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ATUALIDADE PSICOLÓGICA DO ENSINO DE

SANTO TOMÁS DE AQUINO*


A contradição contemporânea: A tristeza na juventude

Neste último capítulo, e quase como um apêndice, pretendo refletir apenas um dos
muitíssimos exemplos da originalidade e penetração psicológica de Santo Tomás de
Aquino. Pela sua ampla atualidade considero que a questão da acídia, particularmente na
juventude, com a explicação de que o Aquinate oferece como um excelente exemplo da
necessidade urgente que a psicologia atual tem do estudo do ensino da Filosofia do
Homem proposta por Santo Tomás. Em sua análise sobre a acídia1, Santo Tomás mostra
ao psicólogo a causa comum e desgraçadamente muito atual de um variadíssimo espectro
de comportamentos, inclusive contraditórios na aparência, e oferece um claro caminho de
cura e de saída dessa situação de abatimento e vazio interior tão característico de uma
grande parte de nossos jovens e menos jovens.
Diz Aristóteles que «os jovens, por sua idade, não suportam de boa vontade nenhuma
falta do prazer»2, e por isso, com muita frequência, algumas vezes, sofrendo o debate
entre a magnitude do Ideal e o atrativo dos prazeres e, outras, ignorando a possibilidade
prática da realização de um Ideal por nunca ter conhecido, milhões de jovens em todo
mundo, já por falta de hábitos como pelas consequências da ausência do Ideal, se deixam
cegar pela posição do Poeta quando cantava «caminhante, não há caminho; se faz
caminho caminhando». Ou seja, negam a existência e, consequentemente, a possibilidade
de um Ideal e caem no «sofrimento por uma vida sem sentido»3.
O jovem sofre mudanças muito profundas, padece incompreensões que não são fáceis
de compreender e aceitar; por outra parte, favorecido pelo grande desenvolvimento
cognoscitivo e a ativação do raciocínio próprios da sua idade, deseja começar a decidir e
a orientar sua própria existência para um objetivo que, desgraçadamente, não aparece no
horizonte familiar e social mais próximo. É um fato consumado em que «os psiquiatras
e psicanalistas recebem cada vez mais pacientes – entre os quais abundam os jovens
(24/35 anos) - que padecem de transtornos psíquicos relacionados com a significação que
devem dar a suas vidas. Seus males (...) se articulam em torno da dificuldade de ativar

*Palet, M. «Actualidad psicológica de la enseñanza de Santo Tomás de Aquino », em Palet, M. La Familia:


