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XXXI Congresso ALAS

Colonialidade, Teoria e Ciências Sociais


Um estudo a partir do caso Latino-Americano

Matheus Almeida Pereira Ribeiro1


Programa de Pós-Graduação em Sociologia - Universidade de Brasília (UnB)

RESUMO
Cada vez mais, as ciências sociais têm presenciado o fortalecimento de reflexões intelectuais
interessadas em compreender as hierarquias de status entre conhecimentos produzidos no Sul
global em relação àqueles do Norte. Neste cenário, emergem correntes críticas ao caráter
eurocêntrico das teorias hegemônicas no interior do campo, como os estudos subalternos, pós-
coloniais e decoloniais. Mesmo autores que não estão situados no Sul global, e que ocupam
posições de destaque na gestão de instituições como a Associação Internacional de Sociologia
(ISA), têm apontado os impasses decorrentes das limitações que as assimetrias entre Sul e Norte
produzem às ciências sociais, dificultando projetos de globalização/internacionalização destas.
Em diálogo com essas contribuições, estruturou-se este artigo, que trata a relação entre a
colonialidade do saber e a produção/distribuição de teoria nas ciências sociais, a partir do caso
latino-americano. Para tal, trabalhou-se com a relação entre a publicação em revistas de alto
impacto em teoria e a geopolítica da produção/distribuição do conhecimento nas ciências sociais.
Fez-se um levantamento quantitativo dos países onde situam-se os intelectuais que publicaram
em periódicos de alto impacto das ciências sociais, detendo-se àqueles que concentram os debates
sobre teoria. Além disso, analisaram-se os resumos e palavras chaves referentes aos artigos
publicados, apreendendo relações entre padrões temáticos e país de publicação. O intervalo
escolhido para a coleta circunscreveu-se entre os anos 2000 e 2017.Foram escolhidos os quatro
periódicos com os maiores índices de impacto internacional, segundo o indicador “Índice SRJ”,
produzido pelo SCImago Journal & amp; Country Rank. São eles os jornais: Theory and Society;
European Journal of Social Theory; Theory Culture and Society; e Sociological Theory. Os
resultados deste levantamento foram teoricamente interpretados a partir das contribuições de
autores do grupo “Modernidade/Colonialidade”, ou corrente “Decolonial”, que têm trabalhado o
fenômeno da colonialidade do saber e eurocentrismo nas ciências sociais. Primeiramente,
percebeu-se que a discussão teórica de alto impacto das ciências sociais permanece concentrada,
majoritariamente, no Norte global. Além disso, encontraram-se consideráveis diferenças nos
padrões temáticos das publicações de autores latino-americanos e aqueles das metrópoles do
Norte. Quando os pesquisadores da américa latina publicam em tais revistas não costumam
discutir teoria de forma “abstrata” ou “generalista” como aqueles situados no Norte, mas se detêm
em tratar temas locais como: América Latina, Terceiro Mundo ou especificidades da
modernidade e capitalismo nos seus países. Defende-se que este cenário expressa e reproduz o
eurocentrismo e a colonialidade no campo do saber das ciências sociais, relegando uma condição
subalterna à produção latino-americana no debate teórico de alto impacto do campo, que se
expressa tanto por uma presença diminuta no sentido quantitativo (número de artigos), quanto
qualitativa (padrões temáticos).

1
O autor agradece o financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal – FAP DF, a qual
permitiu a apresentação deste paper no XXXI Congresso ALAS.
1
INTRODUÇÃO
A sociologia tem presenciado o fortalecimento de proposições e correntes intelectuais
interessadas em compreender as hierarquias de status entre conhecimentos produzidos no Sul
global em relação àquele de metrópoles do Norte2. Dentre as várias contribuições que
compõem essa gama de empreendimentos, marcadas por um intenso impulso crítico,
despontam discursos e agendas que podem ser chamadas de “alternativas”, as quais apontam
as assimetrias na produção de conhecimento nas ciências sociais a partir de uma perspectiva
geopolítica. Em tais análises, o fenômeno colonial emerge enquanto ponto fundamental ao
entendimento do modo como as desigualdades que dominam o mundo hoje, e que se refletem
na produção das ciências sociais, se fundamentaram e quais os processos que permitem a sua
reprodução.
Podemos destacar, entre essas que chamamos de “estratégias alternativas”, ou
“emergentes” algumas proposições que têm surgido desde os últimos 50 anos, contrapondo-
se à dominação do Norte Global no fazer intelectual das ciências sociais. Entre essas
contribuições pode-se ressaltar: As Sociologias indígenas e Endógenas, Alatas, S. H. (2000);
O Pós-colonialismo, Go (2013); A Decolonialidade, Dussel (2000), Quijano, (2000) e
Mignolo (2003); As discussões sobre as Sociologias do Sul, Santos e Meneses (2007),
Comaroff e Comaroff (2011); Sociologias subalternas, Guha (1982), Chakrabarty (1992) e
Spivak (2010); e Sociologias feministas, Mohanty (2008) e Walsh (2012).
Mesmo autores que não estão situados no Sul Global, e que ocupam posições de
destaque na gestão de instituições como a Associação Internacional de Sociologia (ISA), tem
trabalhado com os problemas decorrentes das limitações que as assimetrias nas produções
entre países do Sul e Norte produzem à sociologia Archer (1991); Burawoy, Chang e Hsieh,
(2010); Stompka (2009). Situados ou não no Sul Global, é torna-se cada vez mais presente
discussões sobre: os impasses à globalização da sociologia; a desigualdade expressa na
produção de teoria sociológica entre Sul e Norte; e o problema da divisão internacional do
trabalho sociológico.
Em diálogo com essas novas agendas de pesquisa, estruturou-se este artigo, que se
detêm em discutir a situação dos sociólogos latino-americanos no interior da divisão mundial

