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ARTE, CAPITALISMO E REVOLUÇÃO: ESTUDOS SOBRE O PENSAMENTO


DE MARIO PEDROSA
Lorena Nunes de Souza
Universidade Federal de Goiás
lorenansouza@hotmail.com
Resumo

Mario Xavier de Andrade Pedrosa (1900-1981), várias são as


expressões que o definem e que fizeram dele uma figura singular e marcante
entre os intelectuais brasileiros: espírito engajado e atento às conjunturas de
sua época, marxista, trotskista, revolucionário, crítico de arte aparentemente
contraditório. Não são apenas categóricos soltos, essas expressões
demonstram uma personagem cheia de profundidade ao qual muitos
estudiosos brasileiros têm recentemente procurado desvendar, pois que sua
trajetória se vincula de modo intrínseco à conjunturas importantes no âmbito
nacional e internacional. Vinculado, na juventude, ao Partido Comunista –
com o qual rompe em virtude de divergências ideológicas – e durante toda a
sua vida ao pensamento marxista, Pedrosa nunca perdeu de vista a via
revolucionária, de viés heterodoxo, a partir do qual viveu e buscou
compreender o contexto político nacional e internacional. Neste esforço,
duas obras de capital importância foram concebidas por ele por ocasião do
Golpe Militar de 1964, e ao qual ele busca compreender as causas e
desdobramentos para além do contexto nacional e nos quais se pode
verificar, o que buscaremos em certa medida nesta análise, a expressão de
seu pensamento, são elas A Opção Imperialista e A opção Brasileira.

Palavras-chave: Mario Pedrosa, revolução e capitalismo.

Mario Pedrosa inúmeras são as expressões que o definem e que fizeram dele
uma figura singular e marcante entre os intelectuais brasileiros: espírito engajado e
atento às conjunturas de sua época, marxista, trotskista, revolucionário, crítico de arte
aparentemente contraditório. Não são apenas categóricos soltos, essas expressões
demonstram uma personagem cheia de profundidade ao qual muitos estudiosos
brasileiros têm recentemente procurado desvendar, pois que sua trajetória se vincula de
modo intrínseco à conjunturas importantes no âmbito nacional e internacional.
Vinculado, na juventude, ao Partido Comunista – com o qual rompe em virtude de
divergências ideológicas – e durante toda a sua vida ao pensamento marxista, Pedrosa
nunca perdeu de vista a via revolucionária, de viés heterodoxo, a partir do qual viveu e
buscou compreender o contexto político nacional e internacional. Neste esforço, duas

 
 
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obras de capital importância foram concebidas por ele por ocasião do Golpe Militar de
1964 no Brasil, e ao qual ele busca compreender as causas e desdobramentos para além
do contexto nacional e nos quais se pode verificar, o que buscaremos em certa medida
nesta análise, a expressão de seu pensamento, são elas A Opção Imperialista e A opção
Brasileira.

O intelectual Mário Xavier de Andrade Pedrosa nasceu em 25 de abril de 1900


em Timbaúba estado de Pernambuco. Filho de Pedro Cunha Pedrosa e Antônia Xavier
Pedrosa é o sexto filho de uma família de dez irmãos; o pai é advogado e vinculado à
política da República oligárquica. Pedrosa tem, portanto, oportunidade de realizar seus
primeiros estudos em condições privilegiadas, sendo, em 1913 enviado à Suíça para
estudar e lá permanecendo até 1916 quando, então, retorna ao Brasil. De 1919 a 1923
estuda na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Entre 1920 e 1923, porém, ao
contrário do que se poderia sugerir, inicia seus primeiros passos na política já
evidenciando uma postura que tendeu à oposição. Por essa época, Pedrosa interessa-se
pelo marxismo, e em 1925 inicia seus primeiros contatos no Partido Comunista
Brasileiro (PCB) ao qual se filia em 1926 e ao jornal A Classe Operária. Seu ingresso
no Partido Comunista marca, assim, o ponto de partida de sua trajetória política.

