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Uma nova forma de ver o mundo: As revistas ilustradas semanais.

Ivete Batista da Silva Almeida*

Resumo Abstract

Desde as primeiras décadas do século XX, a Since the early decades of the twentieth century,
principal característica das revistas semanais era the main feature of the weekly magazines was to
possibilitar ao leitor o contato com o universo da allow the reader to contact the world of culture
cultura que, por sua vez, era então compreendida
which, in turn, was understood by such vehicles as
por tais veículos da época, fundamentalmente,
como o produto das sete artes, expostas por the product of the seven arts, as stated by Ricciotto
Ricciotto Canudo em seu Manifesto das Sete Artes Straw in his Manifesto of the Seven Arts, 1911.
de 1911. Durante décadas, as revistas ilustradas During decades, the illustrated magazines were
foram se modernizando, na busca por atender, de being upgraded in an effort to meet the more
forma cada vez mais imediata as demandas da immediate demands of urban and industrial society
sociedade urbana e industrial que se configurava that was set up in Brazil. Fighting for space in the
no Brasil. Disputando espaço com os jornais, no
newspaper market in the early twentieth century,
início do século XX, as revistas ilustradas
alcançariam, na metade do século, a posição de the illustrated magazines reached in mid-century,
mídia mais poderosa entre aquelas que são the position of most powerful media between those
formadoras de opinião, principalmente a partir do who are opinion leaders, especially since the
advento da fotorreportagem. Desse período de advent of photojournalism. During this period
auge, destacamos três revistas que marcaram a there were three magazines that marked The
cena cultural brasileira, entre os anos de 1930 a Brazilian cultural scene, between the years 1930 to
1950: a Revista Vamos Lêr!, a Revista O Cruzeiro
1950: Revista Vamos Lêr!, Revista O Cruzeiro e
e a revista Manchete.
Revista Manchete.
Palavras-chave: Revistas Ilustradas. Imprensa.
Keywords: Illustrated Magazines. Press.
Fotojornalismo. História.
Photojournalis. History.

A veiculação da informação transformara-se desde há algum tempo em negócio,


passando a ser vista como uma atividade empresarial, acompanhando o ritmo de
crescimento das cidades, o mercado da informação cresceria significativamente, do final
do século XIX ao início do século XX. Neste novo ramo de investimentos, não apenas os
diversos estilos de jornais, mas também as revistas ganhavam seu espaço. Dentre as
primeiras revistas a ganhar notoriedade nesse universo magazine, temos O Malho, revista
humorística de Crispim do Amaral, criada em 1902 e empastelada em 1930 pelo governo
Vargas, e a Revista Fon Fon, criada e idealizada por Gonzaga Duque em 1907, e que
encerrou atividades em 1958. A principal característica da revista fora a atenção dada às

                                                                                                                       
*
 Ivete Batista da Silva Almeida é doutoranda no programa de História Social na Universidade de São
Paulo e professora do curso de História da Faculdade Católica de Uberlândia. E-mail:
ivetebsalmeida@usp.br.
 

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ilustrações, tendo como colaborador, em 1914, o pintor Di Cavalcante e posteriormente,
também os ilustradores Nair de Tefé e Raul Pederneiras. O Malho e Fon-Fon
corresponderam às primeiras grandes revistas que podemos destacar. Segundo Sodré, a
caricatura teria sido a principal marca da imprensa das primeiras décadas do século XX1,
além disso, a participação de grandes nomes da literatura, como colaboradores constantes
nestes periódicos, também se constituiu em uma das características marcantes do período.

Entre o final da década de 1910, os inícios da década de 1920, indo até os anos de
1930, têm-se um período com grandes índices de crescimento do mercado de periódicos,
onde, além do grande número de novos títulos que surgiam constantemente, passariam
também as revistas a diferenciar-se pela escolha de diferentes linhas e ramos temáticos.
Entre 1912 e 1930, o crescimento e a diversificação dos temas seriam visíveis; no campo
dos Noticiosos, cresceria de 882 títulos, para 1.519; os Literários de 118, para 297; os
Científicos de 58, para 212; os Humorísticos de 57, para 99; os Almanaks de 14, para 66;
os Didáticos de 8, para 33; os Históricos de 7, para 14; os Cinematográficos de nenhuma,
para 10 2. Era o início do processo de segmentação do mercado editorial.

Uma experiência anterior de segmentação já havia sido feita com a publicação da


revista infantil O tico-tico, em 1905. Das décadas de dez e vinte, destacaríamos A Cigarra,
que circulou de 1914 a 1917, em São Paulo e A vida doméstica, de 1920, ambas destinadas
ao público feminino; já o Almanaque Eu sei tudo, de 1921, uma revista de informação
sobre assuntos gerais.

A definição de temas e linguagem estaria diretamente associada ao público que a


revista desejava atingir. Assim, uma das características das revistas semanais seria a
manutenção de seções, que apontavam para o roteiro de temas de maior interesse do
público alvo, como esportes, cinema, as notícias sobre os astros da música, sendo tais

                                                                                                                       
1
Conforme Saliba, os humoristas do período da primeira república, encontravam-se comprimidos entre os
modelos da alta cultura, representada, sobretudo, pelos parnasianos e simbolistas e a atuação em outras
tantas atividades como a redação de artigos para jornais e revista, confecção de textos e desenhos para a
crescente demanda por reclames, legendas e cartazes para filmes mudos, produção para teatro de revista,
e uma série de funções específicas nas áreas das artes, destinadas a um público diversificado. SALIBA,
Elias Thomé.Raízes do Riso. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
2
A lista é ainda maior, pois na linha da segmentação do mercado de periódicos, há ainda as
revistas especializadas em temas ligados aos assuntos Religiosos, Humorísticos, Comerciais,
Anunciadores, Esportivos, Corporativos, Oficiais, Agronômicos, Estatísticos, Espíritas, Militares,
Industriais, Infantis, Maçônicos, Marítimos, Filosóficos. Conforme Estatística da Imprensa Periódica no
Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia do Departamento Nacional de Estatística, 1931.

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reportagens criativamente ilustradas por desenhos e fotografias que tinham por objetivo
funcionar como atrativo e como linguagem.

A linguagem visual das revistas buscava estabelecer uma sintonia com a linguagem
escrita e com a própria identidade do periódico, ratificando-a e complementando-a, por
meio de diferentes recursos gráficos, desde a diagramação, os tipos de letra escolhidos, as
charges, os desenhos, as fotografias e as tirinhas de humor. Isso porque, como produto de
um mercado que se expandia, o objetivo maior de um periódico de grande circulação era
ser reconhecido e satisfazer o seu público alvo. Portanto esse código de linguagem,
formado pelo conjunto, dos elementos verbais e não verbais, é que seria responsável por
apresentar a revista ao leitor. Segundo Lage3, essa correspondência entre assunto e forma
reporta-se à questão do hábito, ao uso e não representando necessariamente uma analogia
do mundo real; dessa maneira, as imagens, os espaços concedidos, a cor, as formas dadas a
uma notícia estariam diretamente associados à representação usual, daquele tema.

