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1 Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná. Doutor em Direito. Professor de Direito
Administrativo.
2 Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná. Doutoranda em Educação (UFPR).
240
RESUMO: A Lei nº 13.655, de 25.04.2018, inclui na Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro, disposições fundadas na segurança jurídica e na eficiência na
interpretação do direito público, promovendo profundas alterações nos critérios de
aplicação das normas jurídicas que disciplinam as relações deste campo de estudo. O
presente ensaio aborda esses novos parâmetros, com a intenção de verificar se as
mudanças havidas representam um avanço ou um enfraquecimento da atividade de
controle.
ABSTRACT: The Law 13.655, dated 04.25.2018, includes in the Law of Introduction to
the Rules of Brazilian Law provisions based on legal certainty and efficiency in the
interpretation of public law, promoting profound changes in the criteria for applying the
legal rules that govern the relations of this law field of study. The present study
addresses these new parameters, with the intention of verifying if the changes involved
represent an advance or a weakening of the control activity.
KEYWORDS: Law of Introduction to the Norms of Brazilian Law. Public right. Legal
Security.
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1. INTRODUÇÃO
Propõe-se, desde então, em razão de seu caráter supralegal, a ser uma lei que
serve, justamente, para regular normas e, nesse sentido, disciplina a vigência e a
eficácia das leis, o conflito de leis no tempo e no espaço, os critérios de hermenêutica
jurídica, os instrumentos de integração do ordenamento jurídico e as normas gerais de
Direito Internacional Privado.
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controle e, porque estabelece restrições, representaria uma investida legislativa
visando ao seu enfraquecimento.
3 Para uma defesa do positivismo jurídico, harmonizando-o com o novo pensamento constitucional, ver:
BORGES, José Souto Maior. Pró-Dogmática: por uma hierarquização dos princípios constitucionais.
Revista Trimestral de Direito Público – 59, p. 240-247.
243
3. DO PÓS-POSITIVISMO: OS PRINCÍPIOS E OS CANAIS DE DIÁLOGO COM A
REALIDADE
4 O Novo Código de Processo Civil bem assimilou esta transformação, como, por exemplo, quando
dispõe que o Ministério Público deixa de intervir como “fiscal da lei” (CPC/1973, art. 83) para atuar na
“defesa da ordem jurídica” (NCPC, art. 176) ou quando estabelece que a ação rescisória deixa de se
fundar na violação literal de “disposição de lei” (CPC/1973, art. 486, V) para veicular a discussão quanto à
manifesta violação à “norma jurídica” (NCPC, art. 966, V).
5 Por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, ao ponderar princípios constitucionais, considerou que o
exercício da liberdade religiosa e de expressão não é absoluto, pois deve respeitar restrições previstas na
própria Constituição. Nessa medida, os postulados da igualdade e da dignidade pessoal dos seres
humanos constituem limitações externas à liberdade de expressão, que não pode e não deve ser
exercida com o propósito subalterno de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar e a estimular
situações de intolerância e de ódio público (STF. RHC 146.303-RJ. Rel. Min. Edson Fachin. Red. p/ o ac.
Min. Dias Toffoli. J. 06.03.2018).
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Segundo Martha Nussbaum, os princípios “não assimilam os finos detalhes do
particular concreto, que é a matéria da escolha ética. Eles devem ser apreendidos em
confronto com a própria situação, por uma faculdade que é adequada para confrontá-
la como uma totalidade complexa”6.
O Direito, assim, deixa de ser visto com um ideal único decorrente da razão,
245
para assumir seu caráter de instrumento da construção social, histórica e cultural e,
nesse contexto, os princípios contribuem para esse processo dinâmico, ao conferirem
juízo de valor na aplicação da norma. Com isso, terminam por legitimar e realçar a
importância do Direito.
Sucede que os princípios, por sua própria natureza, são dotados de grande
abstratividade, o que os faz potencialmente contraditórios entre si, gerando certa
margem de insegurança aos destinatários da aplicação das normas e, por antever-se
certa imprevisibilidade do quanto será decidido no exercício das atividades de controle,
surge a intranquilidade, sobretudo de gestores e particulares que mantenham vínculos
jurídicos com a Administração Pública. É isso que a Nova Lei de Introdução pretende
corrigir, buscando o que se poderia chamar de sustentabilidade dos atos de controle.
Com essa mesma forma de ver as coisas, Carlos Ari Sundfeld já anunciava a
suposta crise gerada pela imprevisibilidade ou descontrole de um direito
excessivamente principiológico, a imprimir, nas respectivas decisões, inaceitável dose
de subjetivismo:
9 SUNDFELD, Carlos Ari. O direito administrativo entre os clips e os negócios. Revista de Direito Público
da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p.33-39, abr./jun. 2007.
