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Recife
2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Recife
2010
AGRADECIMENTOS
capoeira, de vida. Escreverei por núcleos (como nas novelas), pra facilitar a minha escrita.
Não por hierarquias, pois afetos não se categorizam por tempo, espaço ou qualquer medida
Começo agradecendo a minha família, minha rede de proteção, que tanto segurou (e
segura) a minha onda nesse período de parto, afinal escrever uma monografia é um parto
simbólico. Agradeço Mainha e Painho por me deixarem escolher o que quis fazer num
vestibular tão precoce, e por acreditarem nessa loucura que são as Ciências Sociais na vida de
qualquer pessoa, e uma loucura na vida de um reverbera por todos e todas que nos cercam.
Agradeço a Vi, pelo apoio e por também segurar a minha onda nesses tempos difíceis e pelo
amor dedicado a minha existência. Agradeço a Dona Carminha, minha véia, minha coisa linda
do meu coração por existir. Sua existência faz da minha vida mais importante, tenha certeza.
Aos meus queridos amigos, todo o afeto do mundo pra nós é pouco. A vocês dedico
uma frase que ouvi em uma série linda, intitulada „coincidentemente‟ Queridos Amigos:
que os conheci, tanta beleza que vivemos juntos e viveremos ainda mais, tenho certeza. Sabe
aquelas pessoas que aparecem na sua vida e você entende que não vai ter jeito de largar nunca
mais? Aquelas criaturas que entram pra família, que partilham de grande parte de seu tempo.
A quem se dedica muito amor, e muita energia boa. Estes são: Kleiber Lira (O Ruivo), Mercês
Santos (A Nêga), Joice da Paixão (A Preta), Victor Rodrigues (Vitinho), Rafael Siqueira
(Cabeçot), Camila Rodrigues (Suchu), Ricardo Santana (Ricó), Cléo Conde (Kéo), Marília
Passarinho (Rita Lee), Irene, Leandro, Magno, Grego (Gregório de Matos, meu querido Boca
do Inferno), Will, Carlos. Estamos junt@s desde o início dessa epifania, dessa vida cfchiana
Às pessoas que só conheci porque fiz Ciências Sociais na UFPE e que partilharam dos
sombrios corredores cfchianos, dos desesperos nos finais dos semestres, das saudosas partidas
de dominó no DACS, do caos que é a parada de ônibus em dias de chuva. Das idas ao Bigode,
depois ao Cavanhaque, e atualmente ao Bar de Margarida. Helton, Lara, Ênio, Mayra (minha
cuidadora dos encontros estudantis), Beto, Lorena, Rafael Acioly, Teresa (cabelo mais lindo
das Ciências Sociais), Chicão, Nando, Felipe Chuchu, Thassia, Lud, Cárlysson, Ana Luiza,
Frances (Sarkozy), Carla Guimarães, Pedro Valadão, Torreão, Queiroz, Daira, Bella, Márcio
Soares, George Rasta Man, Rosano, Renato, Renan, Bruninho, Bob, Samuca, George
Michael, Acayne, China, Carol Índia, Gilson, Hugo... Devo ter esquecido de citar
nominalmente uma galera, no entanto é de conhecimento geral que minha memória não é das
melhores.
Agradeço ao DACS enquanto espaço que ficará na minha memória sentimental para
lugar. Descobri que a militância faz parte de mim há tanto tempo, e que cresci como pessoa
minha torcida para que não desistam das brigas que precisam ser compradas cotidianamente.
Aos meus queridos cearenses, minha gratidão eterna. Amizades construídas num
Encontro Estudantil, que quero levar pra minha vida toda. Dgeove, Citó, Edu, George, Caleb,
Valério, Fenninha, Fausto, Dig Jow, Saboya. E a tantas pessoas importantes nessa caminhada
vocês, em todas as instâncias. Vocês são muito importantes para nós, graduandos e
À Lady Selma Ferreira Albernaz, minha querida orientadora! Que tanto me conhece e
reconhece as minhas inseguranças. Tenho tanto a agradecer: por aceitar o convite de ser
minha orientadora, convite este feito de maneira tão tímida e prontamente aceito, mesmo
antes de saber qual seria a minha pesquisa, por comprar de olhos quase cerrados as minhas
idéias, pela paciência comigo, pelas conversas sempre esclarecedoras e pelos puxões de
À Ricardo Santiago, meu valioso Richard. Obrigada por me aturar, batendo na porta
de tua sala com os olhos cheios d‟água, desespero no coração e uma vontade louca de largar
esse curso. Incontáveis vezes eu fiz isso, e mais incontáveis ainda as vezes que tu não me
deixaste largar o curso e ainda me acalmou com essa paciência e esse jeito de ver o mundo.
Agradeço também pelas cervejas compartilhadas nos bares da vida, não foram poucas. Como
obrigada por reencantar o mundo das Ciências Sociais! Vocês, que com tanta doçura e tanta
leveza encantam e reencantam e mostram que o nosso mundo pode ser diferente. Agradeço
Agradeço imensamente pelos exemplos de existência, cada um a sua maneira, com seus
modos peculiares.
Mas como nem tudo é lindo... Deixo um pedido para alguns professores e algumas
professoras: devolvam o tempo que me foi tirado na cara dura. Vocês, que de maneira
insípida, inodora e incolor fizeram parte de minha graduação. De alguma maneira, vocês são
exemplos. Exemplos do que não quero ser. Cuidado: uma dia a torre de marfim cai...
