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Conjuntos enumeráveis e não enumeráveis.


Rodrigo Carlos Silva de Lima

rodrigo.uff.math@gmail.com

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Sumário

3
4 SUMÁRIO
Capı́tulo 1

Conjuntos enumeráveis e não


enumeráveis

1.1 Conjuntos finitos

m Definição 1 (Conjunto finito). Um conjunto A é dito finito, quando ele é


vazio ou existe uma bijeção f : In → A para algum n. Se o conjunto é vazio
dizemos que ele possui zero elementos e no segundo caso A possui n elementos.
No caso de A finito com n elementos, podemos denotar por |A| = n ou ]A = n,
n é chamada de cardinalidade de A e a função f é dita ser uma contagem dos
elementos de A.

Em geral se A está em bijeção com B, denotaremos tal fato por A ∼ B.

b Propriedade 1. A relação ∼ é de equivalência.

ê Demonstração.

1. A relação é reflexiva, pois A está em bijeção com A pela função identidade f


que associa x em x.

2. Se A está em bijeção com B então B está em bijeção com A, pois basta tomar a
função inversa.

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6 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

3. Se A está em bijeção com B e B está com bijeção com C, então A está em


bijeção com C. Existe função bijetora f : A → B e função bijetora g : B → C,
então a função g ◦ f é uma bijeção entre A e C.

b Propriedade 2. Se Ak ∼ Bk então

Y
∞ Y

Ak ∼ Bk .
k=1 k=1

ê Demonstração. Consideramos a bijeção fk : Ak → Bk e definimos a função


Y
∞ Y

f : Ak → Bk com f((xk )) = (fk (xk )). A função é injetora, pois dados dois
k=1 k=1
elementos (xk ) 6= (yk ) supondo que f(xk ) = f(yk ) vale (fk (xk )) = (fk (yk )) o que
implica fk (xk ) = fk (yk ) ⇒ xk = yk o que é absurdo, então a função é injetora. Da
Y∞
mesma forma ela é sobrejetora, pois um elemento (yk ) de Bk , existe xk tal que
k=1
fk (xk ) = yk , daı́ f(xk ) = (fk (xk )) = (yk ) e a função é sobrejetora.

$ Corolário 1. Existe bijeção entre In e In , por exemplo f(x) = x. Logo In possui


n elementos.

b Propriedade 3. Seja f : A → B uma bijeção. Se um dos conjuntos é finito


então o outro também é finito.

ê Demonstração. Sem perda de generalidade, se A é finito, existe uma bijeção


de g : In → A (para algum n natural), daı́ a composição f ◦ g : In → B é uma bijeção
entre In e B, daı́ B é enumerável e possui n elementos.

b Propriedade 4. Sejam a ∈ A e b ∈ B. Se existe uma bijeção f : A → B então


existe uma bijeção g : A → B tal que g(a) = b.

ê Demonstração. Vale que f(a) = y para algum y em B, como f é sobrejetiva,


existe x em A tal que f(x) = b, definimos uma função g : A → B tal que g(a) = b ,
g(x) = y e g(t) = f(t) para todo t 6= x, a, essa função é uma bijeção.
1.1. CONJUNTOS FINITOS 7

b Propriedade 5. Se A está contido propriamente em In então não existe


bijeção de A em In . Não existe bijeção de um conjunto finito com um conjunto
próprio.

ê Demonstração. Seja D = {n ∈ N | ∃A ( In , f : A → In seja bijeção}, vamos


mostrar que tal conjunto é vazio por indução sobre n. Tal conjunto não possui o
elemento 1, pois não existe bijeção do vazio em I1 = {1}, que é o único subconjunto
próprio nesse caso. Suponha que n não pertença a esse conjunto vamos mostrar que
n + 1 = n0 também não pertence. Suponha por absurdo que n0 ∈ D logo existe bijeção
entre A e In0 . Se n0 ∈ A então existe bijeção g : A → In0 tal que g(n0 ) = n0 logo
a restrição g|A\{n0 } → In0−1 é uma bijeção o que contraria o fato de n0 − 1 ∈
/ D. Se
/ A então existe b ∈ A tal que f(b) = n0 daı́ a restrição f|A\{b} → In0−1 é uma
n0 ∈
bijeção, valendo A ⊂ In0 −1 daı́ A \ {b} ⊂ In0 −1 , o que novamente contraria o fato de
n0 − 1 ∈
/D.

$ Corolário 2. Se A ⊂ In e existe bijeção entre A e In então A = In pois A não


pode ser subconjunto próprio de In .

b Propriedade 6. Seja A finito. Existe uma bijeção g : In → A para algum n,


pois A é finito, a função f : A → A é injetiva ou sobrejetiva ⇔ g−1 ◦ f ◦ g : In → In
é injetiva ou sobrejetiva, respectivamente.

ê Demonstração.
⇒). Se f é injetiva ou sobrejetiva então g−1 ◦f◦g : In → In é injetiva ou sobrejetiva,
por ser composição de funções com essas propriedades.
⇐). Seja g−1 ◦ f ◦ g : In → In sobrejetiva vamos mostrar que f também é sobrejetiva.
Dado y ∈ A vamos mostrar que existe x ∈ A tal que f(x) = y. Como g : In → A é
sobrejetiva então existe x1 ∈ In tal que g(x1 ) = y e pelo fato de g−1 ◦f◦g ser sobrejetiva
então existe x2 ∈ In tal que g−1 (f(g(x2 ))) = x1 = g−1 (y) como g−1 é injetiva segue que
f(g(x2 )) = y logo f é sobrejetiva.
Se g−1 ◦ f ◦ g é injetiva então f é injetiva. Sejam x, y quaisquer em A, existem
x1 , x2 ∈ In tais que g(x1 ) = x, g(x2 ) = y. Vamos mostrar que se f(x) = f(y) então
x = y.
8 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

Se f(x) = f(y) então f(g(x1 )) = f(g(x2 )) e g−1 (f(g(x1 ))) = g−1 (f(g(x2 ))) com g−1 ◦f◦g
segue que x1 = x2 que implica g(x1 ) = g(x2 ), isto é, x = y.

b Propriedade 7. Seja A um conjunto finito. f : A → A é injetiva ⇔ é


sobrejetiva.

ê Demonstração.
⇒).
Consideramos o caso f : In → In , se f for injetiva então f : In → f(In ) é uma
bijeção com f(In ) ⊂ In . fn não pode ser parte própria de In pois se não f−1 (In ) → In
seria bijeção de um conjunto com sua parte própria, logo f(In ) = In e f : In → In é
bijeção.
⇐). Se f for sobrejetiva então para cada y ∈ In (imagem) podemos escolher x ∈ In
(domı́nio) tal que f(x) = y e daı́ definir g : In → In tal que g(y) = x, g é injetiva, pois
f é função, logo pelo resultado já mostrado g é bijetora, implicando que f também é.

b Propriedade 8. Seja A ⊂ In . Se existir f uma função injetora f : In → A


então A = In .

ê Demonstração.f : In → f(In ) é bijeção, como f(In ) ⊂ A ⊂ In e f(In ) não pode


ser subconjunto próprio então f(In ) = In implicando A = In .

b Propriedade 9. Se existir bijeção f : Im → In então m = n.

ê Demonstração. Se n ≥ m então como Im ⊂ In e f é injetiva, segue da


proposição anterior que Im = In , logo m = n. No caso de m ≥ n temos que
−1
f : In → Im é injetora e como In ⊂ Im , pela propriedade anterior segue que In = Im ,
daı́ n = m em qualquer dos casos.
ê Demonstração.[2] Se um deles fosse o menor, digamos n, então haveria
bijeção com um conjunto próprio, absurdo.

$ Corolário 3 (Unicidade da cardinalidade). Se existem duas bijeções f : In → A


e g : Im → A então m = n. Pois a função g ◦ f : In → Im é uma bijeção entre In e
1.1. CONJUNTOS FINITOS 9

Im .
Esse resultado garante que a cardinalidade associada a um conjunto é única.

b Propriedade 10. Se existem bijeções f : In → A e g : In → B, com B ⊂ A


então A = B.

ê Demonstração.Existe bijeção h : A → B, sendo h = g ◦ f−1 e ambos conjuntos


são finitos, se B não fosse A haveria bijeção de um conjunto finito com sua parte
própria, o que seria absurdo.
Não existe bijeção de um conjunto finito A sobre uma parte própria B ⊂ A.

b Propriedade 11. Todo subconjunto de um conjunto finito é finito.

ê Demonstração. Lembre que estamos usando a notação In = {1, . . . , n}. Vamos


provar primeiro que se A é finito e a ∈ A então A \ {a} é finito.
Existe uma bijeção f : In → A tal que f(n) = a. Se n = 1 então A \ {a} = ∅ logo o
conjunto é vazio (então finito). Se n > 1 então existe a bijeção f|In−1 → A \ {a} , logo
A \ {a} é finito.
Provaremos agora o caso geral por indução. Se A = ∅ ou A = {a} então seus
subconjuntos são finitos. Suponha então que vale para um conjunto com n elementos,
vamos provar que vale para um conjunto qualquer com n + 1 elementos B .
Tome um subconjunto qualquer X ⊂ B, se X = B nada temos a demonstrar, porém
/ X, logo X ⊂ B \ {a}, X é subconjunto de um
se X 6= B, então existe a ∈ B tal que a ∈
conjunto com n elementos então ele é finito .

b Propriedade 12. Se B é finito e A ⊂ B então |A| ≤ |B|.

