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Gil Veloso
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador Carlos Egídio Alonso, pela sua dedicação e carinho enquanto estivemos
juntos, em que me transmitiu não apenas ensinamentos acadêmicos, mas também lições para a vida.
Agradeço à coordenadora do programa de Pós Graduação Eunice Abascal, pela dedicação e amizade
que pautou nossa vivência durante os últimos meses de dissertação, durante os quais me acolheu e
orientou. A Eunice dedico profunda admiração.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa Culturas e Cidade, pela contribuição com as experiências e
companheirismo.
27 INTRODUÇÃO
37 PAISAGEM E TERRITÓRIO
47 INTERVENÇÕES TEMPORÁRIAS
49 OS GRANDES EVENTOS
52 ESPAÇO PÚBLICO E VIDA COTIDIANA
54 CONDIÇÃO EFÊMERA NA CIDADE
61 ARTE E CIDADE
75 ARTE URBANA TRANSFORMADORA DO SUPORTE
81 CARÁTER CRÍTICO DA ARTE
85 PERCURSOS DO MINHOCÃO
90 MINHOCÃO
126 SOBRE O MINHOCÃO
147 SOB O ELEVADO
161 PERCEPÇÕES DOS PERCUSOS NOS BAIXIOS
INTRODUÇÃO
Assim como outras capitais brasileiras, a cidade de São Paulo é marcada por profundos processos
de desigualdade (políticos, econômicos, urbanos, sociais e culturais). Tais processos, porém, ao
contrário invés de conduzirem mundos sociais estanques e incomunicáveis, produzem, em suas
fronteiras, relações que se desdobram em práticas e modos de interpretação diferentes acerca do
próprio espaço urbano. O modo de construir a cidade e a consequente relação com a apropriação do
espaço público norteia o desenvolvimento deste trabalho, visando a elaboração de um olhar para a
leitura do território da cidade, fruto de ações e processos humanos e políticos.
Nesse sentido, a dissertação analisa as formas de organização e intervenção espaciais que procuram
criar imaginários mais agradáveis e alternativos à cidade, mantendo foco sobre a dimensão social e
artística de apropriação de seus espaços.
O local escolhido como objeto de estudo é o Elevado Costa e Silva, popularmente conhecido como
Minhocão. O Elevado Costa e Silva ligação viária concebida no início dos anos de 1970, como
alternativa para o escoamento do trânsito da capital paulista entre as zonas leste e oeste. Tendo sido
construído sobre as avenidas São João, General Olímpio da Silveira e Amaral Gurgel, tornou-se objeto
de polêmica desde a sua instalação.
Uma grande massa de concreto e asfalto que passa a poucos metros das janelas dos prédios se
tornou sinônimo da degradação da região. A grande área coberta, criada sob o extenso viaduto, de
cerca de 3km de extensão, gerou áreas de sombra, segregadas e marginalizadas do entorno.
Logo após sua inauguração, se vislumbravam ações no sentido de tornar a parte inferior do Minhocão
mais agradável por meio de intervenções de caráter artístico, que utilizavam o grande suporte de
concreto ali disponibilizado. Os pilares foram grandemente explorados ao longo dos tempos e, por
meio desta pesquisa, é possível identificar muitas apropriações criativas feitas.
Procura-se, assim, investigar esse espaço público e as relações sociais entre seus usuários e a cidade,
verificando quais os significados do elevado e como a apropriação artística interfere no cotidiano e
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Esse objeto de estudo foi escolhido, particularmente, devido à curiosidade da autora a respeito da
dinâmica social que envolve as relações naquele local. As quatro décadas de idade do emblemático
Elevado, símbolo de segregação sócio-espacial da região, coincidem com a idade da autora, que
sempre se deparou com a imensidão do artefato de concreto, em situações e em períodos variados de
sua vida. Há aproximadamente 10 anos, quando se mudou para a região, teve contato mais estreito
com a “vida” que há naquele lugar e as diversas apropriações que o Elevado e seu entorno vivenciam.
Esta investigação é fruto de uma curiosidade a respeito da relação entre essas apropriações e a
cidade, bem como os modos pelos quais as pessoas se utilizam daquele lugar e o sentimento que
essas interações produzem no contexto urbano. Também se partiu de uma curiosidade existente
acerca da comunicação, a partir das interferências no espaço público, por meio da linguagem de
signos, sejam grafites, grapichos, pinturas, bombs e demais intervenções que dialogam com a cidade,
e também a respeito dos eventos, festas, apropriações espontâneas que utilizam a estrutura do
Elevado como suporte de arte pública.
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INTRODUÇÃO
Acredita-se que a virtuosidade cívica pode ser desenvolvida mediante a intervenção no espaço urbano
criada. A alienação e os efeitos segregadores sentidos no espaço, gerados pelo capitalismo (DEBORD,
1992) atingem o centro da questão debatida neste trabalho, de porque razão a participação coletiva
é importante [arte participativa]: para humanizar a sociedade que vive em um espaço atavicamente
fragmentado pela instrumentalização repressiva da produção capitalista.
A arte do fraco (CERTEAU, 1998), o usuário possível de todos os espaços formais e informais, manifesta
o espaço público como expressão legítima da contemporaneidade, na Metrópole. As manifestações
artísticas nas pilastras do Minhocão são desprovidas de poder, mas apontam legitimidade,
reconhecimento, moralidade.
A “arte participativa”, em seu sentido mais restrito, acaba com a ideia de espectador e sugere um novo
entendimento de arte sem audiência, uma arte em que todos são produtores. A pesquisa se divide em
três etapas, que expressam diferentes temas: Paisagem e Território, Arte e Cidade e Percursos. Optou-
se por articular a fundamentação teórica e conceitual da pesquisa ao desenvolvimento desses três
tópicos. No primeiro capítulo, procuramos entender o que seria a paisagem urbana contemporânea,
por meio da observação de diversas manifestações artísticas na cidade. Verificamos assim que a
cidade não é feita exclusivamente de infraestrutura e técnica, a arte é parte constituinte de seu
corpo. Pensar em cidade sem arte significa a eliminação da cena urbana, corresponde a um processo
de “degradação do fenômeno urbano”. (ARGAN, 1992, p. 43). A observação empírica e a experiência
urbana do cotidiano sugerem um estado de deslocamento do cidadão como que habitante de “não
lugares” (AUGÉ, 1994, p. 73) (assentamentos desprovidos de significado). É possível localizar uma
inquietação, um desconforto: qual é o nosso lugar na cidade? Nosso, como coletivo; lugar na cidade
como esfera pública no espaço público. (GHIRARDO, 2009).
