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DE UM BODE ADOLESCENTE
ou
Historia de la vida del chivo Capitu, llamado El Conquistador,
ejemplo de sensualidad y lengua profana, espejo de todas las
cabritas
CENA 1:
- Pare de anotar o nascimento das criações nesse caderninho e,
principalmente, pare de anotar o nome com que a digníssima, que se diz minha
esposa, batiza meus animais, entendeu? Enquanto falava em um tom nada cortês,
ajeitava o imenso anel de ouro na mão esquerda.
- Senhor, faço isso porque gosto de controlar as crias da fazenda São
Bernardo; e porque amo os animaizinhos, os batizo com nomes de pessoas, pois
leio...
- Senhora, a minha fazenda não se chama São Bernardo, minha fazenda
chama-se fazenda Marimbondo, e ponto. A caríssima não coloca nomes de pessoas
nos animais, e sim nomes de personagens da literatura. A Senhora sabe muito bem
que eu odeio literatura e acho que só a Bíblia é edificante para as mulheres já que
todas têm um cromossomo oco no cérebro.
- Mas por quê, meu caro marido? Eu adoro os animais, adoro ler e sinto
prazer em dar-lhes nomes literários, que mal há nisso?
- Esses malditos livros são todos suspeitos. Quem escreve literatura, ou é
louco, ou é ateu, ou é comunista. Como vou saber se os nomes que a Senhora
coloca nos animais são nomes de personagens decentes? Não entendo nada de
literatura, mas já andei especulando e me disseram que os nomes dos animais da
minha fazenda são todos, digamos, suspeitos. Ou a Senhora pára com isso ou
queimo seus livros. Honra!!! A ilustrada conhece a força e o poder dessa palavra?
- Conheço e sou recatada. Quem informou os predicados morais dos
nomes dos animais ao Senhor foi seu ilustre irmão Paulo, não foi?
- Sim, caríssima. Foi, e daí? Qual o problema?
- Nada. O meu estimado e único cunhado comete um crime ao me intrigar
com meu amado esposo. A leitura é tudo o que me resta... Não estou em um
convento, nem sou vassala. Já basta viver encastelada e enclausurada nesta fazenda.
- Na minha fazenda, a partir de agora, galinha será só galinha. Não
agüento mais ouvir, todas as manhãs, a Senhora desfiar esse rosário enquanto dá
milho a elas: Salomé, Madalena, Megera. É uma algaravia sem fim. E a porca
Dulcinéia, e o porco Lancelot... Quem foi esse Lancelot, algum cristão que morreu
nas cruzadas? Responda-me, Senhora, olhando dentro dos meus olhos, quem foi esse
homem?
- Bem... Ele... Ele traiu o Rei Arthur... respondeu, sem nenhuma
prudência, desviando o olhar dos olhos inquisidores do marido.
- Sim, tenho um porco traidor no meu quintal e devo isso a minha
formosa esposa Francisca. A partir de hoje, nesta fazenda, nesta casa, no meu curral,
no meu galinheiro, galinha será só galinha e porco será só porco, entendeu, cara
dama? Pode fazer o que lhe aprouver na vida, só lhe peço que evite esta canalha
literária.A Senhora é a mais formosa, casta e virtuosa mulher que conheci, os livros
é que lhe embaraçam os miolos.
-
CENA 2
CENA 3
- Quer que eu passe pela prova de sinceridade pela qual passou Isolda?
questionou Francisca, tentando manter um olhar altivo.
- Não sei, nem me interessa saber da pureza desta tal de Isolda. Mas você
passaria pela prova das águas amargas da qual falou Moisés? respondeu meu avô,
com os olhos que emitiam faíscas de fogo. Olhos que geraram um silêncio absoluto
em minha avó. Silêncios que geravam silêncios. Olhos de fogo que encontravam
olhos completamente mudos.
-!!!
-
Como és
belo meu amado
como és meigo
nosso leito
feito de folhas verdes.
Cântico dos Cânticos
(transcriação de Haroldo de Campos)