitada. O terceiro revela que
os neoliberais pretendem extinguir a soberania interna e externa e menciona que
só sabem conjugar cinco verbos: desnacionalizar, desestatizar,
desconstitucionalizar, desregionalizar e desarmar.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44ª ed. São Paulo: Globo, 2003.
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BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:
FAPESP, 2001.
BODIN, Jean. Los seis libros de la república. Trad. de Pedro Bravo Gala. 3. ed.
Madrid: Tecnos, 1997.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria geral do Estado. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva,
1995.
2 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 23. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 1995.
3 BARROS, Alberto Ribeiro de. A teoria da soberania de Jean Bodin. São Paulo:
FAPESP, 2001.
4 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria geral do Estado. 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 1998.
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A globalização e os recursos naturais: a maldição, a bênção e a isenção, por Elia Elisa Cia
Alves e Andrea Quirino Steiner
Como a globalização impacta a gestão e exploração dos recursos naturais? Para muitos autores,
é simples: é uma vilã! Porém, há outras possibilidades de resposta quanto à relação destes
processos quando se considera as variáveis internacionais de modo mais abrangente: além de
uma possível relação negativa, há visões mais positivas ou, ainda, uma terceira possibilidade que
tem ganhado corpo na literatura e que mescla as duas visões anteriores. Ou seja, a globalização
não teria um efeito uniforme sobre os recursos, de modo que não seria correto nem demonizá-la,
nem atribuir a este processo o sucesso de países que foram eficazes na boa gestão de seus
recursos naturais.
Assim, o que se busca, nesta breve análise é investigar os efeitos do fenômeno internacional
sobre a gestão de recursos no âmbito doméstico. Especificamente, serão apresentados
argumentos sobre como a expansão dos mercados internacionais pode afetar o modo em que os
países extraem e gerenciam seus recursos naturais.
Os autores que enxergam a relação de uma perspectiva cética ressaltam as crescentes ameaças
do processo à gestão dos recursos em um nível mais abrangente. Existiria, portanto, uma relação
negativa direta entre o aumento substancial do comércio internacional (industrial e de
commodities), da maior abertura aos fluxos de capitais internacionais e dos investimentos
externos diretos e a má gestão de recursos naturais.
Segundo, a globalização tenderia a agravar os desafios à governança dos recursos naturais nos
países que carecem de instituições que promovem a responsabilidade política (Ivanova, 2005). O
argumento clássico por trás desta ideia é o da “maldição dos recursos”, desenvolvido por
Mahdavy (1970). Este autor levantava hipóteses por trás da prevalência de regimes autoritários
no Oriente Médio, remetendo à abundância do petróleo nos países da região. Com isso, os
governos não precisariam de contribuições tributárias para se manterem e, consequentemente,
não teriam que se submeter ao “pacto fiscal” nem, consequentemente, oferecer serviços e
representação através de instituições em troca do recolhimento de impostos. Logo, se
instaurariam nesses países democracias débeis ou mesmo regimes autoritários os quais seriam
fortalecidos pela globalização, num cenário de acirrada competição dos mercados
de commodities (Dunning, 2005; Haber e Menaldo, 2012).
Por último, em países cuja dotação de recursos naturais fosse muito abundante ou muito
deficitária, os efeitos negativos da globalização tenderiam a se ampliar. No primeiro caso, a
liberalização econômico-financeira seria motor de bolhas e crises econômicas que, mesmo
proporcionando benefícios temporários em fases de bolha, em cenários de crise teria profundas
consequências negativas à arrecadação e ao desenvolvimento econômico desses países.
Considera-se, ainda, que ao liberalizar a economia, os recursos se direcionariam para os setores
intensivos em recursos naturais, em detrimento de setores importantes para o desenvolvimento
econômico, como a indústria. Além disso, nestes casos, haveria maior propensão a renegar
contratos, não conseguindo se manter o Estado de Direito. No caso de países deficitários em
recursos, a globalização também poderia provocar um transbordamento negativo no sentido de
aumentar a vulnerabilidade e a sensibilidade em relação a decisões políticas externas ao país
(Nye Jr. & Welch, 2012).
Há, porém, uma linha de autores que observam a globalização de maneira positiva no que tange
a questão dos recursos naturais. Essa perspectiva também se desdobraria em três tipos de
argumentos. Em primeiro lugar, resgatando a abordagem liberal clássica, sugere-se que a maior
liberalização comercial, bem como a de fluxos de pessoas e de capitais, levaria à busca por maior
eficiência na gestão dos recursos naturais. A lógica é que como recursos naturais são escassos,
haveria uma precificação via mercado que resultaria em um ponto ótimo, equilibrando os diversos
interesses de oferta e demanda. Sob este ponto de vista, os desenvolvimentos teóricos das
teorias neoclássicas do comércio internacional, como o teorema de Hecksher-Ohlin sugerindo
que, ao liberalizar as barreiras comerciais, haverá maior demanda pelos fatores de produção
relativamente mais abundantes (setores com maior vantagem comparativa), resultando em
maiores retornos a esses fatores (Baumann et al., 2004). Com isso, os países se beneficiariam do
ponto de vista econômico e o mercado se encarregaria de fazer a gestão dos recursos de modo a
não serem excessivamente explorados (Bhagwati, 2004).
Em terceiro lugar são reforçadas as potencialidades das inovações tecnológicas sobre o aumento
da eficiência e eficácia da utilização dos recursos, proporcionadas pelos avanços da globalização.
Neste sentido, o respaldo político e financeiro às inovações seria proveniente, sobretudo, de
países escassos em recursos, que desde os eventos dos choques do petróleo, na década de
1970, teriam se direcionado para investir em tecnologias alternativas e de aumento da eficiência
de exploração de recursos escassos e esgotáveis (Castells, 1999).
Observa-se, porém, que ambas as vertentes apresentadas acima, defendidas por céticos ou
entusiastas, são ingênuas quanto às ambiguidades intrínsecas à globalização que cria e destrói,
agrega e fragmenta. Neste sentido, cresce uma linha de pensamento que atribui uma importância
central às instituições domésticas e internacionais quanto aos efeitos líquidos da globalização
sobre a gestão dos recursos (Rudra e Jensen, 2011; Acemoglu e Robinson, 2012).
Esses autores levantam evidências empíricas de que, na presença de fracas instituições políticas
domésticas, os impactos positivos da globalização não se sustentam, predominando os efeitos
negativos. Deste modo, a liberalização, sem prévio fortalecimento institucional, pode ter, sim,
efeitos catastróficos à gestão dos recursos naturais no âmbito doméstico. Em suma, é sugerido
que a globalização não tem um efeito uniforme sobre a governança dos recursos, onde a
performance das instituições domésticas passa a ser um elemento fundamental que determinará
se predominarão os efeitos negativos ou os positivos.