Ao Professor Douglas do grupo Capoeira Nagô, que com orgulho digo: é o meu
esclarecedoras. Pelos treinos instigantes e cansativos, pela amizade de longa data. Por me
deixar ser sua discípula, por cantar tão bem a nossa arte. Você é o melhor capoeirista que eu
conheço, por todos os motivos do mundo. A capoeira é tudo que a boca come, e essa frase me
remete diretamente a você, um exemplo que eu quero seguir sempre. Quando, daqui a algum
tempo você se tornar mestre, direi com muito orgulho: “foi com ele que aprendi o significado
A Gaby, que mesmo sem saber faz parte do seleto grupo de pessoas que admiro. Uma
exímia capoeirista com quem aprendi muito desde que a conheci, e pretendo aprender ainda
Aos/às colegas do grupo Capoeira Nagô: Guinho, Argemiro, Kalunga, Mancha, Cris,
Renatinha, Joyce, Bruninha, Sandrinha, Neto, Leo, João (valeu pelas fotos!), Midiã, Allan,
Tacinho, Mari. Vocês foram fundamentais para a realização deste trabalho. Agradeço pelas
Mas tenho a sensação de dever cumprido. Vivi o curso de Ciências Sociais da maneira que
achei melhor pra mim, por vezes aos trancos e barrancos, e contei com muita gente pra me
ajudar nessa trajetória, não fiz nada sozinha. Por isso tantas páginas de agradecimento, apesar
É a minha vida
O trabalho trata de uma análise sobre as divisões de gênero vividas no mundo „capoeirístico‟,
numa perspectiva feminista. Ele se justifica porque há poucos estudos sobre o tema da
capoeira no Brasil. Metodologicamente, o trabalho foi iniciado com uma revisão bibliográfica
posições para homens e mulheres principalmente nas rodas, espaço de troca mais importante
da capoeira. As mulheres têm seu jogo controlado pelos colegas homens e poucas ocupam as
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11
2.1 – OS ENCONTROS.............................................................................................................. 28
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 40
ANEXOS ................................................................................................................................ 42
INTRODUÇÃO
Neste trabalho faço uma leitura sobre gênero tendo como campo de pesquisa
etnográfica a capoeira. Mas por que a capoeira? Desde que entrei na universidade, tenho a
pretensão de escrever sobre a capoeira como forma de „unir o útil ao agradável‟. Sou
nessa pretensiosa junção. E por que gênero numa perspectiva feminista? Utilizar a categoria
vivida pelas mulheres, com o cunho de uma mudança social, inegavelmente. Após estudar
autoras que se dedicam à questão, parei para pensar nas minhas experiências enquanto
capoeirista e percebi que existe uma diferenciação no que homens e mulheres são estimulados
O objetivo inicial desta pesquisa é, por meio das teorias feministas e da pesquisa
observação do grupo Capoeira Nagô. Para esta análise, utilizo a categoria gênero, defendida
11
“a conexão integral entre duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma
forma primeira de significar as relações de poder.”
“[...] definem a Capoeira tradicional (Angola) como uma forma artística única,
criação afro-brasileira que reflete fielmente as pautas do grupo étnico do qual
surge. Como chega até nós, tem aspectos de dança, luta, jogo, música, ritual e
mímica. A conjunção de todos esses elementos gera um produto que não pode ser
classificado atendendo apenas a uma única dessas facetas, sob pena de perder sua
originalidade como arte.”
Apesar de ele aplicar esse conceito apenas para a Capoeira Angola (considerada por ele a
capoeira tradicional), amplio este conceito para a Capoeira Regional, criada por Manuel dos
Reis Machado, o Mestre Bimba (ADORNO, 1987), que trouxe maior visibilidade para a
capoeira.
12
Frigério (1989) faz uma leitura comparativa entre a capoeira Angola e Regional a
autor faz um juízo de valor, onde estas características parecem sempre mais positivas na
capoeira Angola do que na Regional. Um tipo de hierarquia que, ao primeiro olhar, me parece
muito rígida. Dessa maneira o autor contribui para legitimar um tipo de capoeira em
diversos ambientes, sejam eles públicos ou privados. Muitos trabalhos da área tratam de
enquadrar a capoeira.
acadêmicos. Buscam-se outras perspectivas não menos importantes para discutir sobre a
capoeira, entretanto a participação das mulheres nos espaços propostos pela capoeira e as
divisões de gênero não são problematizadas no campo acadêmico. Meu trabalho consiste em
Um dos poucos trabalhos que encontrei sobre a questão que coloca aqui é o de Ilnete
mestras de capoeira. O que a autora verifica é que, quão mais próximo ao topo da hierarquia
capoeirística, menor é a quantidade de mulheres nesses cargos. De acordo com ela, isso se dá
devido à recente inserção das mulheres nos espaços públicos, inclusive na capoeira, o que
13
teria ocorrido na década de 1980 em diante. A autora, para explicitar essa realidade, reproduz
Era machismo, era machismo mesmo. Porque a sociedade brasileira sempre foi
machista. Hoje tá diminuindo. Mas, veja bem, a mulher apesar das conquistas que
já teve, mas ela sempre era vista apenas como dona de casa, criadora de menino e
parideira. Só. Esse era o pensamento daquela época antiga. Entendeu? Da época
dos meus pais, dos meus avós. Hoje em dia não. A mulher conquistou um espaço.
de Capoeira Angola Forte Santo Antônio, em Londrina-PR. O autor, que também utilizou a
de regionaleiro2, deixando claro que estas se sustentam em oposição. O autor traz uma
outros são considerados violentos e modernos, na visão dos angoleiros. Para o autor, a
hegemônica. Porém, como a violência usada na Capoeira Angola é de certo modo velada, essa
aproximação da violência com o masculino não é colocada numa relação essencialista, e sim
como criação de uma masculinidade contra-hegemônica, que flerta com o autocontrole e com
o lúdico.
1
Praticantes da capoeira Angola, divulgada por Mestre Pastinha.
