BIOÉTICA
São Luís
2014
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Gurgel, Ayala
Bioética / Ayala Gurgel. - São Luís: UemaNet, 2012. 2a. rev.
atualizada (2014).
131 p.
ISBN: 978-85-63683-46-5
CDU: 171
ÍCONES
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
UNIDADE 1
BIOÉTICA: genealogia e definições .................................................... 21
As bases históricas da Bioética .................................................. 21
Avanços científicos ............................................................. 22
Cidadania militante ..................................................................... 23
Medicalização da vida ................................................................ 23
Emancipação do paciente ......................................................... 24
Comitês de Ética em Pesquisa .................................................. 25
Necessidade de um paradigma moral ..................................... 26
Salvação da Ética ........................................................................ 27
As bases conceituais da Bioética .............................................. 28
Definição de Fritz Jahr ............................................................... 28
Definições de van Rensselaer Potter ....................................... 29
Definições de Warren T. Reich .................................................. 30
Definições de David Roy ............................................................ 32
Considerações sobre o conteúdo da unidade ............................... 34
UNIDADE 2
BIOÉTICA: discursos, paradigmas e enfoques ................................... 39
Critérios para tipologia dos discursos bioeticistas ......................... 39
Classificação dos paradigmas de Pessini e Barchinfontaine ...... 41
Classificação dos enfoques de Zoboli ...................................... 41
Classificação das vertentes valorativas de Pozzi .................... 41
Classificação das valorações axiológicas de Gurgel ............... 43
Teoria dos Enfoques em Bioética ................................................ 43
Enfoque principialista ....................................................................... 44
Enfoque da casuística ....................................................................... 44
Enfoque das virtudes ........................................................................ 47
Enfoque do cuidado ......................................................................... 52
Considerações sobre o conteúdo da unidade ............................. 53
UNIDADE 3
BIOÉTICA: princípios e aplicações .................................................... 59
Princípios em Bioética .............................................................. 59
Princípio de autonomia .................................................. 60
Princípio de Beneficência ............................................... 61
Princípio de Não-Maleficência ....................................... 62
Princípio de Justiça ........................................................ 62
Estudos de caso em Bioética ................................................... 66
Caso 1: Ética em pesquisa ............................................... 68
Caso 2: Executivos americanos retardam envelheci-
mento com hormônios .................................................. 69
Caso 3: Caso E.M ............................................................ 73
Caso 4: Caso Ryan Gracie ............................................... 79
Considerações sobre o conteúdo da unidade ........................ 82
UNIDADE 4
BIOÉTICA: problemas e reflexões .................................................... 87
A questão do especismo nas ciências ..................................... 87
Argumentos a favor da experimentação com animais ............ 89
Argumentos contrários à experimentação com animais ......... 91
Há solução para a questão ética da experimetação animal ...... 95
A questão da morte digna ....................................................... 98
A medicalização do morrer ............................................ 99
A qualidade de vida terminal ......................................... 104
Considerações sobre o conteúdo da unidade ......................... 106
EMENTA
Origem e evolução da Bioética. Filosofia, Deontologia Médica e
Ética Aplicada. As diferentes concepções da Bioética. O princípio
da sacralidade da vida e princípio da qualidade da vida. Bioética das
situações cotidianas: exclusão, cidadania, solidariedade e compromisso
social; bioética das situações limites ou de fronteira; questões de
nascimento, da vida, da morte e do morrer. Bioética e plurarismo moral.
OBJETIVOS
Geral
Demonstrar compreensão do instrumental teórico-metodológico
bioeticista.
Específicos
• Identificar os eventos que originaram a Bioética e as formações
conceituais iniciais desse movimento;
CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
UNIDADE 1
ORIGEM, EVOLUÇÃO E DEFINIÇÕES DE BIOÉTICA
UNIDADE 2
DIFERENTES CONCEPÇÕES E PARADIGMAS DE BIOÉTICA
UNIDADE 3
PRINCÍPIOS DE BIOÉTICA E SITUAÇÕES COTIDIANAS
UNIDADE 4
BIOÉTICA, PLURALISMO MORAL E QUESTÕES DE VIDA E MORTE
METODOLOGIA
O desenvolvimento e a avaliação da disciplina serão realizados de
acordo com as diretrizes e orientações para a Educação a Distância.