Ainda neste primeiro capítulo, onde o olhar se volta para a paisagem urbana, procura-se revelar
situações sobretudo afeitas à própria área de estudo (Minhocão) relativos à vivência da condição
efêmera do mundo contemporâneo, desenvolvendo importantes conceitos que são ferramentais
para compreender e analisar as apropriações espaciais de que nos ocuparemos adiante.
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
A característica crítica da arte urbana, na articulação das apropriações do espaço citadino é fator
importante no estudo para entendimento destas relações do cidadão com o espaço público que
detem um sentido estético.
No último capítulo (Percursos), por meio da vivência e da experimentação destes (JACQUES, 2014),
desenvolvemos o reconhecimento das apropriações, manifestações de arte e festas que acontecem
no Minhcão, procurando compreender o que o constitui como um lugar, estabelecendo relações
com as características urbanas. As manifestações artísticas serão analisadas por meio de conceitos
atribuídos às intervenções temporárias e às características que os lugares tendem a estabelecer em
função da apropriação por meio destas intervenções (FONTES, 2013). Serão verificadas por meio
de observações sistemáticas e pesquisa bibliográfica, as dimensões artísticas destas intervenções,
ou seja as convergências e divergências com o mundo da arte formal; as dimensão simbólicas, a
interação e vivência com o real, manifestando uma narrativa introspectiva particular a respeito das
manifestações artísticas e destacando seu caráter transgressor como forma de dialogar com a cidade
e, por fim, a dimensão urbana, Influência na paisagem urbana do bairro, reconhecimento das pré-
existências, fluxos e vida.
O Minhocão, grande obra de infraestrutura urbana da cidade, representa uma grande cicatriz, marca
da fragmentação do tecido urbano da região. É também produto de um processo crescente de
desativação e subutilização do território que é visto como um lugar adjetivado como desqualificado,
perigoso e mal frequentado. Verificam-se entre as manifestações artísticas que ali acontecem
apropriações não autorizadas, que tem como suporte a estrutura física do Elevado, simbolizando a
troca de experiências que os sujeitos têm ou tiveram, como atores históricos e parte da identidade
daquele lugar.
Procura-se analisar como recorte espacial o território inscrito nos baixios e na parte superior do
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INTRODUÇÃO
Elevado, numa extensão de aproximadamente 3 Km , que se inicia na parte inferior à Praça Roosvelt,
início da Av. Amaral Gurgel e termina no Largo Padre Péricles, início da Av. Francisco Matarazzo,
sentido zona oeste da Capital. A questão principal é debater como se dá a apropriação dos espaços
públicos nestes locais, principalmente por meio das manifestações de caráter artístico, caracterizadas
como permenentes ou eventuais. Procuramos verificar como a degradação manifesta naquele espaço
intersticial, segregado pela metrópole e elemento segregador, um corte na paisagem, mas ao mesmo
tempo, um interstício, entre duas porções consolidadas do tecido urbano, como o Minhocão é um
elemento de desencadeamento de ações contestadoras, evidenciando o papel poético e político
destas apropriações.
As perguntas ou os problemas de pesquisa que alentam o trabalho podem ser assim enunciados:
é possível encontrar uma relação entre os anseios e vivências e a realidade social dos usuários da
região e as manifestações artísticas realizadas? A arte de alguma forma pode ser responsável por
requalificar os locais degradados? Como a arte pode contribuir para o imaginário coletivo?
Nas cidades contemporâneas, o espaço público constitui-se fora da escala dos seus habitantes, e, que
o infinitamente grande para o coletivo manifesta-se, relativamente, como infinitamente pequeno para
o indivíduo. A dimensão monumental da cidade, hoje, se revela não propriamente na sua escala, mas
na sua dinâmica, uma vez que a cidade atual “não pode mais ser considerada um espaço delimitado,
nem um espaço em expansão; ela não é mais considerada espaço construído e objetivado, mas um
sistema de serviços, cuja potencialidade é praticamente ilimitada” (ARGAN, 1998, p. 215). Dentro
desse quadro, o papel da arte no contexto urbano se faz relevante, segundo Argan:
“[...] o artista integrado ou apocalíptico que seja não pode deixar de existir no contexto social, na
cidade; não pode deixar de viver suas tensões internas. A economia do consumo, a tecnologia
industrial, os grandes antagonismos políticos que delas derivam, a disfunção do organismo
social, a crise da cidade são realidades que não se pode ignorar e com relação às quais não se
pode deixar de tomar, mesmo involuntariamente uma posição.” (ARGAN, 1998, p. 215).
A poética da arte nos espaços públicos permeia, além das questões físicas e culturais da cidade,
outras questões, fundamentadas numa dimensão filosófica, em que a categoria estética do sublime
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Procura-se estabelecer uma interpretação por meio da aplicação de conceitos (abstrações) sobre
situações de uso dos espaços públicos, incorporando as contribuições da sociologia da vida cotidiana,
de acordo com autores aqui referenciados. Segundo Zioni; Kato (2012, p.6): “as experiências de
espacialidade e as atribuições de sentido são socialmente construídas e, por isto mesmo são prenhes
de conflitos e intermediações”.
A presente pesquisa parte do pressuposto de que a arte é elemento mediador para manifestação
de inquietações sociais, pressupõe-se que a pessoa humana se expresse de maneira que os ímpetos
estéticos e políticos convivam, e se concretizem nas manifestações artísticas. Procura-se verificar que
as apropriações do Minhocão são concebidas como negação da cultura como mercadoria, mas fazem
parte de um universo de expressões que passam pela espontaneidade, ou por projetos culturais com
apelo coletivo, contra a estetização da prática da cultura como mercadoria.
