Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2018@Copyrigth UFCG
Impresso no Brasil
FICHA CATALOGRÁFICA
DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA, DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS
DIAS ATUAIS: Caderno de Resumos do II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS
/Juciene Ricarte Apolinário e Ofélia Maria de Barros (Org.). – Campina Grande
2018.
ISSN:
1. História. 2. Etno História. 3. História Indígena. 4. História da Educação 5. História Ambiental.
6. História e Direito.
3
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
44
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
consideradas como jurídicas foram sendo valorizadas, por outro lado, quase sempre
parecem estar desacompanhadas de esforço investigativo quanto aos sentidos de suas
juridicidades contextuais.
45
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
indicação aqui de alguns textos, bem como afirmar que a superação de tal problema, diante
de sua grande complexidade, somente parece ser possível com a contribuição das
investigações coletivas e críticas das ciências sociais.
2 O direito e a historicidade
A gravidade do problema aqui relevado pode ser apontada pela ainda necessária
afirmação de o direito, como qualquer outro fenômeno humano, também ter a sua história.
Mais ainda, tanto no passado quanto no nosso presente, só ser possível a afirmação séria da
possibilidade de reconhecimento de vários paradigmas de direito, no sentido de Thomas
Khun (1996, p. 43 s.) e Orlando de Carvalho (1997), mesmo quando se defenda, certamente
não pela juridicidade atemporal, o sentido do Direito, como o faz, v. g., Castanheira Neves
(2013), cuja proposta é oferecida em sentido sincrônico e criticamente preocupada com as
outras alternativas ao direito. Por isso, para o que mais nos interessa nesse momento, não
temos o receio de afirmar que o anacronismo, mesmo reconhecida a nossa limitação para
atingir um possível diagnóstico amplo do problema, está em quase toda a parte na temática
do direito da escravidão no Brasil, sendo clara consequência do paradigma do direito da
modernidade.
46
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
Sem ser possível a resposta simples para tal questão, entretanto, parece ser devido
afirmar, que os grandes responsáveis por essa atemporalidade do direito são os próprios
fundamentos mitológicos do direito moderno, precisamente percebidos, v. g., por Clavero
(1993) e, muito especialmente, por Mário Reis Marques (2003). O projeto moderno de
estatalização do direito certamente foi, e continua sendo, profundamente marcado pela
exigência da ahistoricidade, particularmente quanto aos momentos anteriores à construção
do chamado Estado-Nação e todos aqueles que, de alguma forma, possam deslegitimar esse
projeto de poder que se apropriou do direito. Quanto à isso, se a nossa preocupação for
mesmo crítica, devemos sempre ter atenção à formação histórica desse projeto, bem como
ao seu correlato tipo de jurista, conhecido como “boca da lei”. O direito limitado pela visão
de ser simples e rápida decorrência do texto legal, que, como temos visto, está também
espalhado pelas ciências sociais como um todo, acaba por desembocar no problema aqui
considerado do anacronismo.
Quanto à escravidão brasileira, nos parece muito claro, que o direito ali é visto com
os olhos desse projeto moderno e posterior, provocando não somente sérios problemas de
compreensão, mas a perda constante de oportunidades reflexivas da pesquisa dessas fontes
jurídicas, quando pesquisadas sem o esforço de reconhecimento da natureza do projeto
jurídico correspondente. Infelizmente, as investigações jurídicas da formação do fenômeno
do direito quanto à escravidão, não somente no Brasil, usualmente a excluem pura e
simplemente pela incompatibilidade com o afirmado direito moderno mitológico, ou a
acomodam em certo sentido evolutivo e ideológico enquanto uma etapa vencida em rumo
de um futuro sempre antecipado. Tais posturas retiram a complexidade decorrente do
tempo dos(as) juristas do passado, que não têm a sua própria história considerada como
importante, como podemos reconhecer nas comuns hagiografias produzidas pela
investigaçao jurídica. No fundo, para onde olhamos, o tema do direito da escravidão em
nosso presente, claro que assim generalizando totalmente, também tem sido pouquíssimo e
mal investigado pelos(as) próprios(as) juristas.
47
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
48
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
Cabe referir que tal processo político não pode ser reconhecido enquanto atuação
singular e evolucionista, normalmente visto em mitos fundadores do posterior Estado-
Nação, já que inserida em um grande quadro social de forças em combate, v. g., como das
pessoas escravizadas e das proprietárias. Nessa turbulência, que não cabe aqui aprofundar,
permaneceu a juridicidade da escravidão, marcada pela pluralidade, complexidade e
desigualdade daquele tipo de direito que, apesar de claras aspirações pela segurança
jurídica, não chegou a ter alterada essa sua principal marca de um direito ainda não
moderno. Faltaram, não somente a codificação civil, mas especialmente o tipo de
interpretação jurídica de sistema fechado, onde o texto legal não é só o começo, mas
também o seu fim, nesse tipo de realização de direito.
