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Direito Constitucional – Professor Robério Nunes

AULA 1 – Constitucionalismo – Teoria Geral da Constituição

A teoria geral da constituição é uma parte do Direito Constitucional que


tenta responder as seguintes perguntas essenciais: o que é Constituição? Como a
Constituição surgiu na história? Qual a função da Constituição na sociedade e no
Estado? Qual fonte de poder produz a Constituição? Com ela pode ser modificada?
Como deve ser interpretada?

A Constituição, tal qual concebemos nos dias atuais, é uma criação


humana, um fenômeno cultural e histórico. É algo construído pelo ser humano, no bojo
de um movimento histórico, cultural, jurídico e político. Esse movimento é o que se
chama de Constitucionalismo, que auxilia a compreensão da Constituição.

Todas as pessoas possuem o chamado “sentimento constitucional”, que,


nas palavras de Luis Roberto Barroso é o “resultado último do entranhamento da lei
maior na vivência dos cidadãos, criando uma consciência comunitária de respeito e de
preservação como um símbolo superior de valor afetivo e pragmático”.

O constitucionalismo é um movimento inserido na cultura ocidental.

A palavra constitucionalismo é plurívoca. Isso quer dizer que ela possui


mais de um sentido possível. São 4 os sentidos mais difundidos na doutrina e nas
provas de concurso, veja-se:

A) Movimento político-social historicamente remoto que objetivava,


principalmente, limitar o poder arbitrário. Aqui, há nítida vinculação entre
o constitucionalismo e os direitos fundamentais.

B) Movimento de imposição de constituições escritas. Diz respeito ao


surgimento da constituição formal.

C) Evolução histórico-constitucional de um determinado Estado. Nesse


sentido, o “constitucionalismo brasileiro” já deu ensejo ao surgimento de
oito Constituições.

D) Indicação dos propósitos mais latentes e atuais, da função e da posição


das constituições nas diversas sociedades. Nesse viés, o
“constitucionalismo brasileiro” aponta para o papel preponderante da
Constituição na formação do Estado Democrático de Direito.

Há uma zona de contato entre o Direito Constitucional e a política.


Inclusive, afirma o professor J. J. Gomes Canotilho que “o constitucionalismo é, no
fundo, uma teoria normativa da política”. Isso pois, através da constituição, fruto do
constitucionalismo, “agarramos” as decisões políticas e as transformamos em normas
jurídicas de mais elevada hierarquia.
Constitucionalismo, em síntese, pode ser compreendido como movimento
histórico-cultural de natureza jurídica, política, filosófica e social, com vistas à
limitação do poder e à garantia dos direitos, que levou à adoção de constituições em
sentido moderno pela maioria dos Estados, especialmente no que concerne à
constituição formal (escrita).

A constituição histórica, também chamada de constituição em sentido


material, é a forma de organização de uma sociedade política. É o conjunto de regras,
escritas ou costumeiras, e de instituições conformadoras de uma determinada ordem
jurídica e política, em um determinado sistema político-social, em uma época
específica. Nessa perspectiva, desde que o homem se organiza em forma de sociedade e
de Estado, há esse conjunto de regras que constituem o Estado.

O que o constitucionalismo faz é pegar essa constituição histórica e


transformá-la em constituição no sentido moderno, que é a base do sentimento
constitucional atual e, na maior parte dos Estados, é aquela formal e escrita.

1. Fases do Constitucionalismo:

A) Constitucionalismo na antiguidade clássica;

B) Constitucionalismo antigo (Séc. XIII – Magna Carta de 1215 – ao final do


Séc. XVIII - Constituição Norte-Americana de 1787 e a Constituição
Francesa de 1791);

C) Constitucionalismo moderno (desde o final do Séc. XVIII):

1. Constitucionalismo Liberal (ou clássico, ou individual –


predomina do final do Séc. XVIII ao início do Séc. XX);

2. Constitucionalismo Social (desde o início do Séc. XX –


Constituição Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919);

3. Constitucionalismo contemporâneo ou
Neoconstitucionalismo (desde meados do Séc. XX – Pós II
Guerra Mundial).

1.1 Constitucionalismo na Antiguidade Clássica

Havia apenas ideias embrionárias relativas a determinados temas que,


séculos depois, influenciariam a constituição em sentido moderno. Pode-se identificar 3
grandes constitucionalismos: Hebreu, Grego e Romano.

No primeiro, há um Estado Teocrático Hebreu, sistema no qual Deus está


no centro de tudo. Criou limites ao poder político através da “Lei do Senhor”, que era
distinta das demais leis. Denota-se, então, um ideal de hierarquia de leis. Karl
Loewenstein, a propósito, afirma que o Torá – Lei de Deus – teria sido a primeira
constituição.
Nas cidades Estado gregas, especialmente Atenas, encontramos como
contribuição ao sentido moderno de constituição vários mecanismos de democracia
direta, promovendo uma identidade entre governantes e governados. É a experiência
histórica mais forte em termos de democracia direta. Em decorrência da igualdade
entre os cidadãos e da identidade entre governantes e governados, encontramos até
mesmo o sorteio de algumas funções públicas. A Constituição não era vista como
fundamento do Estado, entretanto.

Ainda no constitucionalismo grego, temos dois outros grandes pilares: I.


Tal qual no Estado Teocrático Hebreu, no Grego também se encontram reminiscências
históricas da hierarquia de leis – citado em Antígona, de Sófocles (Leis imemoriais
dos Deuses x Leis do rei); e II. Há indícios de surgimento do controle de
constitucionalidade – grafe paranomon (lei anulada retroativamente se violasse lei
superior).

Já o constitucionalismo romano ofereceu como contribuição à constituição


em sentido moderno a separação de poderes. O poder era distribuído entre os 2
cônsules, o senado e o povo. Isso dava ensejo, segundo Políbio e Cícero à existência de
uma Constituição mista: aquela que separa as várias esferas sociais e dá uma parcela de
poder a cada uma dessas.

1.2 Constitucionalismo Antigo

Os dois grandes marcos do constitucionalismo antigo são:

I. Marco Inicial – Séc. XIII: Magna Carta (1215); e

II. Marco Final – Séc. XVIII: Constituições Americana (1787) e Francesa


(1791), o que inauguram o constitucionalismo moderno.

Nesse sentido, podem ser citados como movimentos históricos decisivos


para formatar a ideia de constituição em sentido moderno:

1.2.1 Constitucionalismo Inglês (Historicista)

Tem como principais documentos históricos:

- Magna Carta – 1215;

- Petition of Rights – 1628;

- Habeas Corpus Act – 1679; e

- Bill of Rights – 1689.

A idade média tem como característica o absolutismo dos governantes. Não


havia mecanismos de participação popular. Há um retrocesso em relação a alguns
tópicos do constitucionalismo na antiguidade clássica.

Entretanto, também nessa fase o constitucionalismo exsurge. Tem-se a


distinção entre leis o reino e leis do rei. Há, também, vários documentos escritos
voltados a limitação do poder real, que vão culminar na derrocada do absolutismo
monárquico.

A Magna Carta não foi o primeiro documento de limitação real, porém,


tem importância histórica muito importante. Diz-se, na doutrina, que foi muito
inspirada na Carta de Coroação de Henrique I.

Observe-se, também, que a Magna Carta não foi constituição; em verdade,


foi um pacto medieval. Para alguns autores, a Magna Carta (os artigos dos barões) foi
um pacto de domínio firmado entre João Sem Terra e os barões do Reino, reconhecendo
certos limites ao poder real.

A Magna Carta entrou na história pois, pela primeira vez, os limites ao


poder real vieram acompanhados de consequências práticas: na Cláusula 61 da
Magna Carta o rei admitia a possibilidade dos barões do reino o atacarem caso este não
cumprisse suas promessas.

Além disso, alguns dispositivos da Magna Carta ainda estão em vigor e


integram, inclusive, a Constituição Inglesa:

“39. Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou


privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou
de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem
mandaremos proceder contra ele senão mediante um
julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei
do país” (Due process of law); e

40. Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o


direito de qualquer pessoa a obter justiça”.

Em dado momento da história, houve uma migração da soberania: do rei


para o parlamento. Essa transição da soberania ocorreu com a Revolução Gloriosa
(1688).

Como condição para assumir o trono, o parlamento inglês impôs para


Guilherme de Orange a assinatura do Bill of Rights – 1689. É o primeiro documento de
origem parlamentar a limitar o poder do rei. O exercício do poder através do regulado
pelo parlamento é a ideia básica do Estado de Direito. O rei não pode deixar de
cumprir as leis. Veja-se:

“Os Lords, espirituais e temporais e os membros da Câmara


dos Comuns declaram, desde logo, o seguinte: [...]

Que é ilegal a faculdade que se atribui à autoridade real para


suspender as leis ou seu cumprimento; [...]”.

Além disso, a Revolução Gloriosa contribuiu para a ideia de separação de


poderes entre o rei, a câmara dos lordes e a câmara dos comuns.
1.2.2 Constitucionalismo Norte-Americano

Tem como principais documentos históricos:

- Pacto do Mayflower: navio que levou imigrantes da Inglaterra para os


EUA.

- Declaração da Virgínia de 12/06/1776;

- Declaração de Independência de 04/07/1776;

- Constituição de 1787; - Estabeleceu a Federação: união de Estados que


deixam de ser soberanos e passam a ser autônomos.

- Bill of Rights (10 primeiras emendas) de 1791. Para muitos autores, é o


primeiro catálogo de direitos fundamentais.

No Constitucionalismo norte-americano é adotada a Constituição Escrita,


fruto da decisão do povo.

Além disso, encontramos a democracia dualista, construída com base em


dois tipos de decisões diferentes: de um lado as decisões raras do povo e do outro lado
as decisões frequentes dos governantes. Nessa democracia, as decisões raras do povo
prevalecem sobre as decisões cotidianas. Isso dá ensejo a ideia de Supremacia da
Constituição. Dentro das decisões frequentes, encontram-se as decisões legislativas.

Desse modo, a Constituição também é uma forma de defesa dos cidadãos


contra o Legislativo e demais governantes. Isso decorreu da severa exploração dos
colonos americanos por leis do parlamento inglês. A Constituição, assim, evitaria a
tirania da mera maioria parlamentar.

Democracia não se confunde com Assembleísmo. Este resulta da


legitimidade pela mera maioria de uma assembleia. Na democracia, a ideia da maioria
deve prevalecer, desde que não configure abuso a uma minoria.

Além disso, nesse constitucionalismo, tem-se a criação de mecanismos de


controle de constitucionalidade, em 1803, no caso Marbury vs Madison.

A Constituição norte americana também estabeleceu a ideia que não há


poderes absolutos ou supremos. Todos os poderes derivam da constituição e devem
ser equilibrados por mecanismos de freios e contrapesos.

A Constituição Norte americana é um modelo de constituição-garantia,


que tem como função garantir direitos e limitar poderes, ao contrário da constituição
programática brasileira.

A Constituição norte americana institui a federação em sentido moderno e


a forma presidencial de governo.

1.2.3 Constitucionalismo Francês (individualista)


Tem como principais documentos históricos:

- Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789;

- Constituição Francesa de 1791 – segunda constituição escrita em sentido


moderno;

- Constituição Francesa de 1793; e

- Constituição Francesa de 1799.

Vigorava na França o sistema medieval, no qual se entendia natural que


algumas pessoas tivessem privilégios legais em detrimento de outras pessoas. Esses
privilégios legais decorriam da posição estamental que as pessoas ocupavam. O
primeiro estamento era o clero, o segundo estamento era a nobreza e o terceiro
estamento era o conjunto dos demais. A lei tratava desigualmente as pessoas conforme
o seu estamento. Não havia igualdade formal.

A revolução francesa acabou com a desigualdade formal. Ela promoveu a


igualdade de todos perante a lei. Os direitos, então, passaram a decorrer da condição
humana. Para essa mudança, era preciso alterar a forma pela qual o Estado Francês
estava constituído. Por isso, no bojo do Constitucionalismo francês ocorreu algo muito
importante para o constitucionalismo moderno: a formatação teórica do Poder
Constituinte, por Sieyès. Veja-se:

“Qu’est-ce que le Tiers État?” (“O que é o Terceiro Estado” ou


“A Constituinte Burgesa”) – Emannuel Joseph Sieyès.

O Poder Constituinte é o poder originário que pertente à Nação, capaz de


criar, de maneira autônoma e independente a constituição escrita.

Importante, nesse ponto, apresentar a distinção entre Poder Constituinte e


Poderes Constituídos.

Como o poder constituinte pertence a nação, ela não é escrava do poder


constituinte; é titular desse poder. Por isso a nação pode mudar a constituição e
abandonar o antigo regime. É por isso que Canotilho afirmar que o constitucionalismo
francês, dentre outras contribuições, provocou o aparecimento de novas categorias
políticas, que são expressas em palavras de combate: Estado, Nação, Poder
Constituinte, Soberania Nacional etc.

Nesse sentido, é símbolo da adoção de igualdade formal e rompimento


com o antigo regime estamental francês a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 26 de agosto de 1789:

Art. 1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As


distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade
comum.
Com o abandono dessa ideia, surgem, em lugar disso, os direitos
individuais, universais e naturais de todas as pessoas. São os direitos humanos de
primeira geração, que exigem do Estado uma abstenção. Veja-se:

Art. 2º A finalidade de toda associação política é a conservação


dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos
são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à
opressão.

Além disso, encontramos contribuições para a consolidação da limitação


de poderes através da separação de poderes (Montesquieu).

Também foi importante para a consolidação do Estado Liberal, com


poucas atribuições – mínimo. Isso vai dar ensejo ao Constitucionalismo clássico ou
liberal.

1.3 Constitucionalismo Moderno

1.3.1 Constitucionalismo Liberal (Clássico)

Nesse modelo de constitucionalismo liberal, forjou-se o conceito ideal de


constituição, que tem relação com o sentimento constitucional. Nesse sentido, o
professor J. J. Gomes Canotilho aponta três elementos do conceito ideal de constituição:

a) Documento Escrito (formal);

b) Garantia das liberdades e da participação política do povo


(participação popular no parlamento) – previsão de direitos civis e políticos (primeira
geração de Direitos Fundamentais); e

c) Limitação ao poder (separação de poderes) por meio de mecanismos


constitucionais.

