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Dois tipos opostos de libertário - qual

você é?

Por que preferir a liberdade humana em vez


de uma ordem social controlada e regulada por
alguns poucos poderosos?
Para fornecer a resposta, eu diria que os
libertários podem ser, de uma forma geral,
divididos em dois campos: humanitários e
brutalistas.
Os humanitários se baseiam nos seguintes
argumentos. A liberdade permite e estimula uma
pacífica cooperação humana. Ela inspira a
criatividade e todos os subsequentes benefícios
que isso gera para terceiros. Ela restringe e
desestimula a violência. Ela permite a
acumulação de capital e a prosperidade. Ela
protege os direitos humanos de todos os
indivíduos contra violações e usurpações. Ela
permite que associações humanas voluntárias de
todos os tipos possam se desenvolver segundo
seus próprios termos. Ela estimula uma maior
convivência social e recompensa aquelas pessoas
que querem se dar bem com as outras, ao mesmo
tempo em que restringe aquelas que só querem
causar o mal. Ela leva a um mundo no qual as
pessoas são valorizadas como um fim em si
mesmas e não vistas como uma mera forragem
em meio a todo um aparato central.
Tanto a história quanto a experiência nos
mostram que é assim.
Todos esses são excelentes motivos para se
desejar a liberdade. Mas eles não são os únicos
motivos pelos quais as pessoas defendem a
liberdade. Há um segmento entre os
autoproclamados libertários — doravante
descritos como brutalistas — que consideram
tudo o que foi descrito acima como sendo
bastante enfadonho, vago e excessivamente
humanitário.
Para eles, o que é interessante a respeito da
liberdade é o fato de ela permitir que pessoas
manifestem suas preferências individuais,
formem tribos homogêneas, coloquem seus
preconceitos em ação, marginalizem pessoas
tomando por base padrões "politicamente
incorretos", odeiem profundamente
determinadas pessoas (desde que nenhuma
violência seja utilizada), sejam abertamente
racistas e sexistas, sejam excludentes e no geral
descontentes com a modernidade, e rejeitem
padrões civis de valores e etiquetas, preferindo a
adoção de normas anti-sociais.
Estes dois impulsos são radicalmente
distintos. O primeiro valoriza toda a paz social
que surge junto com a liberdade, ao passo que o
último valoriza a liberdade de rejeitar a
cooperação, preferindo manifestar preconceitos
figadais. O primeiro quer reduzir o papel do
poder e do privilégio no mundo, ao passo que o
último quer a liberdade de reivindicar poder e
privilégio dentro das estritas delimitações dos
direitos de propriedade e a liberdade de se afastar
de tudo e de todos.
Só para deixar claro, a liberdade realmente
permite a manifestação tanto da perspectiva
humanitária quanto da brutalista, por mais
implausível que isto seja. A liberdade é ampla,
abrangente e não impõe nenhum fim social
específico como sendo o único arranjo aceitável.
Por outro lado, ambas as manifestações
constituem maneiras extremamente distintas de
se enxergar o mundo — a primeira, liberal no
sentido clássico; a última, anti-liberal em todos
os sentidos —, e é bom ter isso em mente antes
de você, como libertário, se descobrir aliado a
pessoas que ainda não entenderam o cerne da
ideia da liberdade.
O humanitarismo nós compreendemos. Ele
busca o bem-estar da pessoa humana e o
desenvolvimento da sociedade em toda a sua
complexidade. O humanitarismo libertário
entende que a melhor maneira de se alcançar
esses objetivos é por meio do próprio sistema
social, que se auto-organiza quando se vê livre
dos controles externos exercidos pelas violentas
intervenções do estado. O objetivo é
essencialmente benevolente, e o meio pelo qual
ele é alcançado valoriza a paz social, a liberdade
de associação, as trocas voluntárias e
mutuamente benéficas, o desenvolvimento
orgânico de instituições, e a beleza da vida.
Mas o que seria o brutalismo? O termo está
em grande parte associado a um estilo
arquitetônico popular dos anos 1950 até os anos
70, o qual enfatizava o uso de grandes estruturas
de concreto, sem grandes preocupações com
estilo e adornos. A deselegância era seu principal
ímpeto e toda a sua fonte de orgulho. O
brutalismo passava a mensagem da despretensão
e da crua natureza prática da utilização de um
prédio. Uma construção deveria ser forte, não
bonita; agressiva, não detalhista; imponente, não
sutil.