2
A dicotomia Sul-Norte global, têm sido utilizada em trabalhos como os de Santos (2007), Comaroff (2012),
Connel (2006) e Rosa (2014), e mantém sentido paralelo, em alguns casos, ao de classificações como periferia-
centro ou primeiro mundo e terceiro mundo. Tal dicotomia não deve ser entendida ao pé da letra, focando-se
apenas no seu sentido geográfico, mas deve ser entendida enquanto um conceito que associa o contexto
geográfico a cenários geopolíticos e processos históricos dinâmicos.
2
do trabalho sociológico. Este objeto, é explorado a partir do estudo sobre a posição ocupada
pelos sociólogos da américa latina em 4 revistas internacionais de grande impacto no debate
de teoria sociológica: Theory and Society; European Journal of Social Theory; Theory
Culture and Society; e Sociological Theory.
A investida se fez interessada em desvelar o modo como a posição ocupada pelos
sociólogos latino-americanos, nestas revistas, espelha o cenário internacional de divisão do
trabalho sociológico. Para tal, fez-se um levantamento do perfil dos intelectuais que publicam
em tais periódicos, com foco no país onde estão situados, e uma análise de quais seriam as
características dos artigos de pesquisadores que integram países da américa latina que
publicaram nestes jornais.
Acredita-se que, ao dar luz a estes processos, pode-se progredir na produção de
conhecimento sobre os mecanismos que operam na reprodução da divisão internacional do
trabalho sociológico, os quais contribuem para a manutenção dos pesquisadores do
continente latino-americano às margens dos debates sobre teoria. Além disso, esta pesquisa
se define enquanto uma forma de expressar os impasses à produção, legitimação e
distribuição de teoria sociológica a partir do Sul global, destacando a necessidade de
construção de uma sociologia mais plural.
Na primeira parte deste artigo realiza-se uma sumária revisão de literatura, com um
levantamento de algumas contribuições teóricas de autores que tem discutido a divisão
internacional do trabalho sociológico e os impasses que o eurocentrismo e a colonialidade
tem produzido à sociologia. Em um segundo momento, são apresentados e discutidos, à luz
das contribuições teóricas citadas, dados acerca do perfil dos pesquisadores em publicam nas
4 revistas escolhidas e padrões temáticos característicos dos artigos de autores situados em
países da América do Sul, Central e Caribe.

Divisão Internacional do Trabalho Intelectual, Colonialidade e Eurocentrismo

A intelectual australiana Raewyn Connel é uma das principais autoras a se deter sobre
o caráter geopolítico inscrito na produção e circulação de teoria sociológica contemporânea.
A autora discute a relação entre a noção de divisão internacional do trabalho intelectual e
aponta a relação deste fenômeno com o colonialismo e eurocentrismo.

Em um dos seus trabalhos, Connel (2012) define “teoria” enquanto “o trabalho


produzido pelo centro”, de forma a introduzir o problema da divisão do trabalho intelectual
3
no interior das ciências sociais. A autora utiliza-se desta assertiva para situar como a
produção e circulação de conhecimento sociológico encontra-se imbricada à forma como o
fazer sociológico encontra-se dividido pelo mundo. Isto se refere, mais especificamente, a
qual o tipo de sociologia que os intelectuais de regiões como a África e América Latina
estariam fazendo, e de que forma esta diferencia-se daquela produzida por intelectuais do
Norte Global. Connel afirma que existe uma clivagem qualitativa, entre o Norte e o Sul, que
define o caráter da produção destes locais, divisão que se estrutura, fundamentalmente, a
partir da oposição entre trabalho teórico x trabalho empírico. Segundo esta alegação,
intelectuais situados no Norte Global possuiriam a hegemonia da produção teórica, enquanto
aqueles do Sul ficariam relegados à trabalhos de caráter empírico que refletissem princípios
teóricos dos autores das grandes metrópoles3.

Este quadro de divisão, segundo a autora, espelha a própria história da disciplina, que
se constituiu e fortaleceu em paralelo com o colonialismo, beneficiando-se deste. O processo
colonial permitiu a estruturação do campo sociológico, dando-lhe objetos de estudo nas
colônias, e financiamento para a realização de investigações. Autores situados nas
metrópoles coloniais, produziam teorias mirando experiências universais, a partir de dados
extraídos nas comunidades exploradas por seus países, em áreas como a África, Ásia e
América Latina, Connel (2006). Tal processo estabeleceu a formação de dois polos
interconectados na produção do conhecimento, o primeiro focado na coleta e fornecimento
de dados e um segundo que os processa e sistematizava em forma de teoria. Eis a gênese de
uma estrutura de divisão do trabalho que se manteve no tempo, produzindo as bases onde
assenta-se o cenário atual: O abismo entre a produção de autores do Sul Global e àqueles
pertencentes ao Norte.

Connel deve boa parte de sua análise sobre a relação entre o colonialismo e a divisão
do trabalho intelectual, ao filósofo nigeriano Paulin Hontondji. O intelectual africano têm
sido uma figura proeminente na denúncia dos impasses à produção científica no continente,
e têm uma extensa contribuição sobre os impactos do colonialismo na intelectualidade

3
A relação entre trabalho empírico em pesquisadores do Sul não se restringiria apenas a uma preponderância a
produção de estudos de caso ou a trabalhos que aplicassem teorias do Norte em objetos empíricos. Autores
como Alatas apontam para empreendimentos, realizados por pesquisadores na África, Ásia e América-Latina,
de caráter fundamentalmente pautado na coleta de dados para Ongs, ou institutos de financiamento do Norte.
No artigo de Burawoy(2010), é possível perceber a relação entre dependência à financiamentos e resignação à
coleta de dados empíricos no sul do mundo e mesmo entre países na periferia europeia.
4
africana.