246
A crítica passa pelo uso exagerado da retórica dos princípios na
fundamentação da decisão, conforme aborda Carlos Ari Sundfeld, na obra Direito
Administrativo para Céticos10, alertando que os princípios podem se tornar um refúgio
retórico onde se escondem o jurista preguiçoso ou que conhece pouco o Direito.
Isto não significa dizer que a Nova Lei de Introdução afaste, por completo, a
flexibilidade interpretativa, o que se daria por meio de equivocado resgate de
premissas estritamente positivistas, fundadas na concepção de que a resposta do
Direito está contida objetivamente na lei. Na verdade, pretende-se estabelecer
balizamentos que definam, a partir da lei, mas para além dela, quais seriam as
interpretações possíveis, constituindo-se certos espaços de certeza instransponíveis ao
aplicador da norma.
10 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. Cap. 8.
11 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Tradução de Gilmar
Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1997. Reimpressão 2002. p. 12-13.
247
Sundfeld e José Guilherme Giacomuzzi denominam a Lei de que se está a tratar de “Lei
da Segurança para a Inovação Pública”12.
12 SUNDFELD, Carlos Ari; GIACOMUZZI, José Guilherme. O espírito da Lei nº 13.665/2018: impulso
realista para a segurança jurídica no Brasil. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo
Horizonte, ano 16, n. 62, p. 39-41, abr./jun. 2018.
13 WEBER, Max. Historia Económica General. México: Fondo de Cultura Económica, 2011, p. 289.
14 “Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de
caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática
administrativa reiterada e de amplo conhecimento público” (art. 24, parágrafo único).
248
declarem inválidas situações plenamente constituídas” (art. 24, caput).
249
Exemplo dessa situação ocorre em relação à implementação de políticas
públicas, à extinção de contratos de concessão, às revisões de normas regulatórias, as
quais devem considerar o impacto regulatório de seus atos.
Foi esta a orientação seguida pelo legislador, impondo a obrigação de, nas
hipóteses de invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa,
que ocasionar ônus ou perdas anormais ou excessivas, o órgão de controle deverá
orientar a regularização de forma “proporcional, equânime e sem prejuízo aos
interesses gerais”.
250
autos, não raras vezes trazidos pelos interessados, em relação aos quais é possível a
solicitação de esclarecimentos. Não seria razoável exigir-se dos órgãos de controle que,
sponte propria, perquirissem de forma exauriente acerca de todas as consequências
que o ato de controle encerra.
15 “Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá
impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo
ou da conduta dos envolvidos. § 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente
as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. § 2º Para prevenir ou regular a
compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos”.
16 Interessante a observação quanto à previsão de que a regra de transição, em
251
Preocupação idêntica encontra-se presente na sistemática do controle
abstrato da constitucionalidade, quando os efeitos da decisão que declara a
inconstitucionalidade são modulados e, assim, o Supremo Tribunal Federal, por maioria
de dois terços de seus membros, restringe os efeitos da declaração ou fixa termo inicial
para sua eficácia (Lei 9.868/1999, art. 27).
As decisões de controle devem ser motivadas, o que passa pela análise das
alternativas que se acenam para o caso concreto, lembrando-se que o art. 55 da Lei
9.784/99 indica a preferência, sempre, pela convalidação e não pela anulação dos atos
administrativos.
virtude de mudança de entendimento, teria espaço, nos termos da Lei, apenas em relação às normas de
“conteúdo indeterminado”, como se somente as normas com conceitos vagos estivessem sujeitas a
oscilações interpretativas.
252
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
A LINDB, no caput do seu art. 2217, exige que, na interpretação jurídica, sejam
utilizados filtros de realidade, mediante o sopesamento das dificuldades reais,
concretas, do administrador, precaução que se encontra diretamente relacionada à
finitude dos recursos financeiros e, partir daí, obtenha-se o equilíbrio entre a reserva
do possível (“obstáculos e dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas
públicas a seu cargo”) e o mínimo existencial (“direitos dos administrados”).
17 “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e
as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos
dos administrados”. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste,
processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto,
limitado ou condicionado a ação do agente. [...]
253
resultando num ente perdido num cipoal das contingências, que fica
à mercê das forças terríveis do destino18.
18 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. Revista Crítica Jurídica, n. 22,
p. 27, jul./dez. 2003.
19 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas
públicas. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 240, p. 83-103, Abr./Jun. 2005, p. 92.
20 A superada concepção autorizativa do orçamento implica a concessão de certa margem de liberdade
ao administrador público para, inclusive, não empregar a totalidade das verbas previstas para
determinada política pública.
254
constituem um tema integralmente reservado à deliberação política;
ao contrário, o ponto recebe importante incidência de normas
constitucionais21.