49
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
50
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
51
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
Teixeira de Freitas, com o seu peculiar usus modernus pandectarum adaptado ao contexto
do direito da escravidão, sendo o jurista contratado para realizar o “Código Civil” e a “Lei
sobre a escravidão”, na forma do decreto 2.318 (BRASIL, 1858, p. 156), sendo nota histórica
fundamental e poucas vezes lembrada, apesar de não realizados em pleno; ou ainda de
Pimenta Bueno, onde podemos pesquisar o choque da interpretação jurídica desde a
herança medieval do direito e as influências de um jusnaturalismo racionalista (1857, p. 16).
Sem esquecermos dos grandes nomes que influenciaram decisivamente a construção do
direito brasileiro, como Coelho da Rocha (1857) e Corrêa Telles (1880), bem como os juristas
menos conhecidos, mas também muito relevantes para pensarmos a especificidade do
direito brasileiro, como Pinto Junior e suas referências ao direito romano interpretado de
forma subisidiária (1888, p. 6), ou ainda, os que ofereçam testemunhos singulares
decorrentes de experiências ímpares, como é o caso de Le Breton (18??), jurista que
participou do contexto histórico da revolução francesa e escreveu sobre o direito no Brasil
em construção, algo que não pode ser realizado nas usuais referências acríticas e
descontextualizadas desses autores e textos, enquanto resultado da elevação do mito
fundador do direito moderno.
52
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
5 Propostas de superação
53
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
que temos notícia, pesquisada suficientemente, merece ser ainda, por quem se preocupa
com a investigação do passado nas ciências sociais, melhor considerado.
Segue tal apelo às ciências sociais em sentido amplíssimo, por muito pouco,
infelizmente, podermos nos valer de estudos profundos do direito da escravidão no campo
da pesquisa jurídica, manifestamente fundada, ainda, em hagiografias e naquela mitologia
fundadora da juridicidade moderna, também muito pouco reconhecida e identificada
criticamente. Tal diagnóstico, de forma simples, pode ser visto com a quase unívoca
recorrência ao pensamento de juristas de outros contextos, fora do Brasil, fundamentais
para aprofundar as reflexões da história do direito, mas bastante indicativa da quase
ausência da pesquisa jurídica brasileira da temática da escravidão.
Trata-se de um esforço, no nosso entender, que vale a pena, já que no eixo do direito
foi assentada em grande parte a construção da sociedade civil burguesa e a formação
ideológica da modernidade. Por isso, ainda dentro da possibilidade de certa recuperação da
herança iluminista, onde o direito era pensado filosoficamente, não secretado pela vontade
estatal pura e simplesmente, pensamos ser possível a pesquisa da juridicidade dentro de
54
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
uma ainda possível racionalidade moderna, mesmo reconhecidas em grande parte as críticas
do movimento da pós-modernidade, que consiga realizar na prática o direito justo, sob a
ética dos valores humanos, juntamente com a sempre presente busca da consciência
histórica dos fenômenos sociais. Mas ao contrário das idealizações generalizantes, parece
ser cada vez mais importante o reconhecimento e a consciência das singularidades
envolvidas na realização do direito na prática, a que acrescentaríamos o dever de
consideração na perspectivação da busca histórica para discussão ampla quanto aos
caminhos sob a perspectiva profunda dos valores humanos, não enquanto projeções
subjetivas e unilaterais exclusivas de um qualquer projeto de poder.
6 Referências
BRASIL. Decreto n.º 2.318, de 22 de dezembro de 1858. Collecção das Leis do Imperio do
Brasil de 1858, Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1858. Tomo XIX, parte II, p. 156.
CARVALHO, Orlando de. Para um novo paradigma interpretativo: o Projecto Social Global.
Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, v. LXXIII, p. 1-17, 1997.
55
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
KUHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. 3 ed. Chicago, The University of
Chicago Press, 1996.
______. Manual do Procurador dos Feitos da Fazenda Nacional. 2 ed. Rio de Janeiro:
Eduardo & Henrique Laemmert, 1873.
MIRANDA, Pontes de. Fontes e evolução do Direito Civil Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1981.
PINTO JUNIOR, João José. Curso Elementar de Direito Romano. Pernambuco: Typographia
Economica, 1888.
POPPER, Karl. The myth of the framework: in defence of science and rationality. New York:
Routledge, 1997.
ROCHA, Manuel António Coelho da. Instituições de Direito Civil Portuguez. 4 ed. Coimbra:
Livraria de J. Augusto Orcel, 1857, tomo I.
56
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
SEABRA, Antonio Luiz de. A Propriedade: Philosophia do Direito para servir de introdução
ao commentario sobre a lei dos foraes. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1850, v. I, parte
I.
TELLES, José Homem Corrêa. Doutrina das Acções: Accomodada ao Fôro do Brazil até o
anno de 1877 por Augusto Teixêira de Freitas. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1880.
THOMPSON, Edward Palmer. Whigs and Hunters: the origin of the black act. London:
Penguin Books, 1990.
57
II CONGRESSO INTERNACIONAL MUNDOS INDÍGENAS - DIÁLOGOS SOBRE HISTÓRIA,
DIREITO E EDUCAÇÃO NA AMÉRICA INDÍGENA. SÉCULO XVI AOS DIAS ATUAIS.
ISSN:
58