Hountondji aponta um paralelismo entre a exploração colonial de sentido econômico,


mais conhecida e discutida, e aquela de caráter intelectual, a partir da qual se estruturou o
quadro de divisão do trabalho intelectual. Segundo o autor, existiria uma dimensão científica
da exploração colonial no continente africano, que possuía características em comum com à
exploração econômica. No caso econômico, realizava-se a assalto às matérias primas
naturais, inexistentes nas metrópoles, a partir da exploração do trabalho escravo nas colônias,
ao passo que em paralelo ocorria uma exploração no plano intelectual. Neste segundo caso,
a extorsão se fazia a partir da coleta de um número imenso de informações que eram
encaminhadas aos laboratórios metropolitanos e centros de pesquisa, capazes de sistematizar
tais conhecimentos por meio de hipóteses, teorias e conceitos.

“Lastly, from a historical and epistemological viewpoint, it would


be intriguing to assess the debt European science owes to the Third
World, the nature and scope of knowledge resulting from the
theoretical processing of the voluminous quantities of fresh data
extracted from there, the real function of the new disciplines based
on that knowledge (tropical geography, tropical agriculture,
African sociology, anthropology, etc.), and the shifts and shake-
outs caused in old disciplines by these new discoveries.”.
(Hountondji, 199,7 p.4)

Assim como a existência de fábricas nas metrópoles permitia a produção de


mercadorias com matérias primas colhidas nas metrópoles, a presença de teorias,
instrumentos e centros de pesquisas nas potências coloniais era o que viabilizava a
sistematização de conhecimentos extraídos nas colônias. Segundo Hountondji, ambas as
formas de extração coloniais citadas: intelectual e material, operariam enquanto duas faces
de uma mesma moeda: a acumulação em escala mundial - que define o colonialismo.

Syed Hussein Alatas, sociólogo natural da Malásia, é outra referência no campo dos
estudos que discutem o fenômeno da divisão do trabalho nas ciências sociais. Sua produção,
ao tratar do fenômeno colonial em intercessão com as ciências sociais malaias, dialoga
profundamente com as contribuições de Connel e Hountondji. O autor, o qual realizara
estudos sobre o tema desde os anos 70, discute com profundidade o fenômeno da dependência
intelectual e sua relação com o que chama de “Imperialismo acadêmico”.

Com foco nos países não ocidentais, Alatas (2000) afirma que o colonialismo tivera
um papel extremamente deletério, não só no sentido da exploração econômica e dos impactos

5
políticos nas colônias, como na estruturação de uma hierarquia de poder, dominação e
tutelagem intelectual, resultante da dimensão intelectual do imperialismo.

O imperialismo intelectual tem suas raízes na investida colonial, a partir do controle


e gestão de escolas, universidades e editoras pelas metrópoles coloniais, processo que com o
passar dos séculos viria a proporcionar relações de dominação e dependência à produção
acadêmica malaia. Entre essas relações, pode-se apontar o papel secundário dado aos
intelectuais dos países colonizados, a racionalização da missão civilizadora europeia e a
conformação de uma condição de inferioridade intelectual, aos intelectuais do Sul, a qual o
autor denomina “Mentalidade Cativa”.

A noção de mentalidade cativa, parte do princípio de que a relação de dependência e


subordinação ao núcleo central e monopolístico da produção, produziria efeitos de caráter
psico-sociológico, reprodutores de uma espécie de complexo de inferioridade nos intelectuais
do terceiro mundo. Isto se expressa em tendências a executar passivamente agendas de
pesquisa, ideias e métodos advindos do Norte, além do auto-menosprezo quanto às
capacidades de criatividade intelectual.

Podem ser citadas 6 características elencadas por Alatas que fundamentam esses
papeis desiguais na produção intelectual entre o Norte e Sul, definindo os impactos do
Imperialismo Intelectual: 1 - A exploração, no sentido da produção de dados empíricos nos
países periféricos para a realização de trabalhos na Europa. 2 – A tutelagem, no sentido de
que os cientistas sociais das ex-colônias não teriam um “know how” suficiente à produção
científica, necessitando a intervenção daqueles dos centros de produção. 3 – A conformidade,
que versa sobre a estruturação de uma mentalidade servil e incapaz de realizar trabalhos
criativos por conta própria nos pesquisadores não ocidentais, expressa na expressão “mente
cativa” cunhada pelo autor. 4 – O papel secundário relegado aos intelectuais das ex-colônias,
que se define pelos lugares invisíveis que tais pesquisadores ocupam na produção
internacional de sociologia. 5 – A racionalização da missão civilizacional, que trata da
justificação da desigualdade, exploração e tutelagem, pela suposta incapacidade das ex-
colônias em produzirem boa ciência e 6 – A fuga de cérebros, causada pela evasão de
intelectuais dos países periféricos às metrópoles globais, produzindo leituras de seus
contextos locais sob os olhos do ocidente.

Autores no interior da Associação Internacional de Sociologia (ISA), também tem


6
discutido problemas referentes à estrutura desigual a partir da qual a sociologia está
organizada. Trabalhos como o de Burawoy, Chang e Hsieh, (2010), tem discutido impasses
à globalização da disciplina, apontando dificuldades para sua universalização, e a conexão
destes processos com o caráter geo-político envolvido na produção e circulação do
conhecimento. No interior dessas discussões, a intelectual indiana Sujata Patel4, tem
realizado um importante trabalho militante ao apontar a relação entre o processo colonial e a
formatação das hierarquias do conhecimento sociológico contemporâneo.

Segundo a autora, o conhecimento sociológico, principalmente aquele que se


sedimentou durante os anos 50 e 60 no campo da disciplina, fundamentou a maior parte de
suas construções teóricas a partir do conceito de modernidade. Isto significa que grande parte
das teorias produzidas no campo, teria pautado a “modernidade” enquanto crivo fundamental
para a estruturação de seus modos de ver e explicar o mundo. Segundo Patel (2009), o fato
da ideia de modernidade estar completamente imbuída em uma forma de raciocínio
evolucionista – na qual as sociedades tenderiam à convergência do “desenvolvimento
moderno”-, impactou diretamente a produção teórica das ciências sociais, fazendo com que
elas espelhassem tal horizonte histórico-evolutivo em suas prospecções. Todavia, a autora
afirma que essas proposições teóricas, fundadas na ideia de modernidade, e seriam nada mais
do que representações abstratas da experiência das grandes metrópoles coloniais europeias.
Frente a isso, o conhecimento que se pretendia universal na obra desses autores manifestava-
se apenas enquanto uma concepção euro-centrada de como o mundo deveria convergir à
experiência de locais como Inglaterra ou França.