Todavia, o dogmatismo para o qual tendeu o Partido Comunista, foi abandonado


por Pedrosa em favor de uma tendência marxista mais heterodoxa; seu tempo de
permanência no Partido foi marcado por uma série de inquietações que prenunciavam a
ruptura e o pensamento que lhe seria próprio. Em 1927 muda-se para São Paulo
assumindo outra responsabilidade dentro do Partido, a saber, encarrega-se do Socorro
Vermelho, “organização comunista de assistência material e jurídica aos comunistas
presos ou perseguidos politicamente.” (NETO, 1993: 25) Atento às discussões que
excitavam a luta de oposição de esquerda contra Stalin, através da revista La Lutte de
Classes denominada anteriormente de O Clarté e dirigida pelo oposicionista de
esquerda Pierre Naville, promove, igualmente, o debate, a princípio, dentro do próprio
partido. Entretanto, a militância no PC chega ao fim em 1929 quando Mário, de fato, se
desvincula do mesmo “na tentativa de reformá-lo e formam [com seu grupo de amigos
militantes]1 o primeiro grupo oposicionista de esquerda do Brasil, berço da futura
corrente trotskista.”

                                                                                                                         
1
Sendo o principal amigo e companheiro de militância: o escritor Lívio Barreto Xavier.

 
 
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Todavia, voltando um pouco mais aos acontecimentos, ainda no ano de 1927,


Mário é designado pelo Partido a freqüentar a Escola Leninista em Moscou. José
Castilho afirma que:

É neste contexto de militante do partido, mas fortemente sensibilizado pelas


inquietações políticas do movimento comunista na Europa e ainda contando
com canais próprios de correspondência com os oposicionistas, que Mario
aceita o convite para freqüentar a Escola Leninista em Moscou, curso de
formação militante da III Internacional, encarregada de forjar lideranças para
os PCs de todo o mundo. (NETO, 1993: 25)

Antes da chegada a Moscou, Pedrosa, passando por Berlim, contrai uma


infecção que o leva a adiar a viagem. Na capital alemã freqüenta cursos e integra-se em
atividades dentro do Partido Comunista alemão tendo, então, a oportunidade de
vivenciar muitos dos conflitos que somente através das notícias e artigos de revistas,
outrora, tinha contato. Lá as inquietações que carregava em si ante as contradições dos
PCs brasileiro e europeu irrompem “contra o doutrinarismo e a castração da crítica
política interna nos PCs, contra a morte da conhecida tese leninista do “centralismo
democrático”.” Esse fato marca uma grande transformação na militância de Pedrosa
que, então, “renasce oposicionista, crítica, avessa à obediência castradora, ao mesmo
tempo em que floresce nele a convicção de construir um partido verdadeiramente
comunista”. É numa atitude definitivamente política, como afirma José Castilho, que
Pedrosa recusa-se a ir para Moscou, indicativo de que assumiria, a partir de então, a
posição oposicionista de esquerda ao PC. O que se verificou, em seguida, foi a sua
militância junto à ação trotskista e à IV Internacional, causa esta que abraçará até 1940,
engajando-se nas lutas sindicais e políticas lideradas pelos partidários de Trotski.

Em 1929 Mário retorna ao Brasil liderando a organização do primeiro grupo de


esquerda oposicionista no país manifestado no GCL (Grupo Comunista Lenine),
fundado em 1930 e cujos debates e idéias se expressavam através do jornal A Luta de
Classe. Pedrosa é também um dos fundadores da Liga Comunista Internacionalista
(LCI), do Partido Operário Leninista (POL) e, ainda, destaca-se, com o pseudônimo
Lebrun, como representante das seções latino-americanas na conferência que originou a
IV Internacional em Paris a setembro de 1938. A esse respeito Coggiola aponta para a
importância do papel de Pedrosa na Fundação da IV Internacional. “Só um latino-
americano esteve presente, representando todos os grupos trotskistas do subcontinente:
o brasileiro Mário Pedrosa, eleito para o Comitê Executivo [sediado em Nova York], do
qual fazem parte, entre outros, o próprio Trotski (membro secreto) [...]”. (COGGIOLA,

 
 
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1984:14) Este autor afirma, ainda, que a organização trotskista no Brasil, representou
uma das mais fortes e coerentes da América Latina, especialmente pela qualidade
intelectual dos dirigentes da LCI2 que através de jornais e livros promovem uma
“difusão ideológica sem paralelos, na época, em nosso continente, e que a coloca
inclusive muito acima do PCB”. Não obstante o valor desta representatividade, Pedrosa
acabaria por se envolver numa discussão, “Ao lado de Max Schactman, dirigente
trotskista norte-americano com o qual redige um documento em que faz restrições à
linha de Trotski, obtendo grande repercussão no interior do partido americano” (NETO,
1993: 26), fato que o levaria à expulsão pelo próprio Trotski do Secretariado da IV
Internacional em 1940.