As reivindicações e ações de movimentos sociais, seja pelas questões culturais, de segregação sócio-
espacial, tomam outras vertentes através da força dos movimentos coletivos e do poder da imagem,
carregadas de representação simbólica. O trabalho tem como objetivo geral a investigação e a
reflexão sobre os espaços públicos e as experiências de arte urbana como meio de expressão dos
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INTRODUÇÃO
indivíduos de um determinado território da cidade, frente aos seus desejos e consciência crítica. É
objetivo também entender como as apropriações dos espaços, por meio de manifestações artísticas
podem interpretar estas relações sociais e evidenciá-las coletivamente, e de que forma a arte pode
contribuir para requalificar espaços e áreas degradadas, conferindo-lhes novos significados.
A pesquisa de campo compreenderá a observação sistemática do objeto de estudo nas áreas objeto
de análise do Elevado Costa e Silva e nas regiões fronteiriças, paralelas ao viaduto. Será realizada
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
por meio de mapeamento e produção de registros fotográficos que ocorrerão no período de 2015
e 2016. O mapeamento será elaborado pela autora a partir do acompanhamento das observações
preliminares de reconhecimento do objeto, bem como do avanço na compreensão da fundamentação
teórica e dos métodos empregados.
O Minhocão será abordado em nossa investigação através da análise das atribuições de sentidos
que se manifestam nos seus baixios, entorno e parte superior (tabuleiro). A dissertação procura
identificar as manifestações artísticas e apropriações do espaço estabelecidas ali como linguagem
dos sujeitos que vivem e estabelecem ligação com aquele espaço da cidade. As manifestações de
caráter artístico dialogam com os transeuntes. Isso implica entender essas manifestações como
produção de linguagem codificada por sistemas de signos em pleno espaço urbano, utilizando como
suporte a estrutura do Elevado.
O recorte empírico que aborda a investigação toma o percurso por três partes distintas, que serão
denominadas de trecho 01, 02 e 03, sendo respectivamente: Trecho 01 - Avenida Amaral Gurgel
até o Largo Santa Cecília; Trecho 02 - Avenida São João até a Praça Marechal Deodoro; e Trecho
03 - Avenida General Olímpio da Silveira até o túnel de ligação com o Largo Padre Péricles, início da
Avenida Francisco Matarazzo. O percurso constitui um total de aproximadamente 3km de extensão,
onde serão analisados os espaços urbanos delimitados pela sombra do Elevado e os espaços vizinhos,
paralelos ao percurso estabelecido. Essa segmentação do percurso tem como objetivo identificar os
segmentos conforme suas vias (onde o elevado as sobrepõe) e estabelecer uma diferenciação dessas
apropriações,se for possível, de acordo com a relação das mesmas com o entorno.
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INTRODUÇÃO
Podemos perceber que” em todas as épocas o caminhar tem produzido arquitetura e paisagem, e
que essa prática, quase inteiramente esquecida pelos próprios arquitetos, tem sido reabilitada pelos
poetas, pelos filósofos e pelos artistas capazes precisamente de ver aquilo que não há, para brotar
daí algo. ” (CARRERI, 2013, p.18).
O uso proveitoso desta técnica pode ser otimizado se associado a construção de tipologias de
classificação das observações bem estruturadas e fundamentadas teoricamente. Estabelecem-se com
isto elos entre os referenciais teóricos e os dados empíricos. As tipologias conceitualmente definidas
servem como informantes do olhar e possibilitam o reconhecimento de distinções empíricas.
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PAISAGEM E TERRITÓRIO
PAISAGEM E TERRITÓRIO
PAISAGEM E TERRITÓRIO
O conceito de paisagem tem sido abordado por diversas disciplinas, especialmente a geografia,
arquitetura e arqueologia. Em função de sua característica subjetiva, o valor científico de algumas
abordagens tem sido negado. Levando em consideração a superfície denominada território, que hoje
são encontradas nas cidades contemporâneas, será seguido no presente estudo o conceito cultural,
em que se registra a presença do homem e suas interferências no espaço e no tempo, por meio
de seus anseios, suas ações e sua cultura. Aqui se procura visualizar a forma pela qual a cultura
humana modifica a paisagem urbana como um todo, a partir de intervenções pontuais, setoriais ou
regionais. Esta paisagem deixou de ser vista como cenário, dando lugar à paisagem como processo
ou atividade, caracterizada por suas propriedades dinâmicas. A cidade não é mais estável e a noção
de paisagem urbana não é estática, já que se desloca ao ritmo constante da cidade. Esta última, por
sua vez tem duas faces: aquela fixa, imóvel, quase permanente da arquitetura, e uma mutável, que
se transforma constantemente.
“O espaço demarcado por monumentos, radiais ou fronteiras implica em visão de longe, distâncias
invariáveis em relação a referenciais inertes, perspectiva central. Aqui se dá o contrário, estar
muito próximo, não poder mais ver, ficar sem referências. Uma variação contínua de orientações
ligadas à observação em movimento. O espaço não é visual: não há horizonte, nem perspectiva,
nem limite, contorno ou centro. Não há distância intermediária: estamos sempre no seu interior,
no meio”. (PEIXOTO, 2004, p.405).
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
As manifestações de arte urbana apontam para essa atmosfera da cidade, em que o olhar
contemporâneo quase se perdeu por completo: uma observação tranqüila, que revela o “invisível”
das coisas, o “aquém da imagem” (DELEUZE apud PEIXOTO, 2004, p.31).
A cidade contemporânea pode ser encarada como um caleidoscópio, na medida em que exige uma
reorganização da visão através de um novo tipo de espectador, inaugurado pelo flâneur. (PEIXOTO,
2004). Não existe mais um olhar contemplativo, “não há visibilidade imediata” (PEIXOTO, 2004 p.
127). A paisagem urbana é construída através de uma visão móvel e múltipla, adquirida por um
movimento constante e acelerado do espectador, já que é impossível ter uma visão conjunta da
totalidade. Dessa maneira, a arte tenta expressar o inexprimível, procurando pronunciar aquilo que
não se pode expressar ou dizer de outra maneira, dando “luz” às paisagens invisíveis das metrópoles.
Essas paisagens podem também ser fisionomias, como nos retratos antigos que, através de longo
tempo de exposição do modelo, conseguiam revelar aquilo que não se percebe diretamente, o
invisível deste, a expressão da interioridade do modelo, sem máscaras ou poses, o que está perdido
na maioria dos retratos contemporâneos. (PEIXOTO, 2004). É esta imagem invisível que é aqui tratada.