O “conceito ideal” de Constituição já estava presente no art. 16, da


Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Assembleia Francesa, de 1789:

“Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos


direitos nem determinada a separação de poderes, não tem
constituição”.

A Constituição escrita é um dos maiores avanços em relação aos períodos


anteriores, porquanto proporciona publicidade, clareza e segurança, elementos
fundamentais para a disseminação do conceito moderno de constituição.

1.3.2 Constitucionalismo Social

O constitucionalismo social surge ao mesmo tempo em que aparecem os


direitos sociais ou direitos fundamentais de 2ª geração. Nesse instante, também há
uma transição do modelo de Estado, deixando de ser liberal e passando a ser social.
Esse Estado é caracterizado por cumprir obrigações que não se resumem a obrigações
de não fazer. Essas novas obrigações são “de fazer”. O Estado não deve apenas
respeitar a vida, a liberdade e a propriedade; deve assumir tarefas positivas. Isso vai
gerar um novo constitucionalismo pautado nessas premissas: o social.

Os marcos inaugurais desse modelo são:

I. A Constituição Mexicana de 1917; e

II. A Constituição de Weimar de 1919.

1.3.3 Constitucionalismo Contemporâneo

Chegamos ao estágio atual, composto por:

- Neoconstitucionalismo (constitucionalismo contemporâneo);

- Constitucionalismo do Futuro;

- Constitucionalismo Globalizado;

- Constitucionalismo e Internacionalização;

- Transconstitucionalismo; e

- Novo Constitucionalismo Latinoamericano.

1.3.3.1 Neoconstitucionalismo (constitucionalismo contemporâneo)

Na primeira metade do século XX, ainda no bojo do constitucionalismo


social, predominava, no bojo do direito, o positivismo jurídico. Dentre outros
aspectos, consistia na separação entre o direito e a moral, entendendo que a norma
jurídica seria válida desde que elaborada de acordo com procedimento
preestabelecido na Constituição. A validade da norma jurídica não dependia de
nenhum tipo de valor.

A barbárie nazista colocou em cheque esse formalismo ou neutralidade


jurídica em relação a valores do positivismo. O direito foi utilizado pelos nazistas
como instrumento. Assim, passou-se a entender que o direito não poderia ser
legitimado por si mesmo, ou seja, ser indiferente às consequências da sua norma. Por
isso, novas concepções jurídicas se tornaram necessárias.

Nada obstante tenha o Nazismo se aproveitado da concepção positivista de


Kelsen como tese de defesa no tribunal de Nuremberg, ainda assim ignorou diversas
premissas do próprio positivismo. A propósito, Kelsen era judeu e foi perseguido pelo
regime. Muitos autores consideram que o Nazismo era Anti-Positivista.

Após o nazismo, o positivismo entrou em declínio, passando-se a buscar o


direito à luz de valores morais, abandonando-se a concepção legalista, o que deu
ensejo ao Neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo
contemporâneo.

Há várias características do neoconstitucionalismo que merecem atenção.


Em primeiro lugar, ele é voltado as constituições de Estados
Democráticos.

Numa visão Neoconstitucionalista, a dignidade da pessoa humana passa a


ser valor supremo e fundamento do direito. O direito passa a ter legitimidade a partir
do fato de estar de acordo com a dignidade da pessoa humana. Assim, o
neoconstitucionalismo faz uma crítica ao formalismo puro.

No Neoconstitucionalismo não há mais uma separação rígida entre o


direito e a moral. Adota-se uma leitura moral do direito e da constituição. As normas
passam a ter uma forte carga axiológica, valorativa. A interpretação da constituição
passa a sofrer influência da modalidade crítica.

Ao mesmo tempo, a Constituição reforça o seu caráter jurídico, não


podendo ser vista como mero instrumento político. Todas as disposições
constitucionais são normas jurídicas. Até mesmo as disposições programáticas têm
força normativa.

A constituição continua a ocupar um lugar formal hierarquicamente


superior as demais normas. No neoconstitucionalismo, ela é um vetor interpretativo
fundamental para compreender todos os ramos do direito. O que é matéria
tipicamente constitucional se alarga, passando as constituições a serem dirigentes, mais
prolixas, “constituições totais”. Há a convivência de diversos valores, inclusive
contraditórios entre si.

Nesse contexto, os princípios ganham destaque, bem como a técnica de


ponderação de interesses. No neoconstitucionalismo, os princípios são entendidos
como espécies de normas, ganhando importância no processo de aplicação do direito.
Assim, os métodos de interpretação menos formalistas e mais abertos passam a ser
privilegiados no neoconstitucionalismo. Ou seja, além da interpretação do direito tratar
de questões relativas à subsunção as regras, passa a tratar de temas como ponderação
de princípios e respeito a proporcionalidade.

Além disso, a racionalidade do neoconstitucionalismo se aproxima da ideia


de razoabilidade. E mais: valores e normas constitucionais, especialmente no campo
dos direitos fundamentais, passam a se projetar em outros ramos do direto. Com isso,
temos a constitucionalização do direito, a filtragem constitucional ou a onipresença
da constituição, com o alargamento da matéria constitucional e a necessária filtragem
da matéria infraconstitucional a luz da constituição.

Ademais, a política passa a ser objeto da constitucionalização. Tem-se o


fenômeno da jurisdicionalização da política, passando o judiciário, guardião da
constituição, a interferir mais fortemente na matéria.

Por fim, a decisão judicial passa a ser preponderante, notadamente


quando é decisão da jurisdição constitucional no bojo do controle de
constitucionalidade. A decisão judicial, inclusive, passa a analisar o mérito legislativo e
administrativo. Assim, a jurisdição passa a ocupar lugar de destaque na teoria das
fontes. O Estado Legicêntrico perde espaço. O poder judiciário ganha força.

Por outro lado, há fortes críticas ao neoconstitucionalismo.

Em primeiro lugar, o neoconstitucionalismo gerou um excesso de


protagonismo judicial. Cabe lembrar que os membros do poder judiciário não são
eleitos, ao passo em que dispõe o parágrafo único do art. 1º sobre a eleição dos
representantes do povo. Isso não significa que o membro do poder judiciário seja
autoridade ilegítima, mas, sim, que há de se respeitar os representantes eleitos do
povo, limitados no campo da jurisdição constitucional.

Ademais, diz-se que não há um compromisso metodológico, havendo


muita insegurança jurídica, porquanto se dá muita importância a valores, que, por
definição, são extremamente subjetivos. Isso faz com que a subjetividade predomine
em detrimento da segurança jurídica.

Além disso, diz-se que a política estaria sendo desvalorizada, dada a


confiança extrema no poder judiciário. Os cidadãos estariam elegendo qualquer
representante, dado o protagonismo do judiciário.

Assim, ter-se-ia que buscar um equilíbrio entre as vantagens e os excessos


do neoconstitucionalismo, o que é tentado a partir do constitucionalismo do futuro.

1.3.3.2 Constitucionalismo do Futuro

O constitucionalismo do futuro ou constitucionalismo do “porvir” ou


“vindouro”, é uma concepção que vem, primordialmente, de um autor argentino
chamado José Roberto Dromi.

Segundo o referido autor, a luz do constitucionalismo do futuro, as


constituições serão guiadas por determinados valores fundamentais, quais sejam:

I. Verdade: a constituição do futuro será verdadeira, não trará promessas


irrealizáveis, não factíveis. Portanto, é preciso se deixar de lado as normas meramente
programáticas. De outro lado, identificam-se normas plenamente realizáveis, mas que
não são implementadas por falta de motivação ou de vontade política dos governantes.
Tais normas, presentes na constituição verdadeira, poderiam ser cobradas junto ao
judiciário, almejando-se a sua concretização.

II. Solidariedade: a constituição do futuro terá um compromisso com a


solidariedade, a igualdade material entre as pessoas, a não discriminação, a
fraternidade, a cooperação, a tolerância e a solidariedade, não só entre os povos, mas
entre os grupos e as pessoas que formam esses povos. O eminente Ministro Carlos
Ayres Britto já falava em constitucionalismo fraternal, já previsto em nossa
Constituição. À propósito, veja-se o seguinte julgado:

“(...) 9. A DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS COMO


CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO
FRATERNAL. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal são de
finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma
quadra constitucional que se volta para a efetivação de um
novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias,
tendo em vista o proto-valor da integração comunitária. (...)”
(STF, PET 3388, Pleno, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, j. em
19/03/2009).

III. Consenso: a constituição do futuro será resultado do consenso entre os


diversos grupos que forma a sociedade. Substitui-se a ideia clássica da maioria por
ideia de consenso. A ideia é que a decisão política seja feita através da deliberação do
grupo político, e não apenas da maioria, sendo feita sem ruptura, através de
mecanismos de convencimento e concedência recíproca.

IV. Continuidade: a constituição do futuro deve avançar seguindo a lógica


das antecedentes, notadamente no que se refere aos direitos fundamentais já
alcançados. Isso nos remete ao princípio da vedação do retrocesso.

V. Participação: a constituição do futuro dará ensejo a uma participação


cada vez mais ativa, integral e equilibrada do povo e da sociedade nos processos
políticos e decisórios. A constituição do futuro concretizará a democracia participativa
em seu mais elevado grau.

VI. Integração: a constituição do futuro trará previsões voltadas à


integração dos povos através de órgãos supranacionais e políticas transnacionais.

VII. Universalização: a constituição do futuro positivará os direitos


fundamentais internacionais. Destaque para a dignidade da pessoa humana, a ser
entendida como tópico universal, comum a todos os povos do mundo, impedindo-se
qualquer espécie de desumanização. De certa forma, esse tópico está muito relacionado
ao que se chama de constitucionalismo globalizado. O constitucionalismo globalizado
seria a fase final do constitucionalismo.

1.3.3.3 Constitucionalismo Globalizado e Constitucionalismo e Internacionalização

Todo esse movimento de constitucionalismo se globalizaria através de


processo que ampliaria os ideais e princípios jurídicos ocidentais a todos os povos.

A intensa globalização e internacionalização das relações humanas, sociais,


jurídicas e políticas gera efeitos no constitucionalismo, fazendo surgir o que se concebe
por constitucionalismo globalizado.

Em primeiro lugar, embora o estado nacional continue tendo papel


fundamental na arena política e social, a ideia tradicional de estado nacional soberano,
que sempre existiu, é afetada e tem convivido com outras fontes de poder fático e
jurídico. Essas fontes de poder podem ser supranacionais, internacionais ou mesmo
privadas. Isso tem ensejado processos de internacionalização da constituição e de
constitucionalização do direito internacional.
O primeiro significa um movimento dos Estados de dentro para fora.
Documentos internacionais têm surgido, impregnados de noções e de elementos
similares a constituição. Ou seja, há documentos internacionais com elementos da
ideia tradicional de constituição, que, por definição, seria interna ao Estado. Nesse
quadro, podemos citar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Direito
Comunitário da União Européia, a Lex Mercatoria.

Por outro lado, o segundo processo significa um movimento dos Estados


de fora para dentro. Documentos e regras internacionais são acoplados ao direito
interno. O direito internacional passa a integrar o direito estatal. O art. 5º, §3º, da
CF/88, no Brasil é exemplo de constitucionalização do direito internacional. Além
disso, tratados de direitos humanos anteriores ao referido parágrafo, são, no mínimo,
supralegais. Nasce, aqui, o controle de convencionalidade.

Como se não bastasse, alguns autores, como Gunther Teubner, falam do


surgimento de constituições privadas. Tais constituições seriam desvinculadas das
constituições estatais, mas teriam algumas características comuns, como a capacidade
de gerar normas superiores em determinadas áreas. Exemplo: no bojo da Internet,
teriam sido criadas normas privadas superiores a serem obedecidas por todos.

Outrossim, a globalização provoca a existência de relações íntimas entre a


ordem interna jurídica constitucional de um Estado com a ordem constitucional de
outro Estado. Nós temos constituições em rede, o que ocorre, por exemplo, quando as
constituições tratam do tema da nacionalidade.

1.3.3.4 Transconstitucionalismo

Essa realidade faz com que os autores falem em transconstitucionalismo,


cross-constitucionalismo, constitucionalismo cruzado, constitucionalismo transversal,
fecundação ou fertilização cruzada, pluralismo constitucional, constitucionalismo
multinível, etc.

O Transconstitucionalismo é objeto de estudo do professor Marcelo Neves.


Esse constitucionalismo diz respeito ao entrelaçamento das ordens jurídicas
constitucionais diversas entre si ou no bojo de decisões de juízes ou tribunais
internacionais ou supranacionais. No mais, significa a utilização na prática
constitucional de um determinado Estado de argumentos, de teorias e de decisões
judiciais que pertencem ao constitucionalismo de outros Estados, a instâncias
supranacionais ou a tribunais internacionais. Isso é muito utilizado pelo STF, por
exemplo, no âmbito dos direitos fundamentais.

1.3.3.5 Novo Constitucionalismo Latino-Americano

Finalmente, o novo constitucionalismo Latino-Americano diz respeito a um


modelo próprio de constitucionalismo da américa latina. Esse modelo daria ensejo a
formação de um Estado Plurinacional e Multiétnico, com várias nações e etnias, com
base no qual a cultura das nações, povos e etnias originárias, são valorizadas. A ideia é
equalizar as tradições originárias ao modelo constitucional de matriz europeia. Tem
como base o diálogo intercultural não hegemônico: as culturas originárias são tão
valorizadas quanto a dos colonizadores e a participação popular deve ser intensa. Os
grandes marcos são as Constituições da Bolívia, de 2009, e do Equador, de 2008. Sobre
o tema, veja-se trechos das referidas constituições:

- Constituição do Equador (2008):

“PREÁMBULO

NOSOTRAS Y NOSOTROS, el pueblo soberano del Ecuador

RECONOCIENDO nuestras raíces milenarias, forjadas por


mujeres y hombres de distintos pueblos,

CELEBRANDO a la naturaleza, la Pacha Mama, de la que


somos parte y que es vital para nuestra existencia,

[...]