educadora del ser humano, 216.
1
Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 35, a. 1, solução: «A acídia, segundo Damasceno, é
um tédio que acabrunha; isto é, que deprime de tal modo a alma do homem que não lhe apraz fazer nada;
assim como tudo o que é ácido é ao mesmo tempo frio. Por isso, a acídia produz um certo tédio de agir (...).
Há também quem diz que a acídia é um torpor da alma, que desiste de começar o bem. Ora, tal tristeza
sempre é mau; quer, em si, mesmo, quer pelos seus efeitos (...)».
Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 20, a. 4, solução: «O objeto da esperança é um bem
difícil de alcançar, mas que podemos obter por nós mesmos ou por outrem. Por onde, de dois modos
podemos perder a esperança de obter a felicidade: ou por não reputarmos um bem difícil, ou por não
reputarmos possível de alcançar, quer por nós mesmos, quer por outrem. (...) O não esperar o homem que
lhe seja um bem difícil possível de alcançar, quer por si, quer por outrem, vem de uma nímia depressão,
que, quando lhe domina o afeto, faz-lhe parecer que nunca jamais possa elevar-se, na prática do bem. Por
isso a acídia, sendo uma tristeza, que abate o espírito, produz o desespero (...)».
2
Aristóteles, Política, L. VIII, c. 5, (1340b15).
3
Viktor E. Frankl, La voluntad de sentido, Herder, Barcelona, 1991, p. 226.
determinados processos psíquicos e a uma certa desorientação moral e espiritual. Este
mal guarda relação não somente com o psiquismo, mas também com o social, o cultural
e o espiritual: outros tantos hábitos que há de ter conta na formação humana e no ato
educativo e que, quando não são atendidos, contribuem para criar, por defeito,
personalidades limitadas e mais frágeis»4.
Mas, na realidade, não é a tristeza, senão a esperança a paixão mais característica da
juventude5 e, porém, hoje em dia, quando se trata da adolescência e da juventude, nos
vemos quase obrigados a enfrentarmos com o tema de uma juventude entristecida e
deprimida. Quando Santo Tomás analisa a paixão da esperança ensina que para que uma
coisa possa ser objeto da esperança, tem que reunir quatro condições; a primeira, que seja
um bem; a segunda, que seja um bem futuro; a terceira, que seja um bem árduo que se
consegue com dificuldade, e, a quarta, «que esse objeto árduo seja possível de alcançar,
pois ninguém espera o que de nenhum modo pode alcançar»6. Das características que
reúne o bem esperado resulta que a esperança seja uma das paixões distintivas da
juventude. De fato, «os jovens têm muito futuro e pouco passado»7; por outro lado, «os
jovens, pelo calor da natureza, abundam em espíritos vitais e por isso expande o coração.
Por isso os jovens são vivaz e tem boa esperança»8 e, além disso, «os jovens, pela
inexperiência dos obstáculos e das deficiências próprias, facilmente julgam lhes seja uma
determinada coisa possível»9.
Daí resulta a partir do mais contraditório é que os estados depressivos constituam na
atualidade quase uma constante nas aproximações da adolescência e pós-adolescência.
«O homem atual não sofre tanto em função de um sentimento de que tem menos valor
que os outros, senão de um sentimento de que sua existência não tem sentido»10. Em
muitas ocasiões, quando os adolescentes de nossos dias observam as pessoas, a família e
a sociedade que os rodeiam não encontram um Ideal, nada que vale a pena ser vivido ou
pelo que tenha sentido lutar, e caem numa situação de perda da esperança, que tem sido
definida como vazio existencial e descrita como um sentimento de falta de sentido da
própria existência11 que produz a chamada «angústia do vazio»12. De acordo com Viktor
Frankl, fundador da Logoterapia, «o homem existencialmente frustrado não conhece nada
com o que possa ocupar seu vazio existencial»13. A frustração existencial da sociedade
moderna, especialmente da sua juventude, supõe, em primeiro lugar, uma frustração na
«pretensão humana de uma existência cheia de sentido»14, uma frustração que não diz

4
Tony Anatrella, Contra la sociedade depressiva, op. cit., p. p. 19-20.
5
Cfr. Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, I-II, q. 40, a. 6, in corpore.
6
Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, I-II, q. 40, a. 1, in corpore.
7
Ibid., a. 6, in corpore.
8
Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, I-II, q. 40, a. 6, in corpore.
9
Ibid.
10
Viktor E. Frankl, Ante el vacío existencial, Herder, Barcelona, p. 87.
11
Ibid.
12
Ibid., p. 90.
13
Ibid., p. 87.
14
Ibid., p. 91.
respeito ao desejo do concupiscível senão, pelo contrário, a mesma vontade de dar e
encontrar um sentido e uma esperança para a vida.
Nota-se que, nesta situação de vazio existencial, a ênfase recai sobre a falta de
conhecimento, teórico e prático, de um Ideal a partir do qual o homem pode ordenar e
orientar sua vida. Assim, pois, não se trata somente de que o adolescente contemporâneo,
pela carência de hábitos que regulem suas paixões, veja frustrados seus anseios por
considerá-los árduos e difíceis de alcançar15, mas, muito mais, do que, pela ausência de
um Ideal que preencha sua vida de sentido e, orientando, proporcione exemplos de
esperança de felicidade, sua mesma vontade do bem e felicidade está mutilada. Esta é a
situação que Santo Tomás descreve como a perda da esperança «por não considerar
possível de alcançar, quer por nós mesmos, quer por outrem»16. Nesta situação o que
sucede não é que o jovem não queira ser feliz, mas pela ausência do Ideal, apesar do seu
desejo de felicidade, considera que não poder chegar a ser feliz nem por si mesmo e nem
(a causa da ausência de exemplos vivos de felicidade) com a ajuda de nada.
E este é o grande perigo que espreita os nossos adolescentes quando carecem de Ideal:
que não podem fazer frente por si mesmos as dificuldades e inconvenientes que se
interpõe na realização de seus desejos, tanto intelectuais como relacionais, e,
incessantemente, como atordoados pela sua fragilidade psicológica, não conseguem
assumir o controle da realidade de uma maneira eficaz e constante e caem na tentação de
fugir dela negando qualquer interesse ou desejo por qualquer propósito. Por outra parte,
se este jovem adolescente, além de não ser capaz por suas próprias forças de alcançar
objetivos difíceis, tampouco encontra alguém ao seu redor, preferencialmente os pais,
com a suficiente autoridade e exemplos morais que lhe apresente um objetivo a alcançar
e lhe garantisse o incentivo para tal empreendimento, então o adolescente «chega a um
grande abatimento»17, a uma tristeza que deprime de tal modo seu ânimo que, «nada do
que faz o agrada»18 e «oscila entre uma certa tristeza e cansaço, porque nada em sua
vida tem sentido, apesar de suas ocupações, de suas relações e de suas diversões»19.
Este é, sem dúvida, o maior dos perigos que espreita o adolescente que carece de bons
hábitos que canalizem e orientem devidamente tanto suas paixões como sua razão e,
também, o risco que ameaça os adolescentes que carecem do Ideal. Depois desse
abatimento que oprime o ânimo e encobre o afeto, de fato, o maior dos perigos «porque
estabelece seu domínio no afeto do homem e quando lhe domina o afeto, faz-lhe parecer
que nunca possa elevar-se, na prática do bem»20. Esta é uma situação da alma que Santo
Tomás denomina acídia e que considera como causa do desespero que, desde a psicologia
moderna, se qualifica como depressão ou, pelo menos, como preliminar da mesma. O
mais triste de tal estado é, como adverte o Aquinate, que o indivíduo crê que nunca poderá
aspirar a nenhum bem e deste modo entristecido, «não pensa facilmente em coisas

