A boa-fé (Treu und Glauben) 1 A pesquisa na jurisprudência do
deve estar presente em todas as rela- Tribunal de Justiça do Rio Grande do ções contratuais, de consumo, civis e Sul, cujo foco da análise foi a utilização entre empresários. Nesta Escola Supe- do princípio da boa-fé, levantou as deci- rior da Magistratura, gostaria de sões de março de 1991, quando o Código relembrar que o tema da boa-fé tem ín- entrou em vigor, até agosto de 2001, ana- tima relação com a sua construção pela lisando estes mais de dez anos do Códi- Jurisprudência (Richterrecht).2 Assim, go de Defesa do Consumidor na prática. antes de que o princípio da boa-fé incida O resultado da pesquisa foi o seguinte: ainda com mais força no Brasil, através encontramos 2.779 decisões, que utili- do novo Código Civil, gostaria de tecer zam o princípio da boa-fé. O mais inte- algumas observações sobre a boa-fé no ressante foi a evolução dessa aplicação Código de Defesa do consumidor, tendo massificada do princípio da boa-fé. Em como base a pesquisa jurisprudencial 1991, apenas cinco decisões usavam o que realizamos no TJ/RS sobre o uso do referido princípio, sendo que dessas cin- princípio da boa-fé de 1991 a 2001.3 co, duas delas utilizavam-no ainda numa O Código de Defesa do Consumi- visão subjetiva: a má-fé ou a boa-fé do dor (CDC) está em vigor a mais de 10 indivíduo naquele contrato específico ou anos no Brasil, com seus princípios naquela relação da vida.4 d e boa-fé e equilíbrio nas relações Já em 2001, pelo menos até agos- contratuais de consumo e pode servir de to, encontramos 72 decisões usando o manancial de jurisprudência, inclusive princípio da boa-fé, sendo que 55 das 72 para a aplicação do novo Código Civil, Lei citavam expressamente os princípios e 10.406/2002 (a seguir CC/2002). as normas do Código de Defesa do Con- sumidor, demonstrando que o juiz bra- Palestra proferida no Seminário realizado em sileiro tem muito mais facilidade quan- 14.06.2002. 1 A autora agradece o gentil convite do Desembargador do a lei expressamente prevê a possibi- Sergio Cavalieri e as interessantes reflexões do deba- lidade de uma decisão aberta, através te, realizado em tão boa hora na EMERJ. A forma oral de uma cláusula geral. As cláusulas ge- foi preservada, con adição de textos e notas. 2 Veja, por todos, TEPEDINO, Gustavo (Coord.), Direi- rais do CDC permitem que o magistrado to Civil-Constitucional, Renovar, Rio de Janeiro, utilize a boa-fé ou mesmo, excepcional- 2001, p. 11 e 12: as cláusulas gerais que, previstas mente, a eqüidade, a revisão dos con- pelo legislador contemporâneo, no Código de Defesa do Consumidor..., vêm sendo amplamente utilizadas tratos por onerosidade excessiva, figu- pelos operadores. Recupera-se, então, o papel da ju- ras agora presentes no CC/2002. risprudência e da doutrina... Em outras palavras, não se diga 3 Veja decisão do TJRS, APC 70000037408, j. 18.10.2000, Des. Paulo Augusto Monte Lopes, 16ª Câm. que o magistrado brasileiro tende ao Cível.: Em qualquer negócio, seja qual for a natureza, exagero ou a não aplicação das cláusu- seja qual for o regime jurídico aplicável, o direito prote- las gerais. Quando a norma e seu man- ge a boa-fé. Proteger a boa-fé significa preservar os contratantes de artimanhas e subterfúgios. Como o con- dato de concretização da justiça trato é lei entre as partes, e uma delas pode por sua contratual são claros, o juiz brasileiro vulnerabilidade ou hipossuficiência diante da outra realmente atende a essa idéia e a apli- ter assinado o instrumento sem compreender por com- pleto tudo o que nele se dispôs ou mesmo por vício, o direito ampara os interesses desse contratante fazendo 4 Veja detalhes sobre esta pesquisa em meu livro, Con- prevalecer sobre a literalidade do contrato os reais obje- tratos no Código de Defesa do Consumidor, 4ª tivos pretendidos na contratação. (p. 4 do original) ed.,RT, São Paulo, 2002, p. 175 e seg.
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ca. Em nosso levantamento, 55 decisões do Consumidor traça regras que prescindem expressamente se baseavam nas normas a situação específica de consumo, além dis- do Código de Defesa do Consumidor, e so define princípios gerais orientadores do em seus princípios. Dentre os princípios Direito das Obrigações. Na teoria dos siste- mais citados nestes 55 casos estão: o mas, é um caso estranho, a lei do princípio da função social do contrato (16 microssistema enunciar princípios gerais casos), o princípio da eqüidade contratual para o sistema como um todo, mas isto é o (16 casos). O mais interessante é que que está acontecendo no caso, por várias desses cinqüenta e cinco casos que ci- razões, mas principalmente porque a nova tam o Código de Defesa do Consumidor, lei incorporou ao ordenamento civil legisla- em trinta e sete, a decisão foi a favor do normas que expressam o desenvolvimen- dos consumidores, mas em 17 casos o to do mundo dos negócios e o atual estado consumidor não obteve ganho de causa, da ciência, introduzindo na relação a demonstrar que o princípio da boa-fé, obrigacional a idéia de justiça contratual, da ou a valoração através do princípio da equivalência das prestações e da boa-fé. 5 boa-fé não significa um ganho de causa Então, de um lado, temos a expe- para o consumidor em cem por cento dos riência de dez anos de aplicação do CDC casos. O importante aqui é a procu- e de sua cláusula geral de boa-fé e de ra da justiça no caso concreto outro lado, essa pergunta: o que muda (Vetragsgerechtigkeit). A concretização no Direito civil em matéria de cláusulas da boa-fé é, pois, um instrumento válido abusivas, com a entrada em vigor do Có- e útil para a procura da Justiça no caso digo Civil de 2002, mesmo frente ao pró- concreto ou aequitas. prio Código de Defesa do Consumidor? Como ensina o Prof. Paulo Neto Para bem responder esta per- Lobo, o princípio da boa-fé objetiva vem gunta gostaria de dividir minha expo- refuncionalizado no Direito do Consumi- sição em duas partes, uma mais teó- dor, otimizado na sua dimensão de cláu- rica analisando o diálogo das fontes sula geral, e assim serve de parâmetro legislativas novas e velhas, isto é, os de validade dos contratos de consumo, diálogos possíveis entre o CDC e o CC/ principalmente para as condições gerais 2002, para em uma segunda concen- de consumo e os contratos de adesão, trar-me em um destes diálogos possí- hoje também regulados, se puramente veis, o de influências recíprocas, onde civis ou puramente empresariais no CC/ a jurisprudência brasileira já desen- 2002, que unifica as regras sobre obriga- volvida sobre as funções da boa-fé ob- ções civis e comerciais. jetiva, podem nos ajudar a enten- Parece-me que essa experiência der como se dará este diálogo, artigo que tivemos de dez anos de Código de por artigo do CC/2002. Defesa do Consumidor pode nos ajudar, agora, a imaginar essa revolução do con- I Os diálogos possíveis entre o CDC trato, essa sociabilização da teoria e o CC/2002: a superação do conflito contratual tão mencionada. O uso do pelo diálogo entre fontes Código de Defesa do Consumidor como Segundo o § 2.o do art. 2.o da LICC, parâmetro, como oxigenação do Direito a lei nova, que estabeleça disposições Civil foi muito comum, tendo sido até gerais a par das já existentes, como o mesmo mencionado em decisões pelo CC/2002, não revoga nem modifica a Ministro Ruy Rosado de Aguiar. No REsp. lei anterior, no caso, o CDC. Segundo n° 80036, de 25.03.96, ao explicar esta o § 1.o do art. 2.o da LICC, a lei poste- surpreendente oxigenação (expressão rior revogará a anterior quando: 1) ex- do também magistrado Antônio Janyr pressamente o declare; 2) regule in- DallAgnol), que o CDC pôde realizar no Direito Civil clássico, o Min. Ruy Rosado 5 Assim, Min. Ruy Rosado de Aguiar, in voto no Resp. de Aguiar ensina: O Código de Defesa 80.036, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 25.03.1996.
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teiramente a matéria de que tratava a exemplo, uma lei anterior, como o Código anterior; 3) seja com ela incompatível. de Defesa do Consumidor de 1990 e uma Os dois primeiros casos não pa- lei posterior, como o novo Código Civil Bra- recem ocorrer na prática; nem o CC/ sileiro de 2002, estariam em conflito, daí 2002 revogou expressamente o CDC, a necessária solução do conflito através nem tratou da relação de consumo ou da prevalência de uma lei sobre a outra e incorporou normas sobre as relações a conseqüente exclusão da outra do siste- de consumo, e entre as duas leis há ma (ab-rogação, derrogação, revogação). uma divergência fundamental de cam- Em outras palavras, nesta visão po de aplicação subjetiva. Uma é lei perfeita ou moderna, teríamos a Tese especial anterior e hierarquicamente (lei antiga), a antítese (lei nova) e a superior outra, o CC/2002, é lei geral conseqüente síntese (a revogação), a tra- posterior, lei entre iguais. O CDC uma zer clareza e certeza ao sistema (jurí- lei especial voltada para a equidade dico). Os critérios para resolver os con- (aequitas), já o CC/2002 é uma lei flitos de leis no tempo seriam assim ape- voltada para a igualdade geral nas três: anterioridade, especialidade e (aequalitas), 6 tanto que unifica as re- hierarquia, a priorizar-se, segundo gras sobre obrigações civis e comerci- Bobbio, a hierarquia.9 A doutrina atua- ais, mas não regula as relações de con- lizada, porém, está a procura hoje mais sumo (relações entre diferentes, um da harmonia e da coordenação entre as expert, o fornecedor e outro leigo ou normas do ordenamento jurídico (con- vulnerável, o consumidor). cebido como sistema), 10 do que da ex- clusão. É a denominada coerência de- A) A idéia de diálogo das fontes rivada ou restaurada (cohérence legislativas a superar a idéia de con- dérivée ou restaurée), 11 que em um flito entre leis momento posterior a decodificação, a Em seu curso Geral de Haia de tópica e a micro-recodificação,12 procu- 1995, o mestre de Heidelberg, Erik ra uma eficiência não só hierárquica,13 Jayme, ensinava que, face ao atual mas funcional14 do sistema plural e com- pluralismo pós-moderno de um Direito plexo de nosso direito contemporâneo,15 com fontes legislativas plúrimas, ressur- 9 Veja BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurí- ge a necessidade de coordenação entre dico, Ed. Pollis/Universidade de Brasília, S. Paulo, as leis no mesmo ordenamento, como Brasília, 1990, P. 92 e BOBBIO, Norberto, Des critères pour résoudre les antinomies, in PERELMAN, CH. exigência para um sistema jurídico efi- (Coord.), Les antinomies en Droit, Bruxelas, Ed. ciente e justo. 7 Efetivamente, cada vez Bruylant, 1965, p. 255. mais se legisla, nacional e internacio- 10 Veja SAUPHANOR, Nathalie, LInfluence du Droit de la Consommation sur le système juridique, Pa- nalmente, sobre temas convergentes. A ris, LGDJ, 2000, p. 23 a 32. pluralidade de leis é o primeiro desafio 11 Expressão de SAUPHANOR, p. 32. do aplicador da lei contemporâneo. A 12 Mencione-se aqui que a sempre citada obra de expressão usada comumente era a de CANARIS, Claus-Wilhelm, Pensamento sistemático e conceito de Sistema do Direito, Gulbelkian, Lis- conflitos de leis no tempo8 , a significar que boa, 1989, constroi sua idéia de sistema justamente haveria uma colisão ou conflito entre os criticando a tópica, p. 255 e seg. Sobre tópica veja campos de aplicação destas leis. Assim, por WIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência, trad. Tércio S. Ferraz Jr., Brasília, Departamento de Impren- sa Nacional, MJ-UnB, 1979. 6 BERTHIAU, Denis, Le principe dégalité et le droit 13 Veja sobre a crise ou neutralização do critério da hie- civil des contrats, L.G.D.J., Paris, 1999, p. 3 e seg. rarquia e a utilização de outros critérios, GANNAGÉ, Léna, 7 JAYME, Erik, Identité culturelle et intégration: Le droit La hiérarchie des normes et les méthodes du droit internationale privé postmoderne - in: Recueil des international privé, LGDJ, Paris, 2001, p. 25 e 26. Cours de l Académie de Droit International de la 14 SAUPHANOR, p. 30. Haye, 1995, II, p. 60 e p. 251 e seg. 15 Veja sobre a necessidade de coordinamento con altre 8 Preferível é a expressão neutra Direito intertemporal, disposizioni do Código Civil e das leis especiais de já usada por FRANÇA, R. Limogi, Direito proteção do consumidor, ALPA, Guido et allii, La dis- Intertemporal Brasileiro, 2. Ed., Revista dos Tribu- ciplina generale dei contratti, 8. ed., Giappichelli nais, São Paulo, 1968, p. 9 e seg. Ed. Torino, 2001 , p. 613 e seg.