ê Demonstração. Faremos o caso de B = In . Como A é subconjunto de um


conjunto finito então ele é finito, seja então |A| = m, supondo por absurdo que m > n
vale In ( Im e de A ⊂ In ( Im segue que A ( Im , isto é, A é subconjunto próprio de
Im , porém como |A| = m, existe bijeção entre Im e A, absurdo! pois não pode existir
bijeção entre um conjunto finito e sua parte própria.
10 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

Seja f : A → B.

b Propriedade 13. Se A é finito e f é sobrejetora então B é finito.

ê Demonstração. Para cada y ∈ B escolhemos x ∈ A tal que f(x) = y, daı́


definimos g : B → A tal que f(g(y)) = y. g é injetora g(B) ⊂ A, logo g(B) é finito e
g : B → g(B) bijeção, implicando que B é finito.

b Propriedade 14. Se B é finito e f é injetora, então A é finito.

ê Demonstração. Temos que a imagem de f por A é subconjunto de B ,f(A) ⊂ B,


como B é finito, então f(A) também é finito, por ser subconjunto de um conjunto
finito, tem também que f : A → f(A) é uma bijeção, logo A é finito.

b Propriedade 15. Um subconjunto A de N é finito ⇔ é limitado.


X
ê Demonstração. Se A é finito, então k = p é um número natural, logo
k∈A
vale x ≤ p para qualquer x ∈ A. Se A é limitado, então todos seus elementos são
menores que um certo p, então A ⊂ Ip , como Ip é finito segue que A é finito.

b Propriedade 16. Se A e B são finitos e disjuntos com |A| = n e |B| = m


então A ∪ B é finito com |A ∪ B| = m + n.

ê Demonstração. Existem bijeções f : In → A, g : Im → B. Definimos h :


Im+n → A ∪ B como h(x) = f(x) se 1 ≤ x ≤ n e h(x) = g(x − n) se 1 + n ≤ x ≤ m + n
(1 ≤ x − n ≤ m), como h é bijeção segue o resultado.
Vamos provar com mais detalhe que h realmente é uma bijeção.

• h é injetora. Suponha por absurdo que existem n1 < n2 tais que h(n1 ) = h(n2 ).

1. Não pode valer que ambos n1 e n2 pertencem a {1, · · · , n}, ou ambos per-
tencem a {n + 1, · · · , n + m}. No primeiro caso

h(n1 ) = h(n2 ) = f(n1 ) = f(n2 ),

o que não pode acontecer pois f é injetora. No segundo caso, terı́amos

h(n1 ) = h(n2 ) = g(n1 − n) = g(n2 − n),


1.1. CONJUNTOS FINITOS 11

novamente, não poderı́amos ter pois g é injetiva.

2. Caso n1 ∈ {1, · · · , n} e n2 ∈ {n + 1, · · · , n + m}, terı́amos

h(n1 ) = f(n1 ) = h(n2 ) = g(n2 − n),


| {z } | {z }
∈A ∈B

daı́ A e B possuem elemento em comum, o que não pode acontecer pois


são conjuntos disjuntos. Logo h deve ser injetora.

• h é sobrejetora. Seja y ∈ A ∪ B, então y ∈ A ou y ∈ B.

1. Se y ∈ A, existe x ∈ In , tal que f(x) = y = h(x), pois 1 ≤ x ≤ n. Então, A


pertence a imagem de h.

2. Se y ∈ B, existe x ∈ Im , tal que h(x) = y = h(x + n), pois 1 ≤ x ≤ m logo


1 + n ≤ x + n ≤ n + m. Então, B pertence a imagem de h.

3. Nenhum outro elemento além de A ou B pertencem a imagem de h, pois


dado x ∈ In+m então h(x) se obtém aplicando f(x) ou h(x − n), isto é,
possui valor em A ∪ B.

b Propriedade 17. Se A e B são conjuntos finitos não necessariamente dis-


juntos vale a relação
|A ∪ B| = |A| + |B| − |A ∩ B|.

Onde |A| é o número de elementos de A.

ê Demonstração. Escrevemos A como a união disjunta A = (A \ B) ∪ (A ∩ B),


daı́ |A| − |A ∩ B| = |A \ B| agora escrevemos A ∪ B = (A \ B) ∪ B, união disjunta logo

|A ∪ B| = |A \ B| + |B|

usando a primeira expressão segue que

|A ∪ B| = |A| + |B| − |A ∩ B|.


12 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

$ Corolário 4. Podemos deduzir a identidade para três conjuntos

|A ∪ B ∪ C|,

tomamos B 0 = B ∪ C em

|A ∪ B 0 | = |A| + |B 0 | − |A ∩ B 0 |

de onde segue

|B|+|C|−|B∩C|
z }| {
|A ∪ B ∪ C| = |A| + |B ∪ C| −|A ∩ [B ∪ C]| =

usando também que A ∩ [B ∪ C] = [A ∩ B] ∪ [A ∩ C],

= |A|+|B|+|C|−|B∩C|−|[A ∩ B] ∪ [A ∩ C]| = |A|+|B|+|C|−|B∩C|−|A∩B|−|A∩C|+|A∩B∩C|


| {z }
|A∩B|+|A∩C|−|A∩B∩C|

logo

|A ∪ B ∪ C| = |A| + |B| + |C| − |B ∩ C| − |A ∩ B| − |A ∩ C| + |A ∩ B ∩ C|

b Propriedade 18 (Princı́pio da inclusão- exclusão). Sejam n conjuntos finitos


(Ak )n1 , seja I o multiconjunto das combinações das interseções desses n conjuntos,
então
n
[ X
| Ak | = |K|(−1)nk
k=1 K∈I

onde onde nk é o número de interseções em K.

ê Demonstração.

b Propriedade 19. Sejam (Ak )n1 conjunto finitos dois a dois disjuntos, onde
n
[ X
n X
n
|Ak | = mk então | Ak | = |Ak | = mk .
k=1 k=1 k=1

ê Demonstração. Indução sobre n.


1.1. CONJUNTOS FINITOS 13

b Propriedade 20. Se A e B são finitos e disjuntos com |A| = m e |B| = n


então A × B é finito com |A × B| = m.n.
n
[
ê Demonstração. Podemos escrever A × B = Ak onde Ak = A × {Bk } com
k=1
|Ak | = m, logo
n
[ X
n
|A × B| = | Ak | = |Ak | = m.n.
k=1 k=1

Y
n Y
n
b Propriedade 21. Sejam (Ak )n1 com |Ak | = mk então | Ak | = |Ak | =
k=1 k=1
Y
n
mk .
k=1

ê Demonstração. Por indução sobre n.

b Propriedade 22. Se |A| = m e |B| = n então |F(A; B)| = nm .

ê Demonstração.[1] Faremos o caso em que A = Im . As funções de F(Im ; B) são


m uplas, sendo que em cada coordenada existem n possibilidades de elementos

Y
m
F(Im ; B) = B
k=1

daı́
Y
m Y
m
|F(Im ; B)| = | B| = |B| = nm .
k=1 k=1

No caso geral mostramos que existe uma bijeção entre F(Im ; B) e F(A; B) logo tais
conjuntos possuem a mesma quantidade de elementos.
ê Demonstração.[2] Por indução sobre m. Para m = 1. A = {a1 } e B =
{b1 , · · · , bn }, temos n funções fk (a1 ) = bk , ∀ k ∈ In . Suponha a validade para um
conjunto A 0 qualquer com m elementos, vamos provar para A com |A| = m + 1.
Tomamos a ∈ A, daı́ A \ {a} = A 0 possui m elementos, logo |F(A 0 , B)| = nm , podemos
estender cada ft0 : A 0 → B para f : A → B de n maneiras diferentes, tomando
f(a) = bk , k ∈ In , logo temos no total nnm = nm+1 funções .
14 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

b Propriedade 23. Seja |A| = n então |P(A)| = 2n .

ê Demonstração. Por indução sobre n, se n = 1, então A = {a1 } possui dois


subconjuntos que são ∅ e {α1 }. Suponha que qualquer conjunto qualquer B com n
elementos tenha |P(B)| = 2n , vamos provar que um conjunto C com n + 1 elementos
implica |P(C)| = 2n+1 . Tomamos um elemento a ∈ C, C \ {a} possui 2n subconjuntos
(por hipótese da indução), sk de k = 1 até k = 2n , que também são subconjuntos de
C, porém podemos formar mais 2n subconjuntos de C com a união do elemento {a},
logo no total temos 2n + 2n = 2n+1 subconjuntos de C e mais nenhum subconjunto,
pois não temos nenhum outro elemento para unir aos subconjuntos dados.