APELANDO a la sabiduría de todas las culturas que nos


enriquecen como sociedad

Y con un profundo compromiso con el presente y el futuro,

Decidimos construir

Una nueva forma de convivencia ciudadana, en diversidad y


armonía com la naturaleza, para alcanzar el buen vivir, el
sumak kawsay;

Una sociedad que respeta, en todas sus dimensiones, la


dignidad de las personas y las colectividades;

Art. 1.- El Ecuador es un Estado constitucional de derechos y


justicia, social, democrático, soberano, independiente, unitario,
intercultural, plurinacional y laico. Se organiza en forma de
república y se gobierna de manera descentralizada.

Art. 4.- El territorio del Ecuador constituye una unidad


geográfica e histórica de dimensiones naturales, sociales y
culturales, legado de nuestros antepasados y pueblos
ancestrales [...]

Art. 56.- Las comunidades, pueblos, y nacionalidades


indígenas, el Pueblo afroecuatoriano, el pueblo montubio y
las comunas forman parte del Estado ecuatoriano, único e
indivisible.”

- Constituição da Bolívia (2009):


“PREÁMBULO

[...]

El pueblo boliviano, de composición plural, desde la


profundidad de la historia, inspirado en las luchas del pasado,
en la sublevación indígena anticolonial, en la independencia, en
las luchas populares de liberación, en las marchas indígenas,
sociales y sindicales, en las guerras del agua y de octubre, en las
luchas por la tierra y territorio, y con la memoria de nuestros
mártires, construimos un nuevo Estado

Artícuo 1. Bolivia se constituye en un Estado Unitario Social de


Derecho Plurinacional Comunitario, libre, independiente,
soberano, democrático, intercultural, descentralizado y con
autonomías. Bolivia se funda en la pluralidad y el pluralismo
político, económico, jurídico, cultural y lingüístico, dentro del
proceso integrador del país.

Artículo 2. Dada la existencia precolonial de las naciones y


pueblos indígena originario campesinos y su dominio ancestral
sobre sus territorios, se garantiza su libre determinación en el
marco de la unidad del Estado, que consiste en su derecho a la
autonomía, al autogobierno, a su cultura, al reconocimiento
de sus instituciones y a la consolidación de sus entidades
territoriales, conforme a esta Constitución y la ley.

Artículo 3. La nación boliviana está conformada por la totalidad


de las bolivianas y los bolivianos, las naciones y pueblos
indígena originário campesinos, y las comunidades
interculturales y afrobolivianas que en conjunto constituyen el
pueblo boliviano”.

AULA 2

2. Concepções da Constituição

A Constituição, tal qual o constitucionalismo, é uma palavra plurívoca.

Em sentido comum, conforme André Ramos Tavares, a Constituição


significa a particular maneira de ser de um Estado. Nas palavras de José Afonso da
Silva, é o simples modo de ser do Estado.

Já em sentido jurídico, Constituição é a lei fundamental de um Estado,


que organiza os seus elementos constitutivos ou essenciais. Nas palavras de J. J.
Gomes Canotilho, é o “estatuto jurídico do político, dado que é na constituição que a
decisão política se transforma em uma norma jurídica, da mais elevada hierarquia”.
Segundo José Afonso da Silva, Constituição é o “sistema de normas
jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu
governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos,
os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias.
Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos
constitutivos do Estado”.

Tradicionalmente, os elementos constitutivos do Estado são três: o


elemento humano – povo, o elemento físico ou geográfico – território – e o elemento
político – soberania. A matéria tipicamente constitucional se refere a esses elementos
e suas relações.

O entendimento acerca do que é uma constituição pode variar, a depender


da escola doutrinária adotada.

2.1 Concepção Sociológica

A primeira concepção sobre o que é a constituição é a sociológica. Tem


como autor principal Ferdinand Lassale, através da obra ‘’A Essência da
Constituição”. Segundo o autor, a constituição escrita é apenas uma “folha de papel”.
A verdadeira constituição de um Estado é a soma dos fatores reais do poder. Isso
significa que o texto escrito não é a verdadeira constituição do Estado. Desse modo, se
há divergência entre o que está disposto na Constituição e aquilo que resulta da
soma dos fatores reais do poder, prevalecerá, necessariamente, esta última.

Exemplo: o revogado art. 192, §3º, da CF/88, estabelecia que as taxas de


juros reais não poderiam ser superiores a doze por cento ao ano, sob pena de
cometimento de crime de usura. Entretanto, os fatores reais de poder esvaziaram o
comando constitucional, passando o STF a entender que não se tratava de dispositivo
autoaplicável, demandando regulamentação legal. Era o previsto na S.V nº 7 do STF. A
EC 40 acabou por retirar do texto constitucional essa disposição. Desse modo, nesse
caso, os fatores reais de poder se impuseram sobre o comando constitucional.

2.2 Concepção Jurídica

A segunda concepção é a jurídica. Essa concepção entende a constituição


como norma pura, como puro dever ser dissociado de qualquer fundamento
sociológico ou político.

Desde o surgimento das primeiras constituições em sentido moderno, o


modelo adotado foi o do constitucionalismo liberal. No bojo desse modelo, foi
formatada uma ideia segundo a qual a constituição escrita ideal teria um determinado
conteúdo material, consistente na garantia de direitos, na organização do Estado e na
Separação e limitação de poderes.

Esse modelo é alterado pelo Estado de bem-estar social. Com esse novo
modelo, novos direitos são incluídos na constituição (segunda-geração), elastecendo o
seu conteúdo para além daqueles anteriormente. Com isso, surgiu a necessidade se de
descrever a constituição com base em um novo critério, formal e normativo. Para suprir
essa demanda, utilizou-se do fundamento teórico do positivismo jurídico.

Assim, a concepção jurídica tem como principal autor Hans Kelsen, através
da obra “Teoria Pura do Direito”. Para ele, a verdadeira constituição é o documento
que possui supremacia hierárquica formal, sendo fundamento de validade das
demais normas jurídicas inferiores e norma pura, puro dever-ser, dissociada de
qualquer fundamento sociológico, político ou filosófico.

Portanto, para o positivismo jurídico, a teoria da constituição deve ser algo


meramente descritivo, não devendo se ocupar de determinar certo conteúdo
ideológico material da constituição. O direito e a constituição devem ter como objeto
normas puras, tal qual elas são, e não como deveriam ser.

Neste critério formal, há uma separação entre o direito e a moral, um


relativismo ético, dado que não se pode, de maneira objetiva, identificar-se o que é
certo ou errado, justo ou injusto. Isso dependeria de um juízo de valor moral, com uma
elevada dose de subjetividade e cada intérprete entendendo de maneira distinta. Com
isso, o sistema poderia terminar com ampla dose de irracionalidade e insegurança,
uma vez que a conclusão variaria conforme o interprete. Valores não expressam aquilo
que deve ser, mas, sim, aquilo que é preferível por alguém, dentro de um juízo pessoal.

Essa é a razão pela qual Kelsen exclui qualquer fundamento moral,


sociológico, político ou filosófico da sua concepção de constituição.

Para Kelsen, o que deve ser considerado parâmetro comum para as


constituições, independentemente do conteúdo de cada uma delas, é o fato de que
todas possuem supremacia hierárquica formal. A constituição, portanto, deve
prescrever como as normas jurídicas inferiores serão elaboradas, deve traçar as
competências, deve dizer quais são os poderes e afirmar quais as formas
procedimentais pelas quais as normas jurídicas inferiores devem ser elaboradas.
Esse é o conteúdo material da constituição, para Kelsen.

O positivismo não nega a possibilidade de a constituição ser costumeira.


Para Kelsen, a constituição material pode ser escrita ou costumeira. O que o
positivismo repele é a ideia do direito natural.

“Segundo o Direito dos Estados totalitários, o governo tem


poder para encerrar em campos de concentração, forçar a
quaisquer trabalhos e até matar os indivíduos de opinião,
religião ou raça indesejável. Podemos condenar com maior
veemência tais medidas, mas o que não podemos é considera-
las como situando-se fora da ordem jurídica desses Estados”
(KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 1996, p. 44).
Para Kelsen, mesmo que a norma jurídica traga conteúdo abominável, não
perde a sua natureza jurídica. O resultado prático pode ser democrático ou ditatorial.

Concebe, portanto, o sentido jurídico-positivo da constituição, dado que é


um documento jurídico que, necessariamente, se encontra dentro do direito posto. A
constituição é o fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas.

Kelsen afirma que o fundamento de validade da constituição é a norma


hipotética fundamental. Esta norma é hipotética pois está fora do Direito Positivo,
estando no campo do pressuposto. Ao mesmo tempo é fundamental, dado que é
fundamento ultimo de validade do direito positivo e da constituição em sentido
jurídico-positivo. Essa norma hipotética fundamental é a constituição em sentido
lógico-jurídico, é pressuposto lógico, significando que todos devemos cumprir a
constituição escrita e todas as demais normas jurídicas inferiores.

Desse modo, conclui-se que na concepção de Kelsen, há dois sentidos para


a constituição: jurídico-positivo e lógico-jurídico.

2.3 Concepção Política

A terceira concepção é a política. O principal autor desta linha é o Carl


Schmit, tendo como obra paradigma a “Teoria da Constituição”. Para o autor, a
constituição é a decisão política fundamental do titular do poder constituinte e há
uma diferença entre constituição e lei constitucional. Esta tem natureza jurídica de
lei, uma vez que não trata de decisão política fundamental – não possuindo essência
constitucional, mas possui forma de constituição.

Segundo Daniel Sarmento, a decisão política fundamental é aquela que


modela a substância do regime, ou seja, aquela a ser obrigatoriamente enfrentada se
se quer constituir um Estado. Essa decisão é estática, pois adotada em determinado
momento da história de um Estado, que não necessariamente se vincula a critérios de
justiça.
O decisionismo derivado da constituição política considera a constituição
como ato de vontade do constituinte, que é livre para adotar a sua vontade, seja para
estabelecer democracia, seja para estabelecer ditadura. O que não é decisão política
fundamental, mas termina escrito na constituição, é apenas lei constitucional. Vide
exemplos: Art. 1º, da CF/88 – verdadeira Constituição. Art. 242, §2º, CF/88 – lei
constitucional.

Se houver uma ameaça a decisão política fundamental, pode ser


decretado estado de exceção, que pode suspender, total ou parcialmente, a constituição
formal, na concepção política. Nesse caso, o governante, para proteger e manter a
decisão política fundamental, pode, inclusive, fazer prevalecer a sua vontade contra as
leis constitucionais. É por isso que se diz que essa concepção tem uma tendência
conservadorista e autoritária.

Além disso, podem ser citadas como outras teorias e ideias:

Concepção Culturalista: tem como principal doutrinador J. H. Meirelles


Teixeira. Para o autor, a constituição total é um objeto cultural que, em uma
perspectiva unitária, abrange aspectos sociológicos, jurídicos, políticos, filosóficos e
econômicos. A Constituição, como invenção humana, é resultado da cultura, e, ao
mesmo tempo, nela interfere. Há uma simbiose constituição-cultura. Nessa visão, as
concepções anteriores não são antagônicas, não se repelem entre si. Em verdade, a
Constituição é objeto complexo que possui fundamentos complexos, abrangendo
aspectos sociológicos, jurídicos e políticos. Assim, o autor propõe uma perspectiva
unitária da constituição, uma constituição total.

Força Normativa da Constituição: tem como principal autor Konrad


Hesse, em sua obra “A Força Normativa da Constituição”. Para ele, a Constituição
jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento
normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social. Essa teoria é uma crítica
a concepção de Lassale. A Constituição escrita não é apenas a expressão da realidade,
podendo se impor aos fatores reais de poder, transformando a realidade social.
Havendo conflito entre a Constituição e os fatores reais de poder, estes nem sempre
prevalecerão. A força da Constituição variará conforme a “vontade de constituição”,
ou seja, ao maior ou menor empenho dos cidadãos de mudar pela efetivação das
normas constitucionais. Ao mesmo tempo, nessa visão, a Constituição não deve tratar
de tudo, devendo alguns temas serem tratados de forma ampla, geral. A Constituição
deve ser interpretada por meio de um processo de concretização, que deve considerar
o texto e a realidade. Para essa teoria, interpretar é concretizar a constituição. É por essa
razão que essa teoria é concretista.

A Constituição como um Processo Público – A Constituição Aberta: o


principal doutrinador dessa concepção é Peter Häberle. São duas as suas obras:
“Constituição como um processo público” e “A sociedade aberta dos intérpretes da
constituição”. Para ele, a verdadeira Constituição é o resultado (temporário) de um
processo de interpretação aberto, historicamente condicionado e conduzido à luz da
publicidade. Isso significa que a Constituição, nessa visão, não se resume a um ato
pontual de vontade do poder constituinte. Para ele, a norma constitucional é sempre
uma norma resultante de um processo interpretativo, que deve ser conduzido
publicamente. Essa interpretação, no entanto, não é mera investigação da vontade do
constituinte ou do conteúdo histórico da constituição. Em verdade, o conteúdo da
constituição é aberto, situado no tempo dentro de um processo de interpretação que
capta tanto as experiências já presentes em uma dada sociedade – abertura para o
passado –, como também as mudanças – abertura para o futuro. Além disso, essa
interpretação é feita por uma sociedade aberta de intérpretes, cotidianamente, e não
por uma sociedade fechada de intérpretes, composta por juízes e tribunais que
detinham o “monopólio” da interpretação constitucional, como foi durante muito
tempo. É por essa razão que essa teoria se vincula a constituição aberta. A ideia de
constituição aberta afirma que a constituição não é objeto hermético, enclausurado
em si mesmo; ao contrário, deve ser um objeto aberto a novos interesses e novas
necessidades da sociedade e do Estado. A Constituição, portanto, é um regime aberto
de normas, e essa abertura ocorre mediante várias formas, a exemplo da existência de
mecanismos de alteração da constituição – seja formal (emendas) ou informal (mutação
constitucional) e da existência de conceitos jurídicos indeterminados. De fato, os juízes
e os tribunais terão palavra decisiva sobre a interpretação das normas constitucionais;
no entanto, para adotar uma posição sobre a constituição, os juízes e tribunais devem
levar em consideração, também, a interpretação da sociedade aberta.

