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IGREJA ANGLICANA

INTRODUÇÃO

É muito comum, hoje em dia, as pessoas se apresentarem como anglicanas,


afirmando representarem uma parcela do cristianismo que é uma terceira opção
entre o catolicismo e o protestantismo. Muitos se maravilham com essa idéia.
Será, no entanto, que isto é verdade? Pode uma igreja não ser católica, nem
protestante e, mesmo assim, possuir um legado teológico respeitável? É o que
vamos descobrir a seguir.

Em primeiro lugar, é preciso se entender que há uma grande diferença entre


"Igreja da Inglaterra" e a Igreja Anglicana. Isto se nota, claramente, a partir do
domínio do monarca, que apenas tem jurisdição sobre a igreja em solo britânico.
O rei (ou rainha, para falar do presente governo), que tem como "vigário geral" o
Arcebispo de Cantuária, propõe uma "via-média" para a vida da igreja inglesa.
Como isto funciona? Antes é preciso entender os motivos da singularidade deste
corpo eclesiástico.

1. Luta dos opostos: papistas e puritanos

Os ingleses cristãos vêem-se como descendentes da igreja celta. Igreja esta que
existia ali antes da romanização das ilhas britânicas, mediante Agostinho de
Cantuária. Desse modo, a separação entre a Igreja Inglesa e o Vaticano, no
reinado de Henrique VIII, no apogeu do movimento reformista, liderado por Lutero,
não marca, para eles, o início de uma nova igreja, mas um retorno à antiga fé
celta 1:

No Concílio de Whitby, em 663, após longas negociações, a Igreja Celta aceita se


submeter à autoridade papal. Uma segunda Sé Diocesana, no coração do
Cristianismo Celta, viria, posteriormente, a ser estabelecida, na cidade de York.
Os costumes dos Celtas cristãos foram preservados, a distância geográfica das
ilhas e a crescente autoridade dos seus reis concorreram para a manutenção de
laços limitados com a Igreja de Roma. [...] As idéias protestantes tiveram
entusiástica acolhida entre professores e estudantes das Universidades de Oxford
e Cambridge... [...] A Reforma da Igreja Cristã na Inglaterra, nesse contexto, viria,
pois, com Henrique VIII, sem ele, ou contra ele. O Anglicanismo, pois, não foi
fundado por aquele rei[1].

Até aqui, dá para se compreender tal posição. O espírito nacionalista afluía nos
ingleses. Acontece, entretanto, que a fé celta nunca persistiu historicamente como
sinal de singularidade e ortodoxia (WORMALD, 2006, PP. 223-224). O que fazer,
então? Aderir a proposta dos puritanos e subscrever os postulados de fé dos
calvinistas de Genebra ou retornar à "grande mãe de todas as igrejas", Roma,
como afirmavam (e afirmam) os papistas?
A decisão da Rainha Elizabeth I de manter a sua igreja em um meio- termo ou via-
média entre Roma e Genebra gerou, pois, uma instituição eclesiástica sem
doutrina sólida. Mesmo possuindo teólogos como Thomas Cramner (1489 –1556)
e Richard Hooker (1554 - 1600), a união da doutrina do episcopado (sucessão de
bispos em linha que remonta aos apóstolos), aliada à artigos de fé baseados em
proposições luteranas e calvinistas (39 artigos de religião), de maneira nenhuma
apresenta consistência, não obtendo sustentação teológica e aceitação das outras
grandes instituições cristãs, a saber, a Católico Romana, a Ortodoxa, a Luterana e
nem entre os calvinistas de qualquer gênero (presbiterianos, batistas,
congregacionais, reformados suíços etc[2]):

A Igreja Anglicana, em especial, não surgiu como essencialmente oposta ao


papado enquanto doutrina, mas sim ao poder que o Santo Padre exercia nos seus
domínios. Daí o famoso Ato de Supremacia – em 1534 o Parlamento inglês
declarou Henrique VIII "Senhor da Igreja da Inglaterra". Com isso houve um
levante de soldados invadindo mosteiros, tomando paróquias e confiscando os
bens da Igreja que, a partir de então, passaram a ser do Estado. São Tomás Moro
- Chanceler do Reino - e São João Fisher – Cardeal e Bispo de Rochester - foram
martirizados por se recusarem a obedecer ao decreto. [...] A estruturação da Sola
Scriptura contrastou com o próprio reconhecimento que o anglicanismo fazia não
só da Tradição, mas também dos primeiros Concílios e dos escritos dos Santos
Padres[3].