1.2 Conjuntos infinitos

m Definição 2 (Conjunto infinito). Um conjunto A, não vazio, é infinito quando


para qualquer n natural não existe bijeção de A com In , isto é, um conjunto é
infinito quando ele não é finito.

$ Corolário 5. N é infinito, pois é ilimitado.

b Propriedade 24. Se A é infinito então existe função injetiva f : N → A.

ê Demonstração. Podemos definir f indutivamente. Tomamos inicialmente


n
[
x1 ∈ A e definimos f(1) = x1 e para n ∈ N escolhemos xn+1 ∈ A \ {xk } definido
k=1
n
[
f(n + 1) = xn+1 . A \ {xk } nunca é vazio pois A é infinito. f é injetora pois tomando
k=1
[1
m− [1
m−
m > n tem-se f(n) ∈ {xk } e f(m) ∈ A \ {xk }.
k=1 k=1
1.2. CONJUNTOS INFINITOS 15

$ Corolário 6. Existe função injetiva de um conjunto finito B num conjunto


infinito A, usamos o mesmo processo do exemplo anterior, mas o processo para
depois de definir a função |B| pontos.

b Propriedade 25. Sendo A infinito e B finito existe função sobrejetiva g :


A → B.

ê Demonstração. Existe função injetiva f : B → A, logo f : B → f(B) ⊂ A é


bijeção, possuindo inversa g−1 : f(B) → B. Considere a função f : A → B definida
como f(x) = g−1 (x) se x ∈ f(B) e f(x) = x1 ∈ B se x ∈
/ f(B), f é função sobrejetiva.

b Propriedade 26. Um conjunto A é infinito ⇔ possui bijeção sobre uma parte


própria.

ê Demonstração.
⇐).Se existe uma bijeção sobre uma parte própria então o conjunto não pode ser
finito, então ele é infinito.
⇒). Supondo agora que A seja infinito vamos mostrar que existe uma bijeção
sobre um das suas partes próprias . Sejam f : N → A injetiva com f(n) = xn e o
conjunto B = A \ {x1 }. Definimos g : A → B por g(x) = x se x 6= xn ∀ n ∈ N e
g(xn ) = xn+1 , com isso cada xn+1 e x ∈ A \ {x1 } pertencem a imagem da função, além
disso a função é injetiva, logo temos uma bijeção do conjunto por uma das suas
partes próprias.

$ Corolário 7. O resultado anterior nos garante que um conjunto é finito ⇔


não possui bijeção com sua parte própria.

b Propriedade 27. Se A é infinito e f : A → B é injetiva então B é infinito.

ê Demonstração. f : A → f(A) é bijeção e f(A) ⊂ B é infinito, logo B é infinito


, B não pode ser finito, pois todo subconjunto de um conjunto finito é finito. f(A)
não pode ser finito, pois se fosse A estaria em bijeção com um conjunto finito logo
seria finito.
16 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

b Propriedade 28. Se B é infinito e f : A → B é sobrejetiva então A é infinito.

ê Demonstração. Dado y ∈ B escolhemos x ∈ A tal que f(x) = y e com isso


definimos a função g : B → A tal que g(y) = x, g é injetiva então pelo resultado
anterior segue que A é infinito.

Z Exemplo 1. Existe g : N → N sobrejetiva tal que g −1


(n) é infinito para cada
n ∈ N.
Seja f : N → N definida como f(n) = k se n é da forma n = pαk k onde pk
é o k-ésimo número primo e f(n) = n caso contrário, f é sobrejetiva e existem
infinitos n ∈ N tais que f(n) = k para cada k natural.

b Propriedade 29. Se A ⊂ B e A é infinito então B é infinito.

ê Demonstração. Se B fosse finito então A seria finito.


Z Exemplo 2. Exprimir N =
[
Nk onde os conjuntos são infinitos e dois a
k=1
dois disjuntos.

[
Tome Nk+1 = {pαk k , αk ∈ N onde pk o k-ésimo primo} e N1 = N \ Nk , cada
k=2
um deles é infinito, são disjuntos e sua união dá N.

1.3 Conjuntos enumeráveis

m Definição 3 (Conjunto enumerável). Um conjunto A é dito enumerável


quando ele for finito ou existir uma bijeção de N em A. Nessas condições podemos
dizer também que o conjunto é contável ou numerável.
1.3. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS 17

m Definição 4 (Enumeração). • Se A for finito, em bijeção com In , dizemos


que uma enumeração de A é uma bijeção f : In → A.

• Se A for infinito, em bijeção com N, dizemos que uma enumeração de A é


uma bijeção f : N → A.

b Propriedade 30. Todo conjunto A ⊂ N é enumerável e existe uma única


bijeção crescente x : N → A.

ê Demonstração. Se A é finito então A é enumerável. Se A é infinito podemos


[n
enumerar seus elementos da seguinte maneira x1 = min A, xn+1 = min A \ {xk }, daı́
k=1


[
A= {xk }
k=1

pois se existisse x ∈ A tal que x 6= xk daı́ terı́amos x > xk para todo k que é absurdo,
pois nenhum conjunto infinito de números naturais é limitado superiormente. A
função x definida é injetora e sobrejetora. Vamos mostrar agora que ela é a única
bijeção crescente entre A e N. Suponha outra bijeção crescente f : N → A. Deve
valer f(1) = x1 , pois se fosse f(1) > x1 então f não seria crescente. Supondo que
vale f(k) = xk ∀ k ≤ n ∈ N vamos mostrar que f(n + 1) = xn+1 , não pode valer
f(n + 1) < xn+1 com f(n + 1) ∈ A pois a função é injetora e os possı́veis termos já
foram usados em f(k) com k < n + 1, não pode valer f(n + 1) > xn+1 pois se não a
função não seria crescente, ela teria que assumir para algum valor x > n + 1 o valor
de xn+1 , a única possibilidade restante é f(n + 1) = xn+1 o que implica por indução
que xn = f(n) ∀ n ∈ N.

b Propriedade 31. 1. Se f : A → B é injetiva com B enumerável então A


também é enumerável.

2. Todo subconjunto de um conjunto enumerável é enumerável.

ê Demonstração.
18 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

1. Como B é enumerável existe uma bijeção g : B → N, daı́ g ◦ f : A → N é injetiva,


logo bijeção com sua imagem que é um subconjunto de N, portanto enumerável,
disto segue que A é enumerável.

2. Se B é enumerável e A ⊂ B, podemos definir f : A → B com f(x) = x ∀ x ∈ A, f


é injetora, como B é enumerável, então A também é enumerável pelo primeiro
item .

$ Corolário 8. Se f : A → B é sobrejetiva e A é enumerável então B também


é enumerável. Pois, para qualquer y ∈ B escolhemos x ∈ A tal que f(x) = y e
definimos g : B → A, g(y) = x, g é injetiva e A é enumerável, então pelo resultado
anterior B é enumerável.

Z Exemplo 3. O conjunto A dos subconjuntos (não incluindo vazio) de N


disjuntos dois a dois é enumerável. Definimos f : A → N com f(B) = min{B} onde
B é um subconjunto de N não vazio, tal função é injetora, pois B é disjunto com
qualquer elemento de A, como f é injetora A é enumerável.

Z Exemplo 4. f : N × N → N definida como f(m, n) = 2 m−1


(2n − 1) é uma
bijeção. Dado um número natural n qualquer, podemos escrever esse número
como produto dos seus fatores primos

Y
n Y
n
n= pαk k =2 .
α1
pαk k
k=1 k=2

como os primos maiores que 2 são ı́mpares e o produto de ı́mpares é um número


ı́mpar então n = 2m (2n − 1). Agora vamos mostrar que a função é injetora seja
f(m, n) = f(p, q)
2m (2n − 1) = 2p (2q − 1)

se m 6= p os números serão diferentes pela unicidade de fatoração (2s − 1 não


1.3. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS 19

possui fatores 2 pois sempre é ı́mpar), então devemos ter m = p, daı́ segue que
n = q e termina a demonstração.

$ Corolário 9. N × N é enumerável. Outra maneira de mostrar que N × N é


enumerável é mostrar uma função injetora como f(m, n) = 2m 3n .

b Propriedade 32. O produto cartesiano de dois conjuntos enumeráveis é um


conjunto enumerável.

ê Demonstração. Se A e B são enumeráveis então existem sobrejeções f : N →


A, g : N → B daı́ h : N × N → A × B dada por h(m, n) = (f(m), g(m)) é sobrejetiva,
como N × N é enumerável segue que A × B é enumerável.

F Teorema 1. Todo conjunto infinito A, contém um subconjunto infinito enu-


merável.

ê Demonstração. Definimos A = A0 e tomamos um elemento qualquer x ∈ A,


definindo x1 = x e A1 = A0 \ {x1 } , a seguir definimos recursivamente xn+1 como um
elemento em An e An+1 = An \ {xn+1 }.

x1 ∈ A0 , A1 = A0 \ {x1 }

xn+1 ∈ An , An+1 = An \ {xn+1 }, n ∈ N

o conjunto dos elementos xn definidos dessa maneira, é um conjunto infinito


enumerável, de elementos contidos em A.


b
[
Propriedade 33. Se cada conjunto Ak é enumerável então A = Ak é
k=1
enumerável.