A Teoria da Constituição Dirigente: essa teoria tem como principal


doutrinador o professor J. J. Gomes Canotilho. Em sua obra “Constituição Dirigente e
Vinculação do Legislador”, estabelece que a Constituição dirige a atuação do Estado e
de seus agentes, por meio de programas de ação, para concretizar determinados
objetivos e finalidades. Isso significa que o papel da constituição não é apenas prever
direitos, processos e procedimentos, o que dá origem ao modelo de constituição
garantia. Em verdade, a constituição prevê, também, finalidades, objetivos e
programas de ação, notadamente no âmbito econômico social. Nesse âmbito, a
constituição projeta uma situação ideal que o constituinte deseja que seja
implementada no futuro pelo Estado e por seus agentes. Essa constituição é típica do
modelo de Estado Social. Todos os agentes e as atividades estatais estão vinculados ao
projeto constitucional. É importante ressaltar que o professor Canotilho estuda
principalmente a vinculação do legislador ao dirigismo constitucional e para ele, esta
vinculação deve ser controlada, principalmente, por mecanismos de participação
popular e não pelo poder judiciário. No Brasil, entretanto, o controle judicial tem
preponderância, que decorre do próprio Estado de Direito. Para o autor, entretanto,
apesar dessa decorrência, a proteção judicial é insuficiente para dar operacionalidade
prática às omissões do legislador. Estas, para o autor, deveriam ser melhor controladas
por meio de garantias democráticas à disposição dos cidadãos, a exemplo da ação
popular e da iniciativa popular de elaboração legal. O professor Canotilho tem revisto
essa tese da constituição dirigente. Portugal está inserido em um contexto próprio de
globalização e de direito comunitário da União Européia. Lá, normas de direito
comunitário europeu tem de ser consideradas. Por isso, a Constituição portuguesa,
sozinha, não tem o condão de dirigir o país em direção a objetivos e finalidades. Esse
dirigismo vai mais além, devendo ser compreendido a luz do direito da União
Européia, regido pelo Tratado de Lisboa.

A Constitucionalização Simbólica: tem como principal doutrinador o


Professor Marcelo Neves, em sua obra “A Constitucionalização Simbólica”. Para ele, a
atividade legislativa, inclusive a constituinte, pode possuir uma natureza
eminentemente simbólica, visando atender objetivos políticos diversos da produção
de normas jurídicas, dando origem a uma legislação simbólica ou a uma constituição
simbólica. Portanto, aquilo que se lê como norma constitucional escrita pode ser mero
símbolo. A verdadeira intenção do legislador pode ter sido outra, que não a produção
da norma. Para ele, a legislação simbólica é a produção de textos normativos que
serve, principalmente, para finalidades políticas e não para finalidades jurídico-
normativas. De certa forma, o entendimento do professor Marcelo Neves se aproxima
do que defende o Ministro Luís Roberto Barroso, que trata do fenômeno da
“insinceridade normativa”. Para o professor Marcelo Neves, há diversos objetivos
para a legislação simbólica, quais sejam: a) confirmar determinados valores sociais de
grupos específicos, no sentindo de confirmar o que esses grupos defendem, obtendo
uma “vitória legislativa”, de maneira a provar uma “superioridade social” através de
uma vitória-símbolo, sendo a eficácia normativa secundária (ex.: criminalização do
aborto na Alemanha); b) fortalecer a confiança do cidadão no Governo ou no Estado.
Seria uma espécie de “legislação álibi”, por meio da qual o legislador “esvazia”
determinadas pressões políticas, apresentando o Estado enquanto “sensível” as
exigências e expectativas dos cidadãos e da sociedade, mas sem efetividade alguma,
como forma de manipulação ou de ilusão (ex.: cartas de direitos fundamentais em
Estados ditatoriais); c) adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos
dilatórios. É a previsão pela assembleia constituinte de normas programáticas/abertas,
de maneira a postergar a solução do tema para o futuro (ex.: a reforma agrária será
efetuada na forma da lei).

Pós-positivismo: significa, antes de mais nada, algo que veio depois do


positivismo. Este entrou em declínio, dentre outros motivos, pelo fato de o direito ter
sido utilizado pelos nazistas para impor a negação da universalidade dos direitos do
homem e da igualdade entre todas as pessoas. O Nazismo apregoava a superioridade
de determinadas raças humanas sobre as demais. Esse entendimento, de certa forma,
foi apoiado por determinadas normas jurídicas. Porém, repise-se que não se pode
afirmar, por conta disso, que o Nazismo foi positivista. De todo modo, o positivismo
entrou em declínio no pós segunda guerra mundial, uma vez que a ideia de
neutralidade científica não mais conseguia se justificar. A legitimidade do direito não
poderia mais ser fundamentada pelo respeito ao procedimento estabelecido na
constituição. Agora, esta deveria ser buscada a luz de valores morais.

Nessa busca por novas concepções, algumas ideias jusnaturalistas


apareceram. Mas, como detinham fundamentos metafísicos e religiosos, não
prosperaram, o que deu ensejo ao surgimento de várias doutrinas que buscavam
alternativas ao positivismo. A esse conjunto de doutrinas se deu o nome de pós-
positivismo.

Embora de difícil conceituação, é possível estabelecer algumas


características dessa nova concepção, quais sejam: a) surgiu após a segunda guerra
mundial; b) prega a reconstrução da relação entre o Direito e a Moral: não se nega que
o Direito e Moral tenham objetos próprios, mas se defende que essas categorias devem
estar inter-relacionadas; c) há rejeição ao formalismo legalista e ao positivismo puro; e
d) a argumentação jurídica é aberta, dotando o intérprete de discricionariedade.

3. Classificação das Constituições

3.1 Clássica

A primeira divisão é a denominada “clássica”. Nela, há a constituição em


sentido material e a constituição em sentido formal.

A primeira é o conjunto de normas escritas ou costumeiras que tratam dos


fundamentos do Estado e da organização da sociedade. Podem estar escritas ou não.
O que importa é que diga respeito a matéria estritamente constitucional, que sempre
existiu, antes mesmo do advento da constituição escrita.

A segunda é conjunto de normas escritas contidas em um documento


constitucional formal, de natureza jurídica, digam ou não respeito essas normas a
matéria constitucional.

3.2 Quanto à Forma

Outra classificação é aquela quanto à forma. Aqui, pode-se falar em


constituição escrita (dogmática, instrumental) e constituição não escrita (costumeira,
consuetudinária, histórica).

A constituição escrita pode ser divida em:

a) Codificada (reduzida, unitária, orgânica) – contida em um único texto; e

b) Não codificada (legal, variada, inorgânica) – contida em mais de um


texto.

A nossa constituição é constituição escrita que tem origem


unitária/codificada. Entretanto, ela passa por um processo de descodificação, pois
hoje é possível se encontrar normas escritas, de natureza constitucional, que estão
fora do catálogo principal e unitário da origem da constituição. Exemplos: I. Tratados
internacionais de direitos humanos aprovados na forma do art. 5º, §3º, equivalentes as
emendas – Convenção internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e
seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007; II.
Normas elaboradas pelo poder de reforma que não se integram ao texto principal da
CF/88, permanecendo no bojo das emendas de forma autônoma – EC 32/2001: “Art. 2º
As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda
continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou
até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

Além disso, importante ressaltar que na constituição escrita é possível


encontrar elementos não escritos, não sendo a classificação plenamente absoluta. Por
exemplo: “Art. 5º. [...] §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

O contrário também é verdadeiro, podendo-se encontrar em constituição


não escrita alguns elementos escritos. A propósito, vejam-se os elementos da
Constituição Inglesa:

I. Statute Law – Estatutos, leis escritas do Parlamento, sobre matéria


constitucional;

II. Decisões judiciais que incorporam costumes (common law), inclusive o


parlamentar (parliamentary custom), ou que interpretam leis do parlamento (cases law).

III. Convenções constitucionais (constitutional conventions) – acordos


parlamentares políticos não-escritos, que cuidam de matéria constitucional. São
obrigatórios, tradicionais e sua alteração é muito difícil. Não há possibilidade de
controle judicial; e

IV. Tratados internacionais incorporados;

Desse modo, há uma série de documentos escritos em uma constituição não


escrita.

3.3 Quanto à Origem ou positivação

Uma outra classificação é aquela que leva em conta a origem ou


positivação. Nela, a constituição pode ser: a) democrática (promulgada, popular); b)
não democrática (outorgada, imposta); c) cesarista (plebiscitária); e d) pactuada
(contratual).

A primeira é aquela fruto de uma assembleia constituinte, eleita pelo


povo. Ao final dessa assembleia, há o ato de promulgação da Constituição. Exemplos:
constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.

A segunda é aquela fruto de um ato de força, impostas pelo detentor do


poder, chamada de “cartas constitucionais”. Exemplos: constituições brasileiras de
1824, 1937, 1967 e 1969.

A terceira espécie diz respeito aquela formada por plebiscito popular


sobre um projeto elaborado por um imperador (ex.: Napoleão) ou por um ditador
(ex.: Pinochet). A peculiaridade desse tipo de constituição é o fato dessa participação
popular não ser verdadeira, mas apenas formal, visando a ratificar a vontade do
detentor do poder. Nada mais é do que um tipo especial de outorga, que inclui uma
formalidade: a realização de consulta popular, independentemente de seu resultado.
Essa consulta popular, entretanto, tecnicamente, não se trata de plebiscito, mas de
referendo, feita posteriormente a elaboração do texto que se quer aprovar.

A última diz respeito àquela que exprime um compromisso estável entre


duas forças políticas rivais. Ex.: constituição francesa de 1871. Alguns autores citam a
magna carta como exemplo de constituição pactuada. Entretanto, isso não é correto,
dado que a magna carta não foi constituição, mas um pacto medieval.

3.4 Quanto à estabilidade (alterabilidade, mutabilidade, consistência)

É possível se classificar as constituições, também, quanto à estabilidade (ou


alterabilidade, ou mutabilidade, ou consistência). Nesta classificação, a constituição
pode ser: a) rígida; b) flexível; c) semirrígida; d) transitoriamente flexível; e) fixa; f)
imutável; e g) super-rígida.

O autor que primeiro fez essa classificação foi James Bryce, na obra
“Constituições Flexíveis e Constituições Rígidas” (1901). Ele percebeu que a distinção
entre constituição escrita e não-escrita era insuficiente. No Brasil, a obra mais
expressiva sobre o tema é de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, denominada “a
Teoria das Constituições Rígidas” (1934).

A Constituição Rígida (todas as brasileiras, exceto a de 1824) é aquela


cuja alteração formal ocorre por um processo distinto e mais difícil do que o
processo de elaboração da lei comum. Na CF/88, o art. 60, §2º, estabelece que a
proposta de emenda será discutida e votada em cada casa do congresso nacional, em
dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos
dos respectivos membros.

A Constituição Flexível é aquela cuja alteração ocorre pelo mesmo


processo da elaboração da lei comum, não havendo distinção entre natureza jurídica
de emenda e de lei comum. Exemplos: Constituição Inglesa (não escrita) – Soberania
do Parlamento (Statute Law); Estatuto do Império da Itália de 1848; e Constituição
Soviética de 1924. Nessa, a ideia de soberania da constituição sofre um abalo, dado que
desaparece a hierarquia entre a constituição e a lei comum. Esta constituição flexível é
chamada por Pinto Ferreira de “constituição plástica”. Essa denominação, entretanto,
para o professor Raul Machado Horta significa aquela que necessita de uma grande
regulamentação pelo legislador ordinário.

A Constituição Semirrígida tem como exemplo a Constituição Imperial


de 1824, em que parte dela é rígida e parte é flexível. A propósito, veja-se o seguinte
dispositivo: “Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições
respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos e individuais dos cidadãos.
Tudo o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas,
pelas legislaturas ordinárias”.
Outra espécie de constituição é a transitoriamente flexível. É aquela
flexível por algum tempo, transitoriamente. Findo esse período, ela se torna rígida.
Esse é o conceito de Uadi Lâmego Bulos. Exemplo: Constituição de Baden de 1947 e a
da Irlanda de 1937, flexíveis durante os três primeiros anos de vigência.

Já a constituição fixa (silenciosa), é aquela que nada prevê sobre sua


mudança formal, sendo alterável somente pelo próprio poder originário. É
concepção do professor Kildare Gonçalves. Pode-se citar como exemplos o Estatuto do
Reino de Sardenha, de 1848, e a Carta Espanhola de 1876.

Por sua vez, a constituição imutável (permanente, granítica ou intocável)


é aquela que se pretende eterna, fundando-se na crença de que não haveria órgão
competente para proceder à sua reforma. Pode estar relacionada a fundamentos
religiosos. Os exemplos são os mesmos da Constituição fixa. Inclusive, há quem diga
que não há diferença fundamental entre ambas.

Por fim, há a constituição super-rígida. Segundo essa classificação, trazida


pelo professor Alexandre de Moraes, a Constituição super-rígida seria a constituição
rígida que possui um núcleo (as cláusulas pétreas). Essa classificação traz algumas
dificuldades. É que, em verdade, apenas o núcleo de cláusulas pétreas é super rígido
e não a constituição em si. Do mesmo modo, essa concepção parte de uma constituição
rígida, que pode ter, ou não, um núcleo de cláusulas pétreas. Os demais autores não
dão muita atenção a essa classificação.

3.5 Quanto à Dogmática

Outra classificação é aquela quanto à dogmática (Pinto Ferreira). Para ele, à


luz dessa classificação, a constituição pode ser ortodoxa ou eclética.

A primeira é aquela influenciada por uma única ideologia, a exemplo do


que se deu com a Constituição Soviética de 1977.

Já a Constituição Eclética (compromissória) é aquela influenciada por


várias ideologias, normalmente em uma linha conciliatória, de compromisso entre
várias forças políticas, como a CF/88.

3.6 Quanto à extensão

Quanto à extensão, a constituição pode ser concisa (breve, sumária, sucinta,


básica, sintética) ou prolixa (analítica, longa, volumosa, inchada, ampla, extensa,
desenvolvida, larga, expansiva).

A primeira trata somente dos princípios fundamentais e da estrutura do


Estado, não descendo a minúcias. É mais estável. Ex: Constituição norte-americana de
1787 e a Constituição brasileira de 1981 (Pinto Ferreira).