Quanto à questão da escolhas de novos temas para a orientação editorial das


revistas semanais, Martins aponta que:

Inicialmente, a ênfase dada aos temas caros à República permitiu o


lançamento expressivo de revistas educacionais e pedagógicas que
encontraram terreno fértil para proliferar, particularmente no estado mais
escolarizado do país (São Paulo)4.

A partir do final dos anos de 1920, somado ao crescimento das classes médias e o
conseqüente crescimento da demanda por bens culturais transformados agora em bens de
consumo, temos as editoras, dispondo de melhores recursos técnicos, acarretando em
transformações, tais como o surgimento do mercado do livro, o incremento da propaganda,
a presença do Estado como fomentador de cultura, com um crescente número de literatos
que passariam a exercer funções de articulistas, colaboradores ou mesmo como editores de
revistas e jornais. Com o crescimento do mercado dos livros, os romancistas passavam a
ter mais visibilidade no cenário cultural, as casas editoriais que antes se limitavam a
importar títulos para o Brasil, passaram também a editar títulos nacionais, neste período
temos o surgimento da José Olympio, no Rio de Janeiro; a Companhia Editora Nacional,
de São Paulo, e que depois mudou-se para o Rio de Janeiro; a editora Ariel e a livraria
Globo, do Rio Grande do Sul. Precursor da visão do livro como objeto de consumo,
                                                                                                                       
3
LAGE, Nilson. Linguagem jornalística. São Paulo: Ática, 1998, pp.24 e 38.
4
MARTINS, Revista História, SP, ano 22, número 1, 2003, p.65.

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Monteiro Lobato, afirmava que o livro é sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do
freguês. Criando sua editora, produzia livros com capas coloridas e cuidadosa produção
gráfica. Ao final da segunda década do século, em 1918, Monteiro Lobato comprara a
Revista do Brasil e pouco depois criaria a Editora Monteiro Lobato & Cia. Com grande
visão de mercado, a editora de Lobato inovou com publicidade e publicações de qualidade,
não sobrevivendo, contudo à crise de energia e à desvalorização da moeda em 1925,
quando abriu falência. Todavia, prova de que o mercado editorial, crescia, foi o fato, do
próprio Lobato, após a falência da Lobato & Cia, ter criado a Companhia Editora Nacional,
sediada no Rio de Janeiro e que seria responsável pelas publicações das aventuras dos
personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo e também pelas publicações das traduções das
viagens de Hans Staden.

Mas não somente os livros eram o espaço propício para a veiculação dos contos
infantis e de temas de curiosidade científica, as revistas semanais também cumpriam esse
papel. Em entrevista à revista Pesquisa FAPESP, o pioneiro das pesquisas genéticas no
Brasil, o cientista Oswaldo Frota-Pessoa, aos 88 anos, comentava sobre o espaço
concedido às ciências pela imprensa brasileira. O professor destaca que, entre os anos de
1930 e 1950, publicou mais de setecentos artigos; tendo sido colaborador em vários jornais
como A Manhã, Diário Carioca e o Jornal do Brasil, o professor aponta que seu primeiro
artigo, contudo, foi publicado na Revista Vamos Lêr!, veículo que em relação à sua
circulação e seu impacto como formador de opinião, como descreve o cientista, era feito a
Veja, hoje. 5

No que tange ao universo do texto escrito, as revistas traziam consigo


fundamentalmente, dois diferentes espaços: o das notícias e o das reportagens. As
primeiras seriam fundamentalmente apresentações de pautas, informações sobre fatos e
eventos em curso ou já ocorridos e que, contudo terão um desdobramento. Já as
reportagens, estão mais associadas a um roteiro de áreas de interesse do público alvo da
revista, dessa forma, os mesmos temas, com freqüência estariam disponíveis podendo ou
não ser atualizados por um novo acontecimento6. Assim, temos que, numa revista o
planejamento visual a partir do qual as matérias são elaboradas, as imagens escolhidas, as
cores, os formatos, serão decisivos para a construção de sua identidade visual e lingüística.
                                                                                                                       
5
A prosa viva de um senhor cientista. Mariluce Moura, Edição Impressa, número 114, Agosto,
2005, Revista Pesquisa FAPESP
6
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1987, p. 47.

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Alcançar o público atraí-lo, por meio das investigações de casos polêmicos ou por meio do
debate de assuntos polêmicos, eis o objetivo dos magazines. Identificadas por meio de sub-
títulos como Revista de Variedades, Revista Ilustrada e Revista Literária, as revistas
semanais, tal e qual os jornais da época, reservavam espaços freqüentes para temas de
grande apelo popular, ou mesmo para modismos, alterando, em razão dos mesmos, seus
subtítulos, freqüentemente para Revista Esportiva, literário e de humor, mesmo quando o
conteúdo não correspondia exatamente àquilo que era anunciado. Diferenciam-se dos
jornais diários, fundamentalmente em razão da relação entre fato e tempo: os jornais
tentam acompanhar o ritmo dos acontecimentos dia-a-dia, já as revistas destacam somente
os temas de maior apelo, que agitaram a semana no âmbito das artes, da política, do
esporte. Ambos seguem uma forma de padronização, pois tal qual o jornal diário, a revista
também possui delimitação de temas e seções. Sodré 7 aponta que, a revista, em seu
conceito clássico, é uma extensão da imprensa diária, com os objetivos de comentar e
opinar sobre diversos assuntos ou dar uma visão mais aprofundada de temas de ordem
humana, diferindo do jornal por ser visualmente sofisticada e com textos que lançam mão
de uma dose maior de criatividade.

Para Sérgio Vilas Boas, poderíamos dividir as revistas em ou grupos estilísticos: as


de informação-geral e as de variedades, sendo que:

A diferença a ser destacada, então, ficará por conta da periodicidade. As


revistas de informação-geral, em sua maioria, são publicadas
semanalmente, resumindo tudo o que foi lido e visto nos meios de
comunicação durante todo esse período. Fazem jornalismo daquilo que
ainda está em evidência nos noticiários, somando a estes pesquisas,
documentação e riqueza textual.8

Nas revistas semanais, de informação-geral, as reportagens teriam um cunho mais


interpretativo, acompanhando o rol de assuntos levantados, durante a semana anterior pelo
jornalismo diário, há uma menor preocupação em aprofundar os temas, que primam pela
atualização da informação e não no seu aprofundamento, num sentido histórico. Boas,
aponta ainda que, outra característica da revista semanal de informação é ser uma
formadora de opinião, justamente por ter como missão atualizar a visão do leitor sobre os
fatos 9 . Dessa forma, as revistas de informação-geral, as ditas revistas semanais,

                                                                                                                       
7
SODRÉ, Muniz, FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem; notas sobre a narrativa jornalística.
São Paulo: Summus, 1986.
8
BOAS, Sérgio Vilas. O estilo magazine; o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996, p. 9.
9
BOAS, Sérgio Vilas. O estilo magazine; o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996, p. 34.