Na arquitetura, o brutalismo foi uma
afetação. Uma afetação que nasceu de uma teoria
retirada de contexto.
Era um estilo adotado com uma ciente
precisão. Acreditava estar nos obrigando a olhar
para realidades sem adornos, para um aparato
destituído de distrações, tudo com o intuito de
transmitir uma mensagem didática. Esta
mensagem não era somente estética, mas
também ética: era uma questão de princípio
rejeitar a beleza. Embelezar significa fazer
concessões, distrair, arruinar a pureza da causa.
Desta maneira, o brutalismo rejeitava a
necessidade do apelo comercial, e descartava
completamente questões como apresentação e
comercialização; tais questões, na ótica
brutalista, desviavam nossa atenção do seu
núcleo radical.
O brutalismo declarava que um prédio não
deve ser nem mais nem menos do que
supostamente deveria ser para cumprir sua
função. O brutalismo defendia o direito de ser
feio, e foi exatamente por esse motivo que tal
estilo foi extremamente popular entre os
governos ao redor do mundo. E é também por
este motivo que, ao redor do mundo, as formas
brutalistas são atualmente consideradas
horríveis.
Olhamos para o passado e nos perguntamos
como surgiram essas monstruosidades, e nos
surpreendemos ao descobrir que elas surgiram de
uma teoria que, por princípios, rejeitava a beleza,
a apresentação e a ornamentação. Os arquitetos
imaginavam estar nos mostrando algo que, em
outras circunstâncias, relutaríamos em aceitar.
No entanto, só é possível apreciar os resultados
do brutalismo se você já houver aceitado sua
teoria e se convencido de sua praticidade. Caso
contrário, sem a ideologia fundamentalista e
extremista como sustentação, os prédios parecem
apenas coisas aterrorizantes e ameaçadoras.
Por analogia, o que seria o brutalismo
ideológico? Trata-se de uma teoria
completamente despida, a qual se preocupa
exclusivamente com suas partes mais cruas e
mais fundamentais, e que se concentra apenas na
aplicação destas partes. Trata-se de uma
ideologia que testa os limites da ideia ao
descartar toda a elegância, todo o refinamento,
toda a delicadeza, toda a decência, todos os
enfeites. Tal teoria não se importa com a causa
maior, que é a civilidade e a beleza dos
resultados. Ela se interessa somente pela pura
funcionalidade das partes. Ela desafia qualquer
um a questionar a aparência geral do aparato
ideológico, e abertamente despreza quem o faz, o
qual passa a ser considerado alguém
insuficientemente entendido do núcleo da teoria,
sendo que tal teoria é imposta sem contexto e
sem nenhuma consideração estética.
É claro que nem todos os argumentos em
prol de princípios crus e de análises puras são
inerentemente brutalistas; o cerne do brutalismo
é o fato de que temos de reduzir para alcançar as
raízes, de que temos de nos deparar com a
verdade desagradável, de que devemos nos
chocar e, em algumas ocasiões, devemos chocar
os outros com as implicações aparentemente
implausíveis ou desconfortáveis de uma ideia. O
brutalismo vai muito além: a ideia é a de que o
argumento deve ser o mais simplista possível, e
que elaborá-lo, habilitá-lo, adorná-lo, deixá-lo
com nuanças, admitir incertezas ou amplificá-lo
para além de afirmações arenosas equivale a um
tipo de traição, de concessão ou de corrupção da
pureza. O brutalismo é implacável, inflexível e
descarado em sua recusa de abandonar seus mais
primitivos postulados.
O brutalismo pode ser visto sob vários
disfarces ideológicos. O bolchevismo e o
nazismo são exemplos óbvios: classe e raça se
tornam a única métrica a balizar as políticas;
quaisquer outras considerações são excluídas.
Nas democracias modernas, as posições
partidárias tendem ao brutalismo na medida em
que demostram que o controle partidário é a
única preocupação relevante. O
fundamentalismo religioso é também outra forma
muito óbvia de brutalismo.