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a evitar a antinomia, a incompatibili- O grande mestre de Heidelberg dade ou a não-coerência.16 propõe então a convivência de uma se- Costumava-se afirmar, quanto ao gunda solução ao lado da tradicional: a tipo de conflitos de leis no tempo, que coordenação destas fontes. 22 Uma co- poderiam existir: conflitos de princípi- ordenação flexível e útil (effet utile) das os (diferentes princípios presentes em normas em conflito no sistema a fim de diferentes leis em conflito), conflitos de restabelecer a sua coerência, isto é, normas (conflitos entre normas de duas uma mudança de paradigma: da retira- leis, conflitos reais ou aparentes, con- da simples (revogação) de uma das nor- forme o resultado da interpretação que mas em conflito do sistema jurídico (ou o aplicador das leis retirasse), e do monólogo de uma só norma possível antinomias (conflitos pontuais da con- a comunicar a solução justa), à convi- vergência eventual e parcial do campo vência destas normas, ao diálogo das de aplicação de duas normas no caso con- normas para alcançar a sua ratio, a creto). 17 finalidade narrada ou comunicada Erik Jayme 18 alerta-nos que os em ambas. tempos pós-modernos, onde a Na belíssima expressão de Erik pluralidade, a complexidade, a distinção Jayme, é o atual e necessário diálogo impositiva dos direitos humanos e do das fontes (dialogue de sources), 23 a droit à la différence (direito a ser dife- permitir a aplicação simultânea, coeren- rente e ser tratado diferentemente, sem te e coordenada das plurímas fontes necessidade mais de ser igual aos ou- legislativas convergentes. 24 Diálogo tros) não mais permitem este tipo de cla- porque há influências recíprocas, diálo- reza ou de mono-solução. A solução sis- go porque há aplicação conjunta das temática pós-moderna deve ser mais flu- duas normas ao mesmo tempo e ao mes- ída, mais flexível, a permitir maior mo- Pluriel-Etudes offertes au professeur Jean-François bilidade e fineza de distinções. Nestes Perrin, Helbing & Lichtenhahn, Genbra, 2002, p. tempos, a superação de paradigmas é 135 e seg. O autor constata a pouca tolerância que substituída pela convivência dos temos para o plural e cita expressamente Perrin (Les relations entre la loi et les règles de la bonne foi: paradigmas,19 a revogação expressa pela collaboration ou conflit internormatif?, p. 42, nota 4 ), incerteza da revogação tácita indireta BELLEY, p. 136: La théorie du droit doit assumer souvent através da incorporação (veja Art. 2.043 la délicate mission dexprimer en termes généraux ce qui se pratique déjà légitimement mais silencieusement. Le do novo Código Civil), há por fim a con- discours pluraliste nest pas encore maîtrisé. Le dire fait vivência de leis com campos de aplica- plus peur que le faire. No Brasil, veja Fachin, Luiz Ed- son, Transformações do direito civil brasileiro con- ção diferentes, campos por vezes con- temporâneo, in Diálogos sobre Direito Civil-Cons- vergentes e, em geral diferentes, em um truindo a Racionalidade Contemporânea, Org.. Car- mesmo sistema jurídico, que parece ser men Lucia Ramos, Gustavo Tepedino et alii, Renovar, Rio de Janeiro, 2002, p. 43. agora um sistema (para sempre) plural, 22 JAYME, Recueil des Cours, 251 (1995), p. 60. fluído, mutável e complexo.20 Não deixa 23 JAYME, Recueil des Cours, 251 (1995), p. 259: de ser um paradoxo que o sistema, o Dès lors que lon évoque la communication en droit todo construído, seja agora plural... 21 international privé, le phénomène le plus important est le fait que la solution des conflits de lois émerge comme 16 SAUPHANOR, p. 31. résultat dun dialogue entre les sources le plus 17 Veja detalhes em meu livro, Contratos no Código hétérogènes. Les droit de lhomme, les constitutions, les de Defesa do Consumidor, RT, São Paulo, 2002, p. conventions internationales, les systèmes nationaux: 515 e seg. toutes ces sources ne sexcluent pas mutuellement; elles parlent lune à lautre. Les juges sont tenus de coordonner 18 JAYME, Recueil des Cours, p. 60 e p. 251. ces sources en écoutant ce quelles disent. 19 GANNAGÉ, p. 17. 24 Como ensina SAUPHANOR, p. 31, em direito, a au- 20 Do grande mestre da USP, vem a expressão sistema sência de coerência consiste na constatação de uma hiper-complexo, veja AZEVEDO, Antonio Junqueira de, antinomia, definida como a existência de uma incom- O Direito pós-moderno e a codificação, in Revista patibilidade entre as diretivas relativas ao mesmo ob- Direito do Consumidor, v. 33 (2000), p. 124 e seg. jeto. No original: En droit, labsence de cohérence con- 21 Veja a favor do pluralismo jurídico a bela análise de siste dans la constatation dune antinomie, définie comme BELLEY, Jean-guy, Le pluralisme juridique comme lexistence dune incompatilité entre les directives relatives doctrine de la science du droit, in Pour un Droit à un même objet.
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mo caso, seja complementariamente,25 hierarquicamente29 e funcionalmente,30 seja subsidiariamente,26 seja permitin- visto hoje como um complexo de elemen- do a opção voluntária das partes sobre a tos em interação31 coerentes ou orgâ- fonte prevalente (especialmente em nicos,32 de normas, princípios e juris- matéria de convenções internacionais e prudência, 33 parece importante frisar leis modelos) 27 ou mesmo permitindo esta visão sistemática do ordenamento uma opção por uma das leis em conflito jurídico, como um conjunto de elemen- abstrato.28 Uma solução flexível e aber- tos diversos cuja organização e interação ta, de interpenetração ou mesmo a so- fornece a todo a ordem jurídica positiva lução mais favorável ao mais fraco da reconhecida como tal os meios para al- relação (tratamento diferente dos dife- cançar sua coerência e seu funciona- rentes). mento. 34 Aceitando a definição de sistema Por fim, repita-se que o novo Có- de direito, consolidada por Natalie digo Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 10 Sauphanor, como um todo estruturado de janeiro de 2002, traz ao direito priva- do brasileiro geral os mesmos princípios 25 Veja sobre a aplicação simultânea de várias leis, o já presentes no Código de Defesa do Con- CC, o CDC e inclusive as leis administrativas sobre o sumidor (como a função social dos con- SFH, duas recentes decisões do STJ. Na bela decisão no Resp. 436.815-DF, Min. Nancy Andrighi, j. tratos, 35 a boa-fé objetiva36 etc.). Real- 17.12.2002, DJ 28.10.2002, a ementa ensina: Pro- mente, a convergência de princípios en- cessual. Civil....Contrato de compra e venda de imóvel e financiamento. SFH. Aplicação do Código de Defesa tre o CDC e o CC/2002 é a base da do Consumidor. empréstimo concedido por associação inexistência principiológica de conflitos ao associado. Deve ser afastada a aplicação da cláusu- possíveis entre estas duas leis que, com la que prevê foro de eleição diverso do domicílio do devedor em contrato de compra e venda de imóvel e igualdade ou equidade, visam a harmo- financiamento regido pelo Sistema Financeiro da Ha- nia nas relações, civis em geral e nas bitação, quando importar em prejuízo de sua defesa. de consumo ou especiais. Como ensina Há relação de consumo entre o agente financeiro do SFH, que concede empréstimo para aquisição de casa a Min. Eliana Calmon: O Código de De- própria, e o mutuário... E a igualmente bela decisão fesa do Consumidor é diploma legislativo do Resp. 387.581-RS, Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 21.05.2002, cuja ementa ensina: Cartão de crédito. que já se amolda aos novos postulados, Prestação de contas. Mandato. A administradora deve inscritos como princípios éticos, tais prestar contas sobre o modo pelo qual exerce o manda- como, boa-fé, lealdade, cooperação, equi- to que lhe concedeu o usuário para obter financiamen- to no mercado a fim de financiar as vendas a prazo. líbrio e harmonia das relações.37 Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. 26 Veja aplicação simultânea e subsidiária do CDC, B) Os três tipos de diálogos possíveis como lei geral, face à existência de lei especial sobre prêmios, na jurisprudência do STJ: Publicidade. Con- entre o CDC e o CC/2002 e a aplicação curso. Prêmio. Numeração ilegível. Código de Defesa subsidiária do CC/2002 em relação às do Consumidor...O sistema do CDC, que incide nessa relações de consumo relação de consumo, não permite à fornecedora - que se beneficia com a publicidade exonerar-se do cum- Seguindo os ensinamentos de meu primento da sua promessa apenas porque a numera- caro mestre alemão, Erik Jayme, cabe ção que ela mesma imprimiu é defeituosa. A regra do Art. 17 do Dec. 70.951/72 apenas regula a hipótese 29 SAUPHANOR, p. 23. em que o defeito tiver sido comprovodamente causado 30 SAUPHANOR, p. 30. pelo consumidor. (STJ, Resp. 396.943-RJ, Min. Ruy 31 SAUPHANOR, p. 24. Rosado de aguiar, j. 02.05.2002, DJ 05.08.2002) 32 SAUPHANOR, p. 27. 27 Veja por exemplo o artigo 1 do Tratado de Olivos do 33 SAUPHANOR, p. 28. Mercosul, o qual prevê a opção possível pelo sistema de solução de controvérsias do Mercosur ou de outro forum 34 SAUPHANOR, p. 32. international (como a OMC etc.) e a prevalência da fon- 35 Assim o texto aprovado: Art. 421. A liberdade de te escolhida pelas partes em conflito. Veja ARAÚJO, contratar será exercida em razão e nos limites da fun- Nádia, Dispute resolution in Mercosur: The Protocol ção social do contrato. of Las Leñas and the case law of the Brazilian Supreme 36 Assim o texto aprovado: Art. 422. Os contratantes são Court,in Inter-american Law Review (University of obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como Miami), Winter-Spring 2001, v. 32, nr. 1, p. 25-56. em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 28 Veja sobre o tema a obra de BRIERE, Carine, Les 37 CALMON, Eliana, As gerações dos direitos e as conflits de conventions internationales en droit novas tendências, in Revista direito do Cosumidor, privé, LGDJ, Paris, 2001,em especial, p. 266 e seg. v. 39 (jul.-set. 2001), p. 45.
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agora refletir quais seriam os diálogos campo de aplicação no caso concreto (di- possíveis entre o Código de Defesa do álogo sistemático de complementariedade e Consumidor-CDC, como lei anterior, es- subsidiariedade em antinomias aparen- pecial e hierarquicamente constitucio- tes ou reais), a indicar a aplicação com- nal (veja mandamento expresso sobre plementar tanto de suas normas, quan- sua criação no sistema jurídico brasi- to de seus princípios, no que couber, no leiro no Art. 48 ADCT/CF 1988 e como que for necessário ou subsidiariamente. incluído entre os direitos fundamentais, Assim, por exemplo, as cláusulas gerais Art. 5, XXXII da CF/88)38 e o novo Códi- de uma lei podem encontrar uso subsi- go Civil, Lei 10.406/2002, que entrou em diário ou complementar em caso regu- vigor em janeiro de 2003, como lei pos- lado pela outra lei. Subsidiariamente o terior, geral e hierarquicamente inferi- sistema geral de responsabilidade civil or, mas trazendo algumas normas de sem culpa ou o sistema geral de deca- ordem pública, que a lei nova mesma dência podem ser usados para regular considera de aplicação imperativa a con- aspectos de casos de consumo, se tra- tratos novos e antigos (veja art. 2035, zem normas mais favoráveis ao consu- parágrafo único da Lei 10.406/2002). midor. Este diálogo é exatamente con- Em minha visão atual, três são os traposto, ou no sentido contrário da re- tipos de diálogo possíveis entre estas vogação ou ab-rogação clássicas, em que duas importantíssimas leis da vida pri- uma lei era superada e retirada do sis- vada: tema pela outra. Agora há escolha (pelo 1) na aplicação simultânea das legislador, veja art. 777,41 72142 e 73243 duas leis, uma lei pode servir de base da Lei 10.406/2002, ou pelo juiz no caso conceitual para a outra (diálogo sistemá- concreto do favor debilis do Art. 7 do tico de coerência), especialmente se uma CDC) daquela que vai complementar a lei é geral e a outra especial; se uma é ratio da outra (veja também art. 72944 a lei central do sistema39 e a outra um da Lei 10.406/2002 sobre aplicação con- microssistema específico,40 não-comple- junta das leis comerciais); to materialmente, apenas com com- 3) há o diálogo das influências re- pletude subjetiva de tutela de um grupo cíprocas sistemáticas, como no caso de da sociedade. Assim, por exemplo, o que uma possível redefinição do campo de é nulidade, o que é pessoa jurídica, o aplicação de uma lei (assim, por exem- que é prova, decadência, prescrição e plo, as definições de consumidor stricto assim por diante, se conceitos não defi- sensu e de consumidor equiparado po- nidos no microssistema (como vêm defi- dem sofrer influências finalísticas do nidos consumidor, fornecedor, serviço e novo Código Civil, uma vez que esta lei produto nos Art. 2,17,29 e 3 do CDC), nova vem justamente para regular as terão sua definição atualizada pelo en- relações entre iguais, dois iguais-con- trada em vigor do CC/2002; sumidores ou dois iguais-fornecedores 2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a 41 O texto é o seguinte : Art. 777. O disposto no pre- aplicação da outra, a depender de seu sente Capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros regidos por leis próprias. 38 Observe-se que mesmo BRIERE, p. 312 e seg. con- 42 O texto é o seguinte: Art. 721. Aplicam-se ao con- clui que há uma hierarquia de convenções, se de di- trato de agência e distribuição, no que couber, as re- reito humanos, o que se pode transpor para o direito gras concernentes ao mandato e à comissão e as cons- privado como valorando o critério da hierarquia e ain- tantes de lei especial. da mais a hierarquia constitucional dos direitos fun- 43 O texto é o seguinte: Art. 732. Aos contratos de damentais, como o direito do consumidor. transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, 39 Veja detalhes in PASQUALOTTO, Adalberto, O Có- desde que não contrariem as disposições deste Códi- digo de Defesa do Consumidor em face do novo Código go, os preceitos constantes da legislação especial e de Civil, Revista Direito do Consumidor, nº 43 (jul- tratados e convenções internacionais. dez..2002), p. 106. 44 O texto é o seguinte: Art. 729. Os preceitos sobre 40 Veja detalhes sobre o CDC como microssistema, in corretagem constantes deste Código não excluem a PASQUALOTTO, p. 106 e seg. aplicação de outras normas da legislação especial.
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entre si, no caso de dois fornecedores aequalitas (igualdade, supondo a compa- tratam-se de relações empresariais tí- ração com outro objeto), derivada por sua picas, em que o destinatário final fático vez da expressão aequalis (igual) e de da coisa ou do fazer comercial é um ou- aetis. A partir das evoluções lingüísticas tro empresário ou comerciante), ou como na Idade Média estas expressões perde- no caso da possível transposição das con- ram, em francês e português, a partícula quistas do Richterrecht (Direito dos qua (équalité-égalité-égal, equalidade- Juízes) alcançadas em uma lei para a igualdade-igual). A evolução da expressão outra. É a influência do sistema especi- equidade é semelhante, do latim aequitas al no geral e do geral no especial, um (também aetis),47 que significava, segun- diálogo de double sens45 (diálogo de co- do pesquisas de Berthiau48, justamente ordenação e adaptação sistemática). igualdade e, mais precisamente, igualda- Assim, em resumo, haveria o diá- de de alma, equilíbrio, calma (égalité logo sistemático de coerência, o diálogo sis- dâme, calme, équilibre), era derivada por temático de complementariedade e sua vez justamente da expressão aequus subsidiariedade em antinomias e o diá- (igual-adjetivo).49 logo de coordenação e adaptação sistemáti- Esta proximidade etimológica, e a ca. distinção (distintio) de níveis de pen- Mister refletir aqui, ainda que ra- samento, levam a conclusão que tratar pidamente, sobre a noção de igualdade igualmente os iguais, tratar desigual- em direito privado e como esta noção irá mente os desiguais e tratá-los com equi- influenciar a aplicação casuística do líbrio e calma, é mais do que o princípio Código Civil de 2002, um Código para da igualdade, é eqüidade, uma solução iguais ! E ainda, como esta visão da igual- justa para o caso concreto ! dade e do tratamento igual/desigual Igualdade supõe uma comparação, para os iguais/desiguais, no caso con- um contexto, uma identificação no caso. 50 creto, está intrinsecamente ligada a A igualdade só pode ser abordada sob o noção moderna tão importante em ponto de vista de uma comparação. 51 Eis matéria contratual- da eqüidade (Justiça aqui o desafio maior do Direito Civil bra- para o caso concreto) ! Mister frisar como, sileiro atual, face a unificação do regi- em seu espírito e teleologia, o CDC está me das obrigações civis e comerciais no ligado a um novo paradigma de diferen- Código Civil de 2002, e face ao manda- ça, de tratamento de grupos ou plural, mento constitucional de discriminar po- de interesses difusos e de eqüidade, em sitivamente e tutelar de forma especial uma visão mais nova do moderno ou pós- os direitos dos consumidores (art. 5, moderna. Face ao atual pluralismo de XXXII da CF/88), também em suas re- fontes no direito privado brasileiro, esta lações civis. Assim, em um só tipo reflexão pode ser útil para o aplicador contratual (por exemplo, o contrato de da lei, ao determinar o campo de aplica- mandato ou de seguro), podem estar pre- ção do CC/2002. sentes várias naturezas, vários sujeitos de Repita-se aqui o que ensina direito, iguais ou diferentes na compara- Berthiau, 46 em sua magnífica obra so- bre o princípio da igualdade e o direito 47 Veja STOWASSER, J.M. et alli, Der Kleine Stowasser, G. Freytag ed., Munique, 1980, p. 18: civil dos contratos: há uma ambigüida- aequitas, ätis, aequus - 1 Geduld, Ruhe, Gliechmut, de original entre as expressões/e/ou Gelassenheit, animi. 2. Gleicheheit [vor dem Gesetz], noções modernas de igualdade e de eqüi- Gerechtigkeit, Billigkeit...aequitas est iustitia maxime propria. 48 BERTHIAU, p. 3. dade. Vejamos. A estrutura moderna da 49 Veja STOWASSER, J.M. et alli, Der Kleine noção de igualdade advém do latim Stowasser, G. Freytag ed., Munique, 1980, p. 18: aequus gleich...Subst. aequum, Recht, Billigkeit: amantior 45 Veja a obra de SAUPHANOR, p. 32. aequi, aequi cultor, ex aequo bonoque. 46 BERTHIAU, Denis, Le principe dégalité et le droit 50 Assim conclui BERTHIAU, p. 3. civil des contrats, L.G.D.J., Paris, 1999, p. 3 e seg. 51 Frase de BERTHIAU, p. 3.