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corresponderiam a um produto de consumo mais imediato. Exemplos de revistas semanais
de grande sucesso foram as revistas Vamos Lêr, do Jornal A Noite! (que começou a circular
em 1936), a revista O Cruzeiro (que iniciou publicação a partir de 10 de novembro de
1928, editada pelos Diários Associados de Assis Chateaubriant) e a Revista Manchete
(lançada em 25 de novembro de 1952, pela Bloch Editores).

A REVISTA VAMOS LÊR!

Uma das revistas que marcou época consolidando o estilo dos magazines foi a
revista Vamos Lêr! dirigida por Raimundo de Magalhães, do Jornal A Noite, também
responsável pela criação das revistas Noite Ilustrada e Carioca, mas o maior feito da
empresa seria a criação da Rádio Nacional. Em 1940, o governo Vargas encampou o jornal
A Noite, pois queria torná-lo, bem como à Rádio Nacional, veículos de afirmação do
regime. Inicialmente dirigido por Irineu Marinho, no Rio de Janeiro, A Noite iniciou
circulação em 1925 e com o seu sucesso, Irineu logo lançaria um segundo jornal, O Globo,
para concorrer com O Correio da Manhã, A Gazeta de Notícias, o Diário Carioca, entre
outros. Irineu seria sucedido por seu filho, Roberto Marinho, que continuou investindo
ativamente em jornalismo, inaugurando em 1944, a Rádio Globo.

Em uma de suas crônicas para a BBC Brasil, Ivan Lessa, um dos criadores d’O
Pasquim, lembra que, quando criança, tinha sempre em sua casa a revista Vamos Lêr! e
que, embora não se recorde de lê-la, quando criança, lembra-se de seu encantamento pelas
ilustrações, fotografias e quadrinhos que a revista semanal trazia em suas páginas. A
Vamos Lêr!, principalmente nos anos de 1940, teria alcançado grande popularidade – como
destacam as memórias de Lessa e do cientista Oswaldo Frota-Pessoa, como vimos
anteriormente – não somente entre os leitores anônimos, mas também entre a
intelectualidade. Em carta a Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto
exprime sua opinião, sobre a Vamos Lêr! , apontando-a como um poderoso veículo
formador de opinião. A carta é interessantíssima, pois nela, João Cabral fala sobre uma
matéria que teria sido publicada na Vamos Lêr! à respeito do Congresso de Poesia do
Recife, do qual João Cabral era um dos organizadores. A matéria trazia entrevistas de
pessoas que viam a idéia de um Congresso de poesia, em plena época de guerra mundial,
como uma inutilidade. Uma opinião como essa, publicada numa revista como aquela,
poderia colocar a perder todo o evento. Na carta, João Cabral pede à Drummond que

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interceda pelo Congresso, publicando o manifesto do grupo na Vamos Lêr! para reverter
uma possível má impressão, e corrigir a imagem do evento aos olhos da opinião pública.10

A revista teve entre seus colaboradores, nomes como Jorge Amado – que manter-
se-ia como colaborador entre 1939 e 1941 – na época, militante ativo da esquerda
comunista e editor chefe da revista Dom Casmurro; e Graciliano Ramos - igualmente
ligado aos intelectuais da esquerda comunista – trabalhou na revista no ano de 1942. Os
dois literatos viriam a escrever Brandão entre o mar e o amor, em parceria. Colaborara
também com a revista o escritor Fernando Sabino, que além do semanário carioca,
trabalhou como redator n’A Folha de Minas, colaborando ainda no jornal literário Dom
Casmurro e no Anuário Brasileiro de Literatura. Clarice Lispector, também passara pela
Vamos Lêr!, primeiramente, concedendo ao jornalista Tasso da Silveira, uma longa
entrevista, em 19 de outubro de 1940 e depois, concedendo à revista o direito da
publicação do conto Trecho, publicado na edição de 09 de janeiro de 1941.

A revista possuía uma seção intitulada “Panorama Literário”, dedicada a discutir o


que estava acontecendo no cenário literário brasileiro. Novos nomes e também os clássicos
de Norte ao Sul do país, eram comentados freqüentemente. Mas o campeão absoluto de
artigos a seu respeito foi, sem sombra de dúvidas Euclydes da Cunha. A literatura aparecia
como uma das nobres artes que possibilitava ao leitor, transpor seus próprios limites e
lançar-se no mundo. Os Sertões eram freqüentemente relembrados em matérias que tinham
por objetivo discutir a qualidade da prosa euclydiana, mas também e principalmente
discutir sobre o universo tido como exótico descrito pelo autor.

Nem só de literatura vivia o periódico. Seguindo a tendência de tornar a revista de


variedades uma espécie de janela para o mundo, a Vamos Lêr! trazia também seções que
tinham como compromisso apresentar “um pouco sobre tudo”, era o Mixed pickles, dando
trato breve e superficial a questões que envolviam desde fragmentos da biografia de Luiz
XIV até notícias sobre o desembarque de um cavalo em Madagáscar ou o término da
restauração do Arquivo dos Fari, em Veneza.

                                                                                                                       
10
Jornal do Commercio – JC Cultural- Caderno C: Especial Gilberto Freyre II – Recife, quarta-feira, 13
de março de 2000. Versão eletrônica, JC On Line.
Disponível em http://www2.uol.com.br/JC/_2000/2003/cu1503b.htm. Acessado em 05 de maio de 2008.

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Essa concepção de “variedades”, trazida pela revista está diretamente ligada à visão
que os editores tinham, sobre o seu público alvo, neste caso, majoritariamente, o público
feminino. As propagandas na revista indicam a quem eles pretendem vender os produtos
dos patrocinadores e, conseqüentemente, indicam-nos a quem a revista se dirige.
Propagandas de cremes para a pele, maquillage, esmalte, “leite de colônia”, produtos da
higiene íntima feminina, eletrodomésticos, sapatos, e uma infinidade de objetos associados
ao consumo doméstico e, principalmente associados – produto e discurso da propaganda –
a uma idéia de mulher mais independente. É com essa mulher - agora mais independente
mais escolarizada e de classe média – que a revista está dialogando. Todavia, a mulher não
apareceria somente como a interlocutora desse discurso sobre o consumo, mas também
como personagem das matérias mais longas. Temas como “A mulher trabalha mais do que
o homem” (apresentando a breve história de mulheres que trabalhavam na roça, e donas de
casa na cidade11), apresentava uma mulher dinâmica e que, mesmo com a presença das
máquinas que invadiram os lares, permaneceria sobrecarregada em seus afazeres
domésticos. Mas não somente a mulher burguesa, dona de casa que agora tinha que
aprender a lidar com a enceradeira e outros aparelhos; eram alvo das matérias, também as
“grandes mulheres”, tema das reportagens mais longas de teor biográfico (nestes espaços,
encontramos Marie Curie, Rainha Vitória, Heloisa – tendo em destaque seu romance com
Abelardo – dentre outras). As biografias eram, na verdade, traduções de biografias
publicadas por revistas estrangeiras, matérias compradas e traduzidas para a revista.