AVALIAÇÃO
A avaliação se dará em função dos objetivos propostos, levando em
consideração: a leitura dos textos sugeridos, o desenvolvimento das
atividades propostas, as anotações e os questionamentos levantados
e a participação nas discussões nos momentos presenciais.
APRESENTAÇÃO
Caro estudante,
Como iremos perceber, Bioética deveria ser uma palavra usada sempre
no plural, tantos são os seus significados, usos e abordagens. Talvez
tenhamos que falar dela como um movimento diverso e difuso, cuja
uma das interfaces é com a Filosofia. Talvez tenhamos que tratá-la como
algo em construção. Algo que ainda não dominamos completamente,
mas que já tem uma função social muito importante para a construção
do saber e das condutas morais no trato com as questões inerentes
aos avanços científicos, especialmente aquelas que envolvem a
manipulação de organismos vivos.
Bom estudo!
Mas, o que significa sentido oculto? Significa que há algo para além ou
aquém daquilo que se nomeia como Bioética? Sentido oculto não nos
remeteria à ideia de que Bioética é um evento de má fé? Ou mesmo que
há a necessidade de ritos iniciáticos associados a esse vocábulo? Ou
ainda que estaríamos lidando com uma conspiração tramada contra as
Sentido oculto de Bioética ciências, cujo termo seria apenas a sua forma pública de manifestação?
é o seu sentido ontológico,
aquele que subsiste Não é nessa direção que nos guiaremos. Neste curso, sentido oculto
às diversas operações
axiológicas que os bioeticistas
tem o mesmo significado de sentido ontológico, aquele que designa
particulares fazem. Não é um
sentido metafísico, no sentido
as propriedades de um termo cuja valência está para além de suas
de afastado da realidade, delimitações consensuais.
mas, ao contrário, é aquele
sentido que está por trás do
significado, da valência, da Esse sentido pode ser buscado em muitos lugares, de muitos modos.
palavra cada vez que ela é
usada. Vamos buscá-lo na sua serventia – ou seja, no uso que se faz dele –
seguindo o método da axiologia formal, de clara inspiração na lógica
ilocucionária de Vanderveken (1990-1991; 2004). Isso porque as
definições mais comuns e as pesquisas mais recentes tendem a colocar
Bioética como um tipo de ética, senão como parte integrante dos
estudos morais contemporâneos, o que a torna uma especificidade
dos discursos axiológicos mais gerais. E, como tal, ela fica submetida às
mesmas regras de qualquer valoração.
Operação axiológica é
Nessa ótica, uma operação axiológica realizada por um bioeticista é, na qualquer operação semântica
que implique uma valoração,
verdade, a apropriação de regras gerais da valoração. Saber, portanto, como são os juízos de valor
que fazemos sobre os estados
como operamos as nossas valorações é de fundamental importância de coisa. Por exemplo,
quando digo “é bom que se
para decifrarmos as valorações bioeticistas em particular. fale a verdade em um tribunal
para evitar perjúrio”, isso
é uma operação axiológica
E sobre o quê operam as valorações bioeticistas? Elas operam e o termo “é bom que” é o
operador axiológico.
basicamente sobre as mudanças, consequências e promessas de
mudanças, no âmbito da organização da vida, ocorridas com as ciências
nos últimos séculos.
Isso porque, nos dois últimos séculos, mais especialmente nos últimos
trinta ou quarenta anos, aconteceram coisas nas áreas da ciência e da
tecnologia que os maiores visionários não ousavam tirar do âmbito da
ficção. Falamos por celulares comprados em supermercados, usamos
microchips com milhares de informações, estudamos pela internet,
temos acesso a bibliotecas do mundo inteiro, baixamos filmes raros,
temos carros cada vez mais velozes, água potável reciclada a partir
de água salgada ou de esgotos, guerras com armas que possuem alta
precisão de ataque, transplantes de órgãos e clonagens de organismos,
vírus capazes de destruir a humanidade em questão de meses. Alguns
nomeiam isso de “avanços”, outros de “loucura”, outros ainda, os mais
religiosos, chamam de “sintomas do apocalipse”. Seja o que for, tais
eventos afetam tanto a nossa vida que não é possível ficar apático a
eles. Cedo ou tarde teremos que debater com alguém, em algum lugar,
alguma questão perpassada por um desses eventos.