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ção entre si, comparação necessaria- ender, portanto, que o CDC tenha hierar- mente casuística e finalistica, comparação quia superior que o CC/2002. Efetivamen- no caso, no papel econômico represen- te, todas suas normas civis são de ordem tado por cada um naquele contrato em pública (ex vi do Art. 1º do CDC), e de lei especial, a constatar o seu status (em- especial, a aplicar-se prioritariamente nas presários, civis, consumidores) daí deri- relações de consumo. O CDC está a pro- vado. Determinar o campo de aplicação cura da eqüidade, do tratamento do Código Civil de 2002 aos contratos é, casuístico/tópico da justiça contratual, pois, tarefa herculana, neste sistema com calma e equilíbrio, não voltado para o jurídico altamente complexo, micro-co- igual geral, mas para o diferente a rela- dificado, plural e fluído, pois os papéis ção civil diferente, entre fracos e fortes, que os sujeitos de direito representam daí sua especialidade. no mercado e na sociedade modificam- Por fim, mencione-se que se não se de um ato para outro. Por exemplo, o houve revogação tácita,55 também não profissional liberal é empresário (Art. 966 houve revogação expressa (Art. 2.045),56 do CC/2002) em um momento e, no pró- nem incorporação do CDC ao CC/2002 ximo, pode ser consumidor de um servi- (Art. 2.043). O novo Código Civil Brasi- ço para sua família e um civis perfeito, leiro menciona em apenas uma norma na sua relação de condomínio...52 a expressão consumidores, como sinô- O mestre da USP, Antônio Junqueira nimo de fregueses, 57 e não utiliza a ex- de Azevedo53 alertou para este problema pressão relação de consumo. Nas demais antes da aprovação do CC/2002, ponderan- 2.045 normas do CC/2002 são mencio- do que introduzir no sistema jurídico brasi- nadas apenas as expressões consumo, leiro, já hiper-complexo, uma regulamen- em seu sentido clássico de destruição, tação unitária (igual) para as relações civis no Art. 86, 307, 1290 e 1392, bens des- e comerciais poderia resultar em um retro- tinados à consumo, nos Art. 206 e 592 e cesso. E apontou a solução: a procura de crimes contra as relações de consumo, uma igualdade com aequitas, a necessária no § 1 do Art. 1.011. Sendo assim, pode- distinção entre o que é igual e o que é dife- mos concluir, com certeza, que ao CDC rente, na sociedade pós-moderna atual. não se aplica a norma do Art. 2.043 do Observando-se o mandamento CC/2002. Em outras palavras, podemos constitucional expresso de criação no concluir que o CDC e o tema de defesa sistema jurídico brasileiro (Art. 48 ADCT/CF 1988) de um CDC e o fato da 55 Também da história legislativa do projeto podemos proteção do consumidor ter sido incluí- retirar esta conclusão. A redação anterior do artigo fi- nal do Código (antigo Art. 2040) era mais abrangente e da entre os direitos fundamentais (Art. afirmava que ficariam: revogados o Código Civil e a Par- 5, XXXII da CF/88),54 não deve surpre- te Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, e toda a legislação civil e mercantil abrangida por este Código, ou com ele incompatível... Mas, como expli- 52 Segundo a jurisprudência majoritária dos Tribunais ca o relator, Deputado Fiúza, a boa técnica legislativa superiores, a relação de condomínio não é de consu- o levou a Câmara a determinar quais as leis que o CC/ mo: II - Não é relação de consumo a que se estabelece 2002 revogaria. Veja Câmara dos Deputados, Relatório entre condôminos para efeitos de pagamento de des- final do Relator Deputado Ricardo Fiuza, Código Civil, pesas em comum. III - O Código de Defesa do Consu- Brasília, 2000, p. 115. midor não é aplicável no que se refere à multa pelo 56 O texto original é: Art. 2.045. Revogam-se a Lei nº atraso no pagamento de aluguéis e de quotas 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a condominiais. (STJ, RESP 239578/SP, 5ª Turma, Rel. Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 Min. Felix Fischer, j. 08/02/2000). de junho de 1850. 53 AZEVEDO, Antônio Junqueira de, O Direito pós- 57 Trata-se do inciso I do Art. 1467 que menciona a moderno e a codificação, in Revista Direito do Con- palavra consumidores, como sinônimo de fregueses, sumidor, v. 33 (2000), p. 124. dos hospedeiros e dos fornecedores de alimentos e 54 Observe-se que mesmo BRIERE, p. 312 e seg. con- pousada ao regular o penhor legal. O texto é o seguin- clui que há uma hierarquia de convenções, se de di- te: I -os hospedeiros, ou fornecedores de pousada ou reito humanos, o que se pode transpor para o direito alimento, sobre as bagagens, móveis, jóias ou dinheiro privado como valorando o critério da hierarquia e ain- que os seus consumidores ou fregueses tiverem consi- da mais a hierarquia constitucional dos direitos fun- go nas respectivas casas ou estabelecimentos, pelas damentais, como o direito do consumidor. despesas ou consumo que aí tiverem feito;
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do consumidor não foi incorporado ao deveres que a própria boa-fé introduziu CC/2002. Ao contrário, é considerado naquela relação. Como afirmava antes o pelo próprio CC/2002 como um tema a Prof. Arnoldo Wald: a relação não é só ser regulado por lei especial (como ali- mais aquela que as partes determina- ás expressamente prevê a Constituição ram, havendo também as cláusulas ge- Federal, Art. 48 dos ADCT). rais da lei. A cláusula geral da boa-fé Em resumo, mister preservar a faz nascer deveres para aqueles indiví- ratio de ambas as leis e dar preferên- duos, mesmo que tais deveres não este- cia ao tratamento diferenciado dos dife- jam escritos, ou haja uma cláusula ex- rentes concretizado nas leis especiais, pressa exonerando a pessoa do dever de como no CDC, e assim respeitar a hie- informar, do dever de cooperar, do de- rarquia dos valores constitucionais, so- ver de cuidado. Esses três deveres de bretudo coordenando e adaptando o sis- conduta, portanto, fazeres, nascem di- tema para uma convivência coerente! A retamente do princípio da boa-fé ou da convergência de princípios e cláusulas cláusula geral de boa-fé, e estão hoje gerais entre o CDC e o CC/2002 e a égide na relação contratual, civil, empresari- da Constituição Federal de 1988 garan- al e de consumo. Estes deveres de con- tem que haverá diálogo e não retroces- duta de boa-fé vão tornar uma cláusula, so na proteção dos mais fracos nas rela- uma condição geral contratual, uma ções contratuais. Vejamos o diálogo cláusula do contrato, ilícita ou nula tanto quanto à cláusula geral de boa-fé objeti- no CDC como no CC/2002 justamente va nos contratos. porque há uma violação dos deveres da boa-fé. Boa-fé é um princípio de II Das cláusulas abusivas no CC/2002 repersonalização da relação contratual. e a cláusula geral de boa-fé Como ensina o grande mestre da UFRGS, A própria idéia de abuso do di- Clóvis do Couto e Silva: ...o dever que reito, agora positivada no novo Códi- promana da concreção do princípio da go Civil de 2002, está relacionada com boa-fé é dever de consideração para com a boa-fé (Art. 187 do CC/2002). Se- o alter.58 Efetivamente, boa-fé objetiva guindo-se esta idéia (e retirando-a do significa uma atuação refletida,59 uma campo extracontratual para utilizá-la atuação refletindo, pensando no outro, no analogicamente no campo contratual), parceiro contratual, respeitando-o, res- e unindo-a a do Art. 4, III e Art. 51 IV peitando seus interesses legítimos, suas e § 1º do CDC, poderíamos afirmar, expectativas razoáveis, seus direitos, sucintamente, que cláusula abusiva agindo com lealdade, sem abuso, sem é aquela que viola a boa-fé obrigató- obstrução, informando-o, aconselhando- ria das relações entre iguais (ex vi o, cuidando, sem causar lesão ou des- novo Código Civil) e entre desiguais vantagem excessiva, cooperando para (ex vi Código de Defesa do Consumi- atingir o bom fim das obrigações: o cum- dor, que possui este mesmo princípio primento do objetivo contratual e a reali- da boa-fé e quando a relação civil ou zação dos interesses das partes.60 Boa- empresarial é desequilibrada pelo fé é cooperação e respeito, é conduta es- contrato de adesão, ex vi Art. 424 do perada e leal, tutelada em todas as rela- CC/2002). ções sociais. Portanto, podemos dizer que uma cláusula desequilibra um contrato por- 58 COUTO E SILVA, Clóvis V. A Obrigação como Pro- cesso, São Paulo, Ed. J. Bushtasky, 1976 p. 29. que ela viola um dever principal, ine- 59 Veja nosso livro, Contratos no Código de Defesa rente àquele sistema, àquele tipo de do Consumidor, 4. edição, 2002. contrato (essa idéia está no artigo 51 do 60 Sobre boa-fé como regra de conduta, como limite à autonomia da vontade e como fonte de novos deveres Código de Defesa do Consumidor), mas acessórios, veja a obra de MENEZES CORDEIRO, An- podemos também dizer que determina- tonio M. da Rocha e, Da Boa-fé no Direito Civil, v. 1, da cláusula é abusiva, porque viola os p. 632 e ss.