2
Praticantes da capoeira Regional, criada por Mestre Bimba.
14
Acho necessário pontuar que, ao fazer esse trabalho, não tenho nenhuma pretensão de
que ele seja imparcial, pois partilho da concepção de MacKinnon (apud Sthathern, 2006),
quando esta diz que “o feminismo não considera sua visão como subjetiva, parcial ou
campo, nos treinos do grupo Capoeira Nagô em um dos seus espaços no bairro de Candeias,
Capoeira Nagô Pernambuco, que aconteceu entre os dias 06 e 10 de abril de 2010. Fiz
questões que não pude perceber pela observação e conversas informais. Juntei a esta
observação sistematizada, e acho necessário deixar claro aqui, minhas experiências enquanto
capoeirista e as conversas informais, que mantinha com colegas, amigos e amigas, antes ou
A PESQUISA DE CAMPO
O grupo que escolhi para fazer a pesquisa de campo é o mesmo do qual faço parte
desde 2003, o grupo Capoeira Nagô, em um de seus espaços de treino no bairro de Candeias,
festas de um condomínio de prédios que é emprestado nas terças e quintas-feiras, dias em que
acontecem os treinos e algumas rodas, não é um espaço próprio do grupo. A escolha deste
grupo se deu por questões acadêmicas e pessoais. Academicamente fiz esta escolha, pois eu já
teria uma relação de confiança pré-estabelecida com os membros do grupo, isto é, a inserção
15
no campo não seria tão complicada. Segundo penso que não conseguiria observar sem
também participar dos treinos. Escolher um novo grupo traria assim, possivelmente, uma
dupla dificuldade, ganhar a confiança e me inserir como capoeirista. Por sua vez, penso que o
e indiretamente nos espaços propiciados pela capoeira e meus e minhas colegas capoeiristas
sabiam disso e respeitaram sempre minhas decisões, ajudando-me da maneira que podiam
para colaborar com a pesquisa, seja para participar das entrevistas ou para conversar
descrição de maneira detalhada sobre o universo capoeirístico, pois sou capoeirista há sete
anos e estes conhecimentos fazem parte do meu cotidiano, e sabe-se bem que para descrever o
que nos é corriqueiro é mais complicado. Mas tal dificuldade foi superada, acredito.
grandes percalços. Ao chegar ao treino, fui bem recebida por meus e minhas antigos e antigas
colegas, e deixei claro que o meu intuito estava além da prática da capoeira, agora iria
também fazer a minha pesquisa. Todos que estavam no momento ficaram surpresos pela
iniciativa, com exceção do professor, que já estava ciente desta decisão. Senti uma disposição
coletiva em conversar sobre capoeira e em colaborar com o que fosse necessário para o
andamento da investigação.
Os treinos têm em média quinze pessoas, sendo bem dividida a frequência de homens
e mulheres. Porém, em alguns treinos tem mais capoeiristas do mesmo grupo, mas que
16
treinam com outro professor3. A maioria dos capoeiristas que treinam nesse espaço são
iniciantes, tendo a graduação entre a segunda e quarta corda4. Ao todo, um estagiário, três
graduados e um formado fazem parte do cotidiano destes treinos. Destes, apenas uma é
mulher, que hoje não faz mais parte do grupo Capoeira Nagô.
As pessoas que escolhi para entrevistar são aquelas que praticam capoeira há mais
tempo. O critério tempo foi o que encontrei de mais plausível, pois a vivência na capoeira
além dos treinos – o que chamo de vivência aqui é o fazer parte, saber o que acontece por trás
tempo de capoeira e prestígio com o mais graduado, sendo este quem dá os treinos e quem
comanda as rodas quando não há a presença do mestre ou de alguém mais graduado que ele.
elementos da capoeira, iniciando com as graduações, seguindo pelos treinos e finalizando com
especificamente sobre o 6º Encontro Capoeira Nagô Pernambuco, que aconteceu entre os dias
sete e dez de abril de 2010. Finalizando o trabalho, trago minhas considerações finais, onde
3
No grupo Capoeira Nagô em Recife, existem outros espaços onde ocorrem treinos que são ministrados por
outros professores que também fazem parte do grupo e entre eles existe um acordo tácito que permite que seus
alunos possam treinar com outro professor, desde que seja autorizado por ambos.
4
No próximo capítulo deste trabalho, explico mais detalhadamente a organização hierárquica do grupo Capoeira
Nagô.
17
CAPÍTULO 1 - ESMIUÇANDO O UNIVERSO CAPOEIRÍSTICO
Para que as pessoas ao lerem este trabalho compreendam o universo ao qual me refiro
às vezes sem explicar detalhadamente do que falo, escrevo aqui, de maneira mais minuciosa o
O grupo Capoeira Nagô, como todos os grupos de capoeira, conta com uma hierarquia
onde o mestre está no topo. As divisões que separam o mestre do aluno iniciante mudam de
acordo com os grupos, porém não tenho como detalhar todos os grupos neste trabalho (nem é
a intenção), então me aterei ao grupo do qual faço parte e onde foi feita a pesquisa de campo.