A segunda é aquela que veicula muitos temas e entra em detalhes que


poderiam ser tratados por leis comuns, ordinárias. Normalmente necessita de
mudanças muito rapidamente. Ex: CF/88.
Para alguns autores, a constituição prolixa tende a se transformar em uma
constituição total, isto é, aquela que domina todos os aspectos do Estado e da vida
social, onipresente.

Na verdade, por trás dessa classificação, existe a classificação quanto a


finalidade que se deseja alcançar. Nesse sentido, a constituição pode ser garantia
(negativa, abstencionista), que busca apenas garantir a liberdade e limitar o poder
(ex: EUA de 1787), dirigente (analítica, programática), que estabelece um projeto de
Estado para o futuro (ex: CF/88 – demanda a prolixidade) e balanço, que descreve e
registra a organização política atual, estabelecida (ex: constituições soviéticas).

3.7 Classificação ontológica

A classificação ontológica, do professor Karl Loewenstein, busca o ser, a


essência do que é a constituição na prática, e não apenas no texto constitucional. Ela
toma como base a relação existente entre o texto e a realidade social. Nesse âmbito, a
constituição pode ser normativa, nominal (nominalista) ou semântica.

A primeira é aquela na qual encontramos uma adequação entre o texto


constitucional e a realidade político-social. A constituição domina o processo político;
os detentores e os destinatários do poder respeitam a constituição.

A segunda é aquela cuja não há uma adequação entre o texto


constitucional e a realidade político-social. Ao contrário, há um descompasso entre
texto e realidade. Esta não reflete o texto constitucional. Entretanto, há uma vontade de
concretizar a constituição. É o processo político que não se adapta a constituição.
Muitas vezes, o que ocorre é que se trata de constituição prematura, que se deseja que
se torne real, mas que não há condição de transformá-la em realidade. O que sobra é o
caráter educacional, pedagógico.

A terceira espécie é aquela que está a serviço das classes dominantes. É


aquela que “trai” o verdadeiro significado da constituição. É aquela que legitima
práticas autoritárias do poder. É por isso que o professor Marcelo Neves afirma que
essa constituição pode ser denominada “instrumentalista”. Para alguns autores, a
constituição de 1937 era semântica.

Nesse contexto, alguns autores utilizam a expressão constitucionalismo


semântico. Este seria aquele marcado por constituições semânticas, surgidas entre o
século XIX e XX, que serviram para legitimar os poderes autoritários.

A luz dessa classificação, a maioria dos autores entende que a Constituição


Federal de 1988 é normativa ou nominal. As bancas de concurso também não são
unânimes. Em 2011, no concurso da DPE Amazonas, o Instituto Cidades considerou a
CF/88 como sendo normativa.

AULA 3
Quanto ao sistema, a constituição pode ser principiológica, na qual
predominam princípios, e preceitual, na qual predominam as regras.

Quanto à função, a constituição pode ser provisória (pré-constituição,


constituição revolucionária, transitória) ou definitiva (de duração indefinida). A
primeira é aquela temporária até que venha a constituição definitiva. Após a
proclamação da República, em 1890, foi editada uma constituição provisória. Essa
constituição foi editada pelo Decreto 510, de 22 de junho de 1890. Portanto, antes da
primeira constituição republicana, de 1891, tivemos uma constituição provisória.

Quanto à origem da sua adoção, a constituição pode ser autônoma


(autoconstituição), adotadas por força unicamente da vontade do próprio Estado, e
heterônoma (heteroconstituição ou “constituições dadas”), adotada sob a influência
também da vontade de outros Estados ou de organismos internacionais, em
conjugação de vontades, por negociação ou imposição (Ex.: as primeiras constituições
do Canadá, da Austrália e da Nova Zelândia, as quais foram aprovadas pelo
parlamento inglês). Para alguns autores, essa última modalidade de constituição
excepciona a Teoria Geral Clássica do poder constituinte originário, dado que uma das
características desse poder é o fato de ser ilimitado. Do mesmo modo, sendo o poder
constituinte aquele que pertence ao povo ou a nação de um determinado Estado de se
dar a constituição, também é excepcional a vontade de outro Estado que é
determinante para a formação da constituição.

Quanto ao papel desempenhado, a constituição pode ser a) constituição-


lei; b) constituição-fundamento (constituição total); e c) constituição-moldura.

A primeira é aquela que está no mesmo nível hierárquico das demais


normas. Não há, neste caso, uma supremacia da constituição em relação às demais. À
rigor, nesse caso, a constituição não vincula o legislador. Na prática, nada mais é do
que uma constituição flexível, que pode ser modificada pela legislação ordinária
comum, sem a exigência de um procedimento legislativo diferenciado.

A segunda é a aquela caracterizada por ser a lei fundamental de um


Estado e da vida social deste Estado e por dominar esse Estado e essa sociedade em
todos os seus aspectos. Nesse caso, o legislador tem o seu espaço de atuação
extremamente reduzido pela constituição. O domínio do processo político, jurídico e
social é da constituição.

A terceira é um meio termo entre as duas primeiras. É aquela que serve


como um limite ao legislador, traçando nitidamente os contornos da sua atuação.
Caberá à jurisdição constitucional controlar a atividade do legislador.

Além disso, a Constituição em branco é aquela que não veicula limitações


explícitas ao poder de reforma, que fará as suas próprias regras de atuação.

4. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO
Normalmente, nessa matéria, é tomada como parâmetro a doutrina de José
Afonso da Silva. Para ele, a constituição pode ter os seguintes elementos:

a) Orgânicos: são as normas da constituição que regulam a estrutura do


Estado e a estrutura do Poder. Citem-se, como exemplos, o Título III da Constituição,
que cuida da organização do Estado, e o Título IV, que trata da organização dos
poderes e do sistema de governo.

b) Limitativos: são as normas da constituição que limitam a ação dos


poderes estatais em nome do Estado de Direito. Citem-se, como exemplos, o elenco
dos direitos e garantias fundamentais.

c) Sócio-ideológicos: são as normas que tratam do equilíbrio ou


compromisso entre o estado liberal-individualista e o estado social. São, por
exemplo, os “Direitos Sociais”, a “Ordem Econômica Financeira” e a “Ordem Social”.

d) De estabilização: são as normas que visam a solucionar conflitos


constitucionais, defendendo a constituição e as instituições democráticas. Como
exemplo, cite-se tudo aquilo que diz respeito à jurisdição constitucional (ações de
controle abstrato de constitucionalidade) e as normas referentes a intervenção federal.

e) Formais de aplicabilidade: são dispositivos que estabelecem regras de


aplicação da constituição. Ex.: art. 5º, §1º, da CF/88 “as normas definidoras dos direitos
e garantias fundamentais têm aplicação imediata”; preâmbulo; ADCT.

5. ESTRUTURA DA CONSTITUIÇÃO

Normalmente a Constituição é estruturada em três partes: a) preâmbulo; b)


parte dogmática; e c) disposições transitórias.

A) PREAMBULO

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional


Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL”.

A menção a proteção divina contradiz a liberdade de crença e a laicidade


do Estado? O preambulo pode ser a fonte única de declaração de inconstitucionalidade
de uma lei ou de um ato normativo? O preâmbulo possui eficácia normativa?

Na parte dogmática da CF/88, consta a liberdade de crença e a laicidade do


Estado. Aparentemente, o preâmbulo fez uma opção por uma ideia de crença
monoteísta. Na verdade, toda essa discussão diz respeito a natureza jurídica do
preâmbulo. Existem duas correntes sobre a natureza jurídica do preâmbulo. Uma
afirma que o preâmbulo é norma e a outra afirma que não.

Essas duas correntes estão expostas em um trecho de um voto do ministro


Celso de Mello, na decisão monocrática no (MS 24645 MC, 08/09/2003):

“Como se sabe, há aqueles que vislumbram, no preâmbulo das


Constituições, valor normativo e força cogente, ao lado dos que apenas reconhecem, no
texto preambular, o caráter de simples proclamação, que, embora revestida de
significado doutrinário e impregnada de índole político-ideológica, apresenta-se, no
entanto, destituída de normatividade e cogência, configurando, em função dos
elementos que compõem o seu conteúdo, mero vetor interpretativo, do que se acha
inscrito no ‘corpus’ da Lei Fundamental”.

No brasil, a doutrina e jurisprudência majoritárias aplicam a segunda


corrente. O STF, inclusive, decidiu o seguinte:

“Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da


proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição
estadual, não tendo força normativa” (STF, ADI por omissão 2076, j. em 15/08/2002).

Na verdade, essa discussão, entre nós, perde a relevância, uma vez que
quase tudo o que encontramos no preâmbulo consta na parte dogmática da
constituição federal, somente esta possuindo caráter de norma. A única menção no
preambulo não consta na parte dogmática é a referência a proteção de Deus, sendo
permitida a liberdade religiosa.

Na verdade, então, não há incompatibilidade ou confronto entre o


preambulo e a liberdade de crença e laicidade do Estado. Isso pois estas últimas
possuem conteúdo normativo, ao passo que o preâmbulo não, é simples mensagem ou
proclamação do exercente do poder constituinte.

O preâmbulo, apesar de não ter conteúdo normativo, é um dos elementos


formais de aplicabilidade. Ou melhor, é uma das disposições que estabelecem regras
de aplicação da constituição, ou seja, é guia de interpretação das normas da
constituição.

“Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei (no caso, a LEP)


é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade
da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais:
Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e
construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I e III do art. 3º). Tudo na
perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo de nossa
Constituição caracteriza como ‘fraterna’”. (HC 94163, Relator Min. Carlos Britto,
Primeira Turma, j. de 02/12/2008).

Questiona-se: pode, o preâmbulo, ser objeto de emenda constitucional?


Não há razão lógica ou jurídica para se alterar o preâmbulo, vez que ele é mera
comunicação do constituinte ao povo, à época de sua realização, bem como ele não é
norma, ao contrário da emenda.

B) PARTE DOGMÁTICA

É composta pelos arts. 1º a 250 da CF/88. Estes, sim, são normas e servem
de parâmetro para o controle de constitucionalidade das normas infraconstitucionais. É
o texto normativo básico da constituição, cujos dispositivos possuem uma presunção
de permanência. Esta última pode ser absoluta, no caso das cláusulas pétreas, ou
relativa, que diz respeito ao restante da parte dogmática, nas quais são permitidas
alterações por meio de emendas constitucionais.

Entretanto, a parte dogmática não esgota a possibilidade de normas escritas


constitucionais, porque se pode encontrar textos escritos constitucionais fora da parte
dogmática, a exemplo dos tratados de direitos humanos internacionalizados na forma
do art. 5º, §3º, da CF/88, e do texto das emendas não incorporadas.

C) DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

São normas que tem natureza temporária ou transitória e que objetivam


regular a transição entre uma realidade existente e uma realidade projetada pela
Constituição. Tais normas também podem servir de paradigma superior do controle de
constitucionalidade, ensejado a declaração de inconstitucionalidade de leis ordinárias
ou complementares.

Entre as disposições constitucionais transitórias, pode-se encontrar normas


de eficácia plena, contida ou limitada. O que particulariza uma norma transitória é o
fato de, após cumprir a sua finalidade, perder a sua eficácia, mesmo que não tenha sido
formalmente revogada. É por essa razão que diz respeito a disposição transitória.
Cumprido o seu objetivo, a norma se torna de eficácia exaurida.

Exemplo:

“Art. 4º. O mandato do atual Presidente da República terminará em 15 de


março de 1990”.

As normas transitórias podem ser modificadas por meio de emendas à


Constituição. O STF tratou desse tema na ADI 830. Essas podem ser declaradas
inconstitucionais pelo Poder Judiciário.

Pode-se encontrar normas transitórias de forma autônoma nas emendas


constitucionais, ou seja, fora do ADCT.

Tudo o que está no ADCT realmente é somente transitório? É possível


encontrar no ADCT algo de natureza permanente?

Nos parece que sim. Veja-se o art. 68 do ADCT:


“Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos”.

PODER CONSTITUINTE

Para o professor J. J. Gomes Canotilho, o poder constituinte deve ser


compreendido como um conceito limite do direito constitucional. Isso pois está no
limite ou na fronteira do direito constitucional com a política. É o poder de juridicizar o
político, de tornar aquilo que é decisão política uma norma jurídica da mais elevada
hierarquia dentro do sistema normativo.

O professor José Afonso da Silva entende o poder constituinte como a mais


alta expressão do poder político, definindo-o como o poder que cabe ao povo de dar-se
uma constituição. Ele estabelece os fundamentos de organização de uma determinada
sociedade através da adoção de uma constituição.

O poder constituinte, então, pode ser conceituado como o poder capaz de


estruturar e organizar o Estado por meio de uma constituição, definindo seus
princípios regentes e os direitos fundamentais dos cidadãos, estipulando poderes e
limites estatais, e fixando a competência das entidades, órgãos e instituições que o
compõem.

A ideia de constituição formal em sentido moderno é fruto do


constitucionalismo. A ideia de existência de um poder constituinte também é fruto do
constitucionalismo.

Sistematização teórica do poder constituinte:

Abade Emmanuel Joseph Sieyès – “O que é o Terceiro Estado?”, “A


constituinte burguesa”, 1788.

Distinção entre: Poder constituinte (da Nação) e Poderes constituídos


(derivam do poder constituinte).

No final do século XVIII, a França era governada pelo rei Luis XVI, que
enfrentava uma grave crise econômica, orçamentária e social. Vigorava, na sociedade
francesa, um regime estamental. Esse sistema (antigo regime) dividia a sociedade
francesa em três estamentos: o clero, a nobreza e o restante da população. Além disso,
davam alguns destes estamentos determinados privilégios em termos jurídicos. Não
havia igualdade formal. Um desses privilégios consistia no não pagamento de
impostos.

Nesse conjunto de fatos, o rei Luís XVI chegou a tentar tributar o clero e a
nobreza, sem sucesso. Em 1788 ele convocou um órgão de nominado “assembléia dos
estados gerais do reino” para discutir a situação geral da França e debater medidas
para solucionar os problemas enfrentados, convocando os franceses a apresentarem as
ideias que desejam por escrito.
O texto de Sieyès discutia, dentre outras matérias, como deveria ser a
reunião da assembleia dos estados gerais do reino. Essa havia sido criada no século
XIV, em 1302, pelo rei Filipe IV. Era um órgão consultivo do rei, formado por 3 estados
gerais do reino e cada estado tinha correspondência em um dos estamentos da
sociedade francesa: a) o primeiro estado, composto pelo clero; b) o segundo estado,
composto pela nobreza e c) o terceiro estado, composto pelos restantes. Cada um
desses estados tinha direito a um voto.