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Como afirmamos anteriormente, Masstab), um paradigma de conduta boa-fé é, em resumo, um princípio de das pessoas, mas ela é, sem dúvida materialização da vontade contratual, a l g u m a , uma medida de decisão agora balizada pelas exigências de con- (Entscheidungsmasstab). siderara as expectativas legítimas do Por vezes, visualiza-se a boa-fé outro. 61 Assim ensina o também grande apenas como um standard, uma medi- mestre da UFRGS, Ruy Rosado de da de conduta, uma medida de efeito Aguiar 62 : A boa-fé se constitui numa preventivo: como devo eu conduzir-me fonte autônoma de deveres, independen- na sociedade do futuro, como devo eu te da vontade, e por isso a extensão e o atuar de acordo com a boa-fé. O que os conteúdo da relação obrigacional já não referidos professores alemães estão se mede somente nela (vontade), e, sim, querendo lembrar é que esse é apenas pelas circunstâncias ou fatos referen- um lado da moeda, a boa-fé possui ou- tes ao contrato, permitindo-se construir tro lado que não podemos esquecer: a objetivamente o regramento do negócio boa-fé é sempre também uma valoração jurídico, com a admissão de um dina- da conduta. O Direito valora a atuação mismo que escapa ao controle das par- do outro como um paradigma, não mais tes. (grifo nosso) Para se ter a impor- subjetivamente (não temos mais a idéia tância desta visão renovadora dos con- de culpa) mas como um objetivo. Não tratos envolvendo consumidores e for- podemos discursar sobre a boa-fé como necedores, afirma Paulo Luiz Neto uma idéia, um paradigma de conduta, e Lôbo: O princípio da boa-fé objetiva foi deixar de utilizar a boa-fé na prática como refuncionalizado no direito do consumi- um instrumento de decisão do Judiciá- dor, otimizando-se sua dimensão de rio (é uma medida de decisão). cláusula geral, de modo a servir de Neste ponto, gostaria de dividir a parâmetro de validade dos contratos de minha exposição justamente nesses dois consumo, principalmente nas condições momentos: 1) a boa-fé teórica (como gerais dos contratos.63 medida de conduta) e o Novo Código Ci- Os professores Jauernig e vil (onde está essa boa-fé, pelo menos Volkommer, 64 na sua edição nova dos na parte voltada para as cláusulas Comentários ao Código Civil alemão, que abusivas); 2) e a boa-fé na prática, isto sofreu uma grande reforma em 2000 e é, a boa-fé como medida valorativa, 2001, mencionam que as funções da boa- instrumentário para que o juiz diga se fé (aquelas clássicas que conhecemos e uma cláusula é abusiva de acordo com o que foram aqui mencionadas: a de esta- cumprimento ou não do paradigma das belecer os deveres anexos, interpre- exigências de boa-fé. tadora e a limitadora, isto é, a própria idéia de abuso) devem ser vistas hoje A) As funções da boa-fé e a experiên- com olhos mais voltados para o futuro.65 cia de mais de 10 anos do CDC Boa-fé é uma medida objetiva (objektive Essa utilização forte da boa-fé pode 61 Assim CANARIS, in Archiv für die civilistische ser dividida em quatro funções, que já Praxis (AcP), 200 (2000), p. 277 e seg. foram muitas delas aqui mencionadas 62 AGUIAR, Ruy Rosado de, A Boa-fé na relação de pelo Professor Arnoldo Wald, que me consumo, in Direito do Consumidor, v. 14, p. 24. antecedeu. A primeira função é essa de 63 LOBO, Paulo Luiz Neto A informação como direito fundamental do consumidor, in Direito do Consumi- fotografia do que é e do que não é rela- dor 37, p. 67. ção contratual hoje, chamada de função 64 Veja JAUERNIG, Othomar et alli, Bürgerliches de complementação ou concretização da Gesetzbuch, 7. ed, Beck, Munique, 1994, p. 172, § 242, 1 (Vollkommer). relação jurídica. Através do princípio da 65 Veja citações e detalhes em meu artigo, Boa-fé nos boa-fé objetiva, o julgador visualiza e pre- serviços bancários, financeiros, de crédito e securitários cisa quais são os deveres das partes. Se e o Código de Defesa do Consumidor: informação, co- operação e renegociação ?, in RDC v. 43 (2002), p. é uma relação entre iguais iguais ci- 215-257. vis ou entre comerciantes - há o novo
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Código Civil e aqueles deveres que es- tação pelo juiz, há, sim, concreção de tão aqui também oriundos da boa-fé. Se cláusula geral.69 E como ensina a Corte a relação é entre consumidores, entre Constitucional alemã desde 1993, 70 na desiguais, um leigo e um profissional, concreção das cláusulas gerais de boa- então também o princípio da boa-fé es- fé e bons costumes (em especial, nos tabelece quais são os deveres de infor- contratos bancários, financeiros e de mação, de cuidado, de cooperação. crédito) as cortes civis devem fazer va- Trata-se da função de comple- ler os direitos humanos, os direitos fun- mentação ou concretização da relação damentais recepcionados nas Constitui- (Ergänzungsfunktion), podendo o ções, 71 impregnando o direito privado de aplicador da lei, através do princípio da seu espírito de proteção da dignidade da boa-fé objetiva, visualizar e precisar pessoa humana, da privacidade, de pro- quais os deveres e direitos decorrentes teção dos dados, de direito à informa- daquela relação em especial (por exem- ção, à escolha livre, de desenvolvimento plo, incluindo as informações veiculadas da sua personalidade etc. em publicidade por uma seguradora ou A expressão atual alemã também grupo bancário, Art. 30 do CDC), 66 tam- esclarece de forma pedagógica que a bém chamada de função interpretativa. 67 boa-fé é uma nova fonte de deveres (de- A expressão alemã é de valorar-se e des- veres anexos), descobertos na tacar-se, pois bem especifica a função complementação, na fotografia da re- ativa do juiz, uma vez que se trata do lação, que realiza o magistrado: infor- Richterrecht (Direito dos Juízes), isto mar, cooperar, cuidar com o outro e, não é, há uma atividade mais completa e só, prestar... Aqui, está, pois, a função complexa 68 do que a simples interpre- primeira e mais complexa da boa-fé, que valora o grau de informação, de trans- 66 Belo exemplo é a decisão do TJ/RS, já citada: Pro- paganda enganosa. Garantia, incondicional, de finan- parência, de lealdade nas condutas e ciamento para aquisição de unidade imobiliária. cláusulas dos fornecedores, de forma a Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Propaganda enganosa que garantiu, incondicionalmen- visualizar/fotografar que relação jurídi- te, financiamento à aquisição de unidade imobiliária. ca é esta, complexa, conexa, principal Improvadas as apontadas irregularidades na documen- tação. Com inversão do ônus sucumbencial, condena- ção da incorporadora para suportar, às suas próprias apartamentos residenciais. Segundo interpretação que expensas, o parcelamento da dívida (conforme garan- se ostenta a melhor, a exigência, em casos como o tido na publicidade).(AC 598435063,Des. Guinther dos autos, é de comunicação, sim, e imediata, mas Spode, j. 22.12.98, in RDC 36/324). Veja também de- não necessariamente prévia, do dano em elevador de cisão e as já citadas decisões do TJ/RS sobre embala- edifício de apartamentos residenciais, pois gem prometendo prêmios (AC 596126037, 5ª Câm. Cív. desarrazoado que se aguarde providências da segura- TJ RS, j. em 22.08.96, rel. Des. Araken de Assis) e dora, para, apenas após, efetivar o conserto, sempre sobre publicidade prometendo carros a quem comple- urgente quando se cuida deste meio de transporte de tasse um bingo (AC 596116764, 5ª Câm. Cív. TJ RS, pessoas. j. em 14.11.96, rel. Des. Araken de Assis), todas cita- 69 Assim também no Brasil, TEPEDINO, Gustavo das e comentadas no belo artigo de Guinther Spode, (Coord.), Direito Civil-Constitucional, Renovar, Rio O controle da publicidade à luz do CDC, in RDC 42 de Janeiro, 201, p. 11 e 12: as cláusulas gerais que, (2002), no prelo. Veja também sobre promessa de re- previstas pelo legislador contemporâneo, no Código de compensa e premiação de tampa de vasilhame de re- Defesa do Consumidor..., vêm sendo amplamente uti- frigerante Resp. 289.346/MG, DJ 25.06.2001, min. lizadas pelos operadores. Recupera-se, então, o papel Nancy Andrighi. da jurisprudência e da doutrina... 67 É o que MARTINS-COSTA, Judith, Boa-fé no Di- 70 BVerfG Beschl. v. 19.101993 - 1BvR 567/89 u.la., reito Privado, RT, São Paulo, 2001, p. 428, denomi- in: NJW 1994,36. A ementa original é a seguinte: Die na de a boa-fé como cânone hermenêutico-integrativo Zivilgerichte müssen - insbesondere bei der e à p. 431, citando Larenz, denomina interpretação Konkretisierung und Anwendung von Generalklauseln wie da regulação objetiva criada com o contrato. § 138 und §242 BGB - die grundrechtlcihe Gewährleistung 68 Belo exemplo pode ser a decisão do TJ/RS, em caso der Privatautonomie in Art. 2,I GG beachten. Daraus ergibt envolvendo seguro de Condomínio Residencial, em sich ihre Pflicht zur Inhaltskontrole von Verträge, die einen que cláusula contratual dava direito ao conserto do ele- der beiden Vertragspartner ungewöhnlich stark belasten vador somente após comunicação à seguradora e in und das Egbnis strukturell ungleicher Verhandlungsstärke APC598002079, j. 03.06.1998, Des. Antônio Janyr sind. DallAgnol Júnior ensinou: Seguro de dano. Interpre- 71 Veja meu artigo Os contratos de crédito e a legisla- tação de cláusula. comunicação imediata, não neces- ção brasileira de proteção do consumidor, in RDC v. sariamente prévia. dano em elevador de edifício de 18, p. 53-76.
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ou acessória visando o consumo e se as uma visão mais clássica da boa-fé e, exigências desta boa-fé foram ou podem como afirmei, parece-me que essa idéia ser cumpridas. O objetivo é alcançar a de concreção, de fotografia mesmo com- igualdade, o reequilibrio entre as par- pleta da relação é mais atualizada e mais tes, e a atuação do Juiz conforme a boa- atualizadora. Essa função de interpre- fé é ativa, como ensina o TJ/RS: Ao ana- tar pode solucionar muitos dos proble- lisar o contrato, com suas diversidade, e que mas que também podemos fazê-lo atra- se constitui alvo especial do chamado Direi- vés do uso do instrumentário to do Consumidor, está o juiz nesse alinha- sancionatório das cláusulas abusivas. mento bem longe da principiologia clássica Isto é, o julgador ao interpretar o con- do contrato, onde se presumia que as par- trato ou a cláusula já o faz de acordo tes eram livres para contratar, e eram iguais, com o instrumento valorativo que é a sem qualquer distinção de informação, co- boa-fé (medida de decisão). Então, se nhecimento e poder de cada uma. A atuação pode interpretar o texto de forma que a do magistrado, frente a uma relação de con- cláusula examinada não viole a boa-fé e sumo, pode e deve ser mais dinâmica, pre- que proteja o mais fraco, ou seja favorá- tendendo assegurar a igualdade das partes vel a quem simplesmente aderiu ao con- ao mesmo plano jurídico. (Ementa da APC trato de adesão, estarei utilizando to- 197278518, 21ª CC, Des. Francisco José das as idéias principiológicas que estão Moesch, TJ/RS, j. 17.06.1998). no Código Civil de 2002 e também, estão Destaque-se que o legislador ale- mais fortemente presentes ainda, no mão, ao reformar o seu Código Civil de artigo 47 do Código de Defesa do Consu- 1893 em 2002, incluiu uma nova norma midor. Assim o julgador pode evitar que de interpretação no § 241 do BGB, apli- aquela cláusula, interpretada de outra cável aos contratos de consumo (novo § forma, viole a boa-fé e seja nula. Vejam 13 c/c § 241 e § 242), que é a seguinte: que dentro dessa função temos dois mo- § 241- Deveres oriundos das relações mentos: a simples interpretação e a obrigacionais- (1)...(2) As relações identificação dos deveres que objetiva- obrigacionais podem, de acordo com seu mente as partes deveriam cumprir. conteúdo (tipo), obrigar cada uma das par- A terceira conclusão dos referidos tes a ter em conta os direitos, as coisas/ professores alemães e que me parece patrimônio e os interesses da outra parte.72 interessante, é a da bilateralidade dos Note-se a beleza desta linha que amplia deveres de boa-fé. Geralmente, não men- a visualização da relação, não só faz apa- cionamos muito esta característica em recer os deveres anexos ao contrato, matéria de Direito do Consumidor por- como ajuda a valorar as práticas comer- que o Código de Defesa do Consumidor ciais do fornecedor. Ter em conta os positiva que o dever de informar é im- direitos...e os interesses da outra par- posto ao fornecedor, é um dever do pro- te é visualizar o alter e valorar a con- fissional e não do leigo, o consumidor. duta-conforme a boa-fé- daquele contra- Mas agora, nesse outro mundo, que é o tante mais forte, tanto na formação do Código Civil de 2002, na relação entre contrato (cláusula abusiva), quanto na iguais, há bilateralidade dos deveres de execução do contrato (prática comercial boa-fé: um parceiro deve cuidar do ou- abusiva). tro, um deve informar ao outro. Se são Muitos denominam esta função de dois comerciantes, obviamente que o interpretativa ou interpretadora , en- dever de informar é bilateral. Há o de- tretanto, não quero aqui denominar esta ver de cooperar, e como mencionava o função de interpretação, porque essa é Prof. Arnoldo Wald, a idéia da parceria é justamente bilateral. A idéia de não le- 72 No original: § 241. Pflichten aus dem Schuldverhältnis. var o outro à ruína, que é uma idéia bas- (1)...(2) Das Schuldverhältnis kann nach seinem Inhalt jedn Teil zur Rücksicht auf die Rechte, Rechstgüter und tante antiga da boa-fé, uma exceção da Interessen des anderen Teils verpflichten. ruína, a qual foi aqui mencionada pelo