O grupo Capoeira Nagô conta uma divisão hierárquica forte, com a definição das
primeira a quinta corda (crua e cinza, crua e verde claro, crua e amarela, crua e laranja, crua e
18
azul claro respectivamente); aluno/a veterano/a com a sexta e a sétima corda (laranja ou azul
claro, respectivamente); graduado/a com a oitava até a décima corda (verde escuro e laranja,
verde escuro e azul claro, verde escuro respectivamente); formado com a décima primeira
corda (azul escuro); professor com a décima segunda corda (roxa); contramestre com a
décima terceira e décima quarta cordas (marrom, marrom com preto); e finalmente o mestre
(corda preta).
desenvolvimento individual a partir dos critérios colocados por quem ministra as aulas. No
entanto, não existem critérios dados objetivamente, que possam ser comparados com metas a
serem alcançadas, coisas que precisam ser feitas para alcançar as graduações. Seguindo essa
primeiro plano, e incluindo que a subjetividade está ligada a identidade e ao que toca os
afetos, é bem provável que as discriminações de gênero permeiem esses critérios, de maneira
consciente ou não.
atualmente5. A mulher com a graduação mais alta hoje é primeira corda de aluna veterana
capoeirista, pude constatar que essa relação não é diretamente proporcional quando se observa
conversas informais, pude perceber que as mulheres têm a mesma graduação que os homens
enquanto iniciantes, mas na medida em que a graduação vai se tornando mais alta, o
distanciamento vai aparecendo, e ficando cada vez maior com o decorrer desse tempo. Para
5
Durante a pesquisa de campo, a única graduada do Capoeira Nagô em Pernambuco saiu do grupo por
motivações pessoais.
19
exemplificar isso, comparo aqui as graduações de duas pessoas entrevistadas: uma mulher,
com quinze anos de capoeira e enquanto esteve no grupo Capoeira Nagô tinha a segunda
corda de graduada (nona corda); um homem com o mesmo tempo de capoeira, que tem a
corda de formado (décima primeira corda). Essa situação acontece de maneira velada, e não
se fala abertamente sobre essa temática, mostrando assim uma naturalização da hierarquia,
onde as mulheres não têm as mesmas condições que os homens para se aproximar do topo.
1.2 – OS TREINOS
espaço de troca e aprendizagem inicial. É o lugar onde se aprende a gingar6, onde se aprende
os primeiros golpes, onde se acerta pela primeira vez um movimento difícil e se erra muito.
Quem dá os treinos comumente é a pessoa mais graduada, quase sempre responsável pelo
espaço físico onde ocorrem os treinos. Os treinos são iniciados com um alongamento que dura
cerca de dez minutos, seguido de aquecimento. Em seguida, todos começam a gingar como
continuação do aquecimento. A partir daí, o mais graduado presente começa a passar algumas
movimentações que são feitas inicialmente por ele, para que seja compreendida, para depois
ser repetida por todos ao mesmo tempo ou individualmente. No caso de treinar os golpes, as
repetições podem acontecer todos ao mesmo tempo, buscando uma sincronia, ou em dupla.
Fazendo uma breve análise sobre os treinos, reparei que a discriminação de gênero se
dá nas escolhas de com quem treinar um golpe mais violento, sendo na maior parte meninos
treinando com meninos e meninas com meninas. Quando se „mistura‟, os meninos não
6
Primeira movimentação que se aprende, é a base de todas as movimentações na capoeira. Para saber mais, ler
Camille Adorno, A arte da capoeira (1987).
20
treinam com tanto afinco, perpetuando a lógica do “sexo frágil”. Algumas capoeiristas
também sustentam essa lógica, quando sistematicamente pedem um treino mais leve, com
1.3 – AS RODAS
No tocante às rodas, é necessário explicar como elas se dão a partir do ritual. A roda,
para o/a capoeirista, é o momento mais importante, é o objetivo final. As rodas são formadas
por capoeiristas – independente de sua graduação ou de seu grupo7 – podendo ser roda de
academia ou roda de rua. Na parte musical da roda, contamos com uma bateria formada por
7
Em algumas rodas, há presença de capoeiristas de grupos distintos. Se for uma roda de academia, estes são
considerados convidados.
21
três berimbaus (da esquerda para a direita: gunga, médio e viola), um atabaque (ao lado
direito do berimbau gunga) e um pandeiro (ao lado esquerdo do berimbau viola). Na roda,
cada berimbau toca de uma maneira específica. O berimbau gunga é o de maior cabaça e que
rege a roda, fazendo pouca variação de toques. O berimbau médio é o com a cabaça de
circunferência mediana e que acompanha o gunga, podendo fazer mais variações de toques. O
berimbau viola é o de cabaça visivelmente menor e faz variações de toques durante todo o
tempo de roda.
parte instrumental da roda, como descrevi anteriormente. Após isso ser feito, o/a capoeirista
que está com o berimbau gunga começa a tocar Cavalaria, toque que aponta o início da roda.
Após a formação da roda, o gunga volta a tocar o toque que este/esta capoeirista começar,
sendo acompanhado pelo médio, e seguido pelo berimbau viola. Depois dos berimbaus, o
atabaque começa a tocar, seguido pelo pandeiro. Depois disso é que as palmas começam a ser
entoadas em uníssono, seguindo num ritmo preestabelecido. Como acho difícil falar de
capoeira sem exemplificar, e as músicas de capoeira são bastante didáticas, me utilizo de uma
O/A capoeirista que está com o gunga começa a cantar uma música escolhida por ele/ela, que
pode dizer como a roda deve funcionar, pode pedir proteção divina ou alguma outra
22
informação que deve ser transmitida naquele momento. De acordo com a tradição, dois/duas
decorrer da roda, outros jogos podem ser feitos, sendo estes também organizados dentro do
ritual. Para jogar na roda, existem duas possibilidades: a primeira é convidar alguém que
esteja na roda para jogar. Nessa situação, as/os capoeiristas esperam o jogo que está
A outra possibilidade é comprar o jogo. Como é isso? Durante o jogo entre duas
pessoas na roda, a/o capoeirista escolhe um dos/das que estão jogando para jogar com ele/ela.