O humor aparecia na seção Vamos Rir, na forma de piadas enviadas pelos leitores e
selecionadas pela redação da revista. Além de gerar a curiosidade entre os leitores que
desejavam saber se teriam suas piadas publicadas, criava-se a torcida, entorno da disputa
da melhor piada do ano. Todos os tipos de motes eram contemplados: piadas de cunho
político, social, além de todo tipo de deboche ligado aos estereótipos – a mulher bonita, o
mulherengo, a feia, o gordo, o negro, o nordestino. Conforme Saliba, em Raízes do Riso, as
representações humorísticas, desempenharam papel de relevo no processo de invenção das
imaginações nacionais, e se fomentaram estereótipos, também contribuíram para modificá-
los e desmistificá-los.
(...) o recurso cômico era não apenas pouco difundido devido à
inexistência dos próprios meios de difusão, mas também havia um mal
disfarçado desprezo da cultura em geral pela produção humorística, a não
ser quando esta se mostrava suscetível de ser incluída — ou classificada

                                                                                                                       
11
Vamos Lêr!, em 24 de novembro de 1938, p.05.

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— nos moldes estéticos consagrados do romance, do drama ou da
epopéia.12

As seções de humor eram muito populares entre os leitores, não somente a Vamos
Lêr!, mas também a Manchete e as outras concorrentes tinham suas seções de humor,
sendo que algumas tornaram-se célebres, como o Amigo da Onça, de Péricles, para O
Cruzeiro.

Mas, a seção que melhor nos traduz quem eram os leitores de Vamos Lêr! era a de
auxílio emocional, que associava misticismo e pseudo-ciência. Entre os anos de 1936 até
novembro de 1940, publicou-se na revista a seção Retratos Antropológicos: Conheça a si
mesmo revelando o futuro pelos caracteres fisionomicos, que transformava o roteiro de
critérios da Frenologia e da Fisiognomia em oráculo. O consultor recebia as fotos dos
consulentes e, a partir dos traços fisionômicos da face da pessoa, interpretava sua
personalidade, seu caráter e seu futuro.

A seção era freqüentada por homens e mulheres em mesma proporção;


identificavam-se por meio de nomes e sobrenomes ou por apelidos como “Jarrinho de 27
anos, Belo Horizonte”; “Romeu, 20 anos – em foto descrita ao lado de sua Julieta, 15
anos” – ambos do distrito Federal de então - ; “Saudosa, 17 anos, Belo Horizonte”;
“Incrédulo Mistificado, 22 anos, Hospital Central da Marinha”; “Albatroz, 22 anos, João
Pessoa”; “Tom Mix, 16 anos, Recife”; “Cleópatra, 19 anos, Belém do Pará”; “Pagé, 16
anos, Goiaz”; “Salam Aleikum, 18 anos, Belo Horizonte” entre outros tantos, que se
utilizavam dos mais diversos pseudônimos para enviar suas fotos e receber a análise e o
vaticínio do especialista que, via de regra, reproduzia os pré-conceitos criados por
estereótipos antigos, arraigados desde as interpretações sobre os mulatos em Antonil,
passando por elementos eternizados pela visão do sertanejo de Euclydes até as teorias
raciais de Lapouge. Nas interpretações das fisionomias dos consulentes nordestinos
encontramos descrições de: mulatas e mulatos faceiros e sensuais; sertanejos de espírito,
desconfiados, destemidos, com aptidão para os trabalhos manuais, quanto ao
“temperamento”, em geral são apresentados como gênio chistoso, pouco confiável ou com
traços de humorismo. Vejamos algumas dessas análises:

                                                                                                                       
12
SALIBA, Elias Thomé.Raízes do Riso. São Paulo: Cia das Letras, 2002, p. 43.

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n.2326. – Sentimental (21 annos, solteiro, Jaraguá, Maceió, Alagoas) –
Seus olhos e queixo exprimem mysticismo e os lábios e o nariz avareza.
A cabeça e a fronte denotam humorismo e os cabellos e as orelhas
degenerescência. Tenha cuidado com armas de fogo e inflammaveis.

n. 778 – Valeria (17 annos, solteira, Recife) – Vejo em sua fronte olhos
de espírito destemido e nos lábios e nariz descaso em assumptos
materiaes. Sua cabeça e cabellos revelam espírito irrequieto e bom. No
queixo noto que é serviçal e nas orelhas senso coorporativista. Sua vida
será muito longa.”

n. 3.035 – ALI BABÀ ( 22 annos, solteira, Brumado, Estado da Baía) –


Seus lábios e nariz denotam senso de estética e os olhos melancolia. A
cabeça e a fronte denotam inteligência não muito acurada e os cabellos e
as orelhas voluptuosidade. Não casará muito cedo. Tenha muito cuidado
com armas de fogo e inflamáveis. Terá vida relativamente longa.

É flagrante a repetição de mesmas características para indivíduos de mesma origem,


como podemos observar ao recortarmos, o universo, por exemplo, de consulentes do Rio
de Janeiro, como exposto brevemente abaixo:

n. 7555 – Marco (22 annos, Rio, solteiro) – São bem claros os indícios de
felicidade por mim encontrados em seus olhos e fronte. Seus cabelos e
cabeça revelam sentimentos nobilitantes . Em seus lábios e nariz noto
firmeza de resoluções. No queixo vejo que é exacto e pontual e nas
orelhas noto calma.

n. 3.015 – Mauricio C. F. Lima (15 annos, solteiro,Gávea, Rio de Janeiro)


Seus olhos e queixo exprimem iniciativa própria e a cabeça e a fronte
alguma inteligencia. Os lábios e o nariz revelam astucia e os cabelos e as
orelhas despreocupação de espírito. Estude Lima.

n. 30303 – Florzinha do Paulo (36 annos, casada, Rio de Janeiro)- Seus


olhos e queixo exprimem bondade e os cabelos e as orelhas amabilidade.
Os lábios e o nariz demonstram senso estético e a cabeça e a fronte
perseverança . Grato pela fotografia que enviou. Terá vida longa.