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Prof. Arnoldo Wald com a idéia de portante do que o verdadeiro cumpri- renegociação dos contratos, é um dever mento da prestação principal, isto é, de cooperar para evitar a ruína econô- manter uma escrituração ou de entre- mica do outro, é um dever bilateral no gar-me um bem que não sei usar, se não Código Civil de 2002, imposto justamen- tenho um manual de informação. Em te pelo princípio da boa-fé positivado de outras palavras, os deveres de boa-fé forma bilateral. potencializam-se e ganham em impor- Já no microssistema do Código de tância nos dias de hoje, e aí está a pos- Defesa do Consumidor essa bila- sibilidade de o direito dos juízes evoluir teralidade se esmaece, porque a própria a nossa visão do contrato na prática. norma impõe, por exemplo, em matéria A segunda função da boa-fé, mais de banco de dados (Art. 43 e seg. do típica é a função de controle e de limi- CDC), que um (fornecedores) guarde e tação das condutas. Aqui está a proibi- cuide da informação que detêm do outro ção das cláusulas abusivas. Temos liber- (consumidores), que um (fornecedores) dade de contratar, de estabelecer a li- informe ao outro (consumidores). Portan- berdade contratual, portanto, de esta- to, neste caso, o ônus, o peso do cumpri- belecer o conteúdo do contrato, mas mento dos deveres de boa-fé foi como essa é uma liberdade formal e positivado, foi regulado em norma posi- muitas vezes não material, para tiva indisponível (Art. 1º do CDC), e so- reequilibrar a situação em matéria de mente em poucos momentos existe re- contratos de adesão - regulados hoje almente uma bilateralidade dos deveres pelo Código Civil de 2002 - a lei limita de boa-fé no Código de Defesa do Con- essa liberdade. Vejamos o que os arti- sumidor. Um exemplo que foi dado pelo gos 423 e 424 do novo Código Civil men- Prof. Wald foi justamente o do contrato cionam sobre isso: Quando houver no de seguro, em que há uma relação de contrato de adesão cláusulas ambíguas consumo, mas em que também os deve- ou contraditórias dever-se-á adotar a res de informação do consumidor estão interpretação mais favorável ao aderen- positivados no Código Civil e mesmo as- te, primeira idéia, primeira função. E sim são interpretados sempre favoravel- no Artigo 424: Nos contratos de adesão mente a eles (art. 47 do CDC em diálo- são nulas as cláusulas que estipulem a go!). Aqui nessa primeira função da boa- renúncia antecipada do aderente a di- fé, isto é, da concretude, da reito resultante da natureza do negó- concretização da relação, está a maior cio. Nesta norma temos dois momentos potencialidade para o chamado direito normativos, isto é, limita-se a possibili- dos juízes, isto é, a verdadeira interpre- dade de renúncia por uma das partes, tação dos contratos, a visualização da através de cláusulas exonerativas, totalidade da relação que não é só con- cláusulas de exoneração de responsa- centrada no cumprimento dos deveres bilidade. Assim, no contrato de trans- principais, mas nesse novo mundo em portes, por exemplo, a cláusula que os serviços são mais importantes que exonerativa de responsabilidade vai ser os dares. É um mundo tão complexo, considerada nula, vai ser restringida, cheio de riscos, onde há o dever de in- comple-mentando essa idéia. Em maté- formar, de colocar junto com o produto, ria de seguros, também, há artigos es- por exemplo, um manual de utilização pecificamente prevendo que determina- ou de colocar junto com o serviço bancá- das cláusulas não são possíveis nesses rio o verdadeiro preço daquela taxa, da- contratos ou em contratos de prestação quele extrato, daquele talão, ou do en- de serviço (na parte especial). Porém, vio do talão pelo correio e as possibilida- aqui na parte geral do novo Código Ci- des que teria o consumidor de manu- vil, a idéia é que a renúncia, se ela é ao tenção da conta de forma diferenciada, principal, se ela é aquela resultante da esta informação pode ser até mais im- natureza do negócio, esta renúncia ou
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disposição per se já é nula. Aqui encon- aos agentes na sociedade, como ensina tra-se o maior limitador, a melhor defi- o STJ, no Resp. 219184/RJ, j. nição do que podem ser essas cláusulas 26.10.1999, Min. Ruy Rosado de Aguiar: abusivas que o Código Civil de 2002 con- SERASA. Dano moral. - A inscrição do nome sidera nulas. da contratante na Serasa depois de propos- O Código de Defesa do Consumi- ta ação para revisar o modo irregular pelo dor também tem a idéia da cláusula qual o banco estava cumprindo o contrato de abusiva, só que ali, para a proteção do financiamento, ação que acabou sendo mais fraco, a potencialização do que é julgada procedente, constitui exercício abuso é ainda maior. Considera-se, no indevido do direito e enseja indenização pelo artigo 51, parágrafo 1°, como nulas to- grave dano moral que decorre da inscrição das as cláusulas que asseguram uma em cadastro de inadimplentes. Recurso co- vantagem exagerada para uma das par- nhecido e provido. tes, que destroem o sistema em que o A pergunta atual é como vamos contrato está e que, portanto, destroem, realizar a interpretação desse artigo 424 em última análise, esse objeto do con- do Código Civil de 2002. A doutrina, em trato, a expectativa legítima do consu- especial os comentaristas começam a midor. fornecer idéias sobre a interpretação É a f u n ç ã o d e c o n t r o l e e d e desse artigo. Normalmente, porém, cos- l i mitação das condutas (Schran- tumam concentrar-se não na cláusula kenfunktion), pois o princípio, de for- geral de boa-fé do Código de Defesa do ma imanente, está a limitar as posi- Consumidor, mas no primeiro inciso do ções jurídicas dos contraentes e o exer- artigo 51. O Art. 51 do CDC, caput dis- cício de seus direitos, dai, por exemplo, põe: São nulas de pleno direito, entre a proibição de cláusulas e práticas outras, as cláusulas contratuais relati- abusivas (Art. 39 e 51 do CDC). Como vas ao fornecimento de produtos e ser- afirmamos, a boa-fé objetiva é um viços que: I - impossibilitem, exonerem standard, um parâmetro objetivo, gené- ou atenuem a responsabilidade do for- rico, um patamar geral de atuação, do necedor por vícios de qualquer natureza homem médio, do bom pai de família que dos produtos e serviços ou impliquem agiria de maneira normal e razoável na- renúncia ou disposição de direitos.... quela situação analisada.73 O julgador Esse inciso I, há que se mencionar, não valora a atuação, decidindo se esta ul- termina assim, mas possui uma segun- trapassou ou não a razoabilidade, os li- da frase que permite, nos contratos en- mites impostos por esta boa-fé objetiva tre pessoas jurídicas, em pleno qualificada, que é a de consumo. Abusiva microssistema do Código de Defesa do é a conduta ou a cláusula que viola a Consumidor, a limitação da responsabi- boa-fé, os deveres impostos pela boa-fé lidade. Por que menciar isso? Porque me 73 Neste sentido, veja-se exemplar decisão do Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in Resp. 158.728-RJ, parece importante para estabelecermos 16.03.1999, cuja ementa ensina: Plano de saúde. Li- a diferença entre o que é a qualidade mite temporal da internação. Cláusula abusiva. 2. O da boa-fé ou a potencialidade de aplica- consumidor não é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem ção da boa-fé no Código de Defesa do mesmo os médicos são capazes de controlar. Se a enfer- Consumidor e a potencialidade de sua midade está coberta pelo seguro, não é possível, sob aplicação no Código Civil de 2002. O pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de Código Civil de 2002 é um Código para morte, porque está fora do limite temporal estabelecido iguais, relação entre civis e relação en- em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o tre comerciantes. O próprio Código de faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Có- Defesa do Consumidor, que possui am- digo de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra plas definições de quem é consumidor protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incom- (veja a linha interpretativa dos patíveis com a boa-fé e a eqüidade. maximalistas e dos finalistas, à qual me
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filio), já pensando nisso e antes do ad- foi trazida para o Direito Civil interno a vento do Código Civil de 2002, previa que partir daquela idéia antiga da boa-fé, que em matéria de relacionamento é a exceção da ruína: no cumprimento intercomerciantes, portanto, consumido- conforme a boa-fé dos contratos há de res pessoas jurídicas, era permitida a evitar-se a conduta que leve à ruína do cláusula de limitação da responsabili- outro, do parceiro contratual. dade, se ela não atingia a natureza do O nossa visão atual do contrato é contrato, o objeto do contrato, se real- de uma parceria, contrato é um momento mente não violava a boa-fé entre comer- de cooperação. Porque o outro me esco- ciantes, isto é, a cláusula geral do arti- lheu e porque eu o escolhi - (repita-se go 51, IV do Código de Defesa do Consu- que boa-fé é um pensar refletido), não midor. Como podemos interpretar essa posso eu permitir que a minha exceção à regra? Podemos interpretar vinculação a uma determinada cláusu- através de uma visão de força, de quali- la contratual leve o outro a ruína, como, ficação. É claro que o princípio da boa- por exemplo, no sistema financeiro da fé atinge tanto o microssistema do Có- habitação. Se eu credor não permito que digo de Defesa do Consumidor como o o indivíduo me devolva o imóvel, se eu Código Civil de 2002, mas aqui, em uma não permito que o indivíduo venda-o ou relação entre iguais, a idéia do que é que passe o imóvel e a dívida a uma ou- abusivo, do que atinge a natureza do con- tra pessoa, se o indivíduo perde a possi- trato é, de qualquer maneira, de uma bilidade concreta de saldar, se há uma valoração mais concreta; porém, para a impossibilidade subjetiva de pagar (se ele proteção obrigatória, ex vi lege, de uma fica desempregado ou doente, por exem- das partes do contrato, realmente nes- plo) e eu o mantenho preso como meu te caso a boa-fé se ilumina/qualifica, devedor, sei que o estou levando à ruína ! sendo portanto muito mais exigente e Eu não renegocio, porque eu credor te- por isso muito mais utilizada. nho o contrato, tenho aquela cláusula, A terceira função é a função de tenho o direito. Não preciso eu adap- correção e adaptação em caso de mu- tar, renegociar, mas será que estou dança das circunstâncias, que também agindo conforme a boa-fé? Obviamente, já foi mencionada aqui pelo Professor todos sabemos que o paradigma da boa- Arnoldo Wald. Hoje, essa função é a fé é pensar no outro, nas suas expecta- idéia de que há um direito a uma ma- tivas legítimas, no fato de que ele real- nutenção do vínculo (pelo menos um di- mente entrou no Sistema Financeiro de reito à tentativa da manutenção do vín- Habitação porque não podia comprar culo). Por isso há, dentro da moção de através de outros financiamentos. Tra- boa-fé, a idéia de um dever de ta-se de um contrato massificado, para renegociação geral dos contratos comer- pessoas mais pobres, para classe média ciais. Este dever não nasceu no direito da sociedade (se ele fosse da classe alta do consumidor. Essa idéia nasceu nos compraria à vista ou faria um financia- grandes tratados internacionais, veja-se mento direto bancário). O dever de os princípios do UNIDROIT, na chamada renegociação nasceu nos contratos in- Lex Mercatoria, isto é, nos contratos in- ternacionais do Direito Comercial e agora ternacionais entre comerciantes. 74 E, está chegando nesse direito entre iguais, ou direito entre diferentes, o Di- 74 Veja o estudo de MARTINEK, Michael, Die Lehre reito do Consumidor, e aqui está tam- von de Neuverhandlungspflichten- Bestandaufnahme, bém - em minha opinião - na noção de Kritik...und Ablehnung, in Archiv für die civilistische Praxis, 198 (1998), p. 330 e seg. , o boa-fé do Código Civil de 2002. qual apesar de negar a existência deste dever geral de É a função de correção e de adap- renegociação (Neuverhandlungspflicht) em todos os contratos de longa duração, concorda que a doutrina tação em caso de mudança das cir- majoritária o identifica em muitíssimo deles, em espe- cunstâncias (Korrekturfunktion), a cial os de longa duração de consumo, p. 356 e seg. permitir que o julgador adapte e modifi-
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que o conteúdos dos contratos para que o geral, foi aqui mencionado pelo Prof. vínculo permaneça (manutenção do vínculo) Arnoldo Wald, parece-me que em breve apesar da quebra da base objetiva do negó- nós teremos essa idéia de abertura do cio, por exemplo, com a desvalorização do sistema para uma decisão casuística dólar em contratos de leasing,75 ou imponha com base não só na função social do con- deveres de renegociação76 face à quebra trato, que seria outra possibilidade, mas subjetiva da base do negócio, por exemplo, com base no princípio geral da boa-fé. quando o consumidor perde seu emprego. A É a função de autorização para a decisão aqui é casuística, como ensina o STJ, decisão por eqüidade (Ermächtigüngs- no mencionado Resp. 200.019/SP j. funktion), pois como cláusula geral sua 17.05.2001, DJ 27.08.2001, Min. Ari concreção passa pela ativa participação Pargendler:Civil. Promessa de compra e ven- do julgador e não pode escapar à tópica da. Rescisão. Ação de rescisão de compromisso e à procura da eqüidade contratual, ori- de compra e venda ajuizada pelo promitente com- ginando assim um direito de eqüidade prador que ficou sem condições de cumprir o con- (Billigkeitsrecht) adaptado à socieda- trato. Procedência do pedido, à vista das circuns- de e às necessidades atuais. Como tâncias do caso concreto.. . 77 relembra Hattenhauer,78 a fórmula boa- A quarta função, e com isso ter- fé exige uma concretização no caso con- mino essa parte teórica, é de autoriza- creto, logo, casuística e com base na ção para decisão por eqüidade. No Bra- eqüidade (Billigkeit). sil, costumamos dizer que a decisão por eqüidade tem que ser autorizada ex vi B) Cláusulas abusivas no Código Civil lege. O Código de Defesa do Consumi- de 2002 e no CDC: uma visão prática dor é um sistema, um microssistema, do diálogo das fontes que permite a decisão por eqüidade em Iniciando esta segunda sub-parte, a seu artigo 7º. Porém, geralmente não parte concreta, cabe perguntar o que signi- concordamos com a idéia alemã de que fica essa visão de diálogo e de funções da dentro da boa-fé está uma decisão boa-fé para a prática do Código Civil de 2002? casuística, uma decisão fora do siste- Em 1993, a Corte Constitucional ma, uma decisão inovadora. Aqui, real- Alemã, em um contrato bancário, deci- mente, não consegui encontrar nenhu- diu que a concretização da cláusula ge- ma decisão do Judiciário, do Superior ral de boa-fé deveria ser feita de acordo Tribunal de Justiça, para apoiar essa úl- com os direitos fundamentais das pes- tima função da boa-fé. Minha experiên- soas.79 A decisão de 1993 abriu uma cri- cia é que realmente essas teorias germânicas, mais dia menos dia, come- trato, que não aproveitou e a devolução das parcelas çam a ser aceitas entre nós. Assim como pagas, mesmo se a outra parte se opunha, citando como precedentes os Resp. 132.903-SP, Min. Ruy a terceira, que é o dever de renegociação Rosado de Aguiar, DJ 19/12/97, Resp. 109.960-RSP, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 24/03/97, Resp. 75 Veja, por todos, Resp. 361.694/RS, j. 26.02.2002, 79.489-DF, Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 22/04/ Min. Nancy Andrighi, DJ 25.03.2002. 97 e o já citado in Resp. 109.331-SP, DJ 31/03/ 76 A doutrina atual está estudando fortemente os deve- 97. res de renegociação, tanto na Alemanha (Norbert Horn, 78 HATTENHAUER, Hans, Grundbegriffe des Jürgen Baur, Herbert Kronke, Ersnt Steindorff, Gabrielle Bürgerlichen Rechts, Beck, Munique, 1982, p. Fecht, Andreas Nelle etc.), na Itália (Giovanni de 93. Cristofaro, Giuseppe Gandolfi, Franco Anelli, todos so- 79 BVerfG Beschl. v. 19.101993 - 1BvR 567/89 u.la., bre cessão dos contratos), nos Estados Unidos (seja nos in: NJW 1994,36-39. A ementa original é a seguinte: teóricos da Lw and Economics renegotiation-, seja nos Die Zivilgerichte müssen - insbesondere bei der internacionalistas, em virtude dos Principíos da Konkretisierung und Anwendung von Generalklauseln UNIDROIT para os contratos internacionais de 1994), wie § 138 und §242 BGB - die grundrechtlcihe assim relata em detalhes MARTINEK, Michael, Die Lehre Gewährleistung der Privatautonomie in Art. 2,I GG von de Neuverhandlungspflichten- Bestandaufnahme, beachten. Daraus ergibt sich ihre Pflicht zur Kritik...und Ablehnung, in Archiv für die civilistische Inhaltskontrole von Verträge, die einen der beiden Praxis (AcP), 198 (1998), p. 330 a 398. Vertragspartner ungewöhnlich stark belasten und das 77 Neste caso o STJ permitiu ao devedor (inadimplente), Egbnis strukturell ungleicher Verhandlungsstärke que perdera seu emprego, requerer a rescisão do con- sind.