A paisagem requer um olhar diferenciado atento aos diferentes ritmos das coisas;
“As transformações mais radicais na nossa percepção estão ligadas ao aumento da velocidade da
vida contemporânea, ao aceleramento dos deslocamentos cotidianos, à rapidez com que nosso
olhar desfila sobre as coisas. Uma dimens -o está hoje no centro de todos os debates teóricos,
de todas as formas de criação artística: o tempo. O olhar contemporâneo não tem mais tempo.”
(PEIXOTO, 2004, p. 209).
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PAISAGEM E TERRITÓRIO
Assim, a arte presta-se à missão árdua de apreender permanência no efêmero, de extrair beleza e
eternidade do transitório - em suma, de resgatar o invisível na cidade, aprender a enxergá-la como o
fez Baudelaire¹ , de modo a construir uma postura crítica da paisagem que ora se apresenta:
“A função da arte é construir imagens da cidade que sejam novas, que passem a fazer parte
da própria paisagem urbana. Quando parecíamos condenados às imagens uniformemente
aceleradas e sem espessura, típicas da mídia atual, reinventar a localização e permanência.
Quando a fragmentação e o caos parecem avassaladores, defrontar-se com o desmedido das
metrópoles como uma nova experiência das escalas, da distância e do tempo. Através dessas
paisagens, redescobrir a cidade.” (PEIXOTO, 2003, p. 15).
No Minhocão verifica-se a produção de uma variedade de imagens da cidade, por meio das
apropriações do território que é ali disponibilizado. Isso pode ocorrer por meio da apropriação da
estrutura dos pilares como suporte para os grafites, ou por meio das festas ou eventos que acontecem
Figura 1: Moradores de Rua e o Minhocão. na parte superior aos fins de semana, quando aquele território se altera e se transforma, devido à
FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2011)
diferença de uso que lhe é dado. Aqui quando nos confrontamos com o objeto de estudo verificamos
o território como palco das atividades e práticas sociais.
¹ Charles-Pierre Baudelaire (Paris, 1821 - 1867) foi um É um território em constante transformação, a apropriação dos territórios pelos moradores de rua e
poeta boêmio e teórico da arte francesa. É considerado
um dos precursores do simbolismo e reconhecido catadores, que por vezes tomam o espaço de tal maneira a deixar seus pertences ali para pernoitar
internacionalmente como o fundador da tradição no mesmo dia, guardados nas fendas, frestas e buracos. “As populações inseridas nas dinâmicas
moderna em poesia. Sua obra teórica também influenciou
profundamente as artes plásticas do século XIX. informais hoje transbordam os limites espaciais tradicionais [...] Infiltram-se nas fissuras do tecido
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
urbano, nos desvãos do construído [...] habitam as dobras e as fissuras da cidade”. (PEIXOTO, 2004,
p. 426).
São muitos os autores que tratam de questões relacionadas ao território com ênfase nos usuários.
Podem ser citados Lefebvre (2006), Guatarri (1985); Foucault (2008); Augé (1994) e Castells (1999).
Um aspecto em comum abordado por esses autores é a relação entre a escala local e a global, e a
maioria deles reconhece a necessidade de reforçar a identidade e os valores locais para fazer frente
ao processo de globalização.
É o uso do território, e não o território em si, que faz dele um objeto de análise. O mundo que caminha
da antiga comunhão individual para uma comunhão global na qual a interdependência universal dos
lugares é a nova realidade do território, que é concebido como território habitado (SANTOS, 1994)
e impõe uma revanche através de novas sinergias, o que justifica a metáfora d’o retorno. Nesse
sentido, os territórios são também formas, mas os territórios usados são objetos e ações, sinônimo
de espaço humano, espaço habitado.
As grandes contradições do mundo contemporâneo passam pelo uso do território, e deve-se insistir
no conhecimento sistemático de sua realidade, do território usado e do uso do território. A tendência
atual é que os lugares se unam verticalmente através das redes, mas também deviam se reunir
horizontalmente a serviço da sociedade como um todo. (SANTOS, 1994).
“A prática crítica da arte urbana inclui dentre seus propósitos estéticos o desafio a certos
códigos de representação dominantes, a introdução de novas falas e a redefinição de valores
como abertura de outras possibilidades de apropriação e usufruto dos espaços urbanos físicos e
simbólicos.” (PALLAMIN, 2002, p. 107).
Dessa forma, considera-se que o território é um espaço específico com características próprias que
o distinguem de outros territórios, sobre o qual o individuo ou grupos de indivíduos realizam suas
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PAISAGEM E TERRITÓRIO
práticas sociais, culturais, econômicas, políticas, etc conferindo significado e identidade ao espaço
real. Esse último, por outro lado, se encontra conectado, principalmente pelos meios de comunicação,
à rede, em que também se dão as práticas sociais, conformando o território globalizado. Entre o local
e o global é possível identificar uma série de escalas de aproximação – edifício, rua, bairro, cidade,
metrópole, planeta - e, em cada uma delas é possível praticar uma ou mais interações sociais, que
geram dinâmicas permanentes e complexas sobre o território. Assim, pode-se dizer que o território
merece constante revisão, a fim de levantar alternativas para o aperfeiçoamento de seu processo
de funcionamento. Essas alternativas se configuram como propostas (projetos) que também podem
acontecer na escala global, por exemplo, através de novas propostas de comunicação; ou na escala
local, por exemplo, com intervenções de caráter artístico em determinado bairro por diferentes
grupos sociais. São imagens projetivas que se descolam do real e se apresentam como projeto para
aperfeiçoar as práticas sociais nos territórios que estão em permanente processo de mutação.
“Em meio aos espaços públicos, as práticas artísticas são apresentação e representação dos
imaginários sociais. Evocam e produzem memória podendo, potencialmente, ser um caminho
contrário ao aniquilamento de referências individuais e coletivas, à expropriação de sentido, à
amnésia citadiana produzida por um presente produtivista.” (PALLAMIN, 2000, p. 57).