Neste mesmo ano Pedrosa vive a experiência do exílio, é preso e expulso do


Brasil refugiando-se em Nova York, Washington. Nesse período dedica-se com
profundidade à atividade que desenvolverá durante toda sua vida, a saber, a crítica de
arte; esta que por sua vez estará sempre aliada à sua prática política, desde a defesa da
arte engajada – o realismo – e, posteriormente, sua condução ao abstracionismo. Esta
última considerada por ele uma “revolução silenciosa” e fruto de uma mudança de
pensamento a partir de sua avaliação das conjunturas históricas nacionais e
internacionais (MARI, 2006).

De retorno ao Brasil em 1945 sua atividade política se expressa novamente a


partir da fundação do jornal Vanguarda Socialista. Segundo Isabel Loureiro este
publicação, que reunia intelectuais na sua maior parte anteriormente filiados ao
trotskismo distingue-se dos outros jornais de esquerda da época por seu excelente nível
teórico, pela amplitude dos assuntos tratados, que iam da economia à cultura, pela
abertura de espírito. Diz ainda que, o Vanguarda Socialista divulgava um marxismo
arejado sem similar no Brasil, onde a grande maioria da esquerda assumia acriticamente
o dogmatismo do Partido Comunista.(LOUREIRO, 2001: 132)

Em 1946 Pedrosa filia-se ao recém fundado Partido Socialista Brasileiro (PSB)


ao qual o jornal é, igualmente, vinculado. Por José Castilho temos ainda notícias das
atividades de Mário Pedrosa no período que vai de sua filiação ao PSB à década de
1960.

                                                                                                                         
2
Pedrosa, Lívio Xavier, Rodolfo Coutinho, entre outros; todos dissidentes do PCB.

 
 
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Em 1946, período inicial do PSB, sua atividade política é mais intensa.
Paulatinamente, até 1966, dedica-se com maior empenho a viagens
internacionais, organizando museus e exposições artísticas. Nesse período
também leciona na Faculdade de arquitetura e no Colégio Pedro II no Rio de
Janeiro, além de trabalhar como jornalista no Correio da Manhã, no Jornal
do Brasil e em outros periódicos. Em 1964, inicia o trabalho sobre dois livros
de política, A Opção Imperialista e A Opção Brasileira, publicados em 1966,
quando se candidata a deputado federal pelo Movimento Democrático
Brasileiro (MDB) no Rio de Janeiro. (NETO, 1993: 27)

A Opção Imperialista e A Opção Brasileira constituem duas obras que se


complementam, o próprio autor destaca que, ainda que sejam independentes entre si,
estão ligadas por um pensamento comum3. Com método crítico, por vezes irônico,
Pedrosa busca a compreensão do significado do golpe de 1964 e suas projeções como
realização dada em conjunturas internacionais, ou seja, dentro do contexto político
econômico mundial, no qual o Brasil faz sua opção, num esforço quase obsessivo de
seus dirigentes de equiparar o Brasil aos países imperialistas, entenda-se, aos norte-
americanos. “Pedrosa tratou sempre de analisar o plano local e o plano internacional e
de propor intervenções capazes de promover a transformação concreta da sociedade”.
(MARI. 2006:8). Elabora, também, nestas obras um projeto político para o Brasil,
pautado na ideia de revolução como única saída possível para os países periféricos, mas
não uma revolução baseada em modelos pré-estabelecidos, especialmente o russo, e
sim, uma revolução que esteja fundada nas próprias condições objetivas do
desenvolvimento de cada nação.