Sieyès, então, propõe que o seguinte: a) que os representantes do terceiro


estado sejam escolhidos somente entre cidadãos que, efetivamente, pertencessem ao
terceiro estado; b) que houvesse igualdade entre o número de representantes do
terceiro estado e a soma do número de representantes dos estados privilegiados; c) que
fosse adotado o voto por cabeça – unipessoal – ao invés do voto por estado. Entretanto,
seria possível que tais medidas fossem implementadas? E por quem?

O autor, então, defende que tais medidas podem ser implementadas por
uma “força” capaz de constituir a França de determinada maneira; entretanto, a nação
não seria escrava dessa força, detendo o poder de alterar essa constituição do estado
Francês. Mas isso não poderia ser feito por aqueles que cotidianamente exercem o
poder político na sociedade. Ele defende, então, a criação de uma assembléia nacional
constituinte para fundar um novo contrato social na frança, distinguindo a “Lei
Fundamental”, ou seja, a constituição enquanto expressão do direito natural e fruto do
poder constituinte, das “demais leis” derivadas do poder constituído. Veja-se a
primeira menção expressa ao “Poder Constituinte”:

“A nação existe antes de tudo, ela é origem de tudo. Sua


vontade é sempre legal, é a própria lei. Antes dela e acima dela
só existe o direito natural. [...] Em cada parte, a Constituição
não é obra do poder constituído, mas do poder constituinte”.

A maioria da doutrina afirma que não há identidade entre “nação” e


“povo”. No brasil, o professor Manuel Gonçalves Ferreira Filho, expõe qual seria a
distinção entre esses dois termos para Sieyès. Diz ele que “povo” diz respeito ao
conjunto de homens que compõem a nação em um determinado momento. Já “nação”
seria conceito que envolve a permanência de uma comunidade. Os interesses
momentâneos do povo, inclusive, podem colidir com os interesses permanentes da
nação.

Em 4 de agosto de 1789 a assembléia nacional constituinte edita um decreto


abolindo os antigos privilégios feudais do clero e da nobreza, afirmando a igualdade
tributária para todos. 22 dias depois essa assembléia edita um novo decreto
promulgado a declaração dos direitos do homem e do cidadão. Como o rei não aceita
esses decretos, acaba por contribuir com o entendimento de que o titular do poder
constituinte é a nação e não o rei, que detém uma autoridade anterior ao direito
positivo e ao próprio rei.
Antes da obra de Sieyès, no constitucionalismo inglês encontramos
contribuição importante de John Locke como influência a esse pensamento. J. J. Gomes
Canotilho afirma, inclusive, que embora a expressão “poder constituinte” não seja
expressamente mencionada na obra de Locke, a sua doutrina fala em “poder supremo”
e alguns pressupostos teóricos desse pensamento, tratados na obra “dois tratados sobre
o governo”, podem ser identificados com as ideias que levam ao poder constituinte de
Sieyès.

São os seguintes: a) o poder supremo é conferido à sociedade ou


comunidade e não a qualquer soberano; b) por meio do contrato social o povo confere
ao legislador poderes limitados e específicos, nunca arbitrários; e c) só o corpo político
reunido no povo pode estabelecer a constituição política da sociedade.

Qual é a natureza jurídica do poder constituinte?

Quanto a natureza jurídica do poder constituinte, temos duas correntes


principais: a) a que afirma se tratar de Poder de direito (Tomás de Aquino, corrente
jusnaturalista); ou b) a que afirma se tratar de Poder de fato (Kelsen, corrente
juspositivista).

Para os jusnaturalistas, o poder constituinte tem como fundamento um


outro direito, que o antecede: o direito natural. É por essa razão que se trata de poder
de direito, ou seja, se funda em algo jurídico, no direito natural.

Para os juspositivistas, o poder constituinte é histórico e não jurídico. Nessa


linha, é uma força fática que não se funda em nenhuma norma jurídica anterior e
superior a ele. Aqui, ele é pré-jurídico, antecedendo o direito, ou melhor, inaugurando
o direito.

A corrente adotada no Brasil é mais aproximada da juspositivista. A partir


da segunda metade do século XX, com o pós-positivismo, ganha força a ideia de que o
fundamento do poder constituinte é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da
CF/88).

Os atores do poder constituinte são: a) titular do poder constituinte, que


não o exerce diretamente; e b) exercente do poder constituinte: eleito (assembleia
constituinte) ou não eleito.

Há várias teorias sobre a titularidade do poder constituinte. A teoria


adotada pela CF/88 é a da soberania popular, em que o povo é titular do poder
constituinte. Observe-se:

“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de


representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição”.

Entretanto, necessário é conceituar o que significa esse termo. “Povo” é


uma palavra plurívoca. Há quem diga que povo significa o conjunto de cidadãos.
Entretanto, o professor Canotilho menciona a ideia de “povo real”, ou de comunidade
aberta de sujeitos constituintes que entre si contratualizam, pactuam e consentem o
modo de governo e da sociedade e tem o poder de dispor e conformar a ordem política
e social por meio de uma constituição. O mesmo autor conceitua povo como

“uma pluralidade de forças cultuirais, sociais e políticas, tais


como partidos, grupos, igrejas, associações, personalidades,
decisivamente influenciadoras da formação de opiniões, de
vontades, de correntes ou de sensibilidades polítias nos
momentos preconstituintes e nos procedimentos constituintes”.

O exercente do poder constituinte, por sua vez, é exercido por


determinados agentes, porquanto não é possível reunir o povo em um único lugar. São
espécies de exercentes:

- Eleito:

-Assembléia nacional constituinte:

- Soberana (não limitada por plebiscito ou referendo); e

- Não soberana (limitada por plebiscito ou referendo).

Não eleito:

- Ditador;

- Líder Revolucionário;

- Comissão de “notáveis”; etc.

O preâmbulo, inclusive, é uma mensagem do exercente ao titular do poder


constituinte.

Importante estudarmos, ainda, as espécies de poder constituinte.

Em primeiro lugar, divide-se o poder constituinte em Originário (inicial,


inaugural) e Derivado (secundário), que se subdivide em Reformador e Decorrente.

O primeiro é aquele que dá origem a uma nova constituição, ao passo em


que o segundo é aquele que altera/modifica/reforma essa constituição ou aquele com
base no qual as constituição estaduais são adotadas.

Em termos de doutrina moderna, a divisão clássica se encontra superada.


Tais autores sustentam que o poder constituinte é um só, não havendo que se dividir
em originário e derivado. Isso pois o poder constituinte é aquele poder capaz de fazer a
constituição, que é sempre o poder originário. A partir dele temos outros poderes que
são necessariamente constituídos e não constituintes. É por essa razão que a expressão
“poder constituinte originário” é redundante e a expressão “poder constituinte
derivado” é contraditória. Para o pensamento moderno, esse poder é aquele que
coexiste com outro poder, o “poder desconstituinte”, enquanto duas faces da mesma
moeda. Esse último é o poder de desconstituir toda a ordem jurídica precedente.

Atualmente, essa é a classificação adotada:

- Poder Constituinte <-> Poder Desconstituinte;

- Poderes Constituídos:

- Por emenda;

- Por revisão; e

- Por tratados internacionais de DHs.

- Poder Decorrente; e

- Outros poderes (PL, PE, PJ, MP, etc).

Por sua vez, o poder constituinte possui outras duas classificações


possíveis:

A)

- Poder Constituinte Material (poder de decidir); e

- Poder Constituinte Formal (poder de formalizar, de escrever).

Obs.: o poder material precede o formal.

B)

- Poder Fundacional (histórico): se manifesta no momento da fundação do


estado, quando da primeira constituição. Aqui, o poder constituinte vem antes do
Estado. É o poder constituinte que funda o Estado; e

- Poder Reconstituinte (revolucionário): aquele que reconstrói o Estado já


existente com uma nova constituição.

Veja-se como o “poder constituinte de reforma” é, na verdade, poder


constituído:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração,


redação, alteração e consolidação das leis”.

Os momentos de ruptura estão ligados as formas de manifestação do poder


constituinte. Não há, na verdade, uma fórmula única de manifestação do poder
constituinte. Isso pode ocorrer de várias maneiras.

Entretanto, podemos identificar na doutrina que essa manifestação do


poder constituinte ocorre nos denominados momentos de ruptura, que, segundo o
professor Canotilho, são momentos excepcionais de elevada consciência política e de
mobilização popular. Tais momentos podem ter como resultado, por exemplo, a
formação de um novo Estado ou a restauração de um Estado.

- Momentos de ruptura

- Ruptura Violenta (belicosa):

- Golpe de Estado: tomada do poder por atores que já estão no


exercício de parte deste poder.

- Revolução: tomada do poder por quem não se encontra no


exercício deste.

- Conservadora: aquela que pretende a manutenção do


status quo ou o retorno à situações já superadas na história
constitucional daquele Estado; e

- Social: pretende transformações graves na estrutura


social na tentativa de ultrapassar um status quo.

- Ruptura pacífica (simbólica, não belicosa): não há violência explícita.

- “Transição Constitucional”.

Em primeiro lugar, o poder constituinte tem uma relação direta com o


direito à revolução, muito debatido no constitucionalismo norte-americano. Esse
direito é o último “bastião” de proteção jurídica de um povo. Este, quando oprimido
pelos exercentes do poder, tem o direito de revolução.

Em segundo lugar, a ruptura que leva a manifestação do poder constituinte


pode estar relacionada a um “hiato constitucional”. Essa expressão aparece na obra do
professor Ivo Dantas. Para ele, a norma constitucional [constituição escrita] deve estar
ajustada a realidade social. Quando esse ajuste não existe, abre-se espaço para a
existência desses hiatos constitucionais. Walber de Moura Agra também trata da
matéria nessa mesma linha, afirmando que este é a discrepância da realidade que
encontramos na constituição e àquela que encontramos na sociedade. Atenção: não se
deve confundir a expressão “hiato constitucional” com “hiato autoritário”. Este último
se refere a um espaço de tempo no qual não há regime democrático vigorando em certa
sociedade.

A manifestação do poder constituinte, normalmente, é dotada de elevado


grau de legitimidade, notadamente quando se trata da adoção de uma nova
constituição. Entretanto, essa mesma manifestação, nada obstante tenha alta carga de
legitimidade, do ponto de vista estritamente jurídico-positivo não é legal, vez que
rompe com o direito posto anterior.

A transição constitucional é uma forma de ruptura não belicosa, de


mudança lenta no regime constitucional. São essas as formas mais conhecidas de
transição:

1) Independência da colônia planejada pela metrópole:

Ex: Grã-Bretanha, através de seu parlamento, fez as constituições


(heteroconstituições):

A) do Canadá de 1867;

B) da Austrália de 1901; e

C) da África do Sul de 1909.

2) Abandono de período ditatorial pela evolução política rumo à


democracia.

A assembléia constituinte que deu origem à Constituição Federal de 1988


foi convocada pela Emenda Constitucional nº. 26/1985 (convoca assembléia nacional
constituinte e dá outras providências):

“AS MESAS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E DO SENADO


FEDERAL, nos termos do art. 49 da Constituição Federal,
promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º Os Membros da Câmara dos Deputados e do Senado


Federal reunir-se-ão, unicameralmente, em Assembléia
Nacional Constituinte, livre e soberana, no dia 1º de fevereiro
de 1987, na sede do Congresso Nacional.

Art. 2º. O Presidente do Supremo Tribunal Federal instalará a


Assembléia Nacional Constituinte e dirigirá a sessão de eleição
do seu Presidente.

Art. 3º A Constituição será promulgada depois da aprovação de


seu texto, em dois turnos de discussão e votação, pela maioria
absoluta dos Membros da Assembléia Nacional Constituinte”.

Há alguns “problemas” com essa emenda constitucional.


Em primeiro lugar, cite-se a seguinte contradição: convocamos assembléia
nacional constituinte por meio de uma emenda a constituição anterior. A emenda é
fruto de um poder de reforma e não de um poder constituinte. Entretanto, a EC 26/85,
apesar de possuir forma de emenda à constituição, tem natureza jurídica diversa, de
ruptura.

Em segundo lugar, cite-se a inexistência de uma assembleia constituinte


exclusiva. Nós optamos por entregar aos poderes constituídos legislativos, também,
poderes constituintes.

Em terceiro lugar, por essa razão, alguns senadores não teriam sido eleitos
depois da EC 26/85. A assembleia nacional constituinte, à época, decidiu que esses
senadores também iriam participar da elaboração da constituição.

Em quarto lugar, geralmente uma assembleia constituinte começa a


trabalhar a partir de um projeto oferecido por uma comissão. Entretanto, isso não
ocorreu.

Características

O poder constituinte tem as seguintes características: a) inicial; b)


autônomo; e c) incondicionado (ilimitado juridicamente).

É inicial pois não há força jurídica acima do poder constituinte. Ele é pré-
jurídico. É autônomo pois não possui ao seu lado nenhuma outra força jurídica de
mesma estatura. É incondicionado pois nenhuma outra força jurídica o limita, já que
não há força jurídica superior ou de mesmo grau.

O STF já se pronunciou sobre o assunto:

“A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder


constituinte (redundantemente chamado ‘originário’) não está
sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material,
seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato
ou suprapositivo”. (STF, ADI 2356, Rel, p/ acórdão Min. Ayres
Britto, j. em 25/11/2010).

Exemplos da ausência de limites jurídicos (CF/88):

“Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os


adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que
estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição
serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes,
não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido
ou percepção de excesso a qualquer título”.

“Art. 18. Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato


legislativo ou administrativo, lavrado a partir da instalação da
Assembléia Nacional Constituinte, que tenha por objeto a
concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso
público, da administração direta ou indireta, inclusive das
fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público”.

“Art. 231. [...] § 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos


jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio
e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração
das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas
existentes, ressalvado relevante interesse público da União,
segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a
nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a
União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas
da ocupação de boa fé”.