Compreendendo o papel do usuário, ele só terá sucesso e fará do espaço um local mantido e cuidado
se houver o chamado pertencimento ou sentimento de pertencer, que significa o envolvimento por
algo ou pelo lugar.
A vida contemporânea contribui para um distanciamento entre o usuário e os espaços ditos públicos,
devido a uma série de fatores que envolvem a vida cotidiana contemporânea: falta de segurança,
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
trânsito caótico, malha de transportes carente, poluição sonora, etc. Assim se instala o isolamento,
grande mal da sociedade nos dias atuais, fator também estimulado pela arquitetura enclausurada dos
edifícios e a carência de espaços públicos de qualidade, como é o caso de São Paulo. Nessa vertente
caminha a apropriação destes espaços públicos feitos pelos praticantes ordinários da cidade.
“Os praticantes ordinários das cidades atualizam os projetos urbanos e o próprio urbanismo,
através da prática, uso ou experiência cotidiana dos espaços urbanos e, assim, os reinventam,
subvertem, ou profanam. Os urbanistas indicam usos possíveis para o espaço projetado, mas
são eles que o experimentam no cotidiano que os atualizam.” (BRITTO; JACQUES, 2010, p. 113).
O homem que vivencia a cidade, sem pressa, nesse sentido, seria o praticante ordinário, aquele
que tem a habilidade de experimentar o espaço urbano. Essa visão leva a crer que o isolamento
das pessoas em espaços privados as destitui da vivência da cidade, gera desconforto na convivência
dentro da cidade; percebe-se, assim, que as pessoas se dividem em classes sociais e mostram atitudes
individuais e egoístas, buscando seus próprios interesses em soluções particulares, pessoais e menos
coletivas. Como exemplo, podemos apontar a mobilidade urbana, cada vez mais individual pelo uso
do automóvel e menos coletiva pelo uso do transporte público.
O Elevado nas alturas remete ao ser emancipado, elevado, sublime, no alto. É veloz e apressado,
exercendo a função para que foi de fato concebido: o transporte rápido e eficaz para transpor duas
regiões da cidade. O Minhocão, como popularmente é conhecido, é um ser rastejante, lento, cavador
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PAISAGEM E TERRITÓRIO
de túneis e galerias, que vive no subterrâneo, embaixo da terra é mais lento, faz sua trajetória abrindo
caminho lentamente e deixando seu rastro. Desse ser pode-se tomar a característica da imagem que
emprestou à cidade, imagem degradada, pertencente àqueles indivíduos que vivem à margem da
sociedade. Essa “cena feita à margem do ritmo acelerado das informações dos acontecimentos –
consiste em geral, justamente nisso: imagem do invisível” (PEIXOTO, 2004, p. 214).
Na reflexão acerca das práticas cotidianas, em meio às quais se ambientam as práticas artísticas,
Certeau (1998, p. 87) afirma que “o ato de andar é para o sistema urbano o que o ato de falar é para a
linguagem.” O pedestre, ao caminhar, legitima ou não algumas possibilidades produzidas pela ordem
construída, e pode também ampliar as possibilidades e proibições envolvidas nessa ordem, por meio
de desvios que ele mesmo cria ou adota. (PALLAMIN, 2000).
Essa diferenciação nas operações “desviantes” (CERTEAU, 1998), leva a constatar que a sociedade não
é reduzida a um padrão dominante de procedimentos e que as práticas ditas como “menores”, são
impregnadas de caráter provocativo, não se estabelecendo em lugares próprios, mas se espalhando
pela cidade. “Sua importância reside em seu uso autônomo de construções simbólicas, por serem
modos de operar não domesticados” (PALLAMIN, 2000, p. 39).
O espaço habitado é uma manifestação exemplar de uma linguagem carregada de signos: esse
texto não verbal se espalha pela cidade e incorpora tudo à sua micro-linguagem: a paisagem, a
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Os elementos que compõem o espaço interferem em sua forma, uma vez que a paisagem é sugerida
como complemento para captar a forma fluida e irregular desses horizontes. Conforme Ferrara (1997),
a cidade é o resultado da atuação de um conjunto de elementos dinâmicos denominados “contexto
urbano”. Tal contexto é composto por ruas, muros, escadarias, fachadas, edifícios, multidões em
locomoção, ruídos, luzes, cor, volume.
A cidade é tratada como comunicação porque o contexto urbano se constitui como conjunto de
elementos significativos da reflexão acerca da própria cidade. Qualquer alteração nesse contexto
implica mudança em seu significado. A cidade é percebida como um cenário que possui vida
própria, socialmente construída e dinâmica. Entre as intervenções e a cidade se cria um diálogo,
transformando-a em parte constituinte do conteúdo da obra de arte e de seu processo de criação:
ela é fonte de significado e de produção. Está, assim, carregada de imagens, espaço, tempo, o que se
torna suporte para todo tipo de expressões artísticas:
Estudar as obras de arte no espaço urbano é um processo complexo que envolve a análise da
criação artística e do contexto cultural, bem como de suas implicações estéticas e da conjuntura
socioeconômica da cidade. As tatuagens urbanas² alteram e modificam a paisagem urbana,
compondo um processo dinâmico que não para.
Não se pode afirmar que todo espaço público se define como tal a partir de uma obra de arte, mas
toda vez que uma obra de arte é instalada em algum espaço público, esse ganha toma um novo
significado, um novo valor de uso e um valor simbólico, que são acrescentados na cotidianidade.
A arte urbana é tratada em sentido contrário à fetichização do espaço urbano (LEFEBVRE, 2006), ² Termo do pesquisador colombiano Armando Silva no
livro Imaginários Urbanos (2006), para falar de grafite.
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PAISAGEM E TERRITÓRIO
efetivando-se antes como prática crítica na cidade. Segundo Deutsche, apud Pallamin (2000, p. 48),
“esta prática crítica da arte pode efetivar-se através da crítica institucional, da crítica da representação
e no traço com a especificidade local da obra”.