No mundo libertário, no entanto, o
brutalismo tem suas raízes na simples teoria de
que os indivíduos têm o direito de viver de
acordo com seus próprios valores, quaisquer que
sejam. A verdade central está lá e é incontestável,
mas a aplicação é feita de forma crua. Assim, os
brutalistas declaram o direito de serem racistas, o
direito de serem misóginos, o direito de odiarem
judeus ou estrangeiros, o direito de ignorar
padrões civis de sociabilidade, o direito de serem
incivilizados, de serem rudes e grosseiros. Tudo é
permissível e até mesmo meritório, pois aceitar o
que é terrível pode constituir um tipo de teste.
Afinal, o que é a liberdade sem o direito de se ser
bronco?
Esses tipos de argumentos fazem com que
os libertários humanitários se sintam
profundamente desconfortáveis, pois, embora
tais argumentos sejam estritamente verdadeiros,
eles desconsideram o ponto principal da
liberdade humana: não devemos dividir ainda
mais o mundo e não torná-lo ainda mais infeliz,
mas sim estimular e possibilitar o progresso da
humanidade com paz e prosperidade.
Assim como queremos que a arquitetura
seja agradável aos olhos e reflita o drama e a
elegância do ideal humano, uma teoria sobre a
ordem social também deve ser capaz de fornecer
uma estrutura adequada para que a vida seja bem
vivida e para que todos os tipos de associações
voluntárias levem ao crescimento de seus
membros.
Os brutalistas estão tecnicamente corretos
quanto ao fato de que a liberdade também
protege o direito de se ser um completo
ignorante e o direito de odiar, mas esses impulsos
não são oriundos da longa história das ideias
liberais. Por exemplo, em questões de raça e
sexo, a liberação das mulheres e das minorias
étnicas do domínio arbitrário foi uma grande
conquista dessa tradição. Continuar afirmando o
direito de voltar no tempo nestas questões é uma
postura que passa a impressão de que a ideologia
foi despida de seu contexto histórico, como se
essas vitórias da dignidade humana não tivessem
absolutamente nada a ver com as necessidades
ideológicas atuais.
O brutalismo é mais do que uma versão
simplificada, despojada, anti-moderna e
destripada do liberalismo original. É também um
estilo de argumentação e de abordagem retórica.
Assim como na arquitetura, ele rejeita o
marketing, o espírito comercial, e a ideia de
"vender" uma visão de mundo. A liberdade deve
ser aceita ou rejeitada tendo por base apenas a
sua forma mais bruta. Assim, ele é muito rápido
em atacar, condenar e declarar sua vitória. Ele
enxerga meios-termos e concessões em todos os
cantos. Ela adora desmascarar e expor esses
pecados. Ele não tem nenhuma paciência para
sutilezas expositivas, e muito menos para as
nuances das circunstâncias de tempo e local. O
brutalismo vê apenas verdades cruas, e se agarra
a ela como se fosse a única verdade, excluindo
todas as outras verdades.
O brutalismo rejeita a sutileza e não
enxerga exceções circunstanciais à teoria
universal. A teoria é aplicável em todos os locais,
a qualquer época, em qualquer cultura. Não há
espaço para modificações ou até mesmo para a
descoberta de novas informações que possam
modificar a forma com que a teoria seja aplicada.
O brutalismo é um sistema de pensamento
fechado no qual todas as informações relevantes
já são conhecidas e a maneira pela qual a teoria é
aplicada é tida como um mero dado do aparato
teórico. Até mesmo áreas difíceis, como leis
familiares, restituições criminais, direitos sobre
ideias, responsabilidade por invasões e outras
áreas sujeitas à tradicional análise jurisprudencial
se tornam parte de um aparato apriorístico que
não admite exceções ou emendas.
E dado que o brutalismo é um impulso mais
remoto no mundo libertário — os jovens não se
interessam mais por essa abordagem —, ele se
comporta da maneira típica a grupos seriamente
marginalizados. Ao afirmar o direito ao racismo
e ao discurso — e até mesmo justificar o mérito
de tal postura, esta corrente já está excluída da
grande discussão pública. As únicas pessoas que
de fato escutam argumentos brutalistas — que
são intencionalmente pouco convincentes — são
outros libertários. Por esse motivo, o brutalismo
se encaminha cada vez mais em direção ao
sectarismo extremo: atacar os humanitários que
tentam embelezar sua mensagem se torna uma
ocupação integral.