15
Cfr. Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 20, a. 4, in corpore. «O objeto da esperança é
um bem difícil de alcançar, mas que podemos obter por nós mesmos ou por outrem. Por onde, de dois
modos podemos perder a esperança de obter a felicidade: ou por não reputarmos um bem difícil, ou por
não reputarmos possível de alcançar, quer por nós mesmos, quer por outrem».
16
Ibid.
17
Ibid.
18
Ibid., q. 35, a. 1, in corpore.
19
Tony Anatrella, Contra la sociedade depressiva, op. cit., p. 20.
20
Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 20, a. 4, in corpore.
grandes e agradáveis, somente em coisas tristes»21; isto é, não é que o deprimido, que o
abatido experimente uma perda de interesse pela realidade, mas o que ocorre é que ele
não consegue alcançá-la22.
Diante da assertividade da contradição de uma adolescência e juventude deprimida,
abatidas pelo sofrimento que produz a incapacidade de aspirar a nenhum bem, hoje mais
do que nunca se tem, de modo fundamentalmente equivocado, e desde a mesma escola, a
considerar o jovem deprimido como um enfermo e quase nunca, se realiza a distinção
essencial entre depressão e falta de educação. «Se preocupar com algo como o sentido
da existência humana, duvidando que tal sentido ou mesmo afundar em desespero com a
aparente falta de sentido da existência, não é um estado doentio, um fenômeno
patológico»23. Que um jovem adolescente sofra por causa da preocupação de se encontrar
vivendo uma vida sem sentido jamais deve ser qualificado, por uma precipitação
patologista, de enfermidade psíquica porque não é lícito reduzir esta necessidade humana
de sentimento vital a debilidade, enfermidade, sintoma ou complexo. O jovem
adolescente necessita, sem dúvida alguma, falar e ser escutado, porém o que necessita de
forma mais nuclear, é ser educado para que, quando comece a se separar com respeito
aos desejos dos seus pais, pois dependendo psíquica e materialmente deles, aprenda a
redescobrir e desenvolver os desejos e realidades que os pais propõem através dos seus
próprios desejos e interesses.

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PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:


Mercedes Palet “ATUALIDADE PSICOLÓGICA DO ENSINO DE SANTO TOMÁS DE AQUINO. A
contradição contemporânea: A tristeza na juventude”, 2016, trad. br. por Rafael de Abreu Ferreira, Itaboraí,
Rio de Janeiro, Brasil, agosto 2016.

21
Santo Tomás de Aquino, Summa Theologica, II-II, q. 20, a. 4, ad. 3.
22
Tony Anatrella, Contra la sociedade depressiva, op. cit., p. 21: «O problema do deprimido se resume
na profunda sensação de não ser capaz de existir, nem por outras pessoas ou por meio de um Ideal».
23
Viktor E. Frankl, Ante el vacío existencial, op. cit., p. 91.

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