O lugar comum também vale para aqueles de origens visivelmente estrangeiras:

n. 3019 – Filho do Oriente (22 annos, solteiro, Rio de Janeiro) Sua cabeça
e fronte mostram espírito humorístico e os cabellos e a orelhas orgulho.
Os lábios e o nariz denotam franqueza e os olhos e o queixo força de
vontade. Gratíssimo pela sua fotografia.

Curioso notar que, até 1940, ainda era possível observar na revista um grande
destaque aos “avanços sociais” na Alemanha, freqüentemente a revista trazia fotos de
mulheres atletas, mulheres praticando Educação Física, destacando os benefícios dessas
práticas para a formação de uma juventude saudável, contudo, a partir de dezembro de
1940, o discurso muda tanto no corpo da revista quanto em seu oráculo, que na edição de

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05 de dezembro de 1940, passa de uma leitura do futuro baseada na interpretação
fisiognômica, fundamentada nas teorias raciais, para leituras do futuro baseadas na “leitura
das mãos” e na “orientação astrológica”. 13

O CRUZEIRO

No dia 5 de novembro de 1928, eram lançados, sobre a cidade do


Rio de Janeiro, mais de quatro milhões de folhetos, anunciando a chegada de uma revista
que prometia ser moderna, na qual todas as novidades poderiam ser encontradas; no verso
do panfleto, anúncios dos patrocinadores que mais tarde estariam presentes na revista. No
dia 10 de novembro, simultaneamente em várias capitais brasileiras era lançada a revista
Cruzeiro, “Revista Semanal Ilustrada” com uma capa chamativa, que trazia o desenho de
uma colorida melindrosa, com as cinco estrelas do cruzeiro Sul por sobre a sua cabeça.
Segundo Accioly Netto, a revista trazia consigo, e expressava isso em suas imagens, uma
visão de modernidade, progresso e nacionalismo14. A revista Cruzeiro marcaria época em
razão da forma como escolhe trabalhar com a imagem, que não teria naquelas páginas
apenas a função de ratificar o discurso; aqui, a fotografia é também discurso. Com fotos
ampliadas, diagramação cuidadosa, seções com reportagens, contos e crônicas, nos quais a
imagem tinha papel fundamental para potencializar a mensagem – além de um grande
número de anunciantes, é impossível não observar que, praticamente metade das páginas
do primeiro exemplar vinham marcadas por propagandas dos patrocinadores15 - a revista
nascia com claras intenções de tornar-se o novo cânone da imprensa escrita, ela própria
apresentava-se dessa forma, fazendo questão de declarar as diferenças entre ela e as outras
mídias impressas, e enfatizando seu pioneirismo quanto à valorização extrema da imagem:

Um jornal pode ser um órgão de um partido, de uma facção, de uma


doutrina ... A compreensão da gravura e do texto concede à revista o
privilégio de poder tornar-se obra de arte. A política partidária seria tão
incongruente numa revista do modelo de Cruzeiro, como num tratado de

                                                                                                                       
13
Vamos Lêr! Edição de 05 de dezembro de 1940, p.56

14
Sobre esse tema veja o livro de Accioly Netto – O Império de Papel: os bastidores de O
Cruzeiro - Editora Sulina, Porto Alegre, 1998.
15
Sobre as características da revista Cruzeiro, ao ser lançada, veja O império de papel: os
bastidores de O Cruzeiro, de Accioly Neto, organizado por Heloísa Seixas. Baseamo-nos ainda nas obras
de Fernando Morais, Chatô o rei do Brasil, e de Luiz Maklouf Carvalho, Cobras criadas, autores que
resgatam historicamente a trajetória da revista, do maior empresário de comunicação no período e de
personagens como David Nasser eJean Manzon, uma dupla de jornalistas muito conhecida do país de
1930-1970.

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geometria (...) Uma revista deverá ser , antes de tudo, uma escola de bom
gosto. 16

Fazendo parte do maior conglomerado de empresas de mídia do Brasil daquela


época - os Diários Associados, de Assis Chateaubriant – o Cruzeiro, tinha em sua direção
Carlos Malheiro Dias – fundador da revista Ilustração Portuguesa e criador da Academia
Portuguesa de História – e, iniciando com uma tiragem mensal de cinqüenta mil
exemplares, conforme anunciava o próprio exemplar de ‘número 1’ 17, a revista trazia um
discurso que tinha por objetivo estabelecer um contato direto com o leitor. Havia seções
dedicadas às dúvidas médicas, jurídicas, à arquitetura doméstica e, em todas essas colunas,
solicitava-se a participação do leitor, colocando-se a revista à disposição para resolver-lhes
as dúvidas. O público feminino, tal qual no caso da Vamos Lêr!, era o público alvo da
revista. Seções como Cinelândia, Dona, Vênus de Milo, As Garotas, Da mulher para a
mulher, Cartas de Mulher, dentre outras seções voltadas para um mundo marcadamente
feminino, falando sobre moda, culinária, além da coluna social e as curiosidades. Os anos
de 1930 marcariam as primeiras mudanças expressivas na revista: Cruzeiro, passaria a ser
O Cruzeiro, ampliaria seu conteúdo e apresentava com palavras que expressavam ao leitor
o desejo da revista em oferecer-lhe o melhor:

Essas reformas representam em seu conjunto, um dos mais arrojados


empreendimentos editoriais até hoje realizados no Brasil, e compreendem
a execução semanal de 64 páginas em rotogravura e cromo-rotogravura e
uma vasta colaboração literária e artística, confiada aos nossos mais
notáveis escritores e ilustradores. 18

No bojo dessas mudanças implementadas nos anos de 1930, reafirmar a


importância da imagem seria uma das prioridades. Marca registrada de O Cruzeiro, até
então, as reportagens ilustradas passariam a contar agora com fotos que tomavam páginas
inteiras, provocando forte impacto ao leitor. Em 1935, surge mais uma coluna, a Novidades
da RKO, sobre os artistas e cantores norte-americanos. No início dos anos de 1940, nova
mudança, de revista ilustrada – majoritariamente por gravuras e desenhos - , a revista passa
a utilizar a fotografia como suporte visual para o jornalismo e reportagens de toda sorte.
Iniciava-se a era do fotojornalismo. Capitaneadas pelas fotografias do ex-fotógrafo da
Revista Paris Match, Jean Manson, que chegou a trabalhar no DIP, e pelos textos de seu
                                                                                                                       
16
Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano 1 número 1, editorial, 10/11/28
17
Na década de 1960 O Cruzeiro chegaria a uma tiragem de 700 mil exemplares, e um público de
mais de quatro milhões de leitores, segundo Serpa. A máscara da modernidade: a mulher na revista O
Cruzeiro (1928-1945) Leoni Terezinha Vieira Serpa. Universidade de Passo Fundo,2003.
18
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 25 de outubro de 1930.