De acordo com Hal Foster (2001), a arte e a crítica devem trabalhar juntas no processo de escolha
de um lugar e no aprofundamento da cultura local, para depois pensar e apresentar um projeto. O
artista e o crítico devem se alinhar para conhecer a estrutura do espaço que analisam o suficiente
para mapeá-lo. Devem também conhecer sua história para poder contá-la, bem como entender o
discurso do espaço assim como o valor histórico de suas manifestações. “Segue uma lógica espacial:
não é apenas mapear o lugar, mas também trabalhar em termos de tópicos, sub-temas, etc.” (FOSTER,
2001, p. 206).
INTERVENÇÕES TEMPORÁRIAS
As intervenções temporárias às quais o presente estudo se refere são aquelas que interferem no
espaço urbano como forma de manifestação artística ou apropriação dos espaços públicos. De
acordo com o que foi verificado na presente pesquisa durante os percursos pelo Minhocão, o mais
relevante são as intervenções (sejam elas manifestações ou apropriações) que causam algum tipo de
transformação.
Essas transformações podem ser percebidas nos espaços que recebem as manifestações, bem como
nos usuários destes espaços, no ambiente ou naqueles que de alguma forma irão interagir com essas
intervenções, sendo agentes delas.
De acordo com Fontes (2013), é possível classificar tais intervenções em: espontâneas; apoiadas
nas atividades do cotidiano; e outras que podem ser chamadas de eventos, com sentido de
particularidade, pelo fato delas produzirem transformações mais significativas aos espaços públicos
em que se aplicam. As intervenções, portanto, seguem temporalidades distintas: as espontâneas
acontecem com uma maior frequência e as singulares, denominadas aqui de eventos, são eventuais.
As primeiras estão apoiadas ao uso cotidiano, e as segundas, ao fato de possuirem habilidades
47
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Segundo Fontes (2013, p. 52) “[...] eventos memoráveis deixam marcas duradouras nos lugares e
dão forma aos espaços públicos, transformando pouco a pouco as cidades”. Podem-se verificar nas
intervenções temporárias algumas características que são determinantes para que sejam clasificadas
de tal maneira (FONTES, 2013): a qualidade do transitório, o pequeno, o particular. De acordo com
essas qualidades, é preciso buscar apoio no urbanismo cotidiano para avaliar os acontecimentos:
as intervenções temporárias são aquelas que pertencem à vida cotidiana. De acordo com Fontes
(2013, p. 50), urbanismo cotidiano seria “o modo de vida no físico das atividades públicas cotidianas,
predominantemente econômicas e culturais que ocorrem entre as esferas residencial, institucional e
profissional, denominado espaço cotidiano”.
No espaço cotidiano acontece a vida diária, com seus itinerários e ritmos impostos pelos ritmos
de trabalho e lazer, durante a semana e o fim de semana. Tais acontecimentos diários podem ter
repetição cíclica com frequência alta e homogênea, ou serem eventuais, quando não acontecem
rotineiramente, podendo assim ser acontecimentos eventuais em fins de semana, apropriações
eventuais, ou até grandes eventos instalados nos espaços:
“[...] estas ações na cidade são naturalmente moldadas pelos contextos culturais, sociais, políticos,
inclusive climatéricos do momento de sua realização. Nesta ação/ acontecimento, ao colocar-se o
corpo na cidade – e automaticamente a cidade no corpo, emergem uma série de condicionantes
que têm que ser negociadas, moldadas, adaptadas, incorporadas a cada instante: os ritmos da
cidade, os comportamentos e as reações dos passantes, as leis (formais e /ou informais) que
regulam os usos do espaço, a própria atitude que os artistas / interventores tomam (ou são
levados a tomar) no lugar que “intervem”.” (BRITTO; JACQUES, 2010, p. 124)
Há também as qualidades do subversivo e ativo. Seria essa a qualidade das intervenções de aderência
à malha urbana, que podem ser nomeadas, conforme Fontes, “A Post it City”, a rede fragmentada
e temporária de estruturas funcionais que ocupa os interstícios do tecido urbano e promove a
escrita temporária de seus espaços públicos. Essa rede revela uma habilidade subjetiva na tarefa de
conquistar o espaço: tratam-se de formas de resistência à normatização do espaço público da cidade
contemporânea, trazendo toda a dimensão subversiva da apropriação temporária.
48
PAISAGEM E TERRITÓRIO
“O entendimento da arte como um sistema de forças que atuam sobre o corpo, sendo
potencialmente capazes de intensificar e monumentalizar sensações não conhecidas
previamente.” (BRITTO; JACQUES, 2010, p.125).
Nesse tipo de intervenção, o usuário se apropria de espaços que por algum motivo estão vazios,
observando as relações sociais e explorando nichos, “apresentando-se muitas vezes como alternativas,
potência e forma de movimento para a revitalização das áreas residuais e dos espaços ociosos na
cidade, movimento com potencial elástico que permite o fazer e o desfazer.” (FONTES, 2013, p. 56).
OS GRANDES EVENTOS
Atualmente, acontece uma variada programação cultural, que envolve eventos atraentes ao ar livre
em comemoração a centenários de cidades, mostras de paisagismo, festivais e exposições. Segundo
Büttner (2002), entre os anos de 1987 e 1991 as exposições e produções dessa natureza haveriam
duplicado.
Os interesses e focos das questões dos artistas eram os mais diversos: podiam ser aqueles encontrados
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
no local, ou até mesmo questões sociais, políticas e culturais. De acordo com Büttner (2002, p. 74),
“importante era seu caráter único, de modo que não pudesse ser transportados ou transferidos para
outros contextos, o que frequentemente redundava em sua destruição após o término da exposição.”
Verificou-se, porém a substituição dos questionamentos tão importantes inicialmente, que eram as
preexistências do local para a construção da arte urbana, pela encenação espetacular do ambiente:
Como pensar a intervenção crítica na cidade quando ela se apresenta no formato de mega-eventos?
É possível analisar essa questão como uma “intervenção ampliada” no espaço urbano, na qual se
produzem diferentes visibilidades, interesses e reverberações.
“Assim, pode-se tomar o espaço público como local de manifestações culturais da comunidade,
local onde é possível, em oposição aos espaços privados, a realização das trocas, os conflitos e
os encontros (espaço cívico), e também como locais de consumo, espetáculos, festas, turismo e
sociabilidade. Esses locais são passíveis das mais diferentes formas de apropriação, desde aquelas
fundadas na participação popular (de baixo para cima), até as controladas pelo espetáculo (de
cima para baixo).” (BÜTTNER, 2002).
