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para-a-gente-fazer-junto

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 285, 03 de Setembro | 2015

Língua Portuguesa | 2º e 3º anos | Sala de aula

Um ditado para a gente


fazer junto
Enquanto o professor lê, a turma tira dúvidas e troca
ideias sobre a escrita das palavras
Patrick Cassimiro
Ana Ligia Scachetti
Larissa Teixeira

A prática de ditar um texto para a classe foi muito usada antigamente e


muitas vezes é tida como ultrapassada. De fato, o ditado realizado de forma
mecânica e sem intenção didática clara deve ser evitado. Distanciando-se
dessa pecha, a atividade pode ser planejada de maneiras diferenciadas e que
contribuam para o avanço da turma. As pesquisadoras argentinas Emilia
Ferreiro e Ana Teberosky esmiúçam as possibilidades dessa prática para a
sondagem das hipóteses de escritas dos alunos da alfabetização. Conforme
as crianças avançam na compreensão do sistema alfabético e o professor
deseja promover reflexões sobre a ortografia, pode-se recorrer a ela
novamente e realizar o chamado ditado interativo.

Nessa proposta, os alunos são organizados em duplas ou pequenos grupos


para que troquem ideias e discutam sobre a escrita. "O ditado interativo
colabora para que se pense sobre palavras que contêm uma dificuldade
ortográfica - por exemplo, G ou GU; S, Z ou SS. O professor lê um texto
conhecido pela turma e pergunta como se escreve determinado termo",
descreve Artur Gomes de Morais, docente da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE).
Os alunos trabalharam em duplas, discutiram possibilidades e um deles foi o
escriba. Crédito: Raoni Maddalena

Segundo Célia Prudêncio, formadora do Programa Ler e Escrever, em São


Paulo, essa interação visa possibilitar a tomada de consciência sobre a grafia
das palavras. Por isso, a atividade pode ser realizada várias vezes durante o
ano. "O debate cria uma atitude de dúvida em relação à escrita. As crianças
percebem aspectos que nunca tinham pensado antes e o comentário de um
vai mudando o olhar do outro", aponta.

Uma das condições para realizar a proposta é escolher o trecho de um texto


que já foi trabalhado, o que garante sentido para o que será escrito. "O fato
de o material já ser conhecido ajuda as crianças a focar nas palavras e brincar
com elas", destaca Morais. Antes de iniciar o ditado, porém, é importante ler
com todos a versão integral do texto para que eles relembrem o conteúdo.
Poemas, contos e fábulas apresentados em aulas anteriores podem servir
como base para abordar uma ou várias dificuldades identificadas.

Debate sobre texto conhecido

Na EE Professora Josefina Maria Barbosa, em São Paulo, a educadora


Graziella Giovanna Rocco sentiu a necessidade de trabalhar com a ortografia
regular (aquela em que há regras) ao observar que os alunos do 2º ano
estavam com dificuldade para diferenciar o S do SS. Depois de analisar as
produções da turma, ela resolveu ditar a fábula A Rosa e a Borboleta, do livro
Fábulas de Esopo (96 págs., Ed. Companhia das Letrinhas, tel. 11/3707-3500,
44 reais), que as crianças já conheciam e continha termos que colaboravam
para a discussão que ela desejava promover.

Para iniciar, ela leu o texto completo e explicou o que iria fazer. Depois,
dividiu a turma em duplas e orientou que um dos estudantes deveria
escrever e o outro acompanharia, contribuindo com a escrita. "Um dos alunos
pode ser o escriba porque a grafia do texto é resultado da discussão. O que
mais interessa é o debate que gera a reflexão e a tomada de consciência,
procedimentos cognitivos muito importantes no processo de aprendizagem",
afirma Célia.

Enquanto a classe escrevia cada trecho, Graziella caminhava pela sala e


mediava os debates para que todos trabalhassem em parceria, com o
cuidado de não fazer correções. "A discussão precisa ser respeitosa, os
alunos têm de saber ouvir e argumentar nas duplas. A intervenção do
docente deve ser no sentido de mediação, questionando as justificativas de
cada um", explica Marly Barbosa, também formadora do Ler e Escrever.

Sem fazer correções, Graziella circulou nas mesas e conferiu como estavam
os debates. Crédito: Raoni Maddalena

Durante o ditado, a qualquer momento, a turma podia interromper a


professora para tirar dúvidas. Em vez de dar a resposta correta, ela
questionava como eles achavam que a palavra deveria ser escrita, anotando
as hipóteses no quadro. No fim da leitura, a docente organizou uma reflexão
coletiva, apoiada pela lista que foi composta anteriormente. As primeiras
dúvidas da classe foram em relação às palavras "rosa" e "desenho". Graziella,
então, questionou: "Como vocês escreveram?". Alguns disseram que haviam
feito com S, outros com Z ou ainda com SS.

"As crianças estavam em dúvida e perguntaram 'se as palavras têm som de Z,


por que escrevemos com S?'", lembra a educadora. Então, ela apresentou a
regra ortográfica que se aplica à leitura desses termos: S entre vogais
representa o som de Z, como em "rosa" e "desenho". Já o SS é usado para
representar o som de S entre vogais, como em "massa". Quando se trata de
palavras irregulares, o educador deve explicar que não há uma regra
definida. E, claro, também é importante avisar que muitas vezes há exceções.
As hipóteses foram colocadas no quadro e discutidas coletivamente. Crédito:
Raoni Maddalena

A classe também teve dificuldades com o uso de S e SS nas palavras "assim",


"disse" e "promessas". Alguns utilizaram apenas um S ou, ainda, disseram
que o som era de cê-cedilha. Todas as possibilidades foram discutidas
coletivamente. "Ao contrastar formas corretas e erradas possíveis, o aluno
toma consciência da dúvida que tem e vai elaborando a regra em foco. Isso
requer uma sequência, na qual, ao longo de quatro ou cinco aulas, o docente
faz várias atividades enfocando a dificuldade específica", explica Morais.

Para terminar a sequência, pode-se realizar uma sistematização da discussão


ou das descobertas e pedir que as crianças justifiquem o que escreveram. "Os
alunos apresentam a forma como determinada palavra deve ser grafada e
defendem a opção, enquanto o professor registra. No final, ele propõe o
debate, verificando a que é mais representativa ou coerente, transcreve para
um cartaz e prende na parede da sala. Assim, em outra aula, quando
discutirem o mesmo tipo de regularidade, é possível recorrer ao material e
rever o que já se sabe sobre essa regra", propõe Célia.

Ao realizar o ditado várias vezes durante o ano letivo, abordando aspectos


diferentes, o docente colabora para que o estudante reflita sobre as regras
ortográficas e comece a escrever com mais autonomia. "O ditado interativo
pode ser realizado uma vez por semana, de acordo com as necessidades de
aprendizagem identificadas. No meu caso, percebi que havia uma demanda e
trabalhei para sanar as dificuldades específicas que observei", completa
Graziella.

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