Como afirma Patel, o discurso eurocêntrico, fruto da intercessão entre a experiência


colonial e a produção intelectual do Ocidente, é baseado em um padrão de oposições e
divisões, típicas de dicotomias como razão-emoção, mente-corpo, sujeito-objeto e moderno-
tradicional. Essas dicotomias, estruturariam uma divisão sobre a natureza do conhecimento
entre Ocidente e não-ocidentais, de tal forma que a produção correspondente às metrópoles
coloniais possuiria ares de universalidade, superioridade e um caráter emancipatório,
enquanto à produção fora da Europa possuiria um viés particularista, inferior e não
emancipatório, Patel (2016).

4
Uma parte do debate interno à Associação Internacional de Sociologia (ISA), pode ser encontrado no livro
editado por Sujata Patel: The ISA Handbook of Diverse Sociological Traditions (2010).
7
O modo como Patel discorre acerca do Eurocentrismo têm influência direta das
contribuições dos teóricos do “Grupo Modernidade-Colonialidade”, autores das chamadas
correntes decoloniais. Intelectuais como Enrique Dussel, Walter Mignolo e Aníbal Quijano,
são os principais nomes de tal corrente teórica que, influenciada pelos estudos subalternos de
autores da Índia, têm trabalhado com as formas como a produção de conhecimento estão
mundialmente hierarquizadas. O conceito de colonialidade, é central na obra destes e nos
ajuda a compreender algumas das raízes para a as hierarquias no campo do saber vivenciadas
hoje no interior da sociologia.

A colonialidade, que teria suas raízes na investida colonial sobre as américas no


século XVI, opera a partir da articulação dos seguintes elementos: Uma forma de
classificação social baseada na ideia de raça; a imposição da cultura europeia; a supressão
genocida dos saberes dos povos indígenas; e a articulação de tais povos no interior do modo
de produção capitalista dos séculos XVI até a contemporaneidade. Estes elementos
fundamentaram a estruturação do colonialismo enquanto modelo econômico, político e
cultural, e ao estruturarem o modo de sobrevivência do padrão de acumulação global durante
o período colonial, impactaram diretamente o modo como as sociedades exploradas foram
constituídas. Uma das formas desse impacto foi no campo do saber, no qual a categoria raça,
construída a partir de uma caracterização biológica, serviu à construção de uma barreira
epistemológica entre os povos do globo – fundamentando uma nova ontologia. Nesta
ontologia, o branco (ser) europeu apresenta-se como “O” homem – ser dotado se
subjetividade -, e o indígena (não-ser) se configurou como uma coisa e, enquanto algo
desumanizado, Quijano (2000). Tal forma de reconhecimento, acerca da natureza do “ser”
dos povos colonizados, se refletiu na forma como o conhecimento produzidos por esses era
classificado. A partir disso, o conhecimento europeu posicionou-se enquanto aquele com ares
de legitimidade e cientificidade, enquanto os saberes das populações escravizadas foram
relegados a uma posição subalterna. A colonialdiade atinge então a sua dimensão no plano
epistemológico, funda-se enquanto uma colonialidade do saber.

Compreende-se então que temas como colonialidade e eurocentrismo encontram-se


imbricados diretamente no entendimento do modo como está disposta a divisão internacional
do trabalho intelectual. No tópico a seguir, apresentam-se algumas contribuições de autores

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brasileiros que têm discutido a posição do Brasil no interior deste quadro.