Para fazer isso, existem algumas regras: a primeira é ir ao pé do berimbau pedir autorização a
quem está com o gunga para comprar o jogo; se permitido, o/a capoeirista busca o momento
mais oportuno para entrar no jogo. Tradicionalmente se compra o jogo com o/a capoeirista
mais graduado/graduada, mas algumas vezes é permitida a quebra desta regra. É importante
deixar claro que, se o jogo comprado estiver „duro‟, o/a capoeirista que comprou terá que
arcar com a responsabilidade, tentando ao máximo não deixar cair a qualidade do jogo.
As rodas são conduzidas tradicionalmente pelo mais graduado naquele espaço, sendo
este o que diz qual toque irá reger a roda. Para falar sobre os toques da capoeira regional,
8
Na frente do atabaque e do pandeiro, deixando os três berimbaus livres.
23
Seu hino foi a Santa Maria
(grifos nossos)
Tradicionalmente, os toques que regem as rodas do grupo Capoeira Nagô são Banguela e São
Bento Grande. Como fica claro na música supracitada, existem regras no tipo de jogo que
deve ser jogado dependendo do toque do gunga. Para cada um desses toques de capoeira,
existe uma maneira de jogar. O jogo da Banguela é um jogo mais „mandingueiro‟, que
possibilita uma maior quantidade de floreios e de movimentos alongados, que exigem maior
precisão estética. É um jogo bonito de ver, porém é um jogo difícil, que demanda mais
flexibilidade e controle do corpo, apesar de aparentar facilidade. Já o jogo onde o toque é São
Bento Grande, é considerado o momento auge da roda, onde instigação e velocidade estão em
primeiro plano, certamente. É o jogo mais conhecido na capoeira Regional, visto que onde
tem apresentações de capoeira tradicionalmente esse é o toque que rege a roda. Para se jogar
São Bento Grande, é necessário força, gás9, velocidade e bastante habilidade nos golpes e nas
esquivas10. É o jogo onde se mostra a desenvoltura nos saltos e a precisão dos golpes, tanto
que é o tipo de jogo considerado mais „violento‟. Acho necessário deixar registrado aqui que,
ao usar o termo violento entre aspas, compreendo a capoeira como um jogo de perguntas e
9
Dar o gás, ou seja, dar o máximo de si.
10
Movimento usado para desviar dos golpes.
24
respostas. Ao ponderar isso, considerar um jogo mais duro – desde que esteja dentro dos
rodas se dá, em grande maioria, nos jogos de Banguela, tendo como justificativa de algumas
capoeiristas o fato de não gostar de qualquer tipo de enfrentamento físico. Porém, é estranho
que quase todas as mulheres com quem treinei usem o mesmo argumento. A partir disso,
passei a questionar „o gostar‟ como resposta para essa questão, tal argumento não me pareceu
satisfatório, posto que o gosto tem uma dimensão pessoal, mas também possui uma dimensão
Uma pergunta me guiou durante todo o trabalho de campo realizado para a construção
deste trabalho: Quais as razões para essa parca presença feminina nas rodas, tanto quantitativa
como qualitativamente, levando em conta que a quantidade de mulheres que treinam é quase
bastante, na medida em que resolve de maneira plausível este „enigma‟. De acordo com
25
É importante deixar registrado que as mulheres que frequentam rodas, quando iniciam
algum jogo na roda, levam desvantagem em algumas situações. A primeira é que, quando tem
uma mulher e um homem jogando na roda, é assaz comum que, quando alguém compra o
jogo, tire a mulher. A outra desvantagem vista quotidianamente é o tempo reduzido que tem
Uma parte na capoeira considerada também importante são os saltos. O que chamo de
vários tipos de saltos, entre os mais conhecidos estão o salto mortal, o aú sem mão, o aú
amazonas. Os saltos são vistos comumente ao iniciar um jogo de São Bento Grande ou em
momentos específicos depois do encerramento dos jogos da roda, num momento específico
quando se cantam músicas que fazem referências aos saltos. São poucas as mulheres que já vi
pulando numa roda de capoeira. Não sei quais são os motivos para que a maioria das mulheres
não salte nas rodas e apresentações de capoeira11, mas é algo que me intriga há bastante
tempo.
Mais um espaço que pode acontecer depois que se encerram os jogos da roda de
capoeira é o samba de roda. Este é momento festivo onde todos que estão na roda podem participar.
A dinâmica é a seguinte: entram na roda um homem e uma mulher e começam a sambar. Para que um
destes saia, é necessário que outro/outra entre para dançar. Se um homem quiser dançar com a mulher
que está na roda, ele entra da roda e tira o outro homem. Para a mulher, a mesma coisa. É necessário
deixar registrado que, algumas músicas tocadas no samba de roda são muito machistas. Para
exemplificar:
11
Este é um tema que chama para outra investigação e possível continuidade deste trabalho com enfoque de
gênero.
26
“Se essa mulher fosse minha eu tirava do samba, já, já
(domínio público)
descritas aqui. No entanto, para fazer isso, uma monografia seria pouco. São muitos
ensinamentos aprendidos no dia a dia, que nem sempre são transmitidos de maneira verbal ou
oficial. Acordos tácitos são muito comuns neste universo onde o corpo, os olhares, o
berimbau, a música cantada, a energia e tantas outras coisas nos ensinam como agir de
especificamente do grupo Capoeira Nagô. Iniciei falando sobre as graduações do grupo, que
negociação com o mestre. Em seguida, me refiro aos treinos, onde acontecem discriminações
de gênero – de maneira velada – quando se trata de treinar golpes mais perigosos em dupla.
Finalizando este capítulo, descrevo o ritual da roda, vista como objetivo final12 por
discorro sobre como ocorre um encontro de capoeira, sobre a preparação para este e
maneira mais clara o que descrevo neste capítulo que chega ao final nestas linhas.
12
Informação obtida em entrevista.