ê Demonstração. Para cada k ∈ N existe sobrejeção fk : N → Ak , definimos a


sobrejeção f : N×N → A definindo f(n, m) = fn (m), a primeira coordenada n localiza
o conjunto An na reunião e daı́ fn : N → An é sobrejetiva, logo para qualquer y ∈ An
existe m ∈ N tal que fn (m) = y então f é sobrejetiva.
20 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

b Propriedade 34. A união de dois conjuntos enumeráveis é enumerável, em


geral a união de um número finito de conjuntos enumeráveis é enumerável.

ê Demonstração. Dados os conjuntos enumeráveis A1 e A2 , sabemos que


existem funções f1 : N → A1 e f2 : N → A2 sobrejetivas, então definimos a função
f : {1, 2} × N → A1 ∪ A2 por f(n, m) = fn (m) tal função é sobrejetiva, como {1, 2} × N
é enumerável segue que A1 ∪ A2 é enumerável. Para o caso geral da união de n
conjuntos enumeráveis (Ak )n1 , podemos proceder por indução ou tomar a função
n
[ n
[
g : In × N → Ak com g(n, m) = fn (m) que é sobrejeção daı́ Ak é enumerável.
k=1 k=1

x
$ Corolário 10. Q é enumerável, pois podemos definir An = { , x ∈ N} (para
n
n ∈ N fixo) que é enumerável, daı́ os racionais positivos podem ser escritos como
a união

[
+
Q = Ak
k=1
−x
da mesma forma Bn = { , x ∈ N}, logo os racionais negativos são enumeráveis
n
pois

[

Q = Bk
k=1

e os racionais são enumeráveis pois Q = Q− ∪ {0} ∪ Q+ .


Podemos enumerar os racionais positivos com a seguinte função f : N → Q
com

 
n n−k
f(1 + k + )=
2 1+k
com k = 0 até k = n − 1. Em especial tomando n − k = p e k + 1 = q temos

(p + q − 1)(p + q − 2) p
f(q + )= .
2 q
Podemos enumerar todos racionais, com a seguinte função g : N → Q dada
1.3. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS 21

por g(1) = 0,
 
n n−k
g(2 + 2 + k) = k = 0 aték = n − 1 e
2 k+1
 
n n−k
g(2 + 2 + k + n) = − k = 0 aték = n − 1.
2 k+1
Tais funções não são injetivas, porém são sobrejetivas, logo temos bijeção de
um subconjunto de N em Q, o que implica Q ser enumerável.

Figura 1.1: Uma enumeração dos racionais positivos. No esquema da direita, podemos
perceber melhor um padrão da sequência.

Para deduzir as expressões, podemos fazer o seguinte: Primeiro, interpolamos a


posição dos números inteiros que aparecem na sequência.
Segundo, a partir desse inteiro vá formando as frações somando 1 no denominador
e retirando um do denominador até chegar ao inverso do número da primeira fileira,
quando chegar nele , pule para o próximo inteiro.

$ Corolário 11. Z é enumerável, pois podemos escrever Z = N ∪ {0} ∪ (−N) onde


−N = {−x |x ∈ N}, e os conjuntos em que Z foi decomposto são enumeráveis.
22 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

Figura 1.2: Uma enumeração dos racionais.

b Propriedade 35. Sejam B enumerável e f : A → B tal que ∀ y ∈ B, f−1 (y) é


enumerável, então A é enumerável.

ê Demonstração.

f−1 (y)
[
A=
y∈B

então A é união enumerável de conjuntos enumeráveis, daı́ A é enumerável.

Y
s
b Propriedade 36. N =s
N = N × · · · × N é enumerável.
k=1

ê Demonstração. Consideramos a função f : Ns → N dada por f(xk )s1 =


Y
s
f(x1 , · · · , xs ) = pxkk tal função é injetiva pela unicidade de fatoração com fatores
k=1
primos.

b Propriedade 37. O produto cartesiano finito de conjuntos enumeráveis é


enumerável.
1.3. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS 23

Y
s
ê Demonstração. Seja Ak o produto cartesiano dos conjuntos Ak enu-
k=1
meráveis, então para cada k existe uma função fk : N → Ak que é sobrejetiva, então
Y s
definimos a função f : N →
s
Ak dada por
k=1

f(xk )s1 = (fk (xk ))s1

,isto é,

f(x1 , · · · , xs ) = (f1 (x1 ), · · · , fs (xs ))


Y
s
como tal função é sobrejetiva e Ns é enumerável segue que Ak é enumerável.
k=1

$ Corolário 12. Se X é finito e Y é enumerável, então F(X, Y) é enumerável.


Y
n
Basta considerar o caso de X = In , então F(X, Y) = Y = Y n , que é enumerável.
k=1

Z Exemplo 5. O conjunto A = {a + b√p| a, b ∈ Q, p ∈ N} é enumerável.



Se p é inteiro, então o conjunto é o conjunto dos racionais , que é enu-
merável, caso contrário segue uma demonstração.

A função Q × Q → A dada por f(a, b) = a + b p é uma bijeção. Se a 6= a 0
então f(a, b) 6= f(a 0 , b 0 ), pois

√ √ √
a + b p 6= a 0 + b 0 p ⇔ a − a 0 6= (b 0 − b) p

a − a0 √
se b = b vale pois a − a 6= 0, se b − b 6= 0 também vale pois 0
0 0 0
6= p por de
b −b
um lado ser número racional e do outro um número irracional. Se b 6= b 0 tem-se

√ √ √
a + b p 6= a 0 + b 0 p ⇔ a − a 0 6= (b 0 − b) p

a − a0
vale pois da mesma maneira não pode ser irracional. Logo é injetiva.
b0 − b
Temos também que a função é sobrejetora, logo é uma bijeção.
24 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

Z Exemplo 6. Z é enumerável, podemos dar a seguinte enumeração para Z,


n−2 n+1
f : N → Z tal que f(n) = se n é par e f(n) = − caso n seja ı́mpar.
2 2

$ Corolário 13. O conjunto dos números racionais Q é enumerável pois Z × Z∗


m
é enumerável e a função f : Z × Z∗ → Q dada por f(m, n) = é sobrejetiva.
n

b Propriedade 38. Toda coleção de intervalos não degenerados dois a dois


disjuntos é enumerável.

ê Demonstração. Seja A o conjunto dos intervalos não degenerados dois a


dois disjuntos. Para cada intervalo I ∈ A escolhemos um número racional q e com
isso definimos a função f : A → Q, definida como f(I) = q, tal função é injetiva
pois os elementos I 6= J de A são disjuntos , logo não há possibilidade de escolha
de um mesmo racional q em pontos diferentes do domı́nio, logo a função nesses
pontos assume valores distintos . Além disso Podemos tomar um racional em cada
um desses conjuntos pois os intervalos são não degenerados e Q é denso. Como
f : A → Q é injetiva e Q é enumerável então A é enumerável.

1.3.1 O conjunto das partes finitas de um conjunto enumerável

é enumerável

b Propriedade 39. Pn = {A ⊂ N | |A| = n} é enumerável.

ê Demonstração. Definimos a função f : Pn → Nn da seguinte maneira: Dado


A = {x1 < x2 < · · · < xn }, f(A) = (x1 , · · · , xn ). Tal função é injetiva pois dados
A = {xk , k ∈ In } e B = {yk , k ∈ In } não pode valer xk = yk para todo k, pois se não
os conjuntos seriam iguais.
Se trocamos N por outro conjunto X enumerável o resultado também vale, basta
definir uma função f : Pn → Xn e g : X → N injetiva, enumeramos um subconjunto
finito qualquer com n elementos A ⊂ X como A = {x1 , · · · , xn } onde g(x1 ) < g(x2 ) <
· · · < g(xn ) e definimos f(A) = (x1 , · · · , xn ).
1.3. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS 25

$ Corolário 14. o conjunto Pf dos subconjuntos finitos de N é enumerável pois



[
Pf = Pk
k=1

é união enumerável de conjuntos enumeráveis. O mesmo vale trocando N por um


conjunto enumerável qualquer A.

b Propriedade 40. O conjunto dos polinômios com coeficientes racionais é


enumerável.

ê Demonstração. Seja Pn o conjunto dos polinômios com coeficientes racionais


de grau ≤ n a função f : Pn → Qn+1 tal que
X
n
f( ak xk ) = (ak )n1 = (a0 , · · · , an )
k=0

é uma bijeção. Como Qn+1 é enumerável por ser produto cartesiano finito de conjun-
tos enumeráveis, segue que Pn é enumerável.
Sendo A o conjunto dos polinômios de coeficientes racionais, vale que

[
A= Pk
k=1

portanto A é união enumerável de conjuntos enumeráveis , sendo assim A é enu-


merável.

m Definição 5 (Número algébrico). Um número real (complexo) x é dito


algébrico quando é raiz de um polinômio com coeficientes inteiros.

b Propriedade 41. O conjunto dos números algébricos é enumerável.