Com essa sectarização, os brutalistas
evidentemente afirmam que são os únicos
verdadeiros adeptos da liberdade, pois somente
eles têm fibra para levar a lógica libertária ao seu
extremo e aceitar seus resultados. Porém, o que
ocorre aqui não é coragem ou rigor intelectual. A
ideia deles sobre o que significam as ideias
libertárias é reducionista, truncada, irrefletida,
simplista e não-corrigida pelo avançar da
experiência humana, ignorando o grande
contexto histórico e social no qual a liberdade
vive.
Digamos que você viva numa cidade
tomada por um grupo fundamentalista que
exclua todos aqueles que não sejam adeptos de
sua fé, obrigue as mulheres a usarem roupas do
tipo burca, imponha um código legal teocrático e
marginalize gays e lésbicas. Você pode até dizer
que, neste caso, as pessoas são parte voluntária
desse arranjo; porém, mesmo assim, não há
qualquer liberalismo presente neste arranjo
social. Os brutalistas estarão nas trincheiras
defendendo essa microtirania, e sempre
utilizando como argumentos a descentralização,
os direitos de propriedade e o direito de
discriminar e de excluir — ignorando
completamente a realidade mais profunda, na
qual as aspirações individuais em prol de uma
vida mais plena e mais livre são negadas
diariamente.
No que mais, o brutalista acredita já
conhecer os resultados da liberdade humana, e
tais resultados frequentemente estão de acordo
com os impulsos que mesclaram estado e religião
já testemunhados em épocas passadas. Afinal,
para eles, a liberdade significa simplesmente a
liberação de todos os impulsos mais básicos da
natureza humana, os quais eles acreditam terem
sido suprimidos pelo estado moderno: o desejo
de pertencer a uma homogeneidade racial e
religiosa, a permanência moral do patriarcado, a
repulsa à homossexualidade e assim por diante.
O que a maioria das pessoas considera avanços
modernos contra os preconceitos, os brutalistas
creem ser exceções impostas ao longo de toda a
história dos instintos tribais e religiosos da
humanidade.
É claro que o brutalista que descrevi aqui é
um tipo ideal, e provavelmente sua
personificação não será encontrada em nenhum
pensador específico. Mas o impulso brutalista
está em evidência em todos os cantos,
principalmente nas mídias sociais. Trata-se de
uma tendência de pensamento com posições e
propensões previsíveis. Trata-se de uma grande
fonte para as correntes racistas, sexistas,
homofóbicas e anti-semitas que existem dentro
do mundo libertário — correntes essas que, ao
mesmo tempo em que negam a veracidade desta
frase, defendem com idêntica paixão o direito de
os indivíduos terem essas visões e agirem de
acordo com elas. Afinal, dizem os brutalistas, o
que seria a liberdade humana sem o direito de se
comportar de maneiras que testem nossas mais
preciosas sensibilidades — e até mesmo a
civilização?
No final, tudo se resume à motivação
fundamental que dá sustento à própria liberdade.
Qual é o seu propósito universal? Qual é sua
contribuição histórica dominante? Qual é o seu
futuro? É aqui que os humanitários estão
fundamentalmente em desacordo com os
brutalistas.
É verdade que não devemos ignorar o
núcleo da pura teoria da liberdade, e jamais
devemos nos esquivar de suas implicações mais
difíceis. Ao mesmo tempo, a história da
liberdade e seu futuro não se resumem a apenas
declarações de direitos; são também sobre
elegância, estética, beleza e complexidade; sobre
como servir às outras pessoas, sobre a
comunidade, sobre o gradual surgimento de
normas culturais, e sobre o desenvolvimento
espontâneo de amplas ordens de relacionamentos
comerciais e pessoais. A liberdade é o que dá
vida à imaginação humana, e é ela quem permite
que o amor se amplifique e se estenda desde
nossos desejos mais benevolentes e elevados.
Por outro lado, uma ideologia roubada de
seus adornos pode se tornar algo francamente
desagradável e feio, como uma grande
monstruosidade de concreto construída décadas
atrás e imposta sobre uma paisagem urbana,
constrangedora a todos, e que hoje está apenas à
espera de sua demolição.
O libertarianismo será brutalista ou
humanitário? Você tem de decidir.

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