27
CAPÍTULO 2 – O 6º ENCONTRO CAPOEIRA NAGÔ PERNAMBUCO
Pernambuco, dedico-me a partir daqui a detalhar o que acontece nos encontros de capoeira.
Não pretendo aqui abarcar todos, visto que cada um destes encontros tem suas singularidades,
e variam de grupo para grupo. No entanto, algumas coisas acontecem em todos eles, como a
2.1 – OS ENCONTROS
organizando, já que não existe uma verba para que este ocorra, exigindo a busca por
patrocínios e apoios financeiros. Para quem é capoeirista, este é o momento máximo, quando
capoeiristas do seu grupo, ou não, que moram em outros estados e países e com capoeiristas
locais. É um espaço em princípio festivo, onde todos os esforços dos treinos e rodas de um
28
Os encontros do grupo Capoeira Nagô acontecem habitualmente a cada ano13. Esses
encontros têm uma programação pré-definida, contando com rodas de rua, aulões e o evento
público, de batizado e trocas de corda. Nas rodas de rua, conta-se com os/as capoeiristas do
movimentos novos para os/as capoeiristas, e no final destes, acontecem rodas com a
participação de todos/todas.
É o momento em que a/o iniciante – que passou por momentos difíceis como as dores no
corpo causadas por grande esforço físico, e também por momentos mágicos como acertar o
oficialmente. Este ritual de iniciação é o que chamamos de batizado. Para os que já passaram
por esse rito, outra cerimônia acontece no evento, que é a troca de cordas. Na troca de cordas,
o/a capoeirista aumenta a sua graduação na sequência ordinal (da primeira para a segunda
corda, da segunda para a terceira corda, e assim em diante). É um momento bem especial para
cada capoeirista, que traz consigo muita ansiedade e certo medo de “a corda pesar” 14.
Tanto no batizado quanto para a troca de cordas, o ritual é o mesmo. Funciona como
uma roda, porém as pessoas que podem jogar são as que estão sendo batizadas com os/as
capoeiristas mais antigos/antigas, a partir dos graduados e das graduadas. Para as trocas de
corda, segue-se a ordem de graduação, primeiro jogam os que passarão para a segunda corda,
13
Alguns grupos fazem batizados e trocas de corda semestralmente. Estes grupos são criticados no universo da
capoeira, sofrendo acusações fazer da capoeira “um comércio, no sentido negativo” (PAIVA, 2007: 75). Para
saber mais, ler “A Capoeira e os Mestres”, tese de doutorado de Ilnete Porpino de Paiva.
14
Quando a graduação é maior que sua habilidade enquanto capoeirista. É necessário notificar que esse conceito
é muito mais de autocobrança do que uma cobrança externa, visto que se o professor avalia que o/a capoeirista
tem condições de aumentar sua graduação, ele tem autoridade para fazê-lo. Quando isso não acontece, o
professor tem como obrigação informar anteriormente à/ao capoeirista sua impossibilidade de trocar de corda.
29
depois os que passarão para a terceira corda, e assim por diante. Após os jogos, os capoeiristas
mais graduados que jogaram entregam as cordas para os recém batizados ou que acabaram de
mudar de corda.
A diferença que existe nos dois rituais é entre os toques que regem a roda. No
momento do batizado e na primeira troca de corda, o gunga toca normalmente uma Banguela
cadenciada, para dar mais segurança aos novos capoeiristas. A partir da segunda troca de
corda, onde a/o capoeirista pegará a terceira corda, o gunga passa a tocar São Bento Grande.
Com isso, o/a capoeirista passa a ter que demonstrar uma maior habilidade com os
Após três semanas do início do trabalho de campo, o professor informou que estava
acontecendo com o foco menos intenso com relação ao Encontro. Após o carnaval, o
Encontro foi posto como objetivo principal dos treinos, visivelmente. A grande preocupação
dos treinos era com as performances que seriam apresentadas no evento, tornando os treinos
mais técnicos, velozes e agressivos, na medida em que a maior parte das rodas do evento
15
Refiro-me ao encontro em Campina Grande apenas como dado, pois não farei análise sobre o mesmo.
30
seriam regidas pelo toque São Bento Grande, o toque que permite um jogo mais veloz e
„violento‟.
Durante os treinos, a cobrança pra dar o gás (ou seja, dar o máximo de si) foi
semana do evento, no dia 06 de abril, o professor conversou conosco para passar algumas
Nessa conversa, em todo momento ele se referiu aos capoeiristas homens. A partir
dessa conversa foi que tive o „insight‟ de como se dão as relações entre homens e mulheres na
capoeira. Nos treinos, o tratamento para homens e mulheres é quase similar, com as
relações de gênero e podendo também iluminar os processos que ocorrem nos treinos.
16
As discriminações acontecem nas escolhas de com quem treinar esse tipo de golpe. Homens treinam com
homens, e mulheres com mulheres.
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2.3 – O EVENTO
O Encontro foi organizado oficialmente por três homens do grupo: estagiário Tacinho,
graduado Guinho e formado Douglas, que estava coordenando o evento. Eram estes os
responsáveis pelo encontro, que distribuíam as tarefas e corriam atrás dos itens necessários
Porém, por detrás das cortinas, mais pessoas estavam envolvidas direta e indiretamente para a
concretização deste evento. E é neste espaço onde as mulheres são vistas. Para abalizar esta
informação, cito Gaby, uma das entrevistadas que, ao ser perguntada sobre as posições que as
mulheres ocupam na capoeira, falou sobre essa presença por trás das cortinas e de como esse
Esse papel é muito importante e ele é muito esquecido, né. A gente vê,
por exemplo, um batizado não se fala muito das esposas ou das
pessoas que estão por trás da suposta cortina.