Algumas reflexões alternativas a partir do Brasil

A emergência de abordagens sociológicas, circunscritas por contribuições como as


dos estudos subalternos, pós-coloniais e decoloniais, têm encontrado profícua ressonância
nas produções de alguns intelectuais brasileiros, os quais têm pensado a sociologia brasileira
à luz deste cenário mundial de desigualdade. Sumarizo abaixo algumas reflexões de 3
intelectuais brasileiros que tem discutido a produção sociológica brasileira em intercessão
com a geopolítica do conhecimento: Sérgio Costa, Marcelo Rosa e João Marcelo Maia.
Sérgio Costa tem se dedicado diretamente ao problema da divisão internacional do
trabalho intelectual no interior das ciências sociais. Em diversos artigos percebe-se o
interesse do autor em compreender o cenário contemporâneo de crítica ao centro da produção
teórica, e em apresentar possibilidades de convergência entre as tendências pós-coloniais e
os interesses da sociologia moderna. Costa (2006). No artigo Costa (2010), com base em um
estudo sobre obras publicadas na Revista Brasileira de Ciências Sociais (RBCS), advoga a
tese de que não existiria atualmente produção no país que se orientasse com a finalidade de
interferir diretamente nos debates teóricos da disciplina como um todo. Segundo o autor,
trabalhos no campo nacional que lidam mais diretamente com teoria sociológica,
majoritariamente trabalhariam com revisões de premissas teóricas consolidadas por autores
de países como Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha.
Um sinal disto, foi que analisando o conteúdo de artigos da Revista Brasileira de
Ciências Sociais (RBCS), Costa percebeu que entre os 10 autores mais citados pelos
cientistas sociais brasileiros, apenas dois eram do país, Florestan Fernandes e Gilberto Freyre,
possuindo uma frequência bem inferior aos intelectuais de fora, como Bourdieu ou Weber.
Costa também pontua que os artigos do periódico, que discutem teoria, se mantêm “às franjas
da produção teórica no mundo”. A maioria dos trabalhos, tratavam-se de revisões da
bibliografia internacional ou tentativas de reflexão sobre esta literatura à luz de casos
empíricos brasileiros. Isto leva Costa a concluir que a produção das ciências sociais nacional
estaria às margens da discussão teórica da disciplina como um todo, fazendo com que os
intelectuais brasileiros ocupassem posições subalternas na geopolítica do conhecimento
global.
Marcelo Rosa, é outro autor que têm realizado importantes contribuições acerca do
status do conhecimento teórico produzido por intelectuais das ciências sociais brasileiras e
9
do Sul Global como um todo. Em diálogo constante com a literatura que têm discutido o “Sul
Global” enquanto fonte de subversão dos padrões hegemônicos de produção e distribuição
do conhecimento sociológico, Rosa aponta para as dificuldades de se fazer teoria sociológica
no Brasil, em um contexto marcado pela dominação das teorias e metodologias euro-
americanas5.
Em Rosa (2015), o autor pontua, ao dissertar sobre os desafios da sociologia no Brasil
e na África, que nestes países os cursos de teoria social encontram-se majoritariamente
dominados por uma visão de mundo onde acredita-se que teoria é algo produzido apenas na
Europa e nos Estados-Unidos6. Rosa salienta este ponto ao citar o caso da produção
conhecida nacionalmente como “Pensamento Social Brasileiro”, uma área de conhecimento
bastante sólida, mas que não se faz presente nos cursos de teoria social. A separação comum
entre os cursos de teoria e aqueles de pensamento social brasileiro seria um dos exemplos de
como a produção nacional é vista de forma desconectada de seu potencial teórico.
Este modo de enxergar a produção nacional, enquanto algo estranho ou alheio à
reflexão e produção de teoria, segundo Rosa, acaba por estruturar um cenário onde os
pesquisadores do país ficam fadados a tornarem-se hábeis em “administrar a irrelevância de
suas próprias produções”. Conectado a isso, o prestígio intelectual no país encontrar-se-ia
muitas vezes associado ao quão capaz os pesquisadores nacionais são em fazer uso eficaz de
teorias e metodologias produzidas por cânones do Norte, conhecimentos produzidos em
outros contextos, mas que seriam utilizados para classificar as experiências brasileiras.
O trabalho de João Marcelo Maia, têm destacado em várias oportunidades, o potencial
de associação entre o pensamento social brasileiro e os discursos contemporâneos de crítica
à produção eurocêntrica no interior da sociologia. A partir desta intercessão, afirma que os
campos de estudos nacionais poderiam ter ganhos potenciais ao associarem-se a uma história
transnacional do pensamento periférico.
O autor aponta que a emergência de discursos alternativos oriundos das linhas pós-
coloniais, decoloniais e dos estudos subalternos, têm produzido um importante papel de

5
- A noção de “Euro-América” é utilizada por autores como Law (2004), Comaroff e Comaroff (2011) e
Anzaldúa e Reuman, (2000). Termo circunscreve-se em uma tentativa de situar norte global para além de países
da Europa, agregando os Estados Unidos da América enquanto um novo centro da produção de conhecimento
e da própria geopolítica mundial.
6
- O trabalho de Nyoka (2012) discute diretamente a produção da subalternidade a partir de ementas de cursos
de sociologia na África do Sul.

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descentramento da produção de teoria sociológica. Segundo ele, essas contribuições ao
realizarem críticas diretas ao caráter eurocêntrico presente no saber sociológico, denunciando
os problemas causados por teorias que se pretendem universais, e criticando conceitos e
teorias a partir estudos locais - que não se encaixam nas narrativas das sociologias do Norte
-, tem realizado um papel importante de descentramento da produção sociológica, fazendo
emergir novos locais de enunciação de conhecimento.
Segundo Maia (2011), o pensamento social brasileiro é rico em contribuições que
possuem paralelo com as críticas realizadas por esses discursos alternativos, como ele mesmo
aponta a partir da obra de Guerreiro Ramos. Neste sentido, o autor acredita que esta seria
uma forma de atualizar discussões teóricas a partir do pensamento social brasileiro, as quais
seriam capazes de impactar o debate internacional acerca do status do conhecimento teórico
sociológico. A partir disso, defende que o pensamento social brasileiro ganharia muito em
relevância internacional ao estar se associando a uma história transnacional do pensamento
periférico, trabalho realizado pelas correntes decoloniais e pós-coloniais. Isso permitiria que
a produção teórica do país, se tornasse menos “auto-referida”, para se tornar integrante de
um movimento de ideias global relevante para autores situados nas mais diversas regiões do
Sul do mundo.

METODOLOGIA

Com o interesse em compreender a situação dos sociólogos latino-americanos no


interior da divisão do trabalho intelectual sociológico, este artigo debruçou-se sobre espaços
que se consolidaram enquanto as principais formas de compartilhamento do conhecimento
produzido pela sociologia: Os periódicos destinados à publicação de artigos. Com vistas a
circunscrever melhor o estudo sobre a divisão internacional do trabalho sociológico, buscou-
se fazer uma seleção de jornais que trabalham aquilo que é um dos pontos centrais nas
discussões sobre a geopolítica do conhecimento: A teoria sociológica.

Foram escolhidas 4 revistas de teoria sociológica, com grande impacto e prestígio


internacional, enquanto focos para a análise. Inicialmente, para a escolha dos periódicos foi
utilizado o indicador SRJ, produzido pelo SCImago Journal & Country Rank, site
especializado em rankings de periódicos científicos, o qual constrói o chamado “índice SRJ”
a partir de um cálculo sobre a média de citações que uma revista possui. Neste sentido, o
número médio de citações foi utilizado enquanto forma de escolha das revistas que
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possuiriam grande impacto no campo. Contudo, percebeu-se, ao pesquisar em sites similares,
ou mesmo artigos que construíam rankings a partir de outras formas de cálculo, Jacobs (2011)
que independentemente do tipo de índice, 4 revistas de teoria sempre se destacavam no
campo. Estas 4 foram instantaneamente escolhidas para a pesquisa.