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se no sistema alemão e levou à modifi- (Estado-juiz, Estado-legislador, Estado- cação do Código Civil, que era de 1896.80 administrador). A Constituição também Nesse caso concreto de um contra- determinou a realização de um Código to bancário - que era de milhares de de Defesa do Consumidor, no artigo 48 marcos - entre um empresário e um ban- dos atos das Disposições Transitórias. co, o problema todo se deu com relação Essa Constituição, que privilegia o con- ao garantidor, o filho desse empresário, sumidor, o diferente, o mais fraco, ago- que já era maior, e garantiu (assinando ra deve ser utilizada para guiar a nossa a garantia) num valor absolutamente ex- interpretação das cláusulas gerais do traordinário em relação à potencialidade Código Civil de 2002. Não é que não co- dele (ele, inclusive, era estudante de nheçamos como aplicar essas cláusulas medicina). O banco na época argumen- gerais. O princípio da boa-fé já é muito tou que precisava evitar a circulação da aplicado na prática, o princípio da fun- riqueza na família, isto é, que se ele não ção social do contrato é um pouco me- fosse fiador ou garantidor do pai, o pai nos conhecido mas, de qualquer manei- poderia transferir aqueles valores para ra, sua prática existe. Da mesma for- ele e com isso fugir à pressão do banco. ma, temos já imbuída entre nós a idéia No final, no caso concreto, o pai do Direito Civil Constitucional, que aqui vai à falência, e porque é um comerci- no Estado do Rio de Janeiro a Escola da ante com todas os privilégios de falido, o UERJ, sob a liderança do Prof. Gustavo banco prefere acionar o filho, então já Tepedino, tem frisado muito: a Consti- um médico. Só que o valor do emprésti- tuição, a dignidade da pessoa humana mo, que ele obviamente garantiu de li- como idéia guia, a diferenciação nos vre vontade, era tão grande que ele le- valores da ordem econômica e financei- varia o resto da vida pagando. O filho ra, a idéia da defesa do consumidor, da perdeu em primeiro grau, sob o argu- defesa do meio-ambiente, da defesa do mento da pacta sunt servanda; perdeu trabalhador, mas principalmente idéia em segundo grau pacta sunt de que o nosso mercado deve levar ao servanda- e chegou à Corte Federal Ci- desenvolvimento e, ao mesmo tempo, não vil alemã (BGH) e esta novamente afir- excluir pessoas (idéia da solidariedade mou: não, o senhor é maior, o senhor social). Todas essas noções encontram- obrigou-se e não temos como reverter se na Constituição brasileira e podem essa situação agora, a não ser pelos exa- ser usadas para concretizar (con- mes de fato. O filho-garantidor recorre, cretude), para essa fotografia que nós então, à Corte Constitucional alemã vamos fazer do que é realmente a boa-fé (BVerFG) que faz emite esta decisão que na prática contratual. ficou clássica: as cortes civis, quando Na parte prática é de grande im- da concretização das cláusulas gerais de portância a interpretação das cláusulas boa-fé e bons costumes, deverão consi- abusivas. Por que a interpretação? Não só derar os direitos fundamentais do cida- porque o artigo 421 do Código Civil come- dão, inclusive o direito de desenvolvi- ça o capítulo impondo que: A liberdade mento da sua personalidade (art. 2°, de contratar será exercida em razão e nos inciso I da Lei Fundamental de Bonn). limites da função social do contrato e o O que quero aqui destacar é que 422 afirma: Os contratantes são obriga- a Constituição brasileira fundamentou dos a guardar, assim na conclusão do con- realmente o Código de Defesa do Con- trato, como em sua execução, os princípi- sumidor, sua origem, no artigo 5°, inciso os de probidade e boa-fé, mas também XXXII, que cria um direito fundamental porque a idéia que está no artigo 113 é de do consumidor à proteção pelo Estado que a boa-fé é a maneira, o instrumento da interpretação dos contratos hoje. 80 Veja a obra de REINICKE, Dietrich e TIEDTKE, Assim impõe o artigo 47 do Código Klaus, Bürgschaftsrecht, Berlim, Luchterhand, 1995. de Defesa do Consumidor: a interpreta-
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ção é a favor do mais fraco, a interpre- derou que não se tratava de um contra- tação é de acordo com a boa-fé. Mas qual to de adesão em virtude da igualdade seria a diferença entre o que impõe o econômica e da possibilidade de recu- Código de Defesa do Consumidor e o que sar e modificar efetivamente as cláusu- afirma o Código Civil de 2002? A dife- las. 82 Já na definição ampla do artigo 54 rença pode estar no artigo 423, o qual do Código de Defesa do Consumidor qua- afirma: Quando houver no contrato de se tudo é contrato de adesão. A juris- adesão cláusulas ambíguas ou contra- prudência do Superior Tribunal de Jus- ditórias dever-se-á adotar a interpreta- tiça e do Supremo Tribunal Federal, pelo ção mais favorável ao aderente. Tal nor- menos nesse caso Teka versus Aiglon, ma não deixa de ter o espírito de prote- ao contrário, possibilita o renascimento ção do aderente, aquele que não redige da discussão do que é um contrato de as cláusulas, mas o texto exige três de- adesão entre comerciantes. 83 O segun- talhes que o Código de Defesa do Con- do exemplo é de um caso de São Paulo, sumidor não exige. Primeiro que seja um de um conflito de competência decidido contrato de adesão. Nas relações entre no STJ.84 Discutida é a cláusula de elei- iguais, entre dois comerciantes ou en- ção de foro, também uma cláusula co- tre dois civis, como, por exemplo, o con- mum em qualquer formulário de contra- domínio (o próprio Superior Tribunal de to comercial, que poderíamos denomi- Justiça já afirmou que não considera esta nar de contrato de adesão. Nesse caso uma relação de consumo) ou seja, nes- que envolve a empresa Panamá Inter- sas relações puramente civis e puramen- national e uma unidade cardiotoráxica te comerciais (parece-me que haverá de Sergipe, tanto o II Tribunal de Alçada uma modificação da interpretação do de São Paulo, quanto o Superior Tribunal Código de Defesa do Consumidor quan- de Justiça (relator Ministro Ari do esse código entrar em vigor), voltare- Pargendler), consideraram que aqui não mos a uma discussão que era muito co- se tratava realmente de contrato de ade- mum no Judiciário: se é ou não é um são, apesar de ser um contrato-formulá- contrato de adesão. Só em caso de con- rio, porque havia uma certa igualdade trato de adesão, permite o Art. 423 o con- entre as partes e não aplicaram o Código trole do conteúdo do contrato e a nuli- de Defesa do Consumidor e possibilita- dade da cláusula. Onde encontraremos ram a eleição do foro nessa relação en- a definição de contrato de adesão? tre comerciantes. Não está no Código Civil de 2002, Parece-me, pois, que nasce aqui porém, tal definição pode ser retirada uma grande discussão sobre a natureza analogicamente do Código de Defesa do e talvez a impossibilidade de se usar o Consumidor, do artigo 54. Destaque-se que o Supremo Tribunal Federal negou- 82 Veja nossos comentários, MARQUES, Cláudia Lima; TURKIENICZ, Eduardo. Caso Teka vs. Aiglon: em se a definir contrato de adesão entre defesa da teoria finalista de interpretação do art. 2º do comerciantes com base no Art. 54 do CDC in Revista de Direito do Consumidor, n. 36 (out.-dez. 2000), p. 221-240. CDC. No caso que eu comento na Revis- 83 Destaca a importância desta decisão para o diálogo ta de Direito do Consumidor, o Teka entre o CC/2002 e o CDC, PASQUALOTTO, Adalberto, versus Aiglon, 81 o Supremo Tribunal Fe- O Código de Defesa do Consumidor em face do novo deral, em um contrato de importação Código Civil, Revista de Direito do Consumidor, nº 43 (jul-dez..2002), p. 104 entre comerciantes, apesar de ter sido 84 Conflito de Competência nr. 32.270-SP, j. usado um formulário, isto é, condições 10.10.2001, Min. Ari Pargendler, p. 3 (voto), cuja gerais de venda de algodão da Irlanda ementa é: Conflito de Competência. Foro de Eleição. Prevalência. Na compra e venda de sofisticadíssimo para essa tecelagem brasileira, consi- equipamento destinado a realização de exames médi- cos levada a efeito por pessoa jurídica nacional e 81 STF, Pleno, SEC (Sentença Estrangeira Contestada) pessoa jurídica estrangeira prevalece o foro de elei- 5.847-1, Rel. Min. Maurício Corrêa, 01/12/99, veja a ção, seja ou não uma relação de consumo. Conflito co- integra da descião in Revista Direito do Consumi- nhecido para declarar competente o MM. Juiz de Di- dor, nº 34 (abr.-jun.2000), p. 253-263. reito da 16ª Vara Cível de São Paulo.
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artigo 54, como estão sugerindo os pri- digo de Defesa do Consumidor. A per- meiros comentaristas ao Código Civil, como gunta é: se no sistema das relações en- paradigma do que é um contrato de ade- tre iguais, entre comerciantes, vai ser são no país, tendo em vista que o artigo permitida ao juiz a utilização da boa-fé, 54 do Código de Defesa do Consumidor é com toda essa potencialidade que o Judi- um artigo somente para uso nesse ciário brasileiro utiliza no microssistema microssistema, isto é, frente a um leigo, do Código de Defesa do Consumidor para um consumidor trata-se de um contrato beneficiar um dos aderentes, isto é, no de adesão, mas o mesmo contrato frente caso do contrato inter-comerciantes, a dois comerciantes (no caso, frente a dois beneficiar um dos comerciantes.... Pa- comerciantes num contrato internacio- rece-me, a primeira vista, que o artigo nal), talvez não seja considerado como tal. 423 não permite esta linha de conclu- A segunda diferença é a menção a são. Volta-se ao sistema antigo de in- cláusulas ambíguas ou contraditórias. terpretação, que exige uma contradição Na interpretação, obviamente de acordo ou uma falta de clareza e, sim, um con- com a boa-fé, que se faz com força no trato de adesão, isto é, um contrato onde artigo 47 do Código de Defesa do Consu- a liberdade contratual esteja de tal for- midor não se exige que a cláusula seja ma reduzida pela simples adesão de um ambígua ou não clara. No CDC não utili- de forma a permitir essa interpretação za-se o brocado: interpretatio cessat in a favor do aderente. Caso contrário, a claris, isto é, se há clareza, não há ne- interpretação é somente de acordo com cessidade de interpretação. Ao contrário, o princípio geral de boa-fé e, como afir- a visão do Código de Defesa do Consumi- ma o artigo 421, através da função soci- dor é de incluir todas as informações e al do contrato. Pode ser que, havendo que a interpretação geral de todas as clá- interesse público (imaginem um contra- usulas, as claras e as ambíguas seja a to de licitação, um contrato de energia favor do consumidor. A idéia aqui defen- elétrica), e não sendo um contrato de dida pelo Prof. Arnoldo Wald, da neces- consumo, ainda persista a possibilidade sária proteção da confiança despertada de criação do juiz nesse Código, parece- através dos atos do fornecedor. Segundo me que, porém, mais reduzida. Além dis- o CDC, todas as informações e mesmo a so, o artigo 112 do Código Civil novo resta- publicidade, ex vi artigo 30, serão incluí- belece aquela velha regra do artigo 85 do das no contrato celebrado, como cláusu- CC/1916, quanto à intenção das partes. las extras deste contrato. A publicidade, Portanto, não evolui quanto à teoria. Tra- como informação ou promessa que des- ta-se da teoria da vontade e não a teoria pertou a confiança do consumidor, pode da declaração. No Código de Defesa do estar em contradição com uma cláusula Consumidor, a idéia é de expectativas le- clara do contrato. gítimas, de proteção da confiança, que le- Não existem cláusulas mais cla- vava à utilização da teoria da declaração, ras do que as cláusulas abusivas. Se, mais especificamente da Teoria da Confi- por exemplo, o contrato exclui uma de- ança: declarou, mesmo que na publicida- terminada doença, AIDS, trata-se de de, deve cumprir. uma cláusula clara, se o contrato intro- Os pré-contratos (artigo 48 do Có- duz uma cláusula penal pesadíssima, digo de Defesa do Consumidor), os avi- uma cláusula quase de decaimento, tra- sos, os recibos, qualquer documento, as ta-se de uma cláusula clara, se estipu- promessas (artigo 34) dos representan- la o preço de uma taxa de administra- tes autônomos, todas essas declarações ção de 48%, trata-se de uma cláusula têm uma importância fortíssima no clara. Mesmo assim essas cláusulas cla- microssistema do Código de Defesa do ras podem e devem sofrer alguma in- Consumidor. Já no Código Civil novo - terpretação para evitar que elas sejam porque é um código entre iguais, repi- cláusulas abusivas, isso segundo o Có- to -, essa importância diminui. E o pon-
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to de maior colisão, entre um sistema e o Por fim, o artigo 425, o último que outro é o artigo 111 do Código Civil segun- devo mencionar, afirma o seguinte: É do o qual o silêncio das partes pode signi- lícito às partes estipular contratos ficar aceitação, segundo os usos e costu- atípicos, observadas as normas gerais mes locais. Essa norma é uma norma per- fixadas neste Código. É claro que esse feita para uma relação entre iguais, rela- artigo nada menciona sobre cláusulas ção entre civis e relação entre empresá- abusivas, mas permite tratar da idéia rios, portanto experts ou igualmente lei- da criação pelo Judiciário, da identifi- gos, mas não pode ser transportada para cação do que é de acordo com a boa-fé o microssistema do Código de Defesa do ou contrário a ela, através da Consumidor. Portanto (e aí eu retorno a concretização que faz caso a caso. Ve- minha idéia inicial), parece que se as nor- jamos, a idéia do contrato atípico ou tí- mas são semelhantes, se o princípio é o pico na noção de arrendamento mer- mesmo, isto é, o princípio da boa-fé, a cantil, contrato que por muito tempo não autorização dada ao Judiciário para inter- teve lei especial. Quando veio a lei, foi pretar o princípio da boa-fé no Código Civil o próprio Judiciário que, não direta- de 2002, através das suas várias normas, mente, mas na prática, fez a referida é menor e está menos guiada ou indicada valoração. Por exemplo, um artigo da Lei do que no Código de Defesa do Consumi- do Arrendamento Mercantil permitia a dor, onde a atuação de controle do con- transformação da natureza do contrato teúdo do contrato, pela própria natureza e, hoje, após a atuação do Judiciário deste, em uma relação entre diferentes, está mais ou menos consolidada a idéia é maior. de que a antecipação do VRG transfor- O último ponto a tratar, antes de ma a natureza do contrato. Transfor- passarmos à jurisprudência, é o do arti- ma, porque isso já estava previsto mais go 424 do Código Civil de 2002, que esta- ou menos indiretamente na própria lei, beleceu: Nos contratos de adesão são mas a potencialização veio através do nulas as cláusulas que estipulem a re- Judiciário, através da criação e da in- núncia antecipada do aderente a direito terpretação judicial. resultante da natureza do negócio. Aqui Para finalizar, veremos como a ju- destaco a nulidade absoluta. Muito se risprudência tem interpretado esta idéia discutiu, inclusive no Código de Defesa de que a boa-fé é o instrumento valorativo do Consumidor, se as cláusulas abusivas do que é de acordo ou contra, isto é, do eram nulas de forma relativa, tendo em que é abusivo ou do que é permitido em vista que a nulidade de forma relativa matéria contratual. Os deveres de boa- pode ser sanada. O Código Civil, e nesse fé principais são: o dever de informar, o sentido ele é bastante coerente, trans- dever de cooperar e o dever de cuidado. formou algumas nulidades relativas em No Resp. nº 264562 o Ministro Ari nulidades absolutas, porque hoje interes- Pargendler, em decisão de 12.06.2001, sa à sociedade como um todo que essas afirma o seguinte: Civil. Seguro de as- cláusulas abusivas sejam consideradas sistência médico-hospitalar - plano de assis- ilícitas, pelo menos que haja uma san- tência integral (cobertura total), assim ção - a própria nulidade. Não há apenas nominado no contrato. As expressões assis- um interesse pessoal, individual, das par- tência integral e cobertura total são expres- tes que está sendo atingido, mas há tam- sões que têm significado unívoco na compre- bém um interesse da coletividade. Essa ensão comum, e não podem ser referidas idéia já estava no Código de Defesa do num contrato de seguro, esvaziadas do seu Consumidor e agora foi repetida no Códi- conteúdo próprio, sem que isso afronte o go Civil. Nesse sentido, a sanção nulida- princípio da boa-fé nos negócios. Recurso de é a mesma, apesar de o Código Civil não conhecido. Aqui a idéia de que o novo dar menor possibilidade, na minha nome do contrato (não é nem uma cláu- opinião, de atuação do Judiciário. sula, mas sim o título do contrato) já
