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J Bras Nefrol 2002;24(1):37-9 37

Insuficiência renal aguda: diretriz da Sociedade Brasileira de


Nefrologia
Acute kidney failure: guideline of Brazilian Nephrology Society
Trabalho coordenado por Luis Yu, diretor do Departamento de Fisiologia da SBN, e por Hugo
Abensur, diretor do Departamento de Diálise da SBN – Autores: Luis Yua, Hugo Abensura,
Elvino José G de Barrosb, Eduardo Homsic, Emmanuel de A Burdmannd, Miguel Cendoroglo
Netoe, Mauricio Younes-Ibrahimf e Oscar P dos Santose
a
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. bUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS,
Brasil. cUniversidade Estadual de Campinas. Campinas, SP SP,, Brasil. dFaculdade de Medicina de São José do Rio PPreto.
reto. São
e
José do Rio PPreto, SP,, Brasil. Universidade FFederal
reto, SP ederal de São PPaulo/Escola
aulo/Escola PPaulista
aulista de Medicina. São PPaulo,
aulo, SP
SP,, Brasil.
f
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Especialidades de abrangência dias. Refere-se principalmente à diminuição do ritmo


Clínica médica, terapia intensiva e nefrologia de filtração glomerular, porém ocorre também disfun-
ções no controle do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-
Grau de recomendação e força de evidência básico. Podem ocorrer alterações hormonais, como a
A: Grandes ensaios clínicos aleatorizados e metánalise; deficiência de eritropoetina e de vitamina D1-3 (D).
B: Estudos clínicos e observacionais bem desenhados;
C: Relatos e séries de casos clínicos; Diagnóstico clínico1,2 (D)
D: Publicações baseadas em consensos e opiniões de
especialistas. História clínica
Identificar causas (perda de volume extracelular), fa-
Objetivos tores de risco (drogas, contrastes radiológicos) e severi-
Conceito, diagnóstico, prevenção e tratamento da dade da IRA. Manifestações como febre, mal estar, rash
insuficiência renal aguda (IRA). cutâneo e sintomas musculares ou articulares podem es-
tar associados a vasculites ou glomerulonefrites. Dores
Procedimentos lombares ou supra púbicas, dificuldade de micção, cóli-
1. Conceito cas nefréticas e hematúria podem sugerir IRA pós-renal.
2. História clínica e exame físico.
3. Exames laboratoriais. Exame físico
4. Exames de imagem. Devem-se procurar sinais associados à etiologia e
5. Biópsia renal. à repercussão da IRA, assim como sinais de hipovo-
lemia e hipotensão arterial ou sinais de obstrução do
Evolução: desfechos trato urinário para diferenciar IRA pré-renal de pós-
1. Recuperação. renal. Presença de levedo reticular e microinfartos di-
2. Cronificação. gitais podem sugerir doença renal tromboembólica.
3. Morte.
Diagnóstico laboratorial1,2 (D)
Principais recomendações • Sangue: uréia, creatinina, bicarbonato, sódio, po-
tássio, ácido úrico, cálcio e fósforo;
Conceito • urina: sedimento urinário, sódio, creatinina e
IRA é a redução aguda da função renal em horas ou osmolaridade;

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• imagem: ultra-sonografia e tomografia computado- ou sintomáticas por infusão endovenosa de cálcio,