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parceiro David Nasser, as fotorreportagens ganhariam nova dinâmica, pois com a
experiência da dupla, as fotos trariam uma carga maior de movimento e dramaticidade.
Uma escolha editoria, jornalística e estética que marcou as revistas ilustradas de variedades
até a metade dos anos de 1960.

3) MANCHETE

No mês de novembro de 1952, as edições de O Cruzeiro trouxeram para os seus


leitores preciosidades, como a reportagem de David Nasser sobre Carmem Miranda, a mais
querida cantora do momento, na qual lia-se a bombástica crítica, de estar tornando-se
americanizada – cuja resposta à esta acusação, a cantora eternizaria numa canção – trazia
ainda, no mesmo número, uma entrevista com Francisco Alves, o ídolo das multidões,
sobre sua trajetória de vida; e ainda as populares tirinhas do Amigo da Onça, de Péricles e
do Pif-paf de Vão Gôgo (Millôr Fernandes). Contudo, mesmo diante desse sucesso e
qualidade, a concorrência preparava uma surpresa para o público; Adolpho Bloch, com a
intenção de competir num mercado, até então dominado pelo gigante de Chateubriant,
lançava no dia 25 de novembro de 1952, a revista Manchete.

A tipografia da família Bloch, àquela época em franca expansão, graças ao mercado


favorável do pós-guerra, atendia a uma gama variada de clientes, que com eles
contratavam a impressão de rótulos, bulas, cartazes, folhetos embalagens, e mesmo revistas
para a Editora do Brasil e para a Rio Gráfica. Segundo Muggiati e Gonçalves, mesmo com
todo esse movimento na tipografia, Bloch desejava otimizá-la ainda mais

As luzes apagadas, a ausência dos zumbidos do equipamento, a falta do


ruído seco da guilhotina em ação, toda essa trilha sonora industrial em off
incomodava Adolpho Block. O empresário, estimulado por seus amigos
de boemia intelectual – Henrique Ponguetti era seu companheiro de praia,
Raymundo Magalhães Jr. Era seu parceiro de noitadas no Assirius, onde a
dupla angariava damas para dançar maxixes e tangos – topou o desafio de
unir o útil ao agradável: acionar as rotativas em tempo integral e editar
uma revista ilustrada. Foi assim que Manchete nasceu. 19

Bloch apostaria em sua capacidade de oferecer ao público aquilo que vinha se


consolidando cada vez mais como componentes ideais para uma revista semanal; o
mercado pedia por uma revista moderna e que também fosse “uma janela para o mundo”;
ilustrada, dinâmica, que falasse diretamente com seu leitor, trazendo-lhe a possibilidade de
                                                                                                                       
19
Gonçalves, José Esmeraldo e Barros, J.A. Aconteceu na Manchete: as histórias que ninguém contou.
Rio de Janeiro: Desiderata, 2008, p.26

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ver, e entrar em contato com um mundo novo, de glamour e também de exotismo. O
Cruzeiro oferecia isso ao leitor, contudo, Bloch acreditava que haveria espaço para mais
um, principalmente, porque tinha como objetivo investir ainda mais na imagem e ir além
dos modelos já consagrados pelas revistas de sua época.

Em sua primeira edição, o papel e a diagramação não eram de primeira qualidade,


apenas a capa era colorida e o corpo interno da revista em preto e branco, mesmo assim,
trazendo matérias como a polêmica entrevista com Pietro Maria Bardi, a crônica de
Drummond e a reportagem da grande estrela do fotojornalismo de então, Jean Manzon, ex-
O Cruzeiro - a primeira tiragem da revista esgotou-se das bancas em três dias.

As máquinas de Bloch tinham capacidade para a impressão de uma tiragem inicial


de 200 mil exemplares semanais, durante o ano de 1952 foram vendidos, no total,
1.146.329 exemplares, o equivalente a 79% do total impresso, para Bloch, ainda não era o
ideal, contudo o bom desempenho da revista demonstrava que havia espaço no mercado,
desde que houvesse investimento em colaboradores e imagem. Em 1953, a tiragem subiu
para 2.863.374 exemplares, e o percentual de vendas chegou aos 93%. Mas seria o ano de
1954 - ano em que O Cruzeiro alcançaria a marca de quase 1 milhão de exemplares
semanais vendidos - que marcaria a visão da revista sobre o mercado e sobre si mesma,
como declara o próprio Bloch:

Só comecei a compreender um pouco do jornalismo quando Getúlio


Vargas se suicidou, em 1954. A capa já estava impressa, era com o
brigadeiro Eduardo Gomes, adversário do presidente. Eu tive de imprimir
nova capa com o presidente Vargas. À tarde, a edição estava esgotada.
Depois da morte de Vargas vieram as crises políticas de 1955. Havia
muito assunto e as vendas aumentavam. 20

Em 1956 a revista passa por uma grande reformulação, visando um salto no


mercado; houve a aquisição de novas máquinas e a equipe de redatores passa a contar com
um grupo de pessoas de destaque no meio intelectual: Carlos Drummond de Andrade,
Rubem Braga, Joel Silveira, Orígenes Lessa, Raimundo Magalhães Júnior, Guilherme
Figueiredo, Otto Maria Carpeaux, Manoel Bandeira, Fernando Sabino, Antonio Maria,
Nelson Rodrigues, Marques Rebello, Paulo Mendes Campos, Lígia Fagundes Telles,
Antonio Callado, Sérgio Porto, Ciro dos Anjos, Olegário Mariano, Jânio de Freitas, e como
                                                                                                                       
20
Gonçalves, José Esmeraldo e Barros, J.A. Aconteceu na Manchete: as histórias que ninguém contou.
Rio de Janeiro: Desiderata, 2008, p.30.

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principal fotógrafo, Jean Manzon. Segundo apontam Muggiati e Gonçalves, a partir das
reformulações técnicas e editorias de 1956 a revista não parou mais de crescer, alcançando
um apuro gráfico exemplar, logo superaria O Cruzeiro nesse quesito, e partiria para
dominar o mercado, o que aconteceria a partir dos anos de 1960, quando a revista dos
Diários Associados já não mais apresentava o brilho de outrora.21

Com destaque para as belas e chamativas fotos da capa, Manchete, já nos primeiros
anos de circulação colocava-se ao lado de O Cruzeiro, tornavam-se assim as duas grandes
vitrines do que se pensava sobre um Brasil moderno; eram as duas janelas que ao mesmo
tempo mostravam e filtravam o mundo para o leitor, por meio delas, o Brasil discutia
cinema, rádio, política, curiosidades culturais e científicas, povos desconhecidos e
estranhos costumes eram revelados, catástrofes, guerras, mas também o mundo feminino
era valorizado, bem como os esportes – tendo o futebol, mais do que nunca alçado à
categoria de paixão nacional – e o humor.