Destarte, a partir dos rankings de impacto, escolheram-se as revistas Theory and


Society; European Journal of Social Theory; que encontram-se situadas no continente
Europeu, e Theory Culture and Society; e Sociological Theory, ambas baseadas nos Estados
Unidos. É importante ressaltar, porém, que apesar de estarem situadas na Europa e Estados
Unidos, todas as quatro revistas são de caráter internacional.

Foram escolhidas as edições dos periódicos correspondentes aos anos de 2015 e 2016.
Tomando este marco temporal, levantaram-se dados, como mostra a Tabela 1, de 13 edições
da Theory Culture and Society; 8 edições da European Journal of Social Theory; 12 edições
da Theory and Society; e 8 edições da Sociological Theory, equivalendo a um total de 41
edições, 279 artigos e 362 autores. É importante ressaltar que as diferenças no montante de
artigos e autores entre as revistas possuem relação com a quantidade de artigos por edição e
número de edições por ano. As revistas Theory Culture and Society e Theory and Society são
bimestrais, sendo que a primeira possui uma edição extra para o mês de dezembro. Já a
European Journal of Social Theory e Sociological Theory tem saída trimestral.

Tabela 01 – Informações gerais dos periódicos – 2015/2016


N° de N° de
Periódicos N° Edições Artigos Pessoas
Theory Culture and Society (TC&S) 13 127 157
European Journal of Social Theory (EJST) 8 59 76
Theory and Society (TS) 12 42 54
Sociological Theory (ST) 8 51 75
Total 41 279 362*
* ao todo 362 pessoas publicaram nas revistas, todavia, alguns nomes se repetem. Os números sem repetições
são: 152 (TC&S), 71 (EJST), 54 (TS) e 74 (ST) totalizando 351 autoras e autores.
FONTE: Autoria própria

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

A partir do emprego desta metodologia de investigação, pôde-se compreender alguns


elementos que definem a posição periférica ocupada pelos intelectuais da américa latina nos
debates internacionais de teoria social. Nas tabelas 2 e 3, abaixo, apresentam-se as
frequências e porcentagens referentes aos periódicos Theory Culture and Society e European
12
Journal of Social Theory. Percebe-se que nestas revistas a concentração de autores situados
no Reino-Unido se faz bastante presente, alcançando o valor de 36,54% no primeiro
periódico e 28,95% no segundo, do total de publicações. Os Estados Unidos seguem na
segunda posição, com 18,59% e 10,53% das publicações respectivamente. Percebe-se, a
partir disto, que os dois países aglomeram, sozinhos, aproximadamente a metade de todas as
publicações dos periódicos. As 4 primeiras posições são compartilhadas, nos dois exemplos,
com Alemanha e Dinamarca. Somando-se as 4 primeiras colocações percebe-se que Reino-
Unido, Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca controlam, em média entre 60 e 70% das
publicações nos periódicos Theory Culture and Society e European Journal of Social Theory.

Tabela 02 – Frequências de países em Theory Culture and Society


Theory Culture and Society
País Frequência Porcentagem
Reino Unido 57 36,54%
Estados Unidos 29 18,59%
Alemanha 8 5,13%
Dinamarca 8 5,13%
Sem Identificação 7 4,49%
Austrália 6 3,85%
França 5 3,21%
Holanda 4 2,56%
Israel 4 2,56%
Itália 4 2,56%
Coreia do Sul 4 2,56%
Canadá 3 1,92%
Brasil 3 1,92%
Total Geral* 156 100%
*Outros: China (2) (1,28%); Singapura (2) (1,28%); Suécia (2) (1,28%); Suiça (2) (1,28%);
África do Sul (2) (1,28%); Japão (1) (0,64%); Egito (1) (0,64%); Portugal (1) (0,64%);
Finlândia (1) (0,64%)

Tabela 03 – Frequências de países em European Journal Of Social Theory


European Journal Of Social Theory
País Frequência Porcentagem
Reino Unido 22 28,95%
Estados Unidos 8 10,53%
Dinamarca 8 10,53%
Alemanha 5 6,58%
Espanha 5 6,58%
Holanda 4 5,26%
13
Canadá 4 5,26%
Brasil 3 3,95%
Itália 3 3,95%
Total Geral* 76 100%
*Outros: França (2) (2,63%); Argentina(2) (2,63%); Finlândia(2) (2,63%); Suécia(1)
(1,32%); Bélgica(1) (1,32%); Portugal(1) (1,32%); Austrália(1) (1,32%); República
Checa(1) (1,32%); Índia(1) (1,32%); África do Sul(1) (1,32%); Cyprus(1) (1,32%)

O Brasil ocupa a 12ª posição na Theory Culture and Society, com 3 artigos
publicados, o que corresponde a 1,92% da porcentagem total. Já no European Journal of
Social Theory, o pais ocupa a 8ª posição, correspondente a 3,95 do montante geral,
novamente com 3 publicações. Percebe-se então que o país possui um número de publicações
bem menor do que países como Reino-Unido, Estados Unidos, Alemanha e Dinamarca, que
dominam boa parte das publicações nas revistas. Contudo, pode-se identificar que o Brasil,
é país que possui os melhores rankings no que concerne à América Latina e África, sendo
ultrapassado por apenas um país da Ásia, Israel, na primeira revista. Além disso, as
publicações de autores situados no Brasil chegam a ultrapassar alguns países da própria
Europa como Suécia, Suíça, Finlândia e Portugal.
Já ao se analisar os jornais Theory and Society e Sociologial Theory, é possível inferir,
como expresso nas tabelas 4 e 5, que os Estados Unidos dominam um valor extremamente
alto em relação a outras nações. Com 33 artigos na primeira revista o país contra 61,11% dos
artigos publicados, valor que sobe consideravelmente ao considerar-se o Sociological
Theory, onde a porcentagem passa a ser de 84%, com 63 artigos. No caso dessas revistas,
percebe-se a presença, nas primeiras posições, do Reino-Unido e Canadá. Os 3 países
controlam, 77,78% das publicações em Theory and Society e 92% em Sociological Theory.
Além disso, é possível perceber que nos dois periódicos, apenas 3 países situados no Sul
global estão presentes, cada um deles com apenas uma publicação: África do Sul, Singapura
e Austrália. Nenhum país latino americano se faz presente, fazendo com que o continente
permaneça completamente ausente das publicações das duas revistas no intervalo 2016-2015.