rizada (tamanho, forma, ecogenicidade, simetria e soluções polarizantes (glicose e insulina), uso de
número de rins); agonistas ß2, correção da acidose e hemodiálise;
• biópsia renal: casos selecionados (causa desconhecida, • tomar precauções extremas contra processos infec-
evolução atípica e/ou prolongada, nefrite intersticial por ciosos. Evitar antibioticoterapia desnecessária, que-
drogas, necrose cortical e doença ateroembólica). bras da barreira cutâneo-mucosa (sondas, catete-
res etc.), e pesquisar cuidadosamente a presença
Prevenção4,5 (D) de focos infecciosos;
• estabelecer o nível basal de função renal por do- • nutrir o paciente. Tentar obter o balanço nitrogena-
sagem de creatinina sérica ou depuração de crea- do menos negativo possível pela administração de
tinina. Pacientes com creatinina elevada apresen- uma relação calórico/protéica adequada. Evitar res-
tam maior possibilidade de desenvolver lesão trições alimentares severas. Se a sobrecarga de volu-
renal após procedimentos de risco ou uso de dro- me for um problema não contornável clinicamente,
gas nefrotóxicas; inicie diálise precocemente ou a intensifique.
• otimizar as condições clínicas do paciente. A me-
dida mais importante é assegurar que o volume Tratamento dialítico6,9 (D)
intravascular esteja convenientemente expandido.
Mantenha pressão arterial média acima de 80 Indicações de diálise
mmHg (ou mais, se o paciente for hipertenso), • Hiperpotassemia;
hematócrito acima de 30% e oxigenação tecidual • hipervolemia: edema periférico, derrames pleural
adequada; e pericárdico, ascite, hipertensão arterial e ICC;
• evitar o uso de drogas nefrotóxicas em pacientes • uremia: sistema nervoso central (sonolência, tremo-
com função renal já comprometida. res, coma e convulsões), sistema cardiovascular (pe-
• corrigir as doses das drogas de acordo com a fun- ricardite e tamponamento pericárdico), pulmões
ção renal, manter o paciente adequadamente hidra- (congestão pulmonar e pleurite), aparelho digesti-
tado e monitorar a função renal. Evitar associação vo (náuseas, vômitos e hemorragias digestivas);
de drogas nefrotóxicas; • acidose metabólica;
• não utilizar diuréticos de alça para prevenção de • outras indicações: hipo ou hipernatremia, hipo ou
nefrotoxicidade; hipercalcemia, hiperuricemia, hipermagnesemia,
• em caso de mioglobinúria e hemoglobinúria, o uso hemorragias devido a distúrbios plaquetários, ICC
de solução expansora com bicarbonato de sódio e refratária, hipotermia e intoxicação exógena.
manitol reduz a prevalência e a gravidade da le-
são renal. Métodos dialíticos9 (Tabela 1)
Escolha inicial do método dialítico para o tratamen-
Tratamento clínico6-8 (D) to da IRA9 (Tabela 2).
• assegurar que o volume intravascular esteja expan-
dido. Manter pressão arterial média acima de 80 Tabela 1
mmHg, hematócrito acima de 30% e oxigenação te- Métodos dialíticos9 (D).
cidual adequada; Métodos intermitentes Métodos contínuos
• evitar hiper-hidratação, que poderá causar edema,
hipertensão, insuficiência cardíaca e hiponatremia. Diálise peritoneal intermitente DP ambulatorial contínua
IRA é um processo hipercatabólico, e um paciente Hemodiálise intermitente Ultrafiltração contínua lenta
que não estiver perdendo em torno de 300 g de Hemofiltração intermitente Hemofiltração A-V contínua
peso corporal por dia provavelmente está em ba- Hemofiltração V-V contínua
Hemodiálise A-V contínua
lanço positivo de água;
Hemodiálise V-V contínua
• prevenir hipercalemia diminuindo a ingestão de Hemodiafiltração A-V contínua
potássio e evitar drogas que interfiram com a ex- Hemodiafiltração V-V contínua
creção. Tratar agressivamente hipercalemias graves A-V (arteriovenosa); V-V (veno-venosa)

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Tabela 2
Escolha inicial do método dialítico para o tratamento da IRA9 (D)
Indicação Condição clínica Método preferencial

IRA não complicada Nefrotoxicidade DP, HD


Sobrecarga de volume Choque cardiogênico UF, HF, DP, HDC
Uremia IRA complicada HD, HDF
Hipertensão intracraniana AVCH, Sind. hepato-renal HDC, HDF, DP
Choque Sepsis, SARA HF, HDF, HDC, DP
Nutrição Queimados HD, HDF, HF
Intoxicações Barbitúricos, teofilina hemoperfusão, HD, HDF
Alterações eletrolíticas Hiperpotassemia grave HD, HDF
IRA na gravidez Uremia no último trimestre DP
Abreviações: HD, hemodiálise; DP, diálise peritoneal; UF, ultrafiltração; HF, hemofiltração contínua; HDC, hemodiálise contínua ; HDF,
hemodiafiltração contínua

Prognóstico10-12 (B) anteriores. Alguns fatores têm sido associados a pior


O prognóstico da IRA continua sombrio, com mor- prognóstico: oligúria, falência de múltiplos órgãos
talidade próxima a 50%. Um dos fatores responsá- e septicemia. Essa alta mortalidade reforça a neces-
veis é que os doentes atuais com IRA apresentam sidade da prevenção da IRA como a opção terapêu-
mais gravidade do que aqueles vistos em décadas tica mais eficaz.

R e f e r ê n c i a s

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Data final da elaboração: 8/3/2001.
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Sociedade Brasileira de Nefrologia
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