ê Demonstração.[1] Enumeramos A = {P1 , P2 , · · · , Pn , · · · }, o conjunto dos po-


linômios com coeficientes inteiros, definimos Bk como conjunto das raı́zes reais de
Pk , então vale que

[
A= Bk
k=1
26 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

como cada Bk é finito A fica sendo união enumerável de conjuntos finitos, então A
é enumerável.
ê Demonstração.[2] Seja B o conjunto dos algébricos e A o conjunto dos
polinômios com coeficientes inteiros. Para cada algébrico x escolhemos um polinômio
Px tal que Px (x) = 0.
Definimos a função f : B → A tal que F(x) = Px . Dado Px ∈ F(B), temos que o
conjunto g−1 (Px ) dos valores x ∈ B tal que f(x) = Px é finito pois Px possui um
|{z}
=y
número finito de raı́zes e daı́ tem-se

g−1 (y)
[
B=
y∈f(B)

logo B é união enumerável de conjuntos enumeráveis ( no caso finitos), então B é


enumerável.

$ Corolário 15. Existem números reais que não são algébricos, pois se todos
fossem algébricos R seria enumerável. Todo elemento de R é raiz de um polinômio
x
de coeficientes reais. P(x) = − 1 com c 6= 0 em R, tem raiz x = c. Em especial 0
c
é raiz de G(x) = x.

m Definição 6 (Números transcendentes). Os números reais que não são


algébricos são ditos transcendentais

b Propriedade 42. O conjunto dos números algébricos é denso em R, pois todo


b
racional é algébrico, o racional é raiz do polinômio com coeficientes inteiros
a

ax − b = P(x)

b
ax − b = 0 ⇔ ax = b ⇔ x = . E Q é denso em R.
a
1.3. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS 27

b Propriedade 43. Seja A enumerável e B = R \ A, então para cada intervalo


(a, b), (a, b) ∩ B é não enumerável, em especial B é denso em R.
Com esse resultado garantimos que o complementar de um conjunto enu-
merável é denso em R.

ê Demonstração. Sabemos que (a, b) é não enumerável, escrevemos

(a, b) = [(a, b) ∩ A] ∪ [(a, b) ∩ (R \ A)] = [(a, b) ∩ A] ∪ [(a, b) ∩ B],

sabemos que (a, b) ∩ A é enumerável se (a, b) ∩ B também o fosse, chegarı́amos no


absurdo de (a, b) ser enumerável, por ser união finita de conjuntos enumeráveis ,
portanto (a, b) ∩ B é não enumerável e B é denso em R.

Z Exemplo 7. Um conjunto pode não ser enumerável e também não ser denso
em R, como (a, b).

$ Corolário 16. O conjunto T dos números transcedentais é não enumerável e


denso em R. Pois A o conjunto dos números algébricos é enumerável, T = R \ A,
como complementar dos números algébricos T é não enumerável e denso em R.

b Propriedade 44. Para cada f : N → N seja Af = {n ∈ N | f(n) 6= 1}. O


conjunto M das funções, f : N → N tais que Af é finito é um conjunto enumerável.

ê Demonstração. Seja Bn o conjunto das f : N → N, tais que |Af | = n,


vamos mostrar inicialmente que Bn é enumerável. Cada f : N → N é uma sequência
(f(1), f(2), f(3), · · · , f(n), · · · ), os elementos de Bn são as sequências que diferem da
unidade em exatamente n valores. Para cada elemento f de Bn temos n termos
diferentes de 1, que serão simbolizados por

f(k1 ), f(k2 ), · · · , f(kn ) onde k1 < k2 < · · · < kn

definimos g : Bn → Nn como
f(k ) f(k ) f(k )
g(f) = (pk1 1 , pk2 2 , · · · , pkn n )
28 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

onde cada pt é o t-ésimo primo. A função definida dessa forma é injetora, pois se
vale g(f) = g(h) então
f(k ) f(k ) f(k ) f(k 0 ) f(k 0 ) f(k 0 )
(pk1 1 , pk2 2 , · · · , pkn n ) = (qk 0 1 , qk 0 2 , · · · , qkn0 n )
1 2

por unicidade de fatoração em primos segue que qt = pt e kt = kt0 ∀ t.


[∞
Agora escrevemos M = Bk é uma união enumerável de conjuntos enumeráveis,
k=1
portanto o conjunto das funções f : N → N tais que Af é finito é enumerável.

b Propriedade 45. Todo conjunto infinito se decompõe como união de uma


infinidade enumerável de conjuntos infinitos, dois a dois disjuntos.

ê Demonstração. Todo conjunto X infinito possui um subconjunto infinito


enumerável E = {b1 , b2 , · · · , bn , · · · }, tomamos b2k = xk e formamos o conjunto A =
{x1 , x2 , · · · , xn , · · · }. Definimos Bk = {xαpkk , αk ∈ N}, onde pk é o k-ésimo primo e
[∞
B0 = A \ Bk , cada um desses conjuntos B0 , B1 , · · · é infinito e todos são disjuntos,
k=1
[∞
vale A = Bk , definimos B−1 = (E ∪ X) \ A que é infinito e disjunto com todo outro
k=0
Bk , com isso temos

[
X= Bk
k=−1

que é uma união enumerável de conjuntos infinitos disjuntos.

1.4 Conjuntos não enumeráveis


Nem todo conjunto é enumerável. Vamos mostrar que existe um conjunto que
não pode ser enumerado.

b Propriedade 46. O conjunto X das sequências (xn ) tais que dado n, xn = 0


ou xn = 1 é não enumerável.

ê Demonstração.
Vamos supor por absurdo que tal conjunto seja enumerável com a enumeração
s : N → X , tal que dado v natural associamos a sequência sv = (xv (n) ). Podemos
1.4. CONJUNTOS NÃO ENUMERÁVEIS 29

então tomar o elemento y = (yn ), definido da seguinte maneira: yn 6= xn (n) , podemos


tomar yn dessa maneira pois se para n fixo vale xn (n) = 0 escolhemos yn = 1, se
xn (n) = 1 escolhemos yn = 0, daı́ tem-se que y 6= sv para todo v natural, logo y não
pertence a enumeração, o que é absurdo. Logo a sequência é não enumerável.

b Propriedade 47. P(N) é não enumerável.

ê Demonstração. Definimos a função f : X → P(N) (onde X é o conjunto


de sequências de elementos 0 ou1 ) da seguinte maneira para cada sequência (xk ),
definimos f(xk ) = V = {k | xk 6= 0}. Tal função é bijeção pois dadas duas sequências
distintas (xk ) e (yk ) então existe k tal que xk 6= yk , sem perda de generalidade,
yk = 0 então k ∈
/ f(yk ) e k ∈ f(xk ) logo as imagens são distintas. A função também
é sobrejetiva pois dado um subconjunto V ⊂ N a ele está associado a sequência (xk )
onde xk = 0 se k ∈
/ V e xk = 1 se k ∈ V .
Como tal função é bijeção e X é não enumerável, segue que P(N) também é não
enumerável.

b Propriedade 48. Existe bijeção entre intervalos fechados. Seja um intervalo


A = [a, b] e um intervalo B = [c, d] (supondo d 6= c e b 6= a) então a função
(x − a)
f(x) = c + (d − c) é uma bijeção entre os conjuntos A e B. Primeiro vamos
b−a
mostrar que é injetiva f(x) = f(y) ⇒ x = y

(x − a) (y − a) (x − a) (y − a)
c + (d − c) = c + (d − c) ⇒ (d − c) = (d − c) ⇒x=y
b−a b−a b−a b−a

agora que é sobrejetora, dado y em [c, d] encontrar x tal que f(x) = y

(x − a) (y − c)(b − a)
c + (d − c) =y⇔ +a=x .
b−a d−c
O mesmo vale para intervalos abertos.
30 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

m Definição 7. Sejam A e B dois conjuntos, simbolizaremos por F(A, B) o


conjunto de todas as funções f : A → B.

F Teorema 2 (Cantor). Sejam A um conjunto arbitrário e B um conjunto con-


tendo pelo menos dois elementos, então nenhuma função f : A → F(A, B) é
sobrejetiva.

ê Demonstração. A função f : A → F(A, B) associa a um elemento de x de A a


um elemento y de F(A, B), que por sua vez é uma função de A em B, y : A → B, que
denotaremos por fx = y. Para mostrar que f não é sobrejetiva, temos que mostrar
que existe z em F(A, B) tal que para nenhum x ∈ A vale fx = z.
Definiremos z : A → B da seguinte maneira, para todo x ∈ A fixo temos que fx (x)
é um elemento de B, como B possui no mı́nimo dois elementos, então associamos
z(x) a um elemento diferente de fx (x), assim as funções(imagens da função) z e fx
são distintas para todo x (pois diferem em um elemento) , logo f : A → F(A, B) não
pode ser sobrejetiva.