AULA 4

Afirmar que o Poder Constituinte não teria nenhum tipo de limite, seja ele
jurídico ou de qualquer outra natureza, significaria afirmar uma onipotência do poder
constituinte. E a ideia de onipotência geralmente é refutada por alguns paradoxos.

No campo religioso, por exemplo, a afirmação de que Deus é onipotente é


refutada pelo “paradoxo da pedra”. O Ministro Carlos Ayres de Britto chama a atenção
para o fato de que nem Deus é onipotente, uma vez que ele não pode deixar de existir.
Dessa forma, o Poder Constituinte também deveria ter limites, ainda que não-jurídicos.
Em resumo: juridicamente, o Poder Constituinte é ilimitado; entretanto, terá limites de
outra natureza.

Nessa linha, o professor J. J. Gomes Canotilho afirma que o Poder


Constituinte não se exerce num “vácuo” histórico-cultural. Isso significa que ele
sempre é exercido em um determinado contexto histórico e cultural de uma
determinada sociedade, que necessariamente implicaria na existência de limites ao
poder constituinte. Assim, embora se afirme que o Poder Constituinte não possuiria
limites jurídicos, ele teria limites metajurídicos, alheios ao direito e diretamente ligados
ao contexto histórico-social.

Quais seriam os limites metajurídicos (suprapositivos) ao Poder


Constituinte “Originário”? Segundo o professor Jorge Miranda, são esses:

1) Limitações Ideológicas: são aquelas que derivam de ideologias, de


crenças, de valores, da opinião pública;

2) Limitações Institucionais: dizem respeito à instituições que estão


arraigadas na sociedade e em sua cultura. Ex.: família, propriedade privada etc; e

3) Limitações Substanciais:
3.1) Transcendentes: são limites que transcendem o direito positivo.
Seria o direito natural, os valores éticos superiores, a consciência jurídica coletiva, os
direitos humanos e todos os direitos conexos à dignidade da pessoa humana;

3.2) Imanentes: dizem respeito a configuração histórica do Estado.


Muitas vezes estão ligados a um momento de ruptura; e

3.3) Heterônomas: derivam do direito internacional;

3.3.1) Gerais: derivam do direito internacional de forma geral,


princípios jus cogens, ou seja, aplicam-se a todos os Estados de maneira coercitiva,
mesmo contra a eventual vontade de alguns. A existência do direito internacional, per
si, já é suficiente para o reconhecimento de determinados princípios ou valores que,
ainda que não escritos em determinado tratado, impõem-se a todos os Estados; e

3.3.2) Especiais: derivam do direito internacional a partir de


uma obrigação assumida expressamente por um Estado em face de outro, de grupos de
Estado ou da comunidade internacional. Ex: tratado internacional, bilateral ou
multilateral.

Essas espécies não são necessariamente herméticas. É possível se deparar


com alguma limitação que seja, ao mesmo tempo, pertencente a mais de uma categoria.

Positivação da Constituição

Positivar a Constituição é introduzir o texto elaborado pelo exercente do


Poder Constituinte no ápice da pirâmide jurídica do direito positivo. Com a
positivação, o projeto se transforma em Constituição ou em norma jurídica.

Ela pode ocorrer por diferentes mecanismos, quais sejam:

1) Outorga: imposta pela força – No Brasil: Constituições de 1824, 1937,


1967* - fórmula especial de outorga: constituição baixada pelo Poder Executivo com a
aprovação do Congresso Nacional –, 1969** - texto apresentado pelo congresso na
forma de ato institucional. Não se tratou de mera emenda, dada a profundidade da
modificação efetuada;

2) Promulgação: último ato de uma assembleia nacional constituinte – No


Brasil: Constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988; e

3) Referendo: consulta popular sobre um texto previamente elaborado pelo


exercente do Poder Constituinte;

3.1) Justo: consulta realizada com ampla liberdade; e

3.2) Injusto (“plebiscito constituinte”, “plebiscitos napoleônicos”): não


há liberdade para a população efetivamente aceitar ou não o texto;

Assim, questiona-se: após a promulgação da Constituição, o Poder


Constituinte “Originário” desaparece?
A resposta é negativa. Ele permanece na sociedade em estado de latência.
Por isso, a natureza do poder constituinte não é temporária, e sim permanente.
Entretanto, ele se revela ou é exercido com maior intensidade no momento
constituinte.

Fenômenos de direito constitucional intertemporal

Quando uma nova constituição é redigida e positivada, esta nova


constituição tem relações com a constituição e a legislação anteriores. Observe-se:

1) Com a Constituição anterior:

a) Desconstitucionalização:

A regra é que a constituição antiga seja integralmente revogada pela nova.

A desconstitucionalização é uma exceção a essa regra: a nova ordem


constitucional recebe disposições da constituição anterior, porém com status de lei
ordinária.

Esse fenômeno não é automático, nem pode ocorrer de forma implícita. É


necessária previsão expressa da nova constituição. Pode ser útil no caso de substituição
de uma constituição longa por uma concisa ou sintética, de maneira a se evitar um
vazio legislativo.

b) Prorrogação (ou “recepção material de normas constitucionais


anteriores”):

Diz respeito a aplicação definitiva ou temporária de normas constitucionais


anteriores. Do mesmo modo que a desconstitucionalização, não é um fenômeno
automático ou implícito, demandando previsão constitucional expressa. Vide
exemplos:

“ADCT. Art. 27, §1º: “Até que se instale o Superior Tribunal de


Justiça, o Supremo Tribunal Federal exercerá as atribuições e
competências definidas na ordem constitucional precedente”.

“ADCT. Art. 34: “O sistema tributário nacional entrará em vigor


a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da
promulgação da Constituição, mantido, até então, o da
Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº. 1, de
1969, e pelas posteriores”.

2) Com a legislação anterior:

a) Recepção e não-recepção:

O primeiro é o fenômeno pelo qual uma nova constituição ou nova emenda


constitucional recebe como válidas as normas infraconstitucionais já existentes que
forem materialmente compatíveis com o novo texto.
Já o segundo é o fenômeno pelo qual as normas infraconstitucionais
anteriores que não forem materialmente compatíveis com o novo texto constitucional
são descartadas ou não recebidas.

De acordo com o STF a não recepção equivale a revogação da norma


infraconstitucional. Assim, não se pode falar em inconstitucionalidade, vez que aquele
ato normativo sequer é recebido pela nova constituição.

A incompatibilidade formal não impede a recepção das leis anteriores. É


por essa razão que possuímos no nosso ordenamento diversos decretos leis ainda em
vigor, nada obstante essa figura tenha, formalmente, deixado de existir com a CF/88.
Veja-se o entendimento do STF acerca da matéria:

“(...) LEGISLAÇÃO ANTERIOR À CF 88. JUÍZO DE RECEPÇÃO DE


NORMAS TRIBUTÁRIAS. COMPATIBILIDADE DE CONTEÚDO. INVIABILIDADE
DO RECONHECIMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
SUPERVENIENTE. O juízo de recepção de normas tributárias pela ordem
constitucional em vigor se dá em razão da compatibilidade de conteúdos,
independentemente da forma normativa exigida. Art. 34, §5º, do ADCT.
Impossibilidade de reconhecer-se a inconstitucionalidade formal superveniente (...)”
(RE 632586 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 17/12/2013)”.

Recepção e não-recepção são fenômenos automáticos ou implícitos,


ocorrendo independentemente de previsão expressa na nova constituição. Não é
necessário que o novo texto traga previsão de cláusula geral de recepção. Entretanto,
não há qualquer problema se isso vier a ocorrer. No constitucionalismo brasileiro, isso
já chegou a ocorrer:

Constituição de 1891. “Art. 83. Continuam em vigor, enquanto não


revogadas, as leis do antigo regime, no que explícita ou implicitamente não for
contrário ao sistema de governo firmado pela Constituição e aos princípios dela
decorrentes”.

Constituição de 1934. “Art. 187. Continuam em vigor, enquanto não


revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariem as disposições desta
Constituição”.

Carta de 1937. “Art. 183. Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as


leis que, explícita ou implicitamente, não contrariem as disposições desta
Constituição”.

Na Constituição de 1988, não há cláusula geral de recepção. Entretanto, há


uma previsão de recepção específica sobre determinada matéria no ADCT. Observe-se:

ADCT. “Art. 34, §5º. Vigente o novo sistema tributário nacional, fica
assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e
com a legislação referida nos §3º e §4º”.
É possível que o novo texto constitucional estipule uma não recepção ou
uma revogação “pró-futuro”. Vide exemplo:

ADCT. “Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da


promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os
dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência
assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I.
Ação Normativa; II. Alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie; (...)”.

Frise-se que esse fenômeno ocorre não só quando da promulgação de nova


constituição, mas também da elaboração de emendas constitucionais. O STF já se
reportou a este tema, vide:

“(...) Emenda constitucional superveniente que reserva à União a


competência legislativa inicialmente atribuída aos estados-membros. Não-recepção da
norma estadual que tratava da matéria”. (ADI 3149, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
Tribunal Pleno, j. em 17/11/2004)”.

b) Repristinação

Por esse fenômeno, uma norma constitucional que não havia sido
recepcionada por uma determinada constituição e que, portanto, havia sido
descartada, se restaura e retorna ao ordenamento por força de nova constituição.

Isso somente pode ocorrer por previsão constitucional expressa.

Portanto, no silêncio da constituição, não há que se falar em leis ordinárias


anteriormente revogadas.

Vacatio Constitutionis

Na maioria dos casos, não há norma tratando da vigência da constituição.


Essa é imediata, ocorrendo a partir da positivação da constituição. Entretanto, é
possível que, por uma norma expressa da própria constituição, haja um período de
vacância no qual a constituição antiga permaneça válida.

A CF/88 não teve período de vacância. No entanto, alguns de seus


dispositivos tiveram sua vigência postergada por determinação constitucional
expressa. Cite-se:

ADCT. “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do


primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até
então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº. 1, de 1969, e
pelas posteriores”.

Poder de Reforma

É o poder de direito destinado a alterar a constituição. Isso significa que é


fundado em norma jurídica constitucional, com o objetivo de modificar a constituição.
Em sendo um poder de direito, previsto constitucionalmente, trata-se de um poder
constituído e não de um poder constituinte.

O poder de reforma tem previsão na redação da constituição francesa de


1793 (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão):

“Art. 28. Um povo tem, sempre, o direito de rever, de reformar e de mudar


a sua Constituição. Uma geração não pode sujeitar as suas leis as gerações futuras”.

Há uma tensão entre a necessidade de manutenção da Constituição,


garantindo-se a sua supremacia, e a de modificação dessa, garantindo-se a atualização.
É preciso, portanto, que o poder de reforma encontre um ponto de equilíbrio entre
essas necessidades, sendo qualquer extremismo perigoso.

O poder de reforma é um mecanismo de abertura constitucional, em que


esta se abre para a possibilidade de mudança. São esses os mecanismos de mudança da
Constituição:

1) Processos Formais:

1.1) Procedimento de Emenda;

1.2) Procedimento de Revisão;

1.3) Aprovação de Tratados de Direitos Humanos*.

2) Processos Informais:

2.1) Mutação: é um processo informal de mudança da Constituição,


provocado pela alteração da tradição, dos costumes, da interpretação doutrinária e,
especialmente, da interpretação judicial da Constituição, notadamente por parte do
STF. Nela, há uma dissociação entre texto e norma, sendo essa resultado da
interpretação do texto. Na mutação, o texto é mantido, ocorrendo uma modificação
apenas no significado ou no sentido das normas extraídas dele. A interpretação judicial
feita pelo STF é um instrumento juridicamente idôneo de mudança informal da
Constituição e um dos mais importantes. O STF já se manifestou sobre o tema:

“A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE


MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. – (...) A
interpretação judicial, se e quando necessário, possui
legitimidade para atualizar a Constituição da República em
relação a ‘novas exigências, necessidades e transformações
resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que
caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a
sociedade contemporânea’” (STF HC 90450, 2ª T., 23/09/2008).

“A Constituição da República se encontra em processo de


elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplica-la”
(STF, ADI 3345, Relator Min. CELSO DE MELLO, Pleno, j. em
25/08/2005).

As bancas de concurso, em geral, consideram que a mutação é uma


forma de expressão do chamado “poder constituinte difuso” (expressão que tem
origem na obra de Georges Bordeau), como poder que fica latente na sociedade e
aparece em determinadas circunstâncias, e não daquilo que a doutrina chama de
“poder constituinte derivado”, no qual se encaixam as alterações formais da
Constituição.

Em provas subjetivas, é interessante mencionar, dentre outros, a


doutrina estrangeira de Georg Jellinek, em sua obra “Reforma e Mutação da
Constituição”, e a doutrina brasileira de Anna Cândida da Cunha Ferraz, em sua obra
“Processos Informais de Mudança da Constituição: mutações constitucionais e
mutações inconstitucionais”.

2.1.1) Constitucional: é utilizada para aquela mutação que


ocorre sem ofensa absoluta a literalidade do texto e ao espírito da constituição. Ex.:
alteração do entendimento sobre o significado da palavra “casa” no texto
constitucional para um mais restrito.

2.1.2) Inconstitucional: é aquela que ocorre pelos denominados


“processos manifestamente inconstitucionais”. Nessas situações, a nova interpretação
ofende a literalidade do texto ou o espírito da Constituição, ou ultrapassa os limites de
forma ou de fundo, ou seja, o conteúdo material estabelecido na Constituição. Ex: “Art.
102. §2º. As decisões definitivas de mérito, proferias pelo Supremo Tribunal Federal,
nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante”.
Reconhecimento, pelo STF, do efeito vinculante no caso de decisões cautelares em sede
de ADI (RECLAMAÇÃO 935).

Essa modalidade de mutação não é desejável. O Ministro Luís


Roberto Barroso deixou isso claro em seu voto no julgamento da Reclamação 4335, ao
afirmar que o processo de mutação constitucional deve “encontrar limites na
textualidade dos dispositivos da Constituição”.

Segundo o professor J. J Gomes Canotilho, a mutação


constitucional deve ter origem em uma alteração normativa endogenética, ou seja, que
leve em consideração elementos internos à Constituição. O referido autor não admite a
mutação como resultado de uma evolução normativa exogenética ou, em outros
termos, pautada por uma interpretação que considera elementos normativos externos
ou valores de fora da constituição. Essa ideia se alinha ao princípio hermenêutico da
proibição da interpretação da Constituição a partir das leis.