Embora o Supremo Tribunal Federal apresentara resistência em efetivar o
controle concentrado da constitucionalidade em relação às leis orçamentárias22, esse
entendimento vem sendo revisto pela própria Corte. Nesse sentido: “Mostra-se
adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária
revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta”
(STF. ADI 2.925/DF. Rel. Min. Ellen Gracie. J. 19.12.2003)23.
21 BARCELLOS, Ana Paula de. O direito a prestações de saúde: complexidade, mínimo existencial e o
valor das abordagens coletiva e abstrata. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel (coords.).
Direitos sociais: fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 816.
22 CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COM EFEITO CONCRETO. LEI DE
DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS: Lei 10.266, de 2001. I. - Leis com efeitos concretos, assim atos
administrativos em sentido material: não se admite o seu controle em abstrato, ou no controle
concentrado de constitucionalidade. II. - Lei de diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e
destinatários certos, assim sem generalidade abstrata, é lei de efeitos concretos, que não está sujeita à
fiscalização jurisdicional no controle concentrado. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. -
Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida. (STF. ADI 2.484-MC/DF. Rel. Min. Carlos Velloso. J.
19.12.2001). No mesmo sentido: STF. ADI 1.716/DF. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. J. 19.12.1997.
23 No mesmo sentido: i) STF. ADI 4.048-MC/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. J. 14.05.2008; ii) STF. ADI
3.949-MC/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. J. 14.08.2008).
24 SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do ato administrativo perdido. Coimbra:
Almedina, 2003, p. 150.
255
linhas gerais, com a apresentação de alternativas à participação popular, de forma a
considerar a vontade do povo na tomada de decisões, especialmente naquelas que
dizem respeito às políticas públicas.
25 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina,
2003, p. 288.
26 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina,
2003, p. 301.
256
considerada na decisão.
§ 2º (VETADO).
257
arbitragem, a mediação e a conciliação.
29 Neste ato normativo do CNMP, vale destacar as seguintes regras: “Art. 1º. Fica instituída a Política
Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público, com o objetivo de assegurar a
promoção da justiça e a máxima efetividade dos direitos e interesses que envolvem a atuação da
Instituição. Parágrafo único. Ao Ministério Público brasileiro incumbe implementar e adotar mecanismos
de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as
convenções processuais, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão sobre tais
mecanismos. Art. 2º Na implementação da Política Nacional descrita no artigo 1º, com vista à boa
qualidade dos serviços, à disseminação da cultura de pacificação, à redução da litigiosidade, à satisfação
social, ao empoderamento social e ao estímulo de soluções consensuais, serão observados: […] IV – a
valorização do protagonismo institucional na obtenção de resultados socialmente relevantes que
promovam a justiça de modo célere e efetivo. […] Art. 8º A negociação é recomendada para as
controvérsias ou conflitos em que o Ministério Público possa atuar como parte na defesa de direitos e
interesses da sociedade, em razão de sua condição de representante adequado e legitimado coletivo
universal (art. 129, III, da CR/1988) [...]”.
258
hipóteses: i) se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na
composição consensual; e, ii) quando não se admitir a autocomposição (NCPC, art. 334,
§ 4º). Com efeito, ainda que seja o desejo de apenas uma das partes, haverá a
designação de audiência conciliatória.
259
permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação
geral” (art. 26, § 1º, III) e “deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo
para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento” (art. 26, §
1º, IV).
14. CONCLUSÃO
260
afastar o natural grau de incerteza inerente à aplicação do Direito ou mesmo
estabelecer espaços reduzidos de decidibilidade.
Vê-se, com bons olhos, a preocupação de fazer com que a aplicação da norma
considere, de alguma forma, o primado da realidade, o estado das coisas e as
dificuldades de gestão, assim como a vulnerabilidade dos particulares frente aos
comandos administrativos.
Reafirma-se, contudo, que a nova LINDB não deve representar uma restrição
ao exercício do controle sobre a Administração Pública. Se de um lado, o controle não
pode descuidar-se da segurança jurídica e das consequências de seus atos, por outro
lado não é desejável que, diante da complexidade das matérias, deixe-se de exercer o
controle, conferindo perniciosa liberdade ao Executivo e ao Legislativo, sob o
argumento questionável da legitimidade democrática e da capacidade institucional.
15. REFERÊNCIAS
BORGES, José Souto Maior. Pró-Dogmática: por uma hierarquização dos princípios
constitucionais. Revista Trimestral de Direito Público – 59, p. 240-247.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais. Revista Crítica
Jurídica, n. 22, p. 27, jul./dez. 2003.
261
HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da
Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris,
1997. Reimpressão 2002.
SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do ato administrativo perdido.
Coimbra: Almedina, 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros,
2014. Cap. 8.
WEBER, Max. Historia Económica General. México: Fondo de Cultura Económica, 2011.
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