$ Corolário 17. Não existe Bijeção entre A e F(A, B), onde A é um conjunto
arbitrário e B possui pelo menos dois elementos. Pois uma bijeção é uma função
que é ao mesmo tempo injetiva e sobrejetiva, porém não existe função sobrejetiva
entre esses conjuntos.
Tomando A = N e B como acima concluı́mos que não existe bijeção entre N
Y

e F(N, B), logo F(N, B) é não enumerável. F(N, B) = B é o produto cartesiano
k=1
infinito , pois F(N, B) é o conjunto das funções de N em B (sequências de elemen-
Y∞
tos em B), B é o conjunto das sequências de elementos em B também. Então
k=1
se B possui mais de 1 elementos o produto cartesiano infinito é não enumerável.
Se B é enumerável infinito segue também que o produto cartesiano infinito é não
enumerável.
1.4. CONJUNTOS NÃO ENUMERÁVEIS 31

b Propriedade 49. Existe bijeção entre P(A) e F(A, {0, 1}). Os elementos de
P(A) são subconjuntos de A.

ê Demonstração. Seja a função C : P(A) → F(A, {0, 1}), chamada de função


caracterı́stica, definida como: Dado V ∈ P(A), CV deve ser uma função de A em
{0, 1}, definimos então CV (x) = 1 se x ∈ V e CV (x) = 0 se x ∈
/ V.
Tal função é injetiva, pois sejam V 6= H elementos de P(A) então CV é diferente
de CH , pois existe, por exemplo, x1 ∈ H tal que x1 ∈
/ V e x1 ∈ A e vale CV (x1 ) = 0 e
CH (x1 ) = 1, logo as funções são distintas.
A função é sobrejetiva, pois dado um elemento y de F(A, {0, 1}), ele deve ser uma
função de A em {0, 1}, então existe um subconjunto V que contém todos x ∈ A tal
que y(x) = 1 e para todo x ∈ L = A \ V tem-se y(x) = 0, tal função é a mesma que
CV . Logo a função é bijetora.

$ Corolário 18. Não existe bijeção entre os conjuntos A e P(A), pois não existe
função sobrejetiva entre A e F(A, (0, 1)) essa última que está em bijeção com P(A).
Em especial não existe bijeção entre N e P(N).

b Propriedade 50. O intervalo [0, 1] não é numerável.

ê Demonstração. Há infinitos racionais no intervalo [0, 1], então tal conjunto
não é finito. Usaremos também que todo real x ∈ [0, 1] admite uma representação da
forma
X

x= ak 10−k
k=1

com ak ∈ A = {0 ≤ s ≤ 9, s ∈ N.}
Suponha uma numeração x : N → [0, 1], onde

X

xn = a(n,k) 10−k
k=1

agora seja bk , com bk 6= 0, 9, a(k,k) , definimos

X

y= bk 10−k
k=1
32 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

y não possui duas representações decimais e y 6= xn para todo n, pois possuem


representações decimais distintas. Logo qualquer numeração omite um número real
no intervalo, assim [0, 1] não é enumerável.

$ Corolário 19. Qualquer intervalo [a, b] é não enumerável, pois existe bijeção
entre [a, b] e [0, 1]. E da mesma maneira (a, b) não é enumerável, pois se fosse
[a, b] = (a, b) ∪ {a} ∪ {b} seria enumerável.
Da mesma maneira [a, b) e (a, b] são não enumeráveis.

b Propriedade 51. Se A é não enumerável e A ⊂ B então B é não enumerável.

ê Demonstração. Se B fosse enumerável então A ⊂ B deveria ser enumerável.

$ Corolário 20. R é não enumerável, pois (0, 1) ∈ R e (0, 1) é não enumerável.

Z Exemplo 8. Mostrar uma bijeção entre os conjuntos [0, 1] e (0, 1). Definimos
1
o conjunto A = { | n ∈ N} e B = A ∪ {0} ∪ {1}. Definiremos com isso uma
n+1
1 1
função f : [0, 1] → (0, 1) que seja bijetora . Definimos f|B como f(0) = , f(1) = e
2 3
1 1
f( )= para n ∈ N , sua imagem é o conjunto A. Tal restrição é injetora.
n+1 n+3
Definimos também f|[0,1] \B com f(x) = x, essa restrição também é injetora, como
as restrições são disjuntas e sua união dá [0, 1] tem-se que a função f é injetora.
Agora, dado x ∈ (0, 1), se x ∈ A então existe y ∈ B tal f(y) = x, se x ∈ (0, 1) \ A,
então f(x) = x o que mostra que a função é sobrejetora, logo bijetora.
Como existe bijeção entre [0, 1] e (0, 1) então (0, 1) é não enumerável, pois pelo
que mostramos [0, 1] não é enumerável.

Generalizamos o exemplo anterior


1.4. CONJUNTOS NÃO ENUMERÁVEIS 33

Z Exemplo 9. Seja C um conjunto infinito, construir uma bijeção entre C e


C \ {a1 , a2 , a3 , a4 , · · · , ap }, isto é, construir uma bijeção entre C e C menos um
| {z }
=T
número finito de pontos. Tomamos A = {ap+1 , ap+2 , · · · } ⊂ C conjunto formado
por elementos distintos de C e tal que T ∩ A = ∅, podemos tomar A dessa maneira
pois C infinito possui subconjunto enumerável. Definimos B = {a1 , a2 , · · · , ap } ∪
{ap+1 , ap+2 , · · · } = {a1 , a2 , · · · , ap , ap+1 , ap+2 , · · · }.
Definimos f restrita à B como

f(a1 ) = ap+1 , f(a2 ) = ap+2 , f(a3 ) = ap+3 , · · · , f(at ) = ap+t

como A e T são disjuntos, tal aplicação é função, sua imagem é A e a função é


tal que sua restrição é injetiva.
Definimos agora f restrita à C \ B como f(x) = x, ela é injetiva e tem imagem
C \ B. Logo fica definida f de (C \ B) ∪ B = C com imagem (C \ B) ∪ A =
C \ {a1 , a2 , · · · , ap } sendo injetiva e sobrejetiva, logo bijetiva.
Com isso conseguimos bijeção entre C e C \ {a1 , a2 , · · · , ap } onde C é infinito.
É necessário que C seja infinito, pois se C fosse finito não terı́amos bijeção do
conjunto com sua parte própria.
Por exemplo, bijeção entre [0, 1] e (0, 1) nesse caso tiramos 0 e 1. Bijeção entre
1 1
[0, 1] e (0, 1], tiramos o 0. Bijeção entre [0, 1] e (0, ) ∪ ( , 1) tiramos três pontos
2 2
1
0, e 1.
2

Z Exemplo 10. Vamos dar um exemplo de bijeção entre C um conjunto infinito


e C \ {b1 , b2 , b3 , · · · , bn , · · · } onde esse último conjunto é infinito, se tal conjunto
| {z }
=T
fosse finito não seria possı́vel construir bijeção, pois terı́amos bijeção entre con-
junto infinito e finito, o que é absurdo. Definimos A = {a1 , a2 , a3 , · · · , an , · · · } ⊂
C A ∩ T = ∅, B = A ∪ T = {a1 , a2 , a3 , · · · , an , · · · , b1 , b2 , · · · , bn , · · · }, a restrição de
34 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

f à B como
f(b1 ) = a1 , f(b2 ) = a3 , f(b3 ) = a5 , · · · , f(bt ) = a2t−1

f(a1 ) = a2 , f(a2 ) = a4 , f(a3 ) = a6 , · · · , f(ak ) = a2k

a função definida assim é injetiva e sua imagem é A.


Definimos agora f restrita à C \ B como a identidade, f(x) = x, ela é injetiva
e sua imagem é C \ B. Tal função é definida em (C \ B) ∪ B = C tem imagem
(C \ B) ∪ A = C \ T , sendo injetiva e sobrejetiva logo bijeção.
Com isso conseguimos construir uma bijeção entre C um conjunto infinito e
C \ T conjunto infinito onde T é enumerável (finito ou infinito).
Por exemplo, construı́mos bijeção entre R e R \ Q o conjunto dos irracionais,
R em R \ Z, etc. Em geral o conjunto retirado T não pode ser não enumerável,
pois C pode ser infinito enumerável.

Daremos outra demonstração de que o conjunto dos números reais é não enu-
merável.
ê Demonstração. Existe função injetiva f : N → R, por exemplo a de lei f(n) =
n . Iremos mostrar agora que não existe função sobrejetora de N em R, logo nenhuma
dessas funções pode ser bijetora. Construiremos uma sequência (Ak ) decrescente de
intervalos limitados e fechados tais que f(n) ∈
/ An , ∀ N, logo dado um número real

\
c ∈ (que tem existência garantida pelo teorema de intervalos encaixados), vale
k=1
que f(n) 6= c para qualquer n, pois se fosse f(n) = c ∈ In , implicaria f(n) ∈ In que
é absurdo. Nesse caso f não pode ser sobrejetora. Dado f(1) fixo tomamos A1 tal
que f(1) ∈
/ A1 . Supondo que f(k) ∈
/ Ak , ∀ k ∈ In , temos dois casos a considerar,
f(n + 1) ∈
/ An , daı́ tomamos An = An+1 , caso contrário, f(n + 1) ∈ An = [an , bn ], daı́
um dos extremos do intervalo deve ser diferente de f(n + 1), digamos an , nesse caso
podemos tomar an = an+1 e an < bn+1 < f(n + 1), logo f(n + 1) ∈
/ An+1 = [an+1 , bn+1 ]
que concluı́ a demonstração.
Podemos provar de outra maneira que (0, 1) é não enumerável, pois se fosse
(n, n + 1) seria enumerável e daı́ (n, n + 1] também, porém
[
R= (x, x + 1]
x∈Z
1.4. CONJUNTOS NÃO ENUMERÁVEIS 35

seria união enumerável de enumeráveis, logo R seria enumerável, o que é absurdo,


portanto (0, 1) é não enumerável e qualquer outro intervalo também.