É possível perceber, então, que autor não abandona a tese de que a revolução
socialista deve ser uma tarefa buscada por cada nação. Rejeita qualquer forma de
doutrinarismo que viesse contra as concepções políticas que professava, de luta,
mentalidade e revolução, nesse sentido, Mario Pedrosa, que sempre acreditou numa
revolução para o Brasil 4, aproximou-se cada vez mais das ideias marxistas de Rosa
Luxemburgo pelas quais acreditava que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos
próprios trabalhadores.” Para Pedrosa - luxemburguista - esta emancipação dos
trabalhadores somente seria possível tomando por premissa a organização autônoma das
massas que levaria a uma autogestão da sociedade em todos os níveis, e

                                                                                                                         
3
PEDROSA, Mario. A Opção Brasileira, 1966, 1.
4
“Ser revolucionário é a profissão natural de um intelectual [...] Sempre achei que a revolução é a
atividade mais profunda de todas. [...] Sempre sonhei uma revolução para o Brasil.” (Pedrosa numa
entrevista ao Pasquim publicada em 18 de novembro de 1981 apud LOUREIRO In: Mario Pedrosa e o
Brasil: SP: Fundação Perseu Abramo, 2001.

 
 
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conseqüentemente, à transição do capitalismo ao socialismo. Sob essa perspectiva,


Pedrosa recusa qualquer programa dirigido que viesse artificializar o papel dos
trabalhadores na sua própria emancipação.

A partir dessas suas obras, Pedrosa busca apontar uma direção para a revolução
na periferia, ou seja, nacional; afirma ele, ainda, que “não faz sentido que os países
periféricos imitem o caminho da metrópole”. A partir dessa ideia, Mário constata duas
opções possíveis para o Brasil: “um futuro aberto ou a miséria eterna”. Há um projeto
revolucionário no pensamento deste intelectual militante: “existe “em andamento, um
pouco por toda a parte, um projeto a realizar, condição sine qua non para conceber o
futuro, ou seja, manter aberta para todos uma perspectiva desimpedida de
desenvolvimento histórico. O que é isto senão uma revolução? Sim, uma revolução. A
única suscetível de mobilizar os povos da maioria da humanidade. A única
positivamente concebível como a tarefa histórica do vigésimo primeiro século”.”5

Segundo Pedrosa, a obra A Opção Imperialista nasceu do impacto causado pela


emergência do governo militar em detrimento do governo de João Goulart, em 1º de
abril de 1964. Buscando compreender o evento, o autor logo percebe que este não pode
ser visto isoladamente, ou seja, “limitado ao âmbito nacional”. Afirma que “cedo
verificou que não se explicam [os eventos do 1º de abril e os que se seguiram],
isoladamente, e que mesmo o Brasil todo, como nação, como Estado, como economia e
sociedade, não era produto exclusivo de si mesmo, da evolução de sua simples história
– da Descoberta à República”. 6 Constatou-se, ao contrário, que o golpe a 1º de abril ou,
ainda, que a nação como um todo eram resultantes de uma série de forças externas.
Procura descrever o processo de formação de uma política econômico-imperial; do
imperialismo norte-americano e sua expansão “quase fisiológica”, a princípio pelos
mares próximos do continente americano, e posteriormente por todo continente
americano. “Pelo seu leito por assim dizer natural do Mar das Caraíbas e, em seguida,
por um espraiamento não mais “natural”, mas deliberadamente comercial [econômico e
político] pelo continente sul-americano.”

O ano de publicação da obra, 1966, coincidiu com o 1º qüinqüênio da


“revolução” da Aliança para o Progresso, e a visita do senador americano Jacob Javits

                                                                                                                         
5
Ibid.
6
PEDROSA, A Opção Imperialista, 1966. p.1.

 
 
7  
 

ao Brasil evidenciando o imperialismo dos Estados Unidos e seu discurso retórico –


salvacionista. “Não poderia haver transação mais simbólica do espírito das
comemorações qüinqüenais do que esse fabuloso negócio de instalação de um novo
satélite de transmissão de TV, reputado pelo ilustre senador “como potencial de
educação inédito através da televisão, além de fator grandioso de divulgação (...)”.” 7 Os
políticos norte-americanos, diz Pedrosa, são homens de negócios com discursos
assistencialistas.