Trata-se de uma contradição Há dois argumentos em jogo que precisam ser analisados. Ambos
entre ideias de um mesmo
discurso, ou de contradições compõem uma antilogia. Um de cada lado contradiz o outro. De um
entre as partes ou os passos
de um livro ou obra literária.
lado, o argumento que diz: “não é importante o que vai acontecer com
Quando há uma antilogia, o planeta e a vida que nele habita”; do outro lado, a sua negação: “é
somente um dos lados pode
ter razão, mas não é fácil importante o que vai acontecer com o planeta e a vida que nele habita”.
decidir qual.
Se ainda não ficou claro e suficientemente decidido o que vamos fazer
com a vida deste planeta, é preciso então mais cautela.
No século XX, Jonas (1990), entre outros, procurou reatar a cisão feita
em meados do século XIX que rompera filosofia e ciência. Para esse
autor, a reflexão filosófica sobre a ética tinha que urgentemente fazer
parte da mentalidade do homem tecnológico. Sem tal reflexão esse
homem poderia muito bem não só desorganizar a vida deste planeta,
como também mudar radicalmente os fundamentos da vida, de criar e
destruir a si mesmo. Uma consequência não desejável é que a ciência
se tornaria elitista e, mais que antes, a qualidade de vida se tornaria um
status discriminatório, fazendo com que todos os avanços políticos,
toda a tradição democrática, toda a luta por justiça e isonomia entre
os povos e as pessoas estivesse prontamente decidida como uma
hipótese falida.
Pensemos a respeito:
______. Success, Satisfaction and Truth in the Logic of Speech Acts and
Formal Semantics. In: DAVIS, S; GILLAN, B. (eds) Semantics A Reader.
Oxford: University Press, 2004.
1
político, econômico, social, jurídico, moral,
multidisciplinar, multicultural, humano, crítico
e, sobretudo, competente (não panfletário).
Avanços científicos
22 Curso de Bioética
Estes avanços têm produzido uma alteração na postura dos profissionais das
áreas biomédicas, como também no comportamento do público assistido.
Cidadania militante
Medicalização da vida
Emancipação do paciente
24 Curso de Bioética
as práticas médicas e científicas com seres humanos, que não
respeitassem a dignidade do ser humano e o poder de consentir
sua livre participação ou submissão a pesquisas e procedimentos
clínicos. Você pode acessar esse código, na íntegra e em português
no sítio http://www.bioetica.ufrgs.br/nuremcod.htm (acessado em
14/06/2012).
Isso tudo cria uma nova linguagem, incluindo termos como: É muito importante notar que
emancipação e autonomia não
consentimento informado (que após a Resolução 196/96 do CNS/MS são sinônimos. A autonomia
diz respeito à capacidade de
mudou para Termo de Consentimento Livre e Esclarecido), princípios de um indivíduo ser reconhecido
independência, emancipação e autonomia do paciente, entre outros. como capaz de tomar
certas decisões, o que será
sempre condicionado ao seu
repertório de possibilidades
efetivas para agir ou deixar de
Comitês de Ética em Pesquisa agir. A emancipação, por sua
vez, é a condição indispensável
para que um sujeito possa
ser considerado autônomo.
Ela é a ampliação dos seus
A criação e funcionamento dos CEH (Comitês de Ética Hospitalar), dos repertórios.
CBHs (Comitês de Bioética Hospitalar) e dos CEPs (Comitês de Ética em
Pesquisa) são também diferenciais genealógicos de Bioética.
26 Curso de Bioética
Essa base comum não pode ser como na ética tradicional, uma ética
de máximas, do mesmo modo que também não pode ser aos moldes
da ética analítica, que apenas examina os proferimentos morais sem
propor decisões concretas. Por essa razão, e outras, Adela Cortina
propõe uma ética de mínimos.
Salvação da Ética
Justamente por isso, tem sido bastante difícil para qualquer outra
concepção de Bioética manter-se, a não ser como uma vertente
revisionista ou apócrifa dessa tradição. Mesmo os países em que as
experiências de pesquisa e atentado à dignidade humana ou convivência
ambiental são totalmente distintas das que deram suporte às reflexões
dessa tradição são obrigados a se colocarem à sua disposição.
O termo proposto por Jahr (1927) seria a reunião da palavra Bio + Ethik,
oriundas do alemão e se refere não a um conceito, no sentido clássico,
mas a um imperativo, o que ele chamou de imperativo Bioético, sob a
forma: “Respeita cada ser vivo em princípio como uma finalidade em si
e trata-o como tal na medida do possível” (JAHR, 1927, p.2).