$ Corolário 21. Existem números que não são racionais. Dado um intervalo
(a, b) ele não pode possuir apenas números racionais, pois se não seria enu-
merável, portanto tal conjunto possui uma quantidade não enumerável de números
não racionais.

m Definição 8 (Números irracionais). Um número real é dito irracional se ele


não é racional.

$ Corolário 22. Existem números irracionais.

m Definição 9 (Subconjunto estável). Seja f : X → X uma função. Um conjunto


Y ⊂ X chama-se estável relativamente a f quando f(Y) ⊂ Y.

$ Corolário 23. X é sempre estável em f : X → X pois f(X) ⊂ X.

b Propriedade 52. X é finito ⇔ existe f : X → X que só admite subconjuntos


estáveis ∅ e X.

ê Demonstração. Iremos considerar sempre conjuntos não vazios.


⇒). Suponha X finito, então X = {a1 , · · · , an }, definimos f : X → X como f(a1 ) = a2 ,
f(a2 ) = a3 , em geral f(ak ) = ak+1 se k < n e f(an ) = a1 . f não possui subconjunto
estável diferente de X, pois, suponha um conjunto Y 6= X estável, a1 não pode perten-
cer ao conjunto, pois se não f(a1 ) = a2 ∈ Y , f(a2 ) = a3 ∈ Y até f(an−1 ) = an ∈ Y então
terı́amos Y = X o que é absurdo, da mesma maneira se at ∈ Y então f(at ) = at+1 ∈ Y ,
f(at+1 ) = at+2 ∈ Y , em menos de n aplicações da função teremos f(an−1 ) = an ∈ Y
36 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

e daı́ f(an ) = a1 ∈ Y o que implica Y = X, logo não podemos ter outro subconjunto
estável além de X com a função f definida acima.
⇐).
Suponha X infinito, vamos mostrar que qualquer função f : X → X possui subcon-
junto estável Y 6= X.
Tomamos a1 ∈ X, consideramos f(a1 ) := a2 se a1 = a2 paramos e temos o conjunto
Y = {a1 } 6= X pois X é infinito, se não continuamos a aplica a função f(a2 ) := a3 , se
a3 = a2 ou a1 então paramos e tomamos Y = {a1 , a2 }, continuamos o processo recur-
sivamente f(ak ) : ak+1 se ak+1 é igual a algum dos elementos de {a1 , · · · , ak }, então
paramos o processo e tomamos Y = {a1 , · · · , ak }, se para todo k ∈ N os elementos
ak+1 = f(ak ) não pertencem ao conjunto {a1 , · · · , ak }, então temos um conjunto

= {a2 = f(a1 ), f(a2 ) = a3 , f(a3 ) = a4 , · · · , f(an ) = an+1 , · · · }

tomamos tal conjunto como Y e temos

f(Y) = {f(a2 ) = a3 , f(a3 ) = a4 , · · · , } ⊂ Y

podemos observar que Y 6= X pois a1 ∈


/ Y. Assim concluı́mos nossa demonstração.

b Propriedade 53. Seja f : A → A injetiva, tal que f(A) 6= A, tomando


x ∈ A \ f(A) então os elementos fk (x) de O(x) = {fk (x), k ∈ N} são todos distintos.
Estamos denotando fk (x) pela k-ésima composição de f com ela mesma.

ê Demonstração. Para todo t vale que ft é injetiva, pois a composição de


funções injetivas é injetiva.
Se existisse k 6= t tal que fk (x) = ft (x), t > k , então existe p > 0 ∈ N tal que
t=k+p
fk+p (x) = fk (fp (x)) = fk (x)

por injetividade de fk segue que fp (x) = x, logo x ∈ f(A) o que contraria a hipótese
de x ∈ A \ f(A). Portanto os elementos são distintos.

b Propriedade 54. O conjunto das sequências crescentes de números naturais


não é enumerável.
1.5. CARDINALIDADE 37

ê Demonstração. Seja A o conjunto das sequências crescentes de números


naturais. Suponha que seja enumerável, então existe uma bijeção x : N → A

x1 = (y(1,1) , y(2,1) , y(3,1) , y(4,1) , · · · )

x2 = (y(1,2) , y(2,2) , y(3,2) , y(4,2) , · · · )


..
.

xn = (y(1,n) , y(2,n) , y(3,n) , y(4,n) , · · · )

vamos mostrar que existe uma sequência crescente que sempre escapa a essa
enumeração, tomamos a sequência s como

s = (y(1,1) + 1 , y(2,2) +y(1,1) + 1 , y(3,3) +y(2,2) +y(1,1) + 1, y(4,4) +y(3,3) +y(2,2) +y(1,1) + 1 , · · · )
X
t
denotando y(0,0) = 1 o t-ésimo termo da sequência acima é st = y(k,k) , tal
k=0
sequência é crescente e ela difere de cada xt na t-ésima coordenada, portanto ela
não pertence a enumeração, o que é absurdo, portanto o conjunto das sequências
crescentes é não enumerável.

Z Exemplo 11. A função f : R → (−1, 1) com f(x) = √1 x+ x 2


é bijetora.
Ela está bem definida em R, pois o único problema possı́vel seria o termo
dentro da raı́z no denominador ser não positivo, o que não acontece pois x2 + 1 ≥ 1,
x1 x
ela é injetora pois p = p 2 ⇒ x1 = x2 , sua imagem está contida
1 + x21 1 + x22
p √ x
no intervalo (−1, 1) pois 1 + x2 > x2 = |x| logo | √ | < 1 sendo também
1 + x2
pois dado y ∈ (−1, 1) temoss|y| < 1 ⇒ y2 < 1 ⇒ 0 < 1 − y2 , podemos
sobrejetora, s
y2 y2
tomar x = se x ≥ 0 e x = − caso x < 0 e daı́ vale f(x) = y
1 − y2 1 − y2
(Podemos perceber pela definição que x ≥ 0 ⇔ y ≥ 0 e x ≤ 0 ⇔ y ≤ 0 ).

1.5 Cardinalidade

m Definição 10 (Conjuntos de mesma cardinalidade). Dois conjuntos A e B são


ditos ter a mesma cardinalidade, quando existe uma bijeção f : A → B, neste caso
38 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

dizemos também que a cardinalidade de A é igual a de B, nesse caso denotamos


card(A) = card(B) ou |A| = |B|.

m Definição 11. Dizemos que card(A) < card(B) ( que é dito, a cardinalidade
de A é menor que a cardinalidade de B) quando existe função injetiva f(A) → B,
porém não existe função sobrejetiva f : A → B.

b Propriedade 55. Sejam A enumerável e B não enumerável, então card(A) <


card(B).

ê Demonstração. Suponha que exista f : A → B sobrejetiva. Para cad y ∈ B


escolhemos x ∈ A tal que f(x) = y e com isso definimos g(y) = x, g : B → A, como
g : B → G(B) ⊂ A então existe bijeção de um conjunto não enumerável A com um
conjunto enumerável G(B), o que é absurdo, então não existe função sobrejetiva e
vale card(A) < card(B).

$ Corolário 24. Como R é não enumerável e N é enumerável, temos que

card(N) < card(R),

assim como temos card(Q) < card(R) e card(Z) < card(R), pois Q e Z são
enumeráveis .

b Propriedade 56. Seja X um conjunto não enumerável e Y um conjunto


enumerável, então vale
|X| = |X ∪ Y| = |X \ Y|.

ê Demonstração. A propriedade |X| = |X \ Y| foi provada na seção anterior.


Vamos provar que |X| = |X ∪ Y| usando esse resultado. Definimos A = X ∪ Y , tal
conjunto é não enumerável, podemos considerar Y disjunto com X para todos os
efeitos, daı́ A\Y = X é não enumerável, pelo primeiro resultado temos que |A\Y| = |A|
daı́ |X| = |X ∪ y|.
1.5. CARDINALIDADE 39

m Definição 12 (Função caracterı́stica). Sejam um conjunto A e V um sub-


conjunto qualquer de A, definimos

Cv (t) = 0 se x ∈
/V

Cv (t) = 1 se x ∈ V

b Propriedade 57. Sejam X, Y ⊂ A. Valem as propriedades.

• Cx∩y = Cx Cy

• Cx∪y = Cx + Cy − Cx∩y e Cx∩y = 0 ⇔ X ∩ Y = ∅.