Se por um lado a arte publica é agente de produção simbólica, a participação popular, por outro
lado, aparece na forma de apropriação espontânea. Assim, a respeito desse assunto pode-se citar as
festas regionais ou locais, que também têm responsabilidade nessa tarefa, contribuindo para reforçar
a coesão social e para a resistência à matriz estetizante dos grandes eventos.
50
PAISAGEM E TERRITÓRIO
INTERVENÇÕES TEMPORÁRIAS
Transitória
Pequena
Relacional
Pequeno Participativa Grande
Espontâneo Ativa Projetado
Constante Interativa Eventual
Subversiva
Particular
Figura 02: Interdependência temporária entre usos
cotidianos e grandes eventos.
FONTE: Diagrama adaptado pela autora. (FONTES, 2013).
INTENÇÃO TRANSFORMADORA
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
O espaço público nas cidades tem passado por mudanças significativas. O crescimento urbano e
a organização econômica são irregulares, impacto de um mundo em constante globalização e
consequente mutação. Em meio a esse cenário o cidadão contemporâneo se desenvolve, e assim
as relações sociais se manifestam, bem como as formas simbólicas de apropriação. De acordo com
Peixoto:
O espaço urbano tem implicações sociais, políticas, econômicas e artísticas. Trata-se de um objeto rico
cuja leitura exige uma aproximação interdisciplinar, para que seja possível compreender seu sistema
de relações. O espaço é formado por objetos técnicos e naturais, mas também os determina, uma vez
que é constituído por um conjunto de objetos organizados e utilizados segundo uma lógica própria.
O espaço é criado conforme o homem vive e atua nele: a intervenção do homem cria o espaço. De
acordo com Santos, o espaço “é um misto, um híbrido, um composto de formas-conteúdo”. (SANTOS,
2002, p. 19).
O espaço físico, mensurável, que pode ser quantificado, pode explicar relações subjetivas. A cidade
e sua realidade urbana dependem do valor de uso. O valor de troca e a generalização da mercadoria
pela industrialização tendem a destruir, ao subordiná-las a si, a cidade e a realidade urbana, refúgios
do valor de uso, embriões de uma virtual predominância e revalorização do uso. (LEFEBVRE, 1991).
52
PAISAGEM E TERRITÓRIO
São esses espaços afastados, que fogem ao olho policial e à segurança privada, aqueles que
aparentemente propiciam situações e experiências artísticas nos seus muros e paredes.
É também necessário neste momento analisar a vida cotidiana do cidadão. Segundo Pallamin (2000),
a valorização das práticas cotidianas é fundamental para a arte urbana pois, enquanto a cotidianidade
puder se manifestar através da arte, terá onde se propor a apropriação do espaço público e alteração
de sua carga simbólica. Nesse sentido, pode-se dizer que toda a produção artística feita nas ruas gera
um impacto e é reconhecida ao passo em que constrói um diálogo com o cotidiano do cidadão e seus
problemas reais, bem como a subjetividade da cidade. A arte urbana em todas suas formas precisa
elaborar um discurso próprio, com peso, que dê valor às suas propostas e a fixe no espaço público.
Segundo Vera Pallamin (2000), a abordagem da cidade como forma social ao invés de objeto físico
(não como infraestrutura externa aos “usuários”, mas produzida por eles) encara a arte urbana como
certo empenho na requalificação do seu cotidiano. A autora, usando termos de Argan, fala em fazer
urbanística, o que significa contribuir para a transformação qualitativa do espaço urbano alterando
seus objetos, sua espacialidade, qualificações, através de um trabalho que provoca e, ao mesmo
tempo, exige a compreensão de seus códigos e a interpretação de suas múltiplas significações.
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
“A questão que se coloca é que princípios estabelecer para detectar o surgimento dessas novas
condições urbanas. Reconhecer as novas formas de ocupação do espaço urbano, largamente
informais, e as práticas engendradas por seus agentes econômicos e sociais. Um procedimento
que questiona as regulações urbanas existentes e revela as configurações dinâmicas ocultas pelo
planejamento e pelos grandes projetos de desenvolvimento urbano.” (PEIXOTO, 2006, p. 419).
Portanto, cabe aos pesquisadores urbanos olhar com maior detalhe o diálogo do artista urbano –
cidadão. A paisagem urbana não é apenas arquitetura, mas considera também tal conversa através
da arte.
A linguagem efêmera é perceptível. Da mesma forma, o homem é um ser efêmero por natureza,
uma vez que se encontra em constante transformação. O homem moderno muito se transformou
para tornar-se o homem contemporâneo. As relações entre os homens na pós-modernidade, de
acorco com as ideias de Bauman (2003), são “líquidas” e frágeis: são diferentes, pois os laços se
afroucharam. Sendo assim, o tempo na contemporaneidade é, de certa forma, mais efêmero do que
o tempo passado: tudo está em fluxo e as redes de conexões digitais permitem que todos estejam
conectados no mesmo tempo presente.
CONDIÇÃO
EFÊMERA
INTERVENÇÃO
TEMPORÁRIA
ESPAÇOS
COLETIVOS
Figura 03: Interrelação entre os temas.
FONTE: Diagrama adaptado pela autora. (FONTES, 2013).
CONTEXTO SUPORTE
54
PAISAGEM E TERRITÓRIO
da pressa, da velocidade? Em vez de acelerar cada vez mais, diferenciar: conservar várias
temporalidades no mesmo tempo, simultaneamente de passado e presente, presente e futuro.
Introduzir um intervalo – uma diferença – no ritmo das coisas, provocando uma sobreposição de
andamentos. Retardar o fluxo, criando um espaço vazio no qual outra coisa pode se instalar. Um
mundo da lentidão, que se dá tempo, simultaneidade de presente, passado e futuro.” (PEIXOTO,
2006, p. 213).