Tabela 04 – Frequências de países em Theory and Society


Theory and Society
País Frequência Porcentagem
Estados Unidos 33 61,11%
Reino-Unido 6 11,11%

14
Canadá 3 5,56%
Holanda 2 3,70%
Alemanha 2 3,70%
Espanha 2 3,70%
Noruega 1 1,85%
África do Sul 1 1,85%
Portugal 1 1,85%
Dinamarca 1 1,85%
Austrália 1 1,85%
Hungria 1 1,85%
Total Geral 54 100%

Tabela 05 – Frequências de países em Sociological Theory


Sociological Theory
País Frequência Porcentagem
Estados Unidos 63 84,00%
Canadá 4 5,33%
Reino Unido 2 2,67%
Itália 1 1,33%
Polônia 1 1,33%
Singapura 1 1,33%
Espanha 1 1,33%
China 1 1,33%
Finlândia 1 1,33%
Total Geral 75 100%

Esse levantamento, ao captar uma das dimensões de perfil dos autores que publicaram
nas 4 revistas, o local onde estão situados, apresenta dados importantes para a compreensão
da composição do debate de alto impacto em teoria sociológica hoje. Esses dados endossam
as contribuições teóricas de autores como Raweyn Connel, Syed Husseim Alatas e Paulin
Hountondji, que apontam, a partir de suas discussões acerca da divisão do trabalho intelectual
no interior das ciências sociais, que a discussão teórica da disciplina se encontra
majoritariamente situada no Norte Global. Percebe-se então que os autores de nações latino-
americanas que sofreram a investida colonial iniciada nos séculos XVI e XVII, entre eles o
Brasil, permanecem às margens dos debates promovidos nas revistas de maior impacto no
interior da sociologia, os quais são dominados por um número parco de nações Euro-
Americanas.
Como mostrado na tabela 6 abaixo, que soma as frequências e porcentagens gerais

15
relativas as 4 revistas, percebe-se que 87,81%, da produção de grande impacto teórico, no
interior da sociologia, está situada no Norte Global. Fontes que reforçam o quase monopólio
euro-americano daquilo que é discutido em teoria sociológica nos jornais de grande prestígio
internacional. América Latina e África, que somadas não chegam a 5% do volume de
publicações, apontam a condição marginal do sul global no interior do debate teórico
internacional de grande impacto, informações relevantes para a percepção de como a
colonialidade, o eurocentrismo e a divisão do trabalho intelectual são processos
interconectados na produção de uma estrutura desigual e hierárquica no interior da
sociologia.

Tabela 06 – Frequências Geral em relação a Região


Regiões dos Autores - Geral
Região Frequência Porcentagem
Europa 171 47,37%
América do Norte 146 40,44%
Ásia 16 4,43%
Oceania 8 2,22%
América Latina 8 2,22%
Sem Identificação 7 1,94%
África 5 1,39%
Total Geral 361 100%

Além disso, tais dados ajudam a retratar alguns dos dilemas apresentados por autores
brasileiros, como Sérgio Costa, Marcelo Rosa e João Marcelo Maia. Assim como esses
autores pontuam, a hegemonia euro-americana no debate e produção de teoria da disciplina
é acompanhado por uma participação diminuta de intelectuais de países localizados na
américa-latina no que concerne à teoria. Tais inferências reforçam aquilo afirmado por Costa
(2010), ao apontar a relação distante entre os intelectuais da periferia e a produção teórica,
pois ao se mensurar o baixo número de latino-americanos presentes nas revistas de teoria
internacionais, pode-se inferir que as produções teóricas dos autores do continente estão
longe de dialogarem ou contribuírem com o núcleo da produção mundial.
Buscando o aprofundamento dos elementos que compõem a posição periférica
ocupada pelos intelectuais latino-americanos nos debates internacionais de teoria da
disciplina, trabalhou-se com uma análise qualitativa mais aprofundada do caso brasileiro.
Este aprofundamento permite perceber elementos que podem extrapolar o caso nacional,

16
sendo comuns ao contexto do continente latino americano como um todo. Realiza-se então,
no tópico a seguir uma análise do conteúdo dos artigos publicados pelos autores nacionais
nas 4 revistas.

A dicotomia Teórico/Universal x Empírico/Local

Para a análise de caráter qualitativo, realizou-se um levantamento dos artigos


publicados por pesquisadores situados no Brasil, nas revistas Theory and Society; European
Journal of Social Theory; Teory Culture and Society; e Sociological Theory. Porém, neste
caso, o marco temporal foi alargado, circunscrevendo-se entre os anos de 2000 e 2016. Tal
processos foi feito visando uma análise de caráter qualitativo acerca das tendências temáticas
aos artigos. Buscou-se então descobrir quais seriam os possíveis padrões temáticos “típicos”
que definiriam uma tendência de publicação dos intelectuais brasileiros. Neste caso,
entendendo-se por padrão temático uma possibilidade de persistência na escolha de temas,
objetos ou questões de investigação em comum.

Chegou-se a um total de 18 artigos publicados no intervalo 2000 e 2016; 5 deles


publicados na European Journal of Social Theory; 12 na Theory Culture and Society; e 2 na
Sociological Theory. Nenhum artigo de autores situados no Brasil foi publicado na revista
Theory and Society no intervalo indicado.

