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No setor elétrico, a insegurança jurídica traz consequências graves como a falta de

investimentos

Entre 2013 e 2016 vencem 20% das concessões de geração, representando 21.800 GW
da potência instalada, 82% das concessões de transmissão (73 mil km de linhas de
altíssima tensão) e 41 das 59 concessões de distribuição (cerca de 38% da energia
distribuída no país nos últimos 12 meses). A Comissão de Minas e Energia da Câmara
dos Deputados, em parceria com o Valor, promoveu seminário sobre "Relicitação ou
prorrogação das concessões do setor elétrico", do qual participaram conceituados
palestrantes, representantes de diversos segmentos da sociedade, deputados federais,
associações de grandes consumidores, de produtores independentes de energia, de
concessionárias e membros do governo federal.

A opinião majoritária dos presentes foi pela prorrogação das concessões. Vários foram
os motivos apresentados: 1) o caos que causaria a reversão das concessões para
posterior licitação, em vista das dificuldades em se conceber regras para reverter os
ativos das concessões sem livrar as pessoas jurídicas detentoras de suas obrigações com
fornecedores, financiadores e empregados, entre outras; 2) o desinteresse que traria aos
atuais concessionários continuar investindo sabendo que provavelmente perderiam a
concessão ao final do prazo contratual, além da ausência de garantia de uma justa e
rápida indenização, até pelos relevantes valores envolvidos; 3) o temor de que à medida
em que se aproximasse o fim das concessões, a instabilidade no setor e os custos de
operações cresceriam, pois financiamentos, contratações de energia e operações de
longo prazo requerem conhecimento do futuro das concessionárias; 4) a previsão de que
novos investidores destinariam recursos para vencer licitações de concessões existentes
em vez de investir em novos empreendimentos para aumentar o parque gerador e as
linhas de transmissão de energia; 5) a avaliação de que não há benefício à sociedade ou
redução tarifária com a licitação nas concessões de distribuição de energia pois as
tarifas já são as menores possíveis em vista da rígida política de revisão e de reajustes
tarifários da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), independentemente de quem
opere a concessão; 6) a provável instabilidade institucional que acarretariam a reversão
e a licitação nunca testadas em tão grandes proporções; e 7) o temor do risco de que
concessões fossem revertidas à União Federal e não mais licitadas ("re-estatização" do
setor elétrico).

Houve, também, consenso no sentido de que, independentemente da opção do governo


federal pela prorrogação ou pela reversão e licitação, é premente a edição de lei ou
regramento equivalente, para disciplinar a matéria. Nesse sentido, é imprescindível que
se atente para o princípio da segurança jurídica, que é base de um Estado Democrático
de Direito e garante previsibilidade e limitação das ações do Estado, boa-fé no trato com
os cidadãos, estabilidade e certeza jurídicas indispensáveis à justiça e à paz sociais. O
art. 2º, caput e inciso XIII, da Lei nº 9784/99 determina à administração pública
obediência a tal princípio, bem como ao da irretroatividade dos atos administrativos.

A segurança jurídica reforça o princípio da inalterabilidade do direito adquirido, do ato


jurídico perfeito e da coisa julgada, previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Ele
protege a confiança depositada nas condutas do Estado, que não pode adotar medidas
em contradição com as que foram por ele próprio impostas, surpreendendo os que nele
acreditaram.
A segurança nas relações jurídicas é indispensável ao equilíbrio institucional, ainda mais
num ambiente regulado como o das concessões, onde o particular tem pouca liberdade,
precisando acreditar que será cumprido o que contrata com o Estado. Do contrário, a
iniciativa privada fica desestimulada, em prejuízo da economia e da sociedade.

No setor elétrico, a insegurança jurídica traz consequências ainda mais graves, pois sem
energia a economia desacelera ante o receio de sua falta e investimentos são
postergados, prejudicando consumo e empregos. Os contratos de concessão com prazo
vencendo entre 2013 e 2016 em geral contêm cláusula estabelecendo que "...o contrato
de concessão poderá ser prorrogado..". Esse "poderá" é um dever do poder concedente
prorrogar, condicionado somente à verificação do cumprimento pelo concessionário de
exigências contratuais e regulatórias quanto à sua capacitação e à qualidade do serviço
prestado. Isso ocorre porque todos os atos da administração pública devem ser
motivados, como garantia do devido processo legal e para facultar a ampla defesa (art.
5º, LIV e LV da Constituição Federal e arts. 2º e 50 da Lei 9784/99).

Só poderia o poder concedente negar a prorrogação se demonstrasse que o


concessionário não cumpriu o contrato ou as exigências regulatórias. Caso contrário,
deveria prorrogar, sob pena de a decisão que negar a prorrogação ser arbitrária, ilegal e
inconstitucional. Os contratos de concessão são lei entre as partes, gozam de presunção
de legalidade e foram assinados sob a égide do art. 27 da Lei 9427/96 que autorizava
sua prorrogação. O art. 175, parágrafo único, I, da Constituição Federal também admite
a prorrogação das concessões, na forma da lei, existente quando da assinatura dos
contratos. Portanto, o atual concessionário tem direito adquirido à prorrogação dos
contratos de concessão se cumprir as exigências contratuais e regulatórias. Essa
prorrogação dar-se-ia apenas uma vez, após findo os contratos vigentes, conforme nele
previsto. Não poderia o poder concedente agir de forma diversa e mudar as regras do
jogo no meio da partida para não mais permitir a prorrogação, violando contratos nos
quais os empresários do setor elétrico acreditaram para fazer elevados investimentos,
assumir pesados compromissos, crendo que, ao cumprirem as regras contratuais e
exigências da Aneel teriam seus contratos prorrogados.

O retorno do investimento previsto por esses empresários considerou o prazo das


concessões e o decorrente de sua prorrogação. Se a prorrogação das concessões fosse-
lhes negada sem motivo no descumprimento de exigências contratuais ou regulatórias,
geraria direito a dupla indenização, uma pela reversão da concessão e outra pelas perdas
e danos decorrentes do descumprimento contratual, fomentando insegurança
institucional com uma quantidade de ações judiciais jamais vista, eventual
responsabilidade dos agentes públicos pelas expressivas indenizações que seriam
impostas ao Erário e descrença no regime jurídico-institucional.

Alexei Macorin Vivan é vice-presidente jurídico da Rede Energia e doutor em


Direito pela Universidade de São Paulo

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