No decorrer do Encontro, a colaboração para que tudo acontecesse como planejado foi geral,
afinal o evento foi feito para todos e todas capoeiristas do grupo Capoeira Nagô Pernambuco
e são estes: Mestre Pequinês, mestre do grupo Capoeira Nagô e supervisor do encontro;
de Goiânia-GO, os três fazem parte do grupo Capoeira Nagô; e o Formado Biliu – Brasília-
DF, que faz parte do grupo Candeias. Todos os convidados vieram para ministrar treinos,
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Para o Encontro, algumas atividades estavam previstas na programação17, como a
realização de dois aulões, rodas de rua, curso com Mestre Pequinês, além do batizado e troca
de cordas. Na programação que foi divulgada, este começaria o dia nove de abril (sexta-feira).
De fato, a preparação para este evento já havia começado desde o final do carnaval, quando os
treinos começaram a ficar mais focados para a realização deste Encontro, então começar o
evento dois dias antes do previsto não era nada de mais, e não prejudicou a programação já
prevista.
No dia sete de abril (quarta-feira), aconteceu uma roda de rua – a roda de abertura do
grupo Capoeira Nagô, Mestre Pequinês e o Graduado Mancha (oitava corda), do grupo
chegaram para participar do evento. A roda começou com mais ou menos quarenta pessoas,
sendo que destas apenas sete eram mulheres. A bateria começou com apenas uma mulher, que
estava tocando o pandeiro. Após mais ou menos dez minutos, tinham duas mulheres na
bateria, entretanto nenhuma estava tocando o gunga. Ainda falando da bateria, quando um dos
capoeiristas entregou o berimbau a uma mulher, esta começou a cantar uma música e outro
capoeirista tentou atravessar para cantar no lugar dela, no entanto ela prosseguiu sem abrir
mão de cantar. Porém, depois de um minuto outro capoeirista começou a cantar outra música,
17
Programação em anexo.
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A roda começou com o toque da Banguela, que é mais cadenciada e dá mais
aconteceu após vinte minutos do início da roda e durou menos de um minuto. O segundo jogo
foi de duas mulheres, e a cena se repete; com menos de um minuto as duas mulheres tem seu
jogo comprado. Os jogos feitos por homens duraram em média dois minutos cada, e foram
momentos da roda, e enquanto ela durou, não houve retorno para algum tipo de leveza nos
jogos. O mestre do grupo Capoeira Nagô, Mestre Pequinês, parou a roda duas vezes pra dar
pito coletivo, sendo a última delas pra falar de algo que chamei de „hierarquia geracional‟,
falando do respeito pelas pessoas mais velhas e pelas pessoas que ocupam os altos postos na
hierarquia capoeirística18.
Depois disso, o toque que rege a roda muda para São Bento Grande, que é o toque
onde o jogo fica mais veloz e „violento‟. O primeiro jogo nessa sequência é de uma mulher
com um capoeirista, e ela consegue passar um tempo até razoável jogando, mas na hora de
alguém comprar o jogo, mais uma vez o jogo foi comprado para jogar com o homem. Após
esses jogos, o Formado Douglas (coordenador do evento) disse que era a vez do pessoal mais
novo jogar. A partir disso, as outras mulheres que estavam na roda puderam jogar mais, mas
O último momento da roda foi o dos saltos, onde apenas três mulheres pularam, sendo
Formado Douglas, e esse treino foi seguido de uma roda para dar as boas vindas ao Formado
18
Este é um tema que chama para outra investigação e possível continuidade deste trabalho com enfoque de
gênero.
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Kalunga, do grupo Capoeira Nagô de Goiânia-GO. Esse treino, onde estavam presentes
apenas capoeiristas do grupo Capoeira Nagô, aconteceu dentro dos conformes, sem nenhum
A roda deste dia foi muito boa, instigante e bastante proveitosa para a observação.
Como estávamos entre pessoas conhecidas, imaginei que esta roda seria mais „tranquila‟ e que
todos/todas conseguiriam jogar sem grandes percalços. Não foi isso que aconteceu.
Aconteceram situações análogas a roda do dia anterior, com exceção do pito coletivo do
Mestre Pequinês. A agressividade foi vista nos jogos com frequência, as mulheres não
conseguiram desenvolver seus jogos de maneira satisfatória sem serem cortadas, e nenhuma
mulher tocou o gunga. Ao final desta roda, o Mestre conversou conosco de maneira bastante
afável, explicando que gostava do tipo dos jogos que foram feitos e que capoeira também era
aquilo.
No dia seguinte (nove de abril), a programação começou bem cedo. Pela manhã
fizemos uma apresentação numa escola municipal no bairro de Candeias, contando com a
participação dos convidados do evento, com exceção do Mestre Pequinês. Foi um momento
esquivas. Após esse momento, aconteceu uma roda enfim amistosa. Pude perceber nesta roda,
que contou com a participação de crianças da escola, que cada roda tem sua especificidade e
que esta está sujeita ao que é permitido naquele espaço, e já que estávamos num espaço
escolar, com crianças participando, não seria adequada uma roda com jogos mais duros ali.
Na noite do mesmo dia, aconteceu uma roda de rua no bairro de Candeias. A roda
começou com atraso, e com um clima de tensão. Esta roda contou com a participação de
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vários grupos distintos, e apresentava mais ou menos cinquenta pessoas, destas dez eram
mulheres. A roda durou por volta de uma hora e meia, com jogos bonitos e outros nem tanto.
Aconteceram alguns jogos com muita violência19, o que deixou grande parte dos/das
capoeiristas temerosos/as em entrar para jogar. Nesta roda, a maioria das pessoas que jogaram
eram homens, no mínimo, alunos veteranos. A participação de mulheres na roda foi ínfima,
visto que apenas uma mulher jogou na roda, e fez somente um jogo.