Pedrosa analisa a questão sobre a atuação da “Aliança para o Progresso” em que


os Estados Unidos, embora contribuindo com seus milhões de dólares para o
desenvolvimento da América Latina, anuncia, em relatório, que a situação nestes países
é alarmante, em nível de educação, infra-estrutura, saúde e demais aspectos; fruto, entre
outras razões, do aumento desenfreado das populações, alegam. O autor impõe a
seguinte questão: e os milhões e milhões de dólares gastos, se perderam? Evidente que
não, com eles foram feitos excelentes negócios – para os Estados Unidos é claro;
contudo, pondera, “sejamos justos, tiveram também sua parte nos negócios, embora
menor, empresas latino-americanas e atravessadores de ambas as regiões.”

Com seu discurso salvacionista e milhões de dólares “para obras beneméritas de


assistência à América Latina” o que os Estados Unidos não admitem, na sua condição
de “homens de negócio” é que “os latinos venham com “pedaço de papel” para que
assinem, concordando com a “melhoria do comércio internacional, a abolição das tarifas
preferenciais ou a obrigatoriedade no auxilio multilateral”.8

Em seguida, Pedrosa observa dentro do mesmo quadro das comemorações da


Aliança a participação do representante brasileiro o Dr. Ministro Roberto Campos.
“Todo o discurso do ministro do planejamento é uma oscilação entre o devaneio e a
racionalidade”. 9 Para o autor, no que compete ao aspecto da racionalidade, o ministro
acerta quanto ao diagnóstico sobre a situação latino americana. “A taxa de crescimento
econômico, sendo muito intimamente ligada às vicissitudes do comercio exterior,
infere-se a necessidade de “uma política mais agressiva de promoção de exportações por
parte dos países latino-americanos”.” O que pressupõe a necessidade da contrapartida
do outro lado, quer dizer, “uma atitude menos protecionista por parte dos países
                                                                                                                         
7
Ibidem, p. 2 e 3.
8
Ibidem, p.5.
9
Ibidem, p.9.

 
 
8  
 

industrializados, quer admitindo mais amplamente a importação de manufaturas, quer


diminuindo as subvenções à sua própria produção agrícola, competitiva daquela dos
países subdesenvolvidos”. A assertiva dirige-se, especialmente, aos Estados Unidos.

Aliança para o Progresso – “um mito furado”. Entretanto, para o autor não é
apenas a impossibilidade de realização desse mito que impedem o esforço de
desenvolvimento econômico, político e social dos países latino-americanos; é, ainda,

A mentalidade, a atitude de antemão capitulacionista e colonial de todos


esses técnicos diante da magnitude dos problemas e em face deles. Assim,
diante de um “excesso” de nascimentos na nossa América, preconizam um
“planejamento familiar” para que “se encare realisticamente os efeitos de
taxas exageradas de crescimento demográfico”. Querem dizer: Há jovens
demais pelos nossos países pobres! (E note-se: é a única espécie de
planejamento global que sugerem!).10

Complementando a obra, em setembro de 1965 Mario Pedrosa conclui, então, A


Opção Brasileira que trata do caso específico desta nação, “tal como se formou e se
veio desenvolvendo, desde 31 de março ou 1º de abril de 1964”, onde o autor busca
“definir aos brasileiros a retificação que se impõe para fazê-lo reencontrar seu próprio
11
destino”. Pedrosa nos permite entrever nesta análise, seu profundo conhecimento da
história econômica e política do Brasil, fator que sustenta em boa medida sua análise
ante as conjunturas do momento. Procura analisar os desdobramentos conjunturais
imediatos o que o permite, inclusive, especular ações de um futuro próximo.

Pedrosa vê no Golpe Militar de 1964 uma etapa de transição e ambivalente.


Em suas palavras, ela “veio para uma coisa, mas abre caminho para outra. Ou para
outras. Veio ostensivamente para limpar a administração pública da corrupção e
esmagar no país dissoluto a subversão. Veio para acabar com a inflação, restaurar uma
livre empresa na plenitude de seus privilégios mortalmente ameaçados por um
intervencionismo estatal sem escrúpulos e progressivo. Veio para [...] repor o Brasil no
lugar que lhe está reservado de combatente na trincheira ocidental.” Porém, o autor quer
perscrutar o que de fato resta efetivamente deste discurso, dois anos após o golpe.