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desperta uma expectativa, já informa. res ainda informavam que era o único Então, se realmente o contrato se cha- plano que cobria a AIDS, o que induziu a ma assistência integral, cobertura to- erro estas várias pessoas. De qualquer tal, ele não pode ser uma assistência maneira, a prática de não exigir exames não-integral, uma cobertura não-total, prévios persiste até hoje e, nos contra- nas cláusulas do contrato de adesão. A tos coletivos, quem preenche aqueles contradição, se fôssemos identificar, formulários, às vezes, é o empregador estaria entre o título e as cláusulas. O ou então o corretor, e não a pessoa con- dever de informar é um dever de condu- sumidor beneficária. Depois afirma-se ta, um paradigma de conduta leal na que houve omissão de informação por sociedade, como mencionava o Prof. parte do indivíduo. A cláusula sempre Arnoldo Wald, há pouco. Assim como o esteve no contrato, a prática comercial contrato, a cláusula é um instrumento é que vai tirá-la daquela inércia em que de informação, que despertará expecta- ela se encontra. E cabe ao Judiciário tivas e a cláusula será abusiva ou o nome afirmar se esta cláusula é violadora do violará o princípio da boa-fé, justamente princípio da boa-fé, da idéia de que as quando a cláusula não informar, o nome partes devem cooperar e não deixar den- não informar. Ao contrário da idéia do tro dos contratos verdadeiras armadi- dolus malus ou bonus, a idéia aqui é a lhas para os seus parceiros contratuais. de levar o outro a uma falsa visão da É dever informar quais são ou não os realidade, que passa a confiar que esse riscos cobertos pelas seguradoras - e contrato realmente assegura uma cober- aqui o Ministro menciona o dever de as- tura total, uma assistência integral. Por segurar-se que realmente aqueles in- que essa cláusula foi declarada abusiva, divíduos são saudáveis. ou por que essa informação do título foi Por fim, um exemplo do dever de assim considerada? Justamente pela cuidado. É o REsp. n° 255065/RS, Mi- valoração que se fez de uma conduta nistro Carlos Alberto Menezes Direito, leal, de um paradigma na sociedade. de 05.04.2001. O tema é o mesmo: Se- Um outro bom exemplo da juris- guro saúde. Cobertura. Cirrose provocada prudência é o REsp. n° 23.4219/SP, do por vírus C. Exclusão. Precedentes. 1. Ad- Ministro Ruy Rosado, de 15.05.2001, quirida a doença muito tempo após a assi- com a seguinte ementa: Seguro saúde. natura do contrato, desconhecida do autor Doença preexistente. AIDS. Omissa a segu- que, em outras oportunidades, obteve trata- radora tocante à sua obrigação de efetuar o mento com reembolso, diante de situação prévio exame de admissão do segurado, semelhante, não há fundamento para a re- cabe-lhe responder pela integralidade das cusa da cobertura, ainda mais sendo de despesas médico-hospitalares havidas com possível contaminação em decorrência do a internação do paciente, sendo inoperante tratamento hospitalar, ocorrendo a a cláusula restritiva inserta no contrato de internação diante de manifestação aguda, seguro-saúde. Recurso conhecido em parte inesperada. 2. Recurso Especial conhecido e parcialmente provido. Aqui observamos e provido. Aqui essa cláusula de exclu- uma idéia ainda mais interessante para são de doença, que no caso era a prática dos magistrados: de que as preexistente, estava no contrato, genéri- cláusulas abusivas são abstratas, intrín- ca, absoluta, e o indivíduo não sabia que secas, estando no contrato desde o iní- era doente, ou pelo menos, na prática cio, obviamente. Mas o importante, às comercial ele recebia esse tratamento. vezes, não é a cláusula, mas a prática, Gostaria de mencionar, nessa li- que são atos violadores do princípio da nha do seguro-saúde, uma outra deci- boa-fé, do dever; por exemplo, do dever são que me parece importante, a do Resp de cooperar, de bem informar as pesso- n° 229078, do Ministro Ruy Rosado, de as de que esse plano não cobre a AIDS, 09.11.90, que expressamente considera ou, como no caso concreto, os vendedo- que as cláusulas podem ser abusivas
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mesmo que autorizadas por agências, Por fim, gostaria de focalizar as hoje em dia, ou antigamente por outros cláusulas econômicas dos contratos. órgãos do governo. Conhecemos em ma- Como podemos usar o princípio da boa- téria de consórcio, o fato das cláusulas fé para esta que é uma obrigação princi- serem consideradas abusivas mesmo se pal, isto é, prestar e pagar. Só que estas previstas em portarias ministeriais. Na obrigações principais (não aqueles de- referida ementa, ensina o ministro: veres anexos de informação, cooperação Seguro saúde. Exclusão da proteção. Falta e cuidado, que são deveres de conduta de prévio exame. A empresa que explora pla- oriundos diretamente da boa-fé) na fi- no de seguro-saúde e recebe contribuições gura de Karl Larenz, são como um edifí- de associado sem submetê-lo a exame, não cio, mas apenas o primeiro edifício. Todo pode escusar-se ao pagamento da sua edifício tem uma sombra, na figura de contraprestação, alegando omissão nas infor- Karl Larenz, isto é, a obrigação primeira mações do segurado. O fato de ter sido apro- (Schuld) tem uma sombra (Haftung), vada a cláusula abusiva pelo órgão estatal... que é o respondere, a responsabilidade, (no caso era a SUNAB ainda), ...instituí- garantia, a obrigação secundária. O que do para fiscalizar a atividade da seguradora, ocorre no contrato, é que geralmente a não impede a apreciação da sua invalidade. cláusula abusiva não ataca a primeira Outro detalhe importante nessa obrigação, isto é, a obrigação de prestar fotografia da boa-fé é o da cadeia de for- (ou raramente). Ela geralmente ataca a necimento, que foi mencionado aqui pelo sombra, isto é, a responsabilidade ou Prof. Arnoldo Wald, isto é, quando eu vou a garantia em matéria contratual. En- concretizar quais são as condutas de acor- tão, o indivíduo que tem a primeira obri- do com a boa-fé, devo concretizar como gação e que não nega que tem a primei- um todo, em conjunto. Porfessor Wald ra obrigação, diminui a sombra, restrin- usou a figura de linguagem segundo a qual ge a sombra ou, por vezes, chega mesmo os contratos são como gêmeos siameses, a acabar com a sombra através de cláu- mas a verdade é que as cadeias de produ- sulas de desoneração, ou de cláusulas ção são muitas e essa complexidade tem penais, que também relacionam-se com que ser vista sob os olhos da boa-fé. Um a responsabilidade, ao preverem perdas bom exemplo é de seguro-saúde, assim e danos. Estas cláusulas abusivas, as destaque-se o REsp. n° 138059/MG, de cláusulas exonerativas ou limitativas, 2001, Ministro Ari Pargendler, sobre a so- que atingem a natureza do contrato, não lidariedade. Civil. Responsabilidade civil. atacam a primeira obrigação, mas elas Prestação de serviços médicos. Quem se com- atacam a sombra. Trouxe, então, alguns promete a prestar assistência médica por meio exemplos para os senhores: EDREsp. de profissionais que indica é responsável pe- 225136/AM, de 2001, Ministra Fátima los serviços que estes prestam. Recurso Es- Nancy Andrighi (...)É indevida a reten- pecial não conhecido. Esse leading case ção de percentual das parcelas pagas, ain- sobre o que é realmente essa fotografia da que a título de compensação pelas des- de acordo com a boa-fé, das relações en- pesas cartorárias e de publicidade, quando tre comerciantes, vai ser cada vez mais há reconhecimento de inadimplemento da importante em um mundo em que prati- incorporadora, para o qual não contribuiu o camente tudo é oriundo de franquias, de consumidor. E assim também vários outros sistemas de distribuição. Então, esses sis- recursos especiais que, valorando, reduzem temas, esses modos de relacionamento en- a cláusula penal, seja pelo Código Civil anti- tre comerciantes e entre a cadeia de co- go (hoje essa permissão existe também no merciantes e dos consumidores devem ser Código Civil novo), seja pelo artigo 53 do visualizados de acordo com a boa-fé, isto Código de Defesa do Consumidor. Inte- é, uma solidariedade oriunda dessa vi- ressante nesse momento é a existência são, dessa interpretação da relação in- do inadimplemento do consumidor. En- terna entre eles. tão vejam: a primeira obrigação do for-
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necedor foi cumprida, houve a sombra, tuição do título, aquela permite a cobrança isto é, a responsabilidade, e o pelos próprios meios do credor nos valores inadimplemento do consumidor ou do e no momento por ele escolhidos. outro. Nós temos três exemplos impor- E para terminar, eu destaco tam- tantes em matéria de consumidor, que bém em virtude do princípio da boa-fé, a eu queria mencionar para os senhores, idéia do adimplemento substancial, isto e que podem ser usados no que nós po- é, quando o devedor fez vários pagamen- deríamos chamar: as futuras cláusu- tos, mas ao final, ele não consegue fazer las abusivas entre comerciantes. o último; geralmente, mesmo nas rela- O primeiro exemplo é quanto à ções frente a fornecedores, ele acaba per- penhora, às garantias. É o do REsp. nº dendo esta última possibilidade de sanar, 209410 de 99, relator Ministro Ruy Ro- de suprir a sua mora. Mencionem-se duas sado, mas também seguido no REsp. nº decisões: uma é do Ministro Ruy Rosado 235410/99, do Ministro Sálvio de e outra do Ministro Sálvio de Figueiredo. Figueiredo. Bem, aqui, se impõe um de- São dois casos envolvendo seguro, em que ver de boa-fé quando o credor utiliza o a última prestação é que não foi paga. Pa- seu direito, por exemplo, de colocar o rece-me que esse é um exemplo de coo- bem em penhora para leilão, ou hasta peração, do dever de cooperar para evitar pública. Enfim, cada um tem um direi- que o outro frustre as suas expectativas, to, e a idéia do STJ é assegurar que o legítimas no caso do consumidor. direito de ser informado e o dever de infor- mar, o direito de ser previamente comuni- Conclusão cado, a fim de que o credor possa acompa- Concluindo, qual seria a diferença nhar a venda e exercer eventual defesa entre o sistema que temos hoje e o que dos seus interesses, é intrínseco no caso vamos começar a receber? Vamos rece- da penhora. Uma interpretação, uma cria- ber um sistema muito mais ético, muito ção do juiz. O devedor é inadimplente, ele mais social, ou pelo menos com cláusu- já não tem mais nada o que fazer, mas aí, las gerais claras, com princípios mesmo aí, há uma pós-eficácia do direito belíssimos, como a função social do con- de ser informado, da idéia da atuação leal, trato, a boa-fé. A diferença realmente no sentido de que ele tem que ser chama- está na possibilidade do desenvolvimen- do, e ele tem de poder pelo menos dimi- to do Judiciário, deste sistema genérico nuir as suas perdas. que é o Código Civil de 2002. Para rela- Um caso interessante, também ções entre iguais, entre comerciantes e relatado pelo Ministro Ruy Rosado, que entre civis, parece-me um sistema mui- me parece mais claro, é o REsp. 250523/ to positivo, uma evolução, ou uma revo- 00, sobre uma nova espécie de cláusu- lução, como mencionou o professor la-mandato ou cláusula de autorização. Arnoldo Wald. Comparando com o A ementa afirma: Conta-corrente. Apro- microssistema do Código de Defesa do priação do saldo pelo banco credor. Nume- Consumidor, que já era preparado para rário destinado ao pagamento de salários. uma relação entre diferentes, e que sem Abuso de direito. Boa-fé. Age com abuso de dúvida não vai ser afetado pelo Código direito e viola a boa-fé o banco que, invocan- Civil, mas com o qual dialogará pois esta do cláusula contratual constante do contrato lhe dá base fundamental, essa linha de de financiamento, cobra-se lançando mão do cláusulas abusivas do Código Civil é in- numerário depositado pela correntista que é suficiente, e não deve ser transportada uma empresa, em conta destinada a paga- para ser aplicada no microssistema do mento dos salários de seus empregados, cujo Código de Defesa do Consumidor. numerário teria sido obtido junto ao BNDES. O que pode haver (o que acho que A cláusula que permite esse procedimento é seria salutar), é que essas conquistas, mais abusiva do que a cláusula-mandato, exemplificadas na jurisprudência que eu pois enquanto esta autoriza apenas a consti- trouxe aqui, a maioria delas utilizando
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o Código de Defesa do Consumidor, pos- mento, um parâmetro de oxigenação do sam sim, ser transportadas para escla- ordenamento jurídico como um todo, e recer toda a potencialidade do princípio lembrava esses princípios que estão da boa-fé, mesmo nas relações entre insertos no Código de Defesa do Consu- iguais. Os alemães, agora em 2000 e midor, de justiça contratual, de equiva- 2001, introduziram no Código Civil de lência das prestações, de boa-fé como 1896 a figura do consumidor, parágrafo medida de valoração de conduta, isto é, 13. Imaginam possível um direito civil como medida de decisão. Em diversos geral e social, em que uma das partes trabalhos que o Professor Thomas envolvidas é o consumidor. Na presença Wilhemson já fez publicar na Revista de de um consumidor haverão normas ain- Direito do Consumidor que, antes de da mais protetivas, mas esta proteção tudo é referência necessária na maté- do consumidor está integrada no Código ria, ele faz uma distinção entre a teoria Civil, nessa idéia nova de um direito ci- clássica dos contratos prevista nas le- vil constitucional. A opção brasileira foi gislações civis de maneira ordinária e diferente: temos um Código de Defesa aquilo que ele vislumbrava como o novo do Consumidor e um novo Código Civil. fenômeno da contratação. Ele diz que Eu espero que se possa colaborar com a pelo sistema tradicional, a legislação faz experiência do Código de Defesa do Con- uma abordagem estática do contrato. E sumidor para interpretar essas normas a nova sistemática adotada pelo Código do Código Civil Brasileiro, e que não seja do Consumidor procede a uma aborda- o contrário, isto é, que não se usem as gem dinâmica, que já está reconhecida normas do Código Civil Brasileiro para no novo Código Civil. Diz também que a diminuir a proteção dos consumidores, teoria tradicional procede a uma abor- assegurada no Código de Defesa do Con- dagem atomística, uma abordagem vol- sumidor e na Constituição Brasileira. tada para o indivíduo, ao passo que se deve, hoje, conferir uma interpretação, DEBATES uma abordagem voltada para o interes- se público, para o interesse social e, por- Dr. Werson Rêgo tanto, mais abrangente. Professora Cláudia Lima Marques, Ele também vislumbrava no con- a sua palestra foi por demais abrangente; trato esse instrumento de antagonis- veio da doutrina à prática, e desaguou mo para a relação tradicional, ao passo na questão jurisprudencial, e a cada que, modernamente se vê o contrato pergunta que eu pretendia formular, logo como instrumento de cooperação, para em seguida vinha a resposta. Nós que se alcance o resultado útil, ou a estamos numa Escola de Magistratura, sua função social. Pois bem, lembrava uma Escola de Magistrados, e é impor- também Robespierre, que diz que não tante termos a visão de uma se faz uma revolução sem uma revolu- doutrinadora do seu peso, que tanto con- ção, e o Código de Defesa do Consumi- tribui para as relações de consumo, que dor opera esta revolução, muito embo- fez um estudo bastante detalhado da ra ela não se tenha feito sentir na prá- evolução jurisprudencial nos últimos dez tica por uma certa resistência inicial anos, até para a 4ª edição do seu livro dos aplicadores do direito, que, com o específico sobre essa questão dos con- passar dos anos, veio a ser vencida. tratos, e me vem então a seguinte for- Diante desta premissa, desta pon- mulação: Durante a sua exposição foi deração introdutória, à luz do artigo 29 colocada uma questão que talvez não do Código de Defesa do Consumidor, que tenha passado tão atentamente pela pla- seria uma norma de extensão da téia, que foi a revolução do sistema jurí- abrangência inicial, da incidência inici- dico brasileiro, com a entrada em vigor al do Código, eu gostaria de ponderar: do CDC, isto é, o CDC como um instru- como ficam os avanços que foram obti-