A partir da análise dos resumos, palavras-chave e nomes dos artigos, percebeu-se que
a produção dos autores brasileiros nas 4 revistas reproduz alguns padrões temáticos que
expressam as dicotomias entre Trabalho teórico x Empírico e Universal x Local. Dentre os
19 artigos de autores do país, 12 trabalhavam diretamente com pesquisas de caráter empírico,
por mais que estivessem publicadas em revistas circunscritas ao debate teórico da disciplina.
Além disso, entre os 12 trabalhos fundamentados em estudos empíricos, não estavam
apresentadas propostas ou fundamentações que buscassem modificar pressupostos de teorias
presentes no campo.

Além destas características, que demonstram que mesmo publicando nas revistas de
caráter teórico, os autores nacionais seguiriam fazendo trabalhos de caráter empírico,
percebe-se também uma tendência a fazer referência a temas locais, como a américa latina e
o Brasil, nas questões abordadas em seus trabalhos. Percebe-se, neste caso, uma tendência a

17
estudar temas que façam referência ao local onde o pesquisador está situado, em vez de
trabalhos que busquem dialogar com proposições universalistas que marcam a produção
teórica da disciplina. Entre tais temáticas, pode-se encontrar discussões acerca do
desmatamento amazônico; Análises do desenvolvimento do capitalismo ou da modernidade
no Brasil e América Latina; Estudos sobre a influência de Urich Beck na sociologia brasileira
ou representações da américa latina em livros de arte pré-colombiana.

Tal situação expõe assim como apresentado por Alatas (2003), a tendência dos
autores situados fora do eixo euro-americano, a trabalharem com estudos de caráter local, ou
que façam referência a seus países ou regiões, em vez de deterem-se nos temas
“universalistas”, relegados aos pesquisadores do Norte global. Essas características reforçam
as contribuições que versam sobre o modo como se organiza a divisão internacional do
trabalho intelectual sociológico.

Tais características, como o interesse por temas empíricos ao invés de discussões


teóricas, além do escrutínio em questões locais, sem ter como horizonte o impacto de
assertivas universais das teorias hegemônicas, apresenta que o caso brasileiro reflete o
contexto global de divisão do trabalho intelectual apresentado por teóricos como Connel,
Alatas e Hountondji. Poder-se-ia inclusive lançar algumas hipóteses, a partir da noção de
“Mentalidade Cativa” de Alatas (2000), com base no baixo número de artigos brasileiros
interessados em um engajamento criativo no sentido teórico, de forma que pudessem
acrescentar proposições às teorias do campo, ou mesmo defenderem incompletudes e
inconsistências destas.

Porém, é importante fazer referência a alguns artigos interessados em impactar


proposições teóricas situadas no interior da disciplina. Encontraram-se 3 artigos que estavam
interessados em situar questões novas às teorias com as quais dialogavam, estes se detinham,
respectivamente, em: Discussões sobre incongruências na teoria de Durkheim a respeito do
suicídio; Proposições acerca do potencial da teoria do ator rede enquanto uma forma de
driblar as características eurocêntricas da teoria sociológica; E Análises do fenômeno da
modernidade a partir da concepção de algoritmo. A existência de tais trabalhos apresenta que
por mais que a produção dos autores nacionais no interior das revistas de sociologia esteja
majoritariamente deslocada à estudos empíricos ou focados no Brasil e América Latina,
existem tentativas de tensionamento da teoria sociológica ou interesses em contribuições

18
inovadoras à teoria sociológica.

CONCLUSÃO

O tema da divisão internacional do trabalho intelectual tem ganhado importantes


contribuições de autores situados nas chamadas correntes emergentes ou alternativas.
Proposições de intelectuais situados no sul global, como Rawyen Connel, Syed Alatas, Sujata
Patel e a corrente decolonial, têm contribuído em expressar as desigualdades no interior da
sociologia, fomentando estudos que apontam para os impasses à produção e circulação de
teoria sociológica pelo mundo.
Este trabalho, focado em 4 revistas de grande impacto no debate teórico da disciplina,
realizou um levantamento interessado compreender a situação dos intelectuais latino-
americanos no interior da divisão internacional do trabalho sociológico. A partir do
levantamento acerca do perfil das pessoas que publicam nesses periódicos, foi possível
perceber a baixa presença de autores de países da América Latina, entendida enquanto
América do Sul, Central e Caribe, nos debates realizados nos jornais. Em paralelo a isso, foi
possível pôr a prova as afirmações de autores das correntes pós-coloniais, decoloniais e
alternativas, que apontavam para a hegemonia Euro-Americana no debate teórico da
disciplina. A caracterização de que os intelectuais do Norte Global compunham quase 90%
da produção geral das revistas, foi capaz de reforçar as afirmativas dos autores citados,
demonstrando o quão desigual são os locais ocupados por teóricos do Norte e Sul nessas
revistas.
Além da compreensão acerca do cenário onde estão situados os autores latino-
americanos, foi possível compreender tendências temáticas que reforçam o papel dos
intelectuais da periferia global na divisão internacional do trabalho intelectual, a partir de um
estudo mais aprofundado do caso brasileiro. A presença majoritária, entre os artigos de
brasileiros, de investigações empíricas, descoladas de um interesse em tencionar ou
contribuir teoricamente para discussões da disciplina, além do foco em questões como
América Latina e Brasil, reforçam o papel secundário das proposições nacionais no interior
das revistas, contribuindo para a reprodução do cenário global de desigualdade no campo. A
partir disto, pontua-se os desafios à internacionalização das contribuições teóricas de
intelectuais latino-americanos, ressaltando a importância de se compreender a relação entre
a colonialidade do saber, o eurocentrismo e a divisão do trabalho intelectual, enquanto

19
fundamentos da dominação teórica euro-americana.

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