Chega, enfim, o grande dia: o dia do batizado e troca de cordas. Neste dia, aconteceu
pela manhã um curso na quadra esportiva do Colégio Paulo Paiva, localizado em Candeias-
Jaboatão dos Guararapes. O curso foi ministrado pelo Mestre Pequinês, e durou uma hora e
meia. Em seguida aconteceu a roda do aulão, que foi tranquila e de jogos bem jogados, com
uma plasticidade bela de ser vista e dentro dos fundamentos da capoeira. Mais uma vez, a
Souza Leão, por volta das 16h. Nesse momento especificamente, outros grupos foram
Quantos destes convidados eram mulheres? Nenhum. As mulheres que participaram deste
evento eram as alunas, como eu, que estavam ali para trocar de corda ou para colaborar com o
evento de alguma forma. Foi interessante constatar isso para este trabalho, no entanto esse
dado me entristece muito enquanto capoeirista e enquanto feminista, já que gostaria que o
19
Neste caso, retiro as aspas da palavra violência, pois aconteceram jogos duros que desrespeitaram os
fundamentos capoeirísticos.
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reconhecimento de mulheres no mundo da capoeira fosse equivalente ao dos homens, pois
existem muitas mulheres capoeiristas que fazem grandes trabalhos para a capoeira, enquanto
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CONSIDERAÇÕES FINAIS, QUE NEM SÃO TÃO FINAIS ASSIM
De acordo com Joan Scott, “gênero é uma forma primeira de significar as relações de
poder”, isto é, as relações de gênero servem também para distribuir o poder e dar sentido ao
mesmo nas mais diferentes relações. É assim que as relações políticas são significadas por
gênero, as relações nos esportes e no caso da capoeira também. Mas a distribuição de poder
não precisa ser necessariamente assimétrica e nem pender para os homens ou para as
mulheres. No caso aqui analisado e na sociedade brasileira no seu conjunto, o que ocorre é
que as relações de gênero observadas são assimétricas e trazem consigo uma discriminação e
opressão sobre as mulheres, que acarretam em prejuízos para nós de maneira visível ou
velada.
Poder-se-ia pensar que na capoeira seria diferente, porque a capoeira surgiu como
instrumento de libertação de uma minoria, a população negra, seguiu sendo proibida até 1937
capoeiristas até hoje. Mas não foi isso que ocorreu. A capoeira excluiu as mulheres por muito
tempo, era um jogo predominantemente de homens. As mulheres entraram nesta seara faz
pouco tempo, inicialmente pensou-se que suas relações com os homens teriam uma dimensão
igualitária. Entretanto, como visto aqui, esta igualdade ainda precisa ser alcançada. Foi uma
grande conquista das mulheres entrarem na capoeira, mas muitas conquistas ainda precisam
ser feitas.
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Nos treinos, as oportunidades de desenvolvimento da mulher capoeirista são similares
à dos homens capoeiristas, com exceção dos treinos de golpes mais perigosos, onde treinar
com pessoas do sexo oposto só acontece por falta de opção, e onde as mulheres capoeiristas
que foram observadas não se dedicam com tanto afinco, dizendo que não gostam desse tipo de
Nas rodas, sejam elas de rua ou de academia, as mulheres não tem igualdade de
oportunidades para desenvolver os seus jogos, tendo os seus jogos comprados antes de
poderem fazê-los de maneira satisfatória. Nos momentos considerados como auge da roda,
não são mulheres que estão jogando. Ver uma mulher tocando o gunga é coisa rara, as
mulheres quando estão na bateria, são vistas na parte complementar, não menos importante,
sociedade brasileira. Alguns avanços podem ser vistos, e aconteceram com muita luta, com
disputa de espaço. Nada nos foi cedido de bom grado. Porém, as conquistas alcançadas não
resolveram todas as discriminações vividas no cotidiano. Nas rodas do nosso cotidiano, ainda
nos „compram o jogo‟ e nos tiram antes de desenvolvermos os nossos jogos de maneira que
nos satisfaça.
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REFERÊNCIAS
CORDEIRO, Izabel Cristina de Araújo (org.). A mulher entrou na roda: olhares femininos
sobre a capoeira de Pernambuco. Recife: Prefeitura do Recife, 2010.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 49, v. 17, 2002.
PAIVA, Ilnete Porpino de. A capoeira e os mestres. 2007. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais). Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, PE.
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RODRIGUES, Douglas. Toques de Bimba. Intérprete: Mestre Pequinês. In: PEQUINÊS, C.
Mestre. Capoeira-nagô. Goiânia: Gravação Independente, 2006. 1 CD. Faixa 4.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Recife, SOS Corpo –
Gênero e Cidadania, 1995.
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ANEXO A – ROTEIRO DE ENTREVISTAS
Nome
Idade
10. Qual posição você acha que ela não deve ocupar? Por quê?
11. Numa roda de capoeira como é a participação de homens e mulheres? Caso não saiba
responder, exemplifique: Por exemplo, quem fica no centro da roda mais vezes, as
mulheres começam ou podem encerrar, quando é o ponto alto da roda, neste momento
é um homem ou uma mulher que está no centro da cena?
15. Sobre o que conversamos você gostaria de dizer mais alguma coisa e que eu não
perguntei ou que a nossa conversa lhe fez lembrar?
Muito obrigada!
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ANEXO B – PROGRAMAÇÃO DO 6º ENCONTRO CAPOEIRA NAGÔ PERNAMBUCO
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ANEXO C – FOTOS DO 6º ENCONTRO CAPOEIRA NAGÔ PERNAMBUCO
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F IGURA 4: O MEU MESTRE QUER VER VOCÊ BALANÇAR ( JOGANDO COM M ESTRE P EQUINÊS EM
10.04.2010)
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