• Se X ⊂ Y ⇔ Cx ≤ Cy .

• CA\X = 1 − Cx .

ê Demonstração.

• Cx∩y = Cx Cy . Temos dois casos a analisar, se t ∈ X ∩ Y então

Cx∩y (t) = 1 = Cx (t) Cy (t),


| {z } | {z }
1 1

se t ∈
/ X ∩ Y podemos supor t ∈
/ Y então

Cx∩y (t) = 0 = Cx (t) Cy (t) .


| {z }
0

• Cx∪y = Cx + Cy − Cx∩y e Cx∩y = 0 ⇔ X ∩ Y = ∅.

Analisamos três casos.

1. Se t ∈ X ∩ Y então Cx∪y (t) = 1, Cx (t) + Cy (t) − Cx∩y (t) = 1 + 1 − 1 = 1, logo


vale a igualdade.

2. Se t ∈
/ X ∩ Y e t ∈ X ( sem perda de generalidade), então Cx∪y (t) = 1,
Cx (t) + Cy (t) − Cx∩y (t) = 1 + 0 − 0 = 1, logo vale a igualdade.
40 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

3. Agora o último caso, se t ∈


/ X, Y , Cx∪y (t) = 0 e Cx (t) + Cy (t) − Cx∩y (t) =
0 + 0 − 0 = 0, valendo novamente a igualdade.

Cx∪y = Cx + Cy ⇔ Cx∩y = 0 ⇔ Cx∩y (t) = 0 ∀ t ∈ A, isso significa que X e Y são


disjuntos.

• Se X ⊂ Y ⇔ Cx ≤ Cy . ⇒). Analisamos três casos

1. t ∈
/Y e t∈
/ Y daı́ t ∈
/ x e vale Cx (t) = 0Cy (t).
2. Se t ∈ Y e t ∈
/ x então Cx (t) = 0 ≤ Cy (t) = 1.
3. Se t ∈ Y tem-se t ∈ Y daı́ Cx (t) = 1 ≤ 1 = Cy (t).

Em qualquer caso vale a desigualdade.

⇐). Suponha que X não esteja contido em Y , então existe t tal que t ∈ X, t ∈
/Y
portanto vale cx (t) = 1 e cy (t) = 0 e não se verifica a desigualdade.

• CA\X = 1 − Cx .

Analisamos dois casos

1. Se t ∈
/ X então CA\X (t) = 1 = 1 − Cx (t).
| {z }
0
2. Se t ∈ X CA\X (t) = 0 = 1 − Cx (t).
| {z }
1

1.6 Teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein e aplicações

F Teorema 3 (Teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein). Sejam A e B conjuntos


tais que existem funções injetoras f : A → B e g : B → A. Nessas condições existe
bijeção entre A e B.

b Propriedade 58. Existe bijeção entre (0, 1)n em (0, 1).

ê Demonstração.
Primeiro mostramos uma função injetora de (0, 1)n em (0, 1). Um elemento de
(0, 1)n tem coordenadas
x1 = 0, x11 x12 x13 · · ·
1.7. O HOTEL DE HILBERT -BRINCANDO COM O CONCEITO DE INFINITO 41

x2 = 0, x21 x22 x23 · · ·

x3 = 0, x31 x32 x33 · · ·


..
.

xn = 0, xn1 xn2 xn3 · · ·

vamos tomar essas representações sem que possuam infinitos noves consecutivos.
Vamos denotar (x1 , x2 , · · · , xn ), uma n-upla, como (xk )n1 . Associamos a cada uma
dessas n-uplas o número real

f(x1 , x2 , · · · , xn ) = 0, x11 x21 x31 · · · xn1 x12 x22 x32 · · ·

percorrendo os algarismos de x1 depois os de de x2 etc.

• f é bem definida.

• f é injetora. Suponha que (xk )n1 6= (yk )n1 e f(xk )n1 = f(yk )n1 daı́ xk = yk ∀ k o que
é absurdo! portanto a função é injetora.

Agora construı́mos função g injetora entre (0, 1) e (0, 1)n com g(x) = (x, 0, · · · , 0),
realmente tal função é injetora pois se tivéssemos x 6= y e g(x) = g(y) terı́amos
(x, 0, · · · , 0) = (y, 0, · · · , 0), daı́ x = y , absurdo!
Pelo teorema de Cantor-Schroeder-Bernstein existe bijeção entre (0, 1) e (0, 1)n .

$ Corolário 25. Como existe bijeção entre (0, 1) e R, então também existe bijeção
entre (0, 1)n e Rn , portanto bijeção entre R e Rn .

1.7 O Hotel de Hilbert -Brincando com o conceito de

infinito
O Hotel de Hilbert possui infinitos quartos, em quantidade enumerável (1◦ quarto
, 2◦ quarto, etc.)
Certa vez, o hotel estava com 500 quartos ocupados quando chegou um ônibus
contendo uma infinidade enumerável de turistas. O responsável pela excursão se
42 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

dirigiu a recepção do Hotel e logo foi atendido pelo recepcionista. O recepcionista


informou que haviam 500 quartos ocupados, logo achou que dos infinitos turistas
500 ficariam sem quarto. Por sorte o gerente do Hotel, David Hilbert, estava por
perto no momento , ao ouvir sobre a situação foi a recepção e disse que não era
necessário nenhuma preocupação, haveria quarto para todos. O esquema que Hilbert
elaborou foi o seguinte:

Primeira famı́lia Quarto 501


Segunda famı́lia Quarto 502
.. ..
. .
n-ésima famı́lia Quarto 500 + n
.. ..
. .

e assim todos turistas poderiam ser hospedados.


Mal Hilbert acabara de pensar na divisão dos quartos quando chegou outro ônibus
no Hotel, também contendo uma quantidade infinita enumerável de Turistas. O
recepcionista do Hotel, que não sabia matemática, se desesperou, achava que teriam
que mandar todos aqueles turistas embora. Hilbert acalmou o recepcionista dizendo
que ainda assim haveria quarto para todos. Para solucionar o problema ele fez uma
nova divisão de quartos da seguinte maneira:

Primeiro ônibus Segundo ônibus


Primeira famı́lia → Quarto 501
Quarto 502 ← Primeira famı́lia
Segunda famı́lia → Quarto 503
.. .. ..
. . .

com isso ele consegui que todos fossem hospedados e portanto Hilbert salvou o
dia e todos viveram felizes para sempre. . . Na verdade Hilbert foi um pouco mais
precavido, ele supôs que poderiam chegar outros ônibus lotados de passageiros e
decidiu deixar ainda uma quantidade infinita de quartos vagos, caso chegassem
novos hospedes, assim sua divisão final ficou como
1.8. HIPÓTESE DO CONTÍNUO 43

Primeiro ônibus Segundo ônibus


Primeira famı́lia → Quarto 501
Vazio Quarto 502 Vazio
Quarto 503 ← Primeira famı́lia
Segunda famı́lia → Quarto 504
Vazio Quarto 505 Vazio
Quarto 506 ← Segunda famı́lia
.. .. ..
. . .

Naquele Verão ainda chegariam outros ônibus totalmente lotados de infinitos


passageiros e todos conseguiram um quarto e sempre sobravam infinitos quartos
para possı́veis novos passageiros.

1.8 Hipótese do contı́nuo


Provamos que o conjunto dos números reais R não é enumerável , isto é, não
existe bijeção de R em N, o infinito do conjunto dos naturais fica então sendo
considerado o menor dos infinitos e o infinito dos números reais, sendo maior que
dos naturais , em termo de cardinalidade pois existe função injetora de N em R, por
exemplo f : N → R com f(n) = n, porém não existe bijeção de N em R logo também
não existe sobrejeção , pois se houvesse sobrejeção haveria bijeção. Então temos que
card(N) < card(R), daı́ entra a hipótese do contı́nuo.

m Definição 13 (Hipótese do contı́nuo). Não existe conjunto A, tal que

card(N) < card(A) e card(A) < card(R).

Tal hipótese foi colocada por George Cantor, ela foi colocada como um dos 23
Problemas de Hilbert apresentados na conferência do Congresso Internacional de
Matemática de 1900, o que levou a que fosse estudada profundamente durante o
século XX. Cantor acreditava que seria verdadeira porém
em 1963, Paul Cohen demonstrou que a hipótese do continuum também não
44 CAPÍTULO 1. CONJUNTOS ENUMERÁVEIS E NÃO ENUMERÁVEIS

poderia ser provada a partir dos mesmos axiomas, se eles são consistentes.

• Em 1938 , Kurt Gödel demonstrou que a negação da hipótese do continuum


não poderia ser provada a partir dos axiomas ZFCa se eles são consistentes.

• Em 1963, Paul Cohen demonstrou que a hipótese do continuum também não


poderia ser provada a partir de ZFC, se eles são consistentes

Então a decisão sobre a hipótese do contı́nuo não pode ser resolvida em ZFC,
a proposição não pode ser demonstrada verdadeira ou falsa é um problema inde-
cidı́vel .
a
Axiomas de Zermelo-Fraenkel para teoria dos conjuntos, adicionados do axioma da escolha.

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