No que se refere às seções criadas pela revista, damos destaque, inicialmente a uma
publicação semanal que acompanhava a Manchete; trata-se da Manchete Esportiva. Criada
em novembro de 1955, a revista circulou somente até maio de 1959. Seguindo a mesma
fórmula e sua irmã-ilustrada e de variedades, a versão Esportiva, também objetivava
alcançar uma linguagem e um formato moderno, diferenciando-se do que já havia em
matéria de crônica esportiva no país. Dirigida por Augusto Falcão Rodrigues, a revista
teria o irmão do diretor como o principal e mais polêmico cronista esportivo: Nelson
Rodrigues. Seu texto, antes de tudo, provocava o leitor, rompia com a narrativa
cronológica do jogo a ser descrito, descrevendo os acontecimentos como um narrador
onisciente; como podemos ver em crônica da Manchete Esportiva de junho de 1956,
intitulada O Tapa Celestial:

                                                                                                                       
21
Passaram pela redação da Manchete muitos jornalistas, músicos e hoje, famosos homens da
mídia: “Paulo Coelho foi correspondente em Londres; o saxofonista Leo Gandelman foi fotógrafo. Os
escritores Carlinhos de Oliveira, Ruy Castro, José Louzeiro e Flávio Moreira da costa; o dramaturgo
Nelson Rodrigues e o poeta Paulo Leminski (que trabalhava no Departamento de Pesquisa) colaboraram
com textos para a revista. Ronaldo Bôscoli, um dos inventores da bossa nova, era redator, e o dançarino
Carlinhos de Jesus era do Departamento Pessoal. Júlio Barroso, jornalista e roqueiro, foi correspondente
em Nova York, até escolher viver de música e fundar a Gang 90&Absurdetes, banda Cult dos anos de
1980. Gilberto Tumscitz foi repórter de Manchete. Quem é Gilberto Tumscitz? Ele mesmo, o Gilberto
Braga das novelas da Globo. E Rubem Gerchman foi paginador da revista.” Gonçalves, José Esmeraldo e
Muggiatti, Roberto. A Janela do Russell. In Gonçalves, José Esmeraldo e Barros, J.A. Aconteceu na
Manchete: as histórias que ninguém contou. Rio de Janeiro: Desiderata, 2008, p.36.

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Teoricamente eu acho o seguinte: - não pode haver nada mais importante
do que uma bofetada. Digo mais: - o ato de dar ou apanhar na cara é a
grande, a inexcedível, a portentosa experiência terrena. Acresce que a
bofetada tem um som específico que lhe valoriza a hediondez.(...)
Imaginem o que não sentiu o juiz do match Brasil X Uruguai, ontem no
Maracanã. Foi caçado a tapas, a pontapés pelos orientais. Já a agressão
em si mesma, a correria e o susto, traduzem uma dessas experiências
terrenas que marcam para sempre.22

As 156 crônicas assinadas por Rodrigues primavam por uma linguagem literária
que mesclavam citações de Shakespeare, Dostoievski às expressões típicas da linguagem
popular do futebol, dando ao discurso da revista um caráter de extrema, talvez até
excessiva originalidade, como aponta Ruy Castro: “Talvez fosse uma revista inteligente
demais para o torcedor comum de futebol, cujo QI não era muito mais cintilante do que o
de Tuninho, o anti-herói de A Falecida”23. Na edição número 10, de 28 de janeiro de 1956,
temos um exemplo da tônica eclética da revista; a matéria sobre a história de vida do
jogador Leônidas, que começou como sapateiro e havia chegado no auge de sua carreira
aos dez mil cruzeiros por mês, era publicada sob o título Os Miseráveis, em óbvia alusão à
obra de Vitor Hugo. Na edição número 16, outra era a referência. Numa matéria sobre a
história do jogador Didi, intitulada Rigolletto ou Meu destino é pecar; o título fazia ao
mesmo tempo alusão à obra de Verdi e ao livro de Susana Flag, pseudônimo de Nelson. Os
leitores de Manchete Esportiva eram majoritariamente os torcedores de futebol, uma vez
que este era o esporte que imperava nas páginas da revista. Para Augusto Rodrigues, a
primazia do futebol dava-se

“porque era o esporte que mais tinha público. Era o esporte nacional.
Eram as vitórias brasileiras no futebol que estimulavam o orgulho
nacional, e era praticado de Norte a Sul do país, em todos os estados.”24

Além de torcedores, podemos identificar também o público da revista esportiva de


Bloch, em boa parte, com a classe média do período; que pagava ingresso nos campos de
futebol e acompanhavam os comentários sobre craques e contratações pela revista. É
importante lembrar que, nos anos de 1950, ir ao estádio de futebol era um divertimento

                                                                                                                       
22
Manchete Esportiva, Rio de Janeiro, nº 32, 30 de junho de 1956.
23
O depoimento de Ruy Castro encontra-se em VOGEL, Daisi Irmgard. Fábulas do gol. As
crônicas esportivas de Nelson Rodrigues (1956-1958), Santa Catarina: Universidade Federal de Santa
Catarina, UFSC, 1997.
24
VOGEL, D. I. Presença de Nelson Rodrigues no projeto Manchete Esportiva. In: 4º Encontro
Nacional de História da Mídia, 2006, São Luís. 4º Encontro de História da Mídia. São Luís: Rede Alfredo
de Carvalho. v. 1. p. 14. Comunicação disponível em
http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd4/impressa/d_vogel.doc.

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para a família, as mulheres eram vistas freqüentemente, sendo elas, as primeiras chefes,
das torcidas organizadas.