28 Curso de Bioética
Nesse sentido, não só a ideia de Bioética como uma ética antiespecista,
mas igualmente como ética deontológica, ou seja, baseada no princípio
das ações, são, portanto, credoras da elaboração de Jahr.
Essa definição estaria sob a tutela da ética, como mais adiante ele
coloca, e se deteria sobre temas ligados às ciências da vida. Assim,
Bioética é também “[…] o ramo da ética que enfoca questões relativas
à vida e à morte, propondo discussões sobre alguns temas, entre os
quais prolongamento da vida, morrer com dignidade, eutanásia e
suicídio assistido (POTTER, 1971, p.117).
30 Curso de Bioética
científico para Bioética, se contentando em apresentá-la como um
estudo sistemático. No entanto ele procura explicitar o caráter moral
desse estudo, acrescentando-lhe o atributivo variedade metodológica.
Ainda não fala de interdisciplinaridade como inerente a Bioética,
mas apresenta-a como um cenário no qual esse estudo deverá se
desenvolver. Intuitivamente Reich (1978) diferencia ética de moral e as
reúne em Bioética. Essa definição apareceu na Encyclopedia of Bioethics,
nos seguintes termos: "Bioética é o estudo sistemático da conduta
humana, no âmbito das ciências da vida e da saúde, examinada à luz
de valores e de princípios éticos" (REICH, 1978, p.116), que depois foi
revisada, em um artigo de 1995, ‘The word bioethics: the struggle over
its earlier meaning, para uma definição mais definitiva e usual entre os
pesquisadores, compilada, inclusive na edição de 1995, da Enciclopédia
de Bioética:
32 Curso de Bioética
A Bioética é o estudo interdisciplinar do conjunto
das condições exigidas para uma administração
responsável da vida humana, ou da pessoa humana,
tendo em vista os progressos rápidos e complexos do
saber e das tecnologias biomédicas (ROY, 1979, p.60).
• Clonagem;
• Transplante;
• Aborto;
• Eutanásia;
• Mistanásia;
• Ortotanásia;
• Alimentos transgênicos;
• Responsabilidade científica;
• Consentimento;
• Justiça;
• Autonomia;
• Tecnologias Medicamentosas;
• Armas químicas;
• Vírus artificiais;
Não se trata apenas de dizer que o termo foi forjado em 1927, por
Jahr, muito antes de Potter, em 1970, e que ali já se encontravam as
bases do que a reflexão posterior viria assumir ou negar em termos
de objetos de análises bioeticistas. Mais do que isso, Bioética se
mostrou ser um movimento que começou, paulatinamente, com o
eclodir das ciências ocidentais nos séculos XIX e XX. Ela é a outra face
desses desenvolvimentos. E não começou de uma forma pura, mas
presente em meio a obras literárias, como as de Stevenson e Shelley, e
filosóficas, como as reflexões de Rousseau, Nietzsche, Weber e Marx
sobre as ideologias científicas.
34 Curso de Bioética
vivos, especialmente os humanos. Ela se projetava entre a classe
intelectual que via, nesse modelo de desenvolvimento científico, um
risco potencialmente danoso e que deveria ser controlado.
RESUMO
Bioética não tem uma única definição, mas várias, desde as mais
desesperadoras àquelas que acreditam que Bioética é a salvação
da ética. Em meio a esses extremos, muitas outras operam com a
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade e
convidam a todas as áreas a pensar as questões Bioéticas porque é um
saber necessário, mas inacabado.
36 Curso de Bioética
Apesar de a origem do termo Bioética nos remeter ao
trabalho de Fritz Jahr, ainda no início do século XX, as
definições mais utilizadas de Bioética foram, certamente,
as elaboradas por Van Rensselaer Potter, Warren T. Reich
e David Roy. Isso porque, quando foi fundado em 1971 o
Instituto Kennedy de Ética na Universidade de Georgetown
pelo neonatologista André Hellegers, como o primeiro
Centro Nacional para a Literatura de Bioética e primeiro
programa de pós-graduação em Bioética do mundo, estava-
se assumindo uma tradição discursiva que ditaria as regras
conceituais do termo. Quais são essas definições?
JAHR, F. Bio Ethik. Eine Umschau über die ethichen Beziehung des
Meschen zu Tier und Pflanze. Kosmos. Sturttgart, n.24, 1927. p.2.
38 Curso de Bioética