Em 1966, quando então se perdeu os apoios sociais de massa sobre os quais


o regime da “ditadura bonapartista” apregoou ser o representante, agora está em crise –
que se expressa nos âmbitos financeiro, econômico, social e político – e, então, o
regime revela-se com maior nitidez. Embora o discurso não exerça mais tanta força de
                                                                                                                         
10
Ibidem, p.10.
11
Ibidem, p.2.

 
 
9  
 

convencimento, o regime se sustenta nos “atos institucionais”, que, embora,


permitissem eleger seu sucessor – marechal-presidente, não seriam o suficiente,
especula o autor, para efetivar determinações que envolvessem uma política econômica
e social no país12.

Pedrosa afirma que o empenho pela instalação de um regime de livre


empresa, a partir do combate à inflação e estabilização da moeda, entre outras medidas
relacionadas limitatórias, acabou por gerar o mito de um capitalismo ideal que não
corresponde à realidade brasileira, por não se adequarem as categorias de classe
capitalista e trabalhadoras existentes, e que, portanto, não obteve sucesso. Acusa, por
conseguinte, a pouca imaginação dos representantes gestores, Drs. Bulhões e Campos,
contra o “tratamento ortopédico do capitalismo nacional”, a partir do qual as classes
empresariais, industriais e comerciais do país se vêem inviabilizadas. O problema:
interferência e concorrência de “empresas industriais alienígenas”, isto é, estrangeiras –
entenda-se, especialmente, a norte-americana13 “É mera utopia pensar em impor de fora,
por decisões burocráticas ou no papel, uma racionalidade abstrata ótima a empresas
industriais que nasceram de favores, numa perspectiva de mercado permanentemente
sustentado ou mesmo mecanicamente inflado.” “Não é possível ao governo adotar uma
política de desinflação paralela ao desenvolvimento econômico. Governar é escolher.”
14
e diz: “Isto é lógico, claro, positivo, e se entende, mesmo quando não se concorde.”

Há um contexto maior no qual as classes dominantes no Brasil e parcela


significativa das Forças Armadas movem-se com consciência plena – “esse contexto é a
área política imperial delimitada pelos Estados Unidos.” Por ocasião da agressão norte-
americana à República Dominicana, por exemplo, a imprensa brasileira representante do
pensamento desta classe declara, em apoio: ““Em política externa há que ser realista.
Paradoxal que pareça, a linha adotada pelo Brasil em toda a crise foi do maior realismo.
Condenar os Estados Unidos seria um gesto quixotesco que apenas isolaria o Continente
de sua única fonte autêntica de poder. Ignorar a questão seria comportar-se como
avestruz”” 15 Segundo Pedrosa é uma declaração explícita de que para não isolar-se dos
Estados Unidos, o Brasil prefere isolar-se dos governos latino-americanos, seus

                                                                                                                         
12
Ibidem.
13
Ver p.2-4.
14
Aqui Pedrosa cita Dr.Gudin – p.4.
15
PEDROSA, 1966, p.55.

 
 
10  
 

verdadeiros vizinhos, numa atitude típica de país colonial, “acumpliciando-se por


palavras e por atos com a invasão.” 16

O que se expressa então é, aponta Pedrosa, que a mentalidade inaugurada


pelo regime militar a partir do Golpe reflete a situação atual do Brasil, uma condição
“satélite”, ou seja, que o país “pauta sua política estrangeira, com efeito, fundado no
princípio de que não se pode afastar do único Poder existente no “Continente”: o poder
dos Estados Unidos.”

O autor percebe claramente que, antes do Golpe, este argumento já existia


em perspectiva invertida, no imaginário do grupo que subiu ao poder, especulou-se a
ideia de um “governo vermelho”, apoiado por “Jango”; em palavras objetivas,
intencionava isolar os Estados Unidos. ““Isolar os Estados Unidos” eis o que quer a
“guerra revolucionária” que se desencadeou no Brasil pelos comunistas “apátridas”,
com a cumplicidade do presidente João Goulart.”” Tinha-se, então a justificativa para
evitar esse ”isolamento”; ‘(...) os chefes militares conspiram, organizam sua “
contraguerra revolucionária” e instruem os políticos no Parlamento para agitarem o
ambiente. 17

Pedrosa aponta para a realidade existente no interior do Brasil, não havia


uma conspiração, enquanto justificativa especulatória, mas de fato, em curso um
movimento novo, ainda elementar, mas socialmente mais profundo, havia uma luta
entre proprietários de terra e o camponês (meeiro, plantador, posseiro, lavrador sem
terra).