A revista era uma verdadeira referência para os torcedores, não somente do eixo
Rio - São Paulo, mas do Nordeste e de todo o Brasil. Em seu depoimento sobre sua
passagem pela Editora Bloch, José Esmeraldo Gonçalves, que lá esteve por vinte anos,
descreve o que fora para ele a Manchete Esportiva quando garoto:

(...) entrar naquele prédio de alguma forma me remetia à infância no


Crato, Ceará. Por volta de 1959, o trem da Rede Viação Cearense levava
à cidade pelo menos quatro publicações que me interessavam:
Sesinho,uma revista infantil editada pelo Serviço Social da Indústria
(Sesi), O Cruzeiro, Seleções, da Reader’s Digest, e Manchete Só que a
Manchete que me fascinava não era a revista que Adolpho Bloch lançara
em 1952 para concorrer com O Cruzeiro, dos Diários Associados. A
Manchete que eu esperava chegar à livraria que revendia os poucos
exemplares disponíveis na cidade era a Manchete Esportiva. Crato, claro,
nem sonhava com televisão. Vez por outra, o cinema exibia imagens de
jogos do Campeonato Carioca no cinejornal Atualidades Atlântida (o
Canal 100 ainda não chegara ao sertão). Cabia então às fotos da
Manchete dar vida e ilusão de movimento ao meu já querido Vasco.25

Importante observar que, no depoimento de Gonçalves, o fascínio que a


fotorreportagem exercia sobre o leitor deve ser compreendido a partir do contexto de uma
sociedade que ainda não havia sido invadida pelo universo de imagem-e-som da televisão;
a década de 1950 começa com o nascimento da TV no Brasil, contudo, levaria ainda algum
tempo para que ela se firmasse como o principal veículo de formação e informação do país.
A notícia ainda era fundamentalmente descrita por palavras, proferidas pelos locutores nas
rádios ou escritas nos jornais. Embora os jornais trouxessem fotos em suas matérias, a
qualidade, a nitidez, o trabalho de arte e expressão de movimento, nas fotos destinadas ao
jornal ainda estavam muito aquém. A fotografia colorida, e principalmente a linguagem
fotográfica adotada inicialmente por O Cruzeiro e aprimorada pela Manchete, com fotos de
página inteira, a escolha das tomadas, empreendendo tensão e movimento, possibilitavam
ao leitor a sensação de reconstrução do fato; na foto, como afirma Barthes, 26a imagem
transformar-se-ia em uma escrita, assim, o discurso de apropriação estética concede
verossimilhança à informação, reforçando a credibilidade no veículo de comunicação. A
partir dessa perspectiva, pode-se imaginar qual seria o impacto para o leitor ao ser
                                                                                                                       
25
Gonçalves, José Esmeraldo e Barros, J.A. Aconteceu na Manchete: as histórias que ninguém
contou. Rio de Janeiro: Desiderata, 2008, p.102.
26
BARTHES,Rolland. Mitologias. Tradução de Rita Buongermino e Pedro de Souza. 6ed. São
Paulo, Difel,1985.

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transportado para diante da beleza estonteante de Marta Rocha e a profundidade de seus
olhos verdes ou do exato ângulo de torção do corpo do craque durante o drible no futebol.
A fotorreportagem era para os anos de 1950, o que a televisão viria a ser na segunda
metade dos anos de 1960 e início dos anos de 1970 para os brasileiros. A grande
reportagem – elaborada a partir de poderosas imagens de página inteira27, privilegiando
rostos famosos e cenários exuberantes, como o perfil urbano do centro paulistano ou o
gigantismo da floresta amazônica – cria uma representação de Brasil, a partir da seleção
feita, a partir do discurso não verbal que constrói.

A linguagem rebuscada a qualidade gráfica, serão dois grandes atrativos que farão
da revista um sucesso de vendagem, chegando, durante a copa de 1958, a uma tiragem de
100 mil exemplares semanais. Contudo, a pouca presença de patrocinadores – em 1957,
por exemplo, a revista passa por uma reforma gráfica, moderniza-se e em 64 páginas não
há um único anunciante – e o encarecimento do papel levaram Bloch a decidir pelo
fechamento da revista em 1959.

A revista notabilizou-se por suas coberturas do carnaval, pela coluna social de


Ibrahim Sued, e pela seção nacional – “O Brasil em Manchete” – e internacional “O
Mundo em Manchete” – além do espaço do leitor – “O leitor em Manchete”.

CONCLUSÃO

O repertório imagético de uma sociedade constitui-se num precioso conjunto de


informações para o historiador, no caso de nossas sociedades modernas, a imprensa
ilustrada, que se consolida no século XIX, pode ser compreendida como um poderoso
suporte para a veiculação de idéias e representações coletivas, principalmente a partir da
utilização da fotografia que possibilitou um avanço inestimável em nossa capacidade
comunicacional. Artes, ciências, meios de comunicação, mudam definitivamente a partir
do desenvolvimento das técnicas de reprodução fotomecânicas, dando origem a uma
categoria nova e específica de jornalismo: a fotorreportagem. Seguindo o modelo europeu,
no Brasil, a fotorreportagem assume desde seu surgimento uma postura de ‘testemunha dos
fatos’. Esse status de representação da verdade, atribuído à fotografia, faria com que a
relação entre texto e imagem, desde o nascimento da fotorreportagem até seu auge, nos
anos 1950, passasse por um longo processo de transformação. O sucesso das revistas
                                                                                                                       
27
KOTSCHO, R. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 1986.

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Vamos ler!, O Cruzeiro e Manchete são decisivos para a criação de um cânone não
somente para a imprensa ilustrada brasileira, mas também para o jovem veículo de massas
que surgiria nos anos de 1960: a televisão.

Referências

BARTHES,Rolland. Mitologias. Tradução de Rita Buongermino e Pedro de Souza. 6ed.


São Paulo, Difel,1985.
BOAS, Sérgio Vilas. O estilo magazine; o texto em revista. São Paulo: Summus, 1996.
Estatística da Imprensa Periódica no Brasil. Rio de Janeiro: Tipografia do
Departamento Nacional de Estatística, 1931.
GONÇALVES, José Esmeraldo e Barros, J.A. Aconteceu na Manchete: as histórias que
ninguém contou. Rio de Janeiro: Desiderata, 2008
KOTSCHO, R. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 1986.
LAGE, Nilson. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1987.
LAGE, Nilson. Linguagem jornalística. São Paulo: Ática, 1998.
MARTINS, Revista História, SP, ano 22, número 1, 2003.
MOURA, Mariluce . A prosa viva de um senhor cientista. Edição Impressa, número
114, Agosto, 2005, Revista Pesquisa FAPESP
NETTO, Accioly – O Império de Papel: os bastidores de O Cruzeiro - Editora Sulina,
Porto Alegre, 1998.
SALIBA, Elias Thomé.Raízes do Riso. São Paulo: Cia das Letras, 2002.
SERPA. Leoni Terezinha Vieira A máscara da modernidade: a mulher na revista O
Cruzeiro (1928-1945) Serpa. Universidade de Passo Fundo,2003.
SODRÉ, Muniz, FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem; notas sobre a
narrativa jornalística. São Paulo: Summus, 1986.
VOGEL, D. I. Presença de Nelson Rodrigues no projeto Manchete Esportiva. In: 4º
Encontro Nacional de História da Mídia, 2006, São Luís. 4º Encontro de História da
Mídia. São Luís: Rede Alfredo de Carvalho. v. 1. p. 14. Comunicação disponível em
http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br/cd4/impressa/d_vogel.doc.
VOGEL, Daisi Irmgard. Fábulas do gol. As crônicas esportivas de Nelson Rodrigues
(1956-1958), Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, 1997.

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