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dos a partir da aplicação dos princípios al de uma instituição. Mas a instituição informadores da teoria dos contratos com é considerada tão importante, que a li- o Código de Defesa do Consumidor, di- berdade, aqui no caso, de contratar, só ante de alguns retrocessos que foram poderá ser exercida com base na função reconhecidos pela nova legislação civil? social do contrato, como afirma o artigo Se são normas de ordem pública, à luz 421. Realmente, a época era do artigo 425 do Código Civil, estaria o intervencionista. O Código de Defesa do Estado, autorizado a intervir numa re- Consumidor já é de outra época, ele é lação privada, para assegurar e resga- dos anos 80; foi aprovado nos noventa, tar o equilíbrio eventualmente rompido? mas suas teorias vêem dos anos 80, em E como deve, no seu entendimento, se que se imaginava um Estado Social, isto posicionar a Magistratura de uma ma- é, intervencionista, mas ao mesmo tem- neira geral em relação à aplicação des- po flexível e plural. Por isso, considero ses princípios do Código de Defesa do que o Código de Defesa do Consumidor Consumidor, à luz desse novo regula as duas crises na sociedade: a paradigma, estabelecido pelo novo Códi- crise da massificação, que é essa do go Civil, que nos traz os princípios da Código de Defesa do Consumidor e do eticidade, da socialidade e mais impor- Código Civil de 2002, mas também regu- tante do que esses dois, o da la a outra crise, que é a da des- operabilidade, um caráter pragmático e materialização, a crise da pós- útil à nova legislação civil? modernidade. Nós hoje já não mais de- sejamos apenas bens móveis materiais Dra. Cláudia Lima Marques (automóveis, geladeiras, televisões etc.); Primeiro, quero destacar a idéia nem imóveis (como na Idade Média), na de que o Código de Defesa do Consumi- pós-modernidade, o que nós queremos dor foi muito importante no sistema ju- são os serviços e, data maxima venia, rídico brasileiro, uma revolução, menci- eu ainda considero que o Código Civil de onada pelo Dr. Rêgo. Realmente foi uma 2002 não está plenamente preparado revolução, uma socialização, enfim, um para esta realidade. A sorte é que a momento novo da teoria contratual, que maioria dos serviços é regulada pelo Có- hoje é consolidado, de certa maneira, digo de Defesa do Consumidor, mas vai por esse Código Civil de 2002. Este, na ficar bastante complicado atualizar esse verdade, vem dos estudos em 69, 73, 75, Código para o mundo que está advindo, portanto numa época muito mais no qual o que realmente importa é a in- intervencionista do Estado nas relações formação, educação, segurança, saúde, entre pessoas. Eu, particularmente, acho seguros, crédito, financiamento, tudo o que se esse Código tivesse sido redigido que é tratado no Código Civil com uma nos últimos cinco anos, ele não seria o visão ainda moderna. que é hoje, porque o espírito atual é um O Código de Defesa do Consumi- espírito muito mais liberal do que o que dor em 90 preparou o Brasil, o mercado, está no Código. Basta ler com olhos ou- para a virada do século XXI, já o Código tros o artigo 421, que afirma o seguin- Civil (seguindo analogicamente Pontes te: A liberdade será exercida em razão de Miranda, que afirmou que o Código da função social do contrato.. Liberda- Civil de 1916 fechou o século XIX, sem de é poder, poder é direito. Então, o abrir o século XX), teria fechado o sé- direito do indivíduo será exercido em culo XX, e que o Código de defesa do razão da função do contrato! O professor consumidor, sim, de certa maneira, ape- Antônio Junqueira de Azevedo critica sar de seu limitado campo de aplicação, esta norma, pois considera sua premis- teria aberto o século XXI. Dai minha pri- sa exagerada, uma vez que a liberdade, meira resposta: particularmente, acre- esta sim, é o poder, é direito, e não po- dito que, pela grande contribuição que deria estar baseada numa função soci- traz em relação ao de 1916, o Código Ci-
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vil de 2002 será bem aplicado nas rela- semos, mesmo assim, teríamos - no sis- ções intercomerciantes e relações civis, tema do CC/2002 - de procurar a vanta- poucas existentes, como a de condomí- gem excessiva, provar o enriquecimento nio e o transporte. Na parte dos contra- dessas empresas por terem feito esse tos de transporte, o Código Civil afirma leasing em dólar, o que também seria querer se aplicar antes mesmo dos tra- uma prova difícil. Entre comerciantes, tados internacionais e das leis especi- parece-me que a possibilidade de revi- ais (Art. 732). Normalmente, o CC/2002 são é menor, como no Código Civil novo, quer se aplicar depois das leis especi- onde a possibilidade maior é de resci- ais, sob reserva as leis especiais (a não são dos contratos; já o Código de Defesa ser aquelas mencionadas pelo colega do Consumidor assegura tanto a possi- Rêgo), que foram incorporadas ao Códi- bilidade de modificação, ou de rescisão, go Civil, e estão revogadas. Então, não se for de interesse do consumidor. Ge- existe revogação tácita no Código Civil ralmente o que deseja o consumidor é a Novo, só revogação expressa; isso é uma modificação para reequilíbrio do contra- modificação legislativa, ele revoga ex- to e sua manutenção. pressamente só o Código Civil de 1916 e Então, respondendo à última per- uma parte do Código Comercial, e as leis gunta, parece-me que hoje temos de ver que ele incorpora, e preserva segundo o o artigo 29 do Código de Defesa do Con- artigo 2.043, que foi mencionado, as nor- sumidor com olhos de 2002; nesse sen- mas de natureza processual, administra- tido, eu trago aqui uma citação sobre a tiva, ou penal das leis especiais incorpo- necessidade de visualização nova. Afir- radas. Ora, se o Código de Defesa do Con- ma a Desembargadora Elaine Harzheim sumidor não foi incorporado, não tem Macedo, do Tribunal de Justiça do Rio nenhuma menção de revogação expres- Grande do Sul, em um voto em 1999: A sa, então ele continua em vigor. Porém, relação jurídica consortil reclama abor- em matéria de transporte, o artigo espe- dagem sob a égide das regras de consu- cífico do contrato de transporte (art. 732) mo, em face da nova realidade, denomi- prevê aplicação do CC/2002 na frente das nada de pós-moderna, reflexiva da leis especiais, o que quebra um pouco o globalização e acúmulo de riquezas e sistema normalmente de aplicação sub- bens intangíveis.... ... conquanto reser- sidiária do CC/2002. vadas ao princípio da boa-fé objetiva as Acredito e espero que o Código funções de modificação, adaptação à Civil de 2002 possa dar respostas eqüi- prestação contratual e mesmo à resolu- tativas às relações interempresariais. O ção do contrato..., e conclui , ... se con- exemplo dado pelo professor Arnoldo tinuarmos a olhar o novo... - ou seja, o Wald serve para contrapor-se ao Direito Código de Defesa do Consumidor, na épo- do Consumidor: o artigo 6º do CDC - que- ca - ...com os olhos do velho, seja do Có- bra da base do contrato - não exige digo Civil Brasileiro, vamos passar a ser imprevisão, não exige vantagem exces- merecedores da crítica que Pontes de siva, exige apenas onerosidade excessi- Miranda já fazia: O Brasil se especializou va para a parte vulnerável, ou consumi- em fazer reformas que nada mudam. dor. Já o artigo correspondente no Códi- Gostaria de terminar assim a pa- go Civil, Art. 478 exige imprevisão, exige lestra, isto é, considero que o artigo 29 vantagem da outra parte. No caso do deve ser interpretado, hoje, com outros leasing em dólar, não me parece que as olhos, e olhos finalistas, olhos de prote- empresas tiveram vantagem excessiva, ção dos vulneráveis, especialmente das os fornecedores queriam era transferir pessoas físicas. Nas relações um risco profissional seu (a variação do interempresariais, em que o Código de dólar) para os consumidores. Mas, se ti- Defesa do Consumidor foi de aplicação véssemos que procurar a imprevisão, muito importante nos últimos dez ou seria bastante difícil, e se a comprovás- doze anos, ele é hoje menos importan-
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te: aos comerciantes, o Código Comer- cante, sobretudo, ao princípio da boa-fé, e cial, agora, aos comerciantes, o Código de cláusulas abusivas, mas não há dúvi- Civil! O CC/2002 traz o princípio da boa- da alguma de que, de um modo geral, as fé, da lesão enorme, da onerosidade ex- diretrizes caminham no mesmo sentido: cessiva, mas com aquela luz tênue, vinculação da proposta, preservação da que tentei mostrar para os senhores, validade do contrato sempre que puder, reservando esse holofote, que é o Có- pelo juiz, a própria expectativa da boa-fé digo de Defesa do Consumidor, essa luz e, sobretudo, o sistema de cláusulas aber- fortíssima, para as relações efetivamen- tas. V. Exa. admitiria que o Código de De- te desequilibradas. Se um dos comerci- fesa do Consumidor teria sido apenas uma antes conseguir provar concretamente fluorescência antecipada de toda uma que ele está exposto a uma prática co- estrutura jurídica que agora emerge, vale mercial abusiva, portanto, que ele é ou dizer, ele é a ponta do iceberg de uma foi vulnerável, como os exemplos o STJ estrutura que agora emerge com o Código demonstram (agricultores, cooperativas, Civil e que não estaria absorvendo, mas clubes sem fins lucrativos), então, apli- se adaptaria a essas novas diretrizes, o ca-se o artigo 29 do CDC. Não deve ha- que facilitaria, e muito, a aplicação pelos ver generalização, porque hoje ele não é juízes do direito vigente? mais necessário. Preserva-se, assim, o microssistema do Código de Defesa do Dra. Cláudia Lima Marques Consumidor. Essa, particularmente, é a Parece-me que a figura de lingua- minha idéia, a idéia de que o Código gem utilizada é muito boa, isto é, o Códi- Civil de 2002 vai permitir uma go de Defesa do Consumidor foi a ponta reinterpretação do campo de aplicação do iceberg. Eu tenderia a discordar, no do Código de Defesa do Consumidor, e sentido de que - infelizmente - o iceberg não das normas do Código de Defesa do do Código de Defesa do Consumidor não é Consumidor, essas sim, mantêm-se o mesmo do Código de 2002. Apesar da iguais, absolutas e imperativas nas re- mesma linha ideológica, parece-me que a lações de consumo stricto sensu, mas o idéia básica do Código Civil é a idéia da campo de aplicação do CDC tende igualdade. Em pouquíssimos momentos, a d i minuir, porque as relações ele preocupa-se com a proteção do mais interempresariais terão respostas, acho, fraco, e eu tentei dar esse exemplo atra- justas, eqüitativas e éticas, no próprio vés do Código Civil Alemão, que é até mais Código Civil de 2002. antigo do que o nosso - é de 1896 - em que foram sendo feitas modificações pon- Des. Luiz Roldão de F. Gomes tuais, até essa modificação revolucioná- Os juízes, a partir do dia 11 de ja- ria de introduzir a figura do consumidor neiro de 2003, terão diante de si o Códi- dentro do Código Civil, o que para nós já go Civil e o Código de Defesa do Consu- não é mais possível, porque, por ordem midor. Quase todos os contratos que hoje constitucional, deveríamos elaborar um recebem a incidência do Código de De- Código, logo, um todo construído e visan- fesa do Consumidor, em vários aspectos do somente a proteção dos consumidores. (oferta ao público, proposta, vinculação, O resultado concreto é que houve resolução por onerosidade excessiva) es- uma espécie de divórcio entre a prote- tão, praticamente todos, no Código Ci- ção do mais fraco e a proteção dos iguais. vil. Evidentemente, haverá um proble- Apesar das belíssimas palavras do Pro- ma de eventual superposição, fessor Miguel Reale, em Direito de Fa- duplicidade de regimes jurídicos. mília realmente poder haver a proteção Então eu faria a V. Exa. a seguinte das crianças, se compararmos o Estatu- indagação: É certo que o âmbito de inci- to da Criança e do Adolescente - que, só dência do Código Civil é maior do que o do pela idéia de estatuto, é uma lista de Código de Defesa do Consumidor, no to- direitos focados na criança - constata-
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remos que o Direito de Família do novo se a relação é entre consumidores e co- Código não está focado na criança, não merciantes, e uma outra lista de cláu- está focado no mais fraco, mas sim numa sulas abusivas, se a relação é entre dois certa institucionalização das entidades. comerciantes. Aqui é uma visão ainda Infelizmente, a parte de Direito de Fa- muito forte do direito comercial, atra- mília do novo Código também não está vés do qual ocorre a proteção dos consu- muito unitária, em virtude das várias midores. Mas, infelizmente, apesar da modificações. E, na parte de contratos, atualização dos eminentes professores o iceberg que sustentou o Código Civil (muitos deles germanistas, como o Mi- são teorias dos anos 70 onde, de certa nistro Moreira Alves, o próprio Professor forma, se imaginava que a intervenção Reale), autores do novo Código Civil, eles se daria de forma igual, no direito civil não incorporaram as teorias dos anos 80 e no direito comercial. e só o Código de Defesa do Consumidor O Código de Defesa do Consumi- as incorporou. Sendo assim, realmente dor já traz um outro pensamento, que já são dois sistemas estanques, cujo diá- não mais depende do Direito Comercial. logo das fontes, como diz o meu mestre, O iceberg do Código de Defesa do Con- Erik Jayme, terá de ser construído pela sumidor é a idéia da resposta à chama- jurisprudência, pois o legislador não o da Teoria dos Atos Mistos: se temos um fez. comerciante e um civil, a relação do A pergunta foi no sentido de o Có- meio não é comercial; a relação tem que digo do Consumidor ter ou não usado a ser sui generis, é direito do consumi- teoria do Código Civil de 2002. Infeliz- dor. Se temos um comerciante e outro mente não foi verdade, e posso dizer isso comerciante, a relação é comercial. Se de certa forma por interpretação autên- temos um civil e outro civil, a relação do tica, porque discuti este tema com o sau- meio é civil. Mas se nós temos um co- doso mestre da UFRGS, o Professor Cló- merciante e um civil, a relação do meio vis do Couto Silva, que inclusive critica- é de consumo, de proteção do mais fra- va o Código de Defesa do Consumidor, co. Por isso que essa linha de proteção afirmando que essas teorias da década dos mais fracos que realmente foi de- de 80 não estavam suficientemente pro- senvolvida, pelos menos na Alemanha, vadas como boas, e que o importante na década de 80, data maxima venia, eram as teorias da década de 70 e o prin- não foi mais incorporada ao Código Civil cípio da boa-fé. Ele considerava que todo de 2002. O que nele foi incorporado - e o Código de Defesa do Consumidor não que vai trazer uma contribuição enorme era necessário, se fosse aprovado o prin- para a eticidade das relações - foram as cípio da boa-fé. Parece-me que, realmen- teorias da boa-fé da década de 70, teori- te, houve no que se refere aos autores as essas que imaginavam uma interven- do Código Civil de 2002, uma certa aver- ção no Direito Civil e Comercial. são ao Código de Defesa do Consumi- O exemplo maior dessa década é dor, às teorias que ele representa, que a lei alemã de 1976 sobre cláusulas são teorias de uma outra década. O con- abusivas, que prevê o princípio da boa-fé trário também é verdadeiro, isto é, o sendo aplicado nas relações frente a Código de Defesa do Consumidor não consumidores e nas relações interco- bebeu das boas fontes do Código Civil. E merciantes; o mesmo princípio aplicado esse diálogo, isto é, esta construção, o aí com duas ênfases: uma ênfase mai- Código novo como base do Código de De- or, se trata-se de consumidor, e uma fesa do Consumidor, como conceitos fun- menor, se trata-se de relações entre co- damentais, terá de ser construído pela merciantes. Ou, por exemplo, a lei por- jurisprudência pois, infelizmente, não foi tuguesa, também da década de 70, sobre realizada pelo legislador. Na minha opi- condições gerais contratuais, que apre- nião são dois icebergs flutuando lado a senta uma lista de cláusulas abusivas, lado, infelizmente. . 276 - Anais do “EMERJ Debate o Novo Código Civil”