A linguagem do espaço consolidado é forte, difícil de ser apagada, e não permite que seja criada e
imposta uma nova linguagem ou maneira de se apropriar do espaço. Nesse âmbito, as intervenções
urbanas de caráter pontual ganham uma dimensão nas cidades, justamente por terem um conteúdo e
interpretação mais abertos, além da “possibilidade de trazer à tona significados ocultos ou esquecidos
e apontar para novas possibilidades de uso” (PEIXOTO, 1997, p. 13). Criar espaços, linguagens e perfis
arquitetônicos que pretendam perdurar ao longo do tempo já não faz sentido para as cidades, uma
vez que a arte não é mais considerada eterna. Criar obras mestras ou criar um estilo que perdure por
séculos e lembrado na eternidade foi substituído pela efemeridade. (JAMESON, 2011).
Tendo em vista essa linguagem e a maneira de reviver o espaço urbano, sem tentar efetivar reformas
na estrutura da cidade e ao mesmo tempo atentando para o tema do presente estudo, pode-se dizer
que se trata de um cenário de decadência e degradação, mas que possui um forte significado na
memória histórica da cidade.
55
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Um lugar específico da cidade pode mudar em questão de dias, a depender de vários fatores. Por
exemplo, um graffiti pode ser apagado pela prefeitura, pelo dono do imóvel ou por outro grafiteiro
que resolveu pintar em cima ou ao lado. Nesse sentido, verifica-se o caráter efêmero das intervenções
REVERSIBILIDADE
CONDIÇÃO
EFÊMERA FLEXIBILIDADE
IMPREVISIBILIDADE
Figura 05: Cinco conceitos extraídos da Condição efêmera
CONEXÃO FONTE: Diagrama adaptado pela autora (FONTES, 2013)
56
PAISAGEM E TERRITÓRIO
A condição efêmera da vida contemporânea toma forma nos espaços físicos das cidades, não
configurando um fenômeno cultural isolado, mas atravessando culturas e propiciando novos
entendimentos da paisagem (FONTES, 2013). Verificando as intervenções temporárias, que são
aquelas que pom ser elencadas como objeto de presente estudo nas apropriações do Minhocão,
foram elencados alguns conceitos da condição efêmera:
O Dinamismo.
Como já foi apontado, a aceleração do tempo é uma das características que afeta significativamente
a mobilidade da cidade contemporânea. A paisagem urbana está em constante mutação, em um
processo de superposição temporal e social. A paisagem é suporte para elementos fixos e móveis e
“deve criar condições para um futuro impreciso, pois as atividades se diversificam ao longo do tempo,
exigindo dessa superfície a capacidade de suporte da mutalibilidade e impermanência.” (WALL apud
FONTES, 2013, p. 85).
O olhar dinâmico, lançado sobre as intervenções, estrutura novas relações sociais espaciais,
permitindo transformações de relações do usuário com o espaço. São propostas que criam novos
compromissos com a cidade, contribuindo para “fortalecimento do caráter coletivo local”. (FONTES,
2013, p. 89).
A Reversibilidade.
As intervenções e apropriações através desse caráter dinâmico passam a ter identidades distintas,
notadamente efêmeras e nômades, ocupando o espaço de forma intermitente, assim testando a
capacidade do território para acomodá-las. O sujeito contemporâneo, nômade, “demanda de uma
idéia alternativa de espaço, em sintonia com uma nova imagem” (FONTES, 2013, p. 91). Por meio
desse conceito, é possível caracterizar a intervenção como transformadora constante do espaço:
trata-se de projetos reversíveis que trabalham temporariamente no espaço. Pode-se dizer que esa
característica, a reversibilidade, “traz à tona novamente o nômade, aquele que perambula e não se
fixa, mas que transforma a paisagem e complexifica o cenário estático da antiga cidade.” (FONTES,
2013, p. 93).
57
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
A Flexibilidade.
Esse conceito se move no sentido de findar com a rigidez, na qual a cidade é vista como território
imprevisível, onde não cabem mais as regras impostas anteriormente. De acordo com Gausa,
apud Fontes (2013), flexibilizar significa abrir o indeterminado, trabalhando em um campo aberto
à transformação. Pode-se dizer que o conceito de flexibilidade nas intervenções visa a ativação
das áreas em que estão instaladas, agitando e ativando os espaços e promovendo reflexão. As
intervenções que trabalham com o conceito de flexibilidade têm caráter investigativo e “se propõem
a uma reflexão sobre as potencialidades dos espaços públicos subutilizados.” (FONTES, 2013, p. 98).
A Imprevisibilidade.
A cidade é um território imprevisível, onde não cabem mais as normas rígidas da antiga modernidade
sólida. Crawford, apud Fontes (2013), destaca a qualidade imprevisível e efêmera da cidade em
função das ações fluidas do viver cotidiano. A qualidade imprevisível destaca a forma de criação de
oportunidades nos espaços, por meio de suportes indefinidos, para que os usuários daquele lugar
sejam responsáveis pelo seu destino, se tornando assim agentes comprometidos com a transformação
do lugar. (FONTES, 2013, p. 102).
A Conexão.
As intervenções temporárias que buscam conexão ou conectividade são responsáveis pela articulação
de diferentes fragmentos socioespaciais na busca de uma visão diferenciada, de forma a aglutinar
tecidos e espaços fragmentados. (FONTES, 2013, p. 105).
58
PAISAGEM E TERRITÓRIO
DINAMISMO APROPRIAÇÕES
ESPONTÂNEAS
REVERSIBILIDADE
ARTE
PÚBLICA
FLEXIBILIDADE
IMPREVISIBILIDADE
FESTAS
CONEXÃO LOCAIS
Figura 06: Esquema de aplicação de conceitos.
FONTE: Diagrama executado pela autora. (FONTES, 2013).
59
ARTE E CIDADE
3
Georges-Eugène Haussmann (1809 - 1891), largamente
conhecido apenas como Barão Haussmann, o “artista
demolidor”, foi prefeito do antigo departamento do
Sena (que incluía os atuais departamentos de Paris,
Hauts-de-Seine, Seine-Saint-Denis e Val-de-Marne), entre
1853 e 1870. Durante esse período, foi responsável pela
reforma urbana de Paris, determinada por Napoleão III, e
tornou-se muito conhecido na história do urbanismoe das
cidades.
4
Charles-Pierre Baudelaire (1821 - 1867) foi um poeta
boêmio ou dandy ou flâneur, além de teórico da
arte francesa. É considerado um dos precursores do
simbolismo e reconhecido