Do anonimato dessas camadas lá do fundo da sociedade, embrutecidas ainda


e as mais exploradas da população brasileira, em começo de um despertar de
consciência social, eis que algumas figuras emergem e ganham os noticiários
dos jornais do país e até do estrangeiro. (...) Em face deles, resolutos,
intratáveis, a se armarem, a formarem bandos de jagunços a seu serviço, a
reclamarem por palavras e atos providenciais às autoridades públicas e
militares, estão os fazendeiros, os latifundiários, os donos de terras. 18

Dessa nova luta pela terra e suas particularidades, surpreendeu aos latifundiários
a iniciativa, por parte destes trabalhadores a formação da Liga Camponesa a partir da
ideia de se fazer representar por um advogado. Os proprietários de terra não se

                                                                                                                         
16
Ibidem, p.56.
17
Ibidem, p.57.
18
Ibidem, p.59.

 
 
11  
 

conformavam em “assistir nascer naquela gente do eito e do cambão, até aqui submissa
e acostumada a obedecer, a um comportamento surpreendente, uma audácia
desconhecida, uma inteligência, em suma, nova de seus próprios problemas.” O pontapé
da defesa advocatícia obrigou o latifundiário a ouvir o “camponês”; e este, por sua vez,
que nem sempre, ou quase sempre, não encontrou ressonância no que diziam, deu início
ao movimento camponês, uma “revolução camponesa”.

A origem das Ligas Camponesas esclarece o autor, foi a Sociedade Agrícola


e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, fundada por Francisco Julião a 1º de janeiro
de 1955. Seus adversários logo a acoimaram de fins subversivos e lhe deram a
designação – de conotação bem mais “vermelha” – de Liga Camponesa. Francisco
Julião, achando a designação popular a mais adequada às finalidades de sua ação, não
teve dúvidas em adotá-la. 19

A necessidade surgiu de uma sede para receber as queixas. As ligas


camponesas apareceram, foram tomando consciência de sua “missão”,
cresceram em número, concepção e audácia, de começo na zona do agreste,
em lugarejos e vilas de aglomerações residenciais de camponeses. Mas, com
a sua repercussão crescente, brotaram também na Zona da Mata, a zona dos
canaviais, “como sociedades secretas”, diz Furtado. Houve, por fim, os casos
mais atrevidos, em que elas entraram pelas fazendas e engenhos adentro,
abrindo-se para cá das suas porteiras. Era o desafio supremo às suas
investiduras inalienáveis do dono da terra. Era, pois uma revolução. Como
era possível ao senhor de engenho conformar-se ao fato, resignar a ideia de
ver dentro de suas terras uma casa, um casebre aberto, sem seu
consentimento ou sem lealdade expressa, a priori declarada e, ainda por cima,
com uma tabuleta acintosa – “Liga Camponesa”? (...) Nesse simples fato,
quase anônimo reside a marca mais profunda e indelével de todos os
acontecimentos e peripécias ocorridos nos meios rurais brasileiros desde
vários anos e que se foram intensificando e amiudando até chamar a atenção
dos políticos e governantes da capital da República. (p.61)

Nossa análise dessas suas obras primordiais para compreensão do pensamento


de Mario Pedrosa não se esgota aqui. Entretanto, já neste estudo, é possível entrever o
significado da revolução para Pedrosa, a saber, aquela que surge espontânea, da
consciência que emerge das dores e do cansaço da exploração, e que se revela de peito
aberto a caminho da consciência e da efetiva transformação social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
                                                                                                                         
19
Ibidem, p.60.

 
 
12  
 

ABRAMO, Fúlvio e KAREPOVS, Dainis. Na Contra-corrente da História.


Documentos da Liga Comunista Internacionalista 1930 - 1933. SP: Ed. Brasiliense,
1987.

ARANTES, Otília e GULLAR, Ferreira. (textos). Caderno Mais! Atualidade de Mário

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