Hoje em dia, o caso de mutação mais debatido é a possibilidade


de prisão do depositário infiel. O STF passou a entender que não é mais possível a
prisão do depositário infiel, nada obstante haja disposição expressa no texto
constitucional.

CF/88. “Art. 5º. (...) LXVII – não haverá prisão civil por dívida,
salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação
alimentícia e a do depositário infiel”.

STF. Súmula Vinculante 25: “É ilícita a prisão civil de


depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.

Discute-se na doutrina, portanto, se tratar de mutação


constitucional ou inconstitucional. Prima facie, haveria um choque com a literalidade
textual, o que indicaria se tratar de mutação inconstitucional. Entretanto, a
interpretação atual alarga a liberdade, atendendo ao espírito da Constituição de 1988, o
que indicaria se tratar de mutação constitucional. Assim, não há resposta única para
essa indagação.

Ademais, questiona-se: matérias ligadas a cláusulas pétreas


podem sofrer mutação? Sim. O caso da prisão civil do depositário infiel é um exemplo.

Discute-se, ainda, acerca da possibilidade de o Senado Federal


suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional pelo STF,
nos termos do art. 52, X. Isso serve apenas para o controle difuso de
constitucionalidade, não se aplicando ao controle concentrado e abstrato. O Ministro
Gilmar Mendes propôs que mesmo no controle difuso não se utilizasse mais esse
dispositivo, uma vez que teria ocorrido mutação que teria o tornado inaplicável. Essa
tese não foi aceita pelo Plenário do STF.

Outra discussão acerca da matéria diz respeito ao art. 5º, LVII,


da CF/88, in verbis, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”. A interpretação sobre esse texto permite a execução
provisória da pena?
Inicialmente, o STF entendia que era possível a execução
provisória da pena antes do trânsito em julgado quando já havia condenação em
segunda instância.

Esse entendimento mudou em fevereiro de 2009, quando o STF


julgou o HC 84078, passando a entender que antes do trânsito em julgado da
condenação, a prisão somente poderia ser decretada como medida cautelar, não como
execução provisória da pena, uma vez que esta feriria a presunção de inocência. Essa
mudança representaria uma mutação constitucional.

Em fevereiro de 2016, no julgamento do HC 126292, o STF


alterou novamente o seu entendimento sobre esse dispositivo, voltando a entender que
seria possível a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado desde que
houvesse condenação em segundo grau, não havendo que se falar em violação da
presunção de inocência, porquanto a manutenção da sentença penal pela segunda
instância acabaria com a análise de fatos e provas que teriam dado ensejo a culpa do
condenado, o que autorizaria a execução da pena, até porque os recursos cabíveis não
possuiriam efeito suspensivo. Essa mudança poderia ser entendida como uma
mutação, havendo quem defende se tratar de mutação constitucional e quem defende
dizer respeito a mutação inconstitucional.

Características do Poder de Reforma

1) Derivado: ele não inicia a ordem jurídica, derivando da Constituição;

2) Subordinado: está hierarquicamente subordinado ao Poder Constituinte;

3) Condicionado (limitado): possui limites jurídicos estabelecidos pela


Constituição. A existência de limites ao Poder de Reforma pode levar ao problema do
“Paradoxo da Democracia”, ou seja, como é possível, hoje, estar limitado pelo “poder
do passado”?

A doutrina majoritária entende que a criação, pelo Poder Constituinte, de


limites ao Poder de Reforma não implica nenhuma violação a democracia, pelo
contrário; na verdade, o momento constituinte é diferente do momento reformador.
Aquele é o momento de uma decisão rara do povo, em que há uma ruptura, ao passo
em que essa é o momento da decisão cotidiana dos governantes. Caso haja mudança
sem nenhum limite não se trata de mudança verdadeira, e, sim, de ruptura. Atacar
tudo configuraria, em verdade, desconstituir. Portanto, a imposição de limites não
configura ofensa à democracia, até porque se o povo do presente quiser ultrapassar
esses limites é possível fazê-lo mediante novo poder constituinte. Nessa linha, lembra o
Ministro Carlos Ayres de Britto que a assembleia constituinte é o “momento exclusivo
da sociedade para o Estado”. A reforma seria um dos muitos momentos do Estado para
a sociedade. Além disso, o momento reformador é manifestação do poder constituído,
de direito, razão pela qual está sujeito a limites jurídicos impostos pelo poder
constituinte.
São essas as espécies de limitações ao Poder de Reforma:

1) Temporais: são aquelas ligadas ao fator tempo. Essas limitações podem


servir, por exemplo, para impedir a mudança da Constituição antes de decorrido um
determinado lapso temporal a partir da sua promulgação. Ex: Constituição de 1824.
“Art. 174. Se passados quatro anos depois de jurada a Constituição do Brazil, se
conhecer que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto,
a qual deve ter origem na Câmara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte deles”.

2) Circunstanciais: referem-se a impossibilidade de se alterar a Constituição


quando presentes determinadas circunstâncias fáticas. Ex: durante a intervenção
federal não é possível alterar a Constituição.

3) Formais: referem-se as fórmulas procedimentais que são estabelecidas na


Constituição e que são obrigatórias para a sua modificação. Ex: quórum necessário
para a aprovação de uma emenda, a iniciativa da emenda, quantidade de turnos de
votação necessário etc.

4) Materiais (cláusulas pétreas): impedem que determinadas matérias sejam


determinadas pelo poder de reforma. Essas limitações buscam inibir ou evitar
violações à identidade da constituição ou ao projeto estrutural básico daquela
constituição definido pelo constituinte. Protegem, portanto, o desejo constituinte
primário, ou seja, a própria razão de ser da Constituição.

As cláusulas pétreas podem ser expressas ou implícitas.

Pode-se, através de cláusulas pétreas, impedir que o Poder de Reforma


modifique determinadas matérias ou é possível sempre modificar, em termos
materiais, tudo aquilo que é encontrado na Constituição? O professor Jorge Miranda
expõe as três correntes acerca da legitimidade das cláusulas pétreas:

A) São ilegítimas (o povo sempre tem o direito de mudar);

B) São legítimas e insuperáveis: significaria dizer que o momento de


ruptura é distinto do momento reformador e que o Poder Constituinte pode,
legitimamente, estabelecer cláusulas pétreas, que são insuperáveis, não sendo possível
superá-las sem a ruptura;

C) São legítimas, porém superáveis com base no poder constituinte


evolutivo, através do procedimento de dupla revisão. Autores como Vital Moreira
afirmam que o poder constituinte evolutivo é o poder de modificar as normas
constitucionais que o poder constituinte originário clausulou como intangíveis. No
caso de cláusulas pétreas expressas, o poder constituinte evolutivo manifestar-se-ia
através do processo da dupla revisão. A teoria do poder constituinte evolutivo também
permite a alteração de cláusulas pétreas implícitas, mas isso não se daria pelo processo
da dupla revisão. Ex: procedimento de elaboração de emendas. Entretanto, no texto da
EC 1/69 à CF/67, foi alterado o art. 48, que estabelecia o quórum de elaboração de
emendas.
A dupla revisão consiste na elaboração de uma primeira emenda, de forma
a retirar do rol de cláusulas pétreas aquilo que impediria a mudança, e de uma
segunda emenda de forma a superar o entendimento anterior.

No Brasil, prevalece a segunda corrente.

Se qualquer uma das limitações for violada, tal atitude é passível de


correção pelo controle judicial de Constitucionalidade. Sobre o tema, vide ADI 829, 830
e 833.

Poder de Reforma na Constituição de 1988

A) Procedimento de elaboração de Emendas à Constituição (arts. 59, I, e 60).

A elaboração de emendas é prevista neste dispositivo, veja-se:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração,


redação, alteração e consolidação das leis”.

As emendas à Constituição, portanto, estão dentro do processo legislativo


ou do poder legislativo (poder constituído).

Há quem denomine o conjunto de emendas à constituição de “direito


constitucional secundário”.

Mais especificamente, a elaboração de emendas à constituição está prevista


no art. 60, observe-se:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante


proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos


Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das
unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela
maioria relativa de seus membros”.

Trata-se de limitação formal ao poder de reforma, relacionada a iniciativa


de elaboração de emendas à constituição. Como se observa, não há iniciativa popular
de emendas no texto escrito da Constituição Federal de 1988. Na doutrina, à exemplo
de José Afonso da Silva, há quem entenda ser possível a iniciativa popular de emendas,
aplicando-se por analogia os requisitos da iniciativa popular comum, constantes no art.
61, §2º, uma vez que seria antidemocrático afirmar que o titular do poder – o povo –
não poderia afirmar mudanças na sua Constituição, que é fruto do poder constituinte.
Há alguns Projetos de Emenda à Constituição em tramitação visando a inserir
expressamente essa possibilidade no texto constitucional.

Existe iniciativa privativa de emendas sobre determinadas matérias? Não


há previsão expressa nesse sentido, portanto, não se aplica às emendas, por analogia, o
art. 61, §1º, da CF/88, acerca de determinadas matérias. Esse tema está sendo discutido
no STF na ADI 5017, que traz uma impugnação à EC 73/2013, que cria novos Tribunais
Regionais Federais. Discute-se: a emenda de criação de novos TRFs invadiu a iniciativa
privativa do Poder Judiciário? Ao nosso ver, iniciativa privativa de emendas à
constituição federal não existem e não podem existir. Se assim não se entender, por
exemplo, a reforma do poder judiciário deve ser declarada inconstitucional por inteiro.

Isso se refere somente a Constituição Federal. No que tange às


Constituições Estaduais, o STF entende que emendas devem respeitar a iniciativa
privativa do Governador. Veja-se o seguinte julgado do STF:

“EMENDA CONSTITUCIONAL. ESTADUAL. (...) VÍCIO DE


INICIATIVA. (...) a instituição de requisitos para a nomeação do
Delegado-Chefe da Polícia Civil é matéria de iniciativa
privativa do Poder Executivo (CRFB/1988, art. 61, §1º, II, c e e),
e, desta forma, não pode ser tratada por Emenda
Constitucional de iniciativa parlamentar. Precedentes. 3.
Pedido julgado procedente, para declarar a
inconstitucionalidade formal da EC nº. 86/2013, do Estado de
Rondônia, por vício de iniciativa” (ADI 5075, Rel. Min. Roberto
Barroso, Pleno, j. em 19/08/2015). Vide ainda: (STF, ADI 2966, j.
em 06/04/2005).

Observe que essa iniciativa privativa diz respeito as emendas a constituição


estadual e não ao seu texto originário. Esse não está limitado pela iniciativa privativa
do governador. Vide:

“A regra do Diploma Maior [Constituição Federal] quanto à


iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito
de certas matérias não suplanta o tratamento dessas últimas
pela vez primeira na Carta do próprio Estado” (ADI 2581, Rel.
p/ Acórdão Min. Marco Aurélio, Pleno, j. em 16/08/2007).

Continuando, veja-se o §1º, do art. 60, da CF/88:

“Art. 60 (...)

§1º. A Constituição não poderá ser emendada na vigência de


intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de
sítio”.

Trata-se de limitação circunstancial. Presentes essas circunstâncias fáticas, a


Constituição não poderá ser emendada. Esse parágrafo primeiro demonstra a coragem
da CF/88, uma vez que impede que a Constituição seja modificada ainda que presente
a guerra externa.

E segue:

“Art. 60 (...)

§2º. A proposta será discutida e votada em cada Casa do


Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada
se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos
membros”.

Trata-se de limitação formal relativa ao quórum de aprovação da emenda


constitucional e à necessidade de dois turnos de votação em cada uma das casas do
Congresso Nacional. Ele estabelece a rigidez Constitucional. Elaborar uma emenda
existe um processo mais difícil do que o da elaboração de lei ordinária ou
complementar. Esse é o equilíbrio entre a necessidade de “durar” por força da
supremacia constitucional e a necessidade de “mudar” por força de novos interesses da
sociedade.

O quórum de três quintos não é o maior quórum existente no processo


legislativo constitucional. Em pelo menos duas ocasiões a CF/88 prevê um quórum
superior, de dois terços. São elas: aprovação de lei orgânicas municipais (art. 29) e
também para aprovação da lei orgânica do Distrito Federal (art. 32).

É possível que esses dois turnos sejam realizados no mesmo dia? Isso já
aconteceu na PEC da Reforma do Judiciário que culminou na EC 45. Entretanto, é
extremamente discutível, do ponto de vista da correta interpretação constitucional, que
isso possa ocorrer. Afinal, há uma razão constitucional para essa exigência dos dois
turnos. Portanto, uma interpretação constitucional teleológica apontaria para a
impossibilidade de se votar os dois turnos no mesmo dia, porquanto a finalidade dos
dois turnos é permitir a maturação do pensamento parlamentar e a mobilização
popular. Não suficiente, uma interpretação sistemática da Constituição também
apontaria para a impossibilidade de realização dos dois turnos no mesmo dia, uma vez
que há outros dispositivos constitucionais, relativos a outros processos legislativos, que
incluem dois turnos de votação não podendo ser feitos no mesmo dia (art. 29 e art. 32
da CF/88). O STF já examinou o assunto e se manifestou nesse sentido:

“(...) EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 62/2009.


INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO
CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE INTERSTÍCIO
CONSTITUCIONAL MÍNIMO ENTRE OS DOIS TURNOS DE
VOTAÇÃO DE EMENDAS À LEI MAIOR (CF, ART. 60, §2º).
(...) 1. A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo
temporal mínimo entre os dois turnos de votação para fins de
aprovação de emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º), de sorte
que inexiste parâmetro objetivo que oriente o exame judicial do
grau de solidez da vontade política de reformar a Lei Maior. (...)
Inexistência de ofensa formal à Constituição brasileira. (...)”
(ADI 4425, Rel. para o Acórdão: Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno,
j. em 14/03/2013).

O STF, nesse caso, fez interpretação puramente literal da CF/88.

B) Procedimento de Revisão Constitucional (art. 3º do ADCT); e

C) Tratados de direitos humanos equivalentes às Emendas (art. 5º, §3º).

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