A inevitável conseqüência desta lamentável bagunça doutrinária na Igreja da


Inglaterra é o rompimento entre a teoria e a prática. Se evidencia tal realidade na
expansão colonial inglesa e a aderência de pessoas de diversos países à igreja
agora denominada "anglicana" (palavra que se refere à Igreja da Inglaterra, que
quer diz "terra dos anglos"), título que enfatiza a forte presença nacional no corpo
eclesiástico. É que, embora aja um teor monárquico em toda igreja inglesa no
mundo, fora do solo inglês, a soberania do rei ou rainha, entretanto, não pode
impelir os seus clérigos de ensinarem de acordo com as suas consciências, uma
vez que, como já foi dito, a doutrina da

"via-média" acentua a prisão da teologia pela política[4]:

No ano de 1534, o chamado Ato de Supremacia criou a Igreja Anglicana. Segundo


os ditames da nova Igreja, o rei da Inglaterra teria o poder de nomear os cargos
eclesiásticos e seria considerado o principal mandatário religioso. A partir dessa
nova medida, Henrique VIII casou-se com a jovem Ana Bolena. Além disso,
realizou a expropriação e a venda dos feudos pertencentes aos clérigos católicos.
Essa medida fez com que os nobres, fazendeiros e a burguesia mercantil
passassem a exercer maior influência política.
No governo de Elizabeth I, novas medidas foram tomadas para reafirmar o poder
da Igreja Anglicana. Alguns dos traços do protestantismo foram incorporados a
uma hierarquia e uma tradição litúrgica ainda muito próximas às do catolicismo.
Essa medida visava minimizar a possibilidade de um conflito religioso que
desestabilizasse a sociedade britânica. No seu governo foi assinado o Segundo
Ato de Supremacia, que reafirmou a autonomia religiosa da Inglaterra frente à
Igreja Católica[5].

2. Uma instituição: duas crenças

Com isso, à medida que a Igreja Anglicana se expande, de um lado, os mártires


puritanos são relembrados e mais próximo de Genebra ela está, mais perto dos
calvinistas se encontra. Já do outro lado, principalmente após o conhecido
movimento de Oxford, no século XIX, uma espécie de renovação católica no solo
inglês, liderado por Henry Newman (1801 -1890) e John Klebe (1792-1866), os
assim chamados "anglo-católicos" buscam vínculos com o Vaticano e sonham
com a plena unificação da fé católica sob o domínio do Papa[6]:

A High Church se caracteriza por se opor aos princípios essencialmente


reformados, esse setor do anglicanismo aprecia o legado tradicional católico, pré-
reforma, indo além ao pensar a Igreja com uma autoridade divinamente instituída,
uma hierarquia que remonta aos Apóstolos, com Sacramentos que

representam sinais visíveis da graça divina. A Alta Igreja não compreende o


rompimento da Inglaterra com Roma como um atestado de condenação aos
ensinamentos católicos, desse modo aceitam e louvam a Tradição e os Padres da
Igreja. Os setores dessa ala se distanciam da idéia protestante de Igreja. [...]
A Low Church já tem uma pensamento essencialmente protestante, se
enxergando como, de fato, uma Igreja reformada. Ela é herdeira das mais
tradicionais heranças puritanas e calvinistas, e dela vinha os não-conformistas.[...]
Os evangélicos, como ficaram conhecidos os fiéis da Baixa Igreja, tem uma
postura protestante. Existe, entre eles, uma radical defesa do primado da Escritura
e da salvação unicamente pela fé, centralizando toda a sua espiritualidade em
torno da Bíblia[7].

Vê-se, pois, que o conceito de "via-média" é propriedade de pessoas pouco


preocupadas com ortodoxia, uma vez que são mais políticas do que religiosas. Na
prática, entretanto, a força motriz do anglicanismo é a tensão entre romanistas e
calvinistas, entre papistas e puritanos. Em outras palavras, a "Igreja Anglicana", na
verdade, é uma instituição com dois sistemas de crença diferentes: um católico
romano, outro calvinista.

Conclusão

A luta entre papistas e puritanos não significa, pois, a inexistência de uma


"identidade" ou ethos anglicano.Na verdade, o que caracteriza esta igreja é o
conflito, a tensão que envolve católicos e protestantes, os ideais distintos de igreja
e estado que fundamentam a existência destes dois grupos.

É preciso, portanto, se se quer entender de forma profunda o anglicanismo, haver


um auscultamento não somente da práxis litúrgica, senão também da fé que está
por trás da aparente uniformidade deste corpo eclesiástico, posto que nem os
defensores do papado, nem os idealizadores de uma igreja purificada das
manchas do passado, estão, em todas as épocas, propondo comunhão entre luz e
trevas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Fontes Primárias

PACKER, James. Entre os Gigantes de Deus- Uma visão puritana da vida


cristã [1991]. São José dos Campos, Fiel, 1996.

CAVALCANTI, Robinson. Reforçando as trincheiras. São Paulo, Vida, 2007.

WORMALD, Patrick. Bede and the 'Church of the English', in The Times of Bede,
ed. Stephen Baxter. Oxford: Blackwell Publishing, 2006.

RAVAZZANO, Pedro. Apostolado Veritatis Splendor: IGREJA ANGLICANA:


CATÓLICA, VIA MÉDIA OU PROTESTANTE?. Disponível
emhttp://www.veritatis.com.br/article/5619. Desde 25/02/2009.

Fontes Secundárias

http://www.mundoeducacao.com.br/historiageral/anglicanismo.htm. Acesso em
17/08/09.

http://www.dar.org.br/adiocese2/news/news_item.asp?NewsID=4482.Acesso em
17/08/09.

http://www.veritatis.com.br/article/5619. Acesso 17/08/09.

Autor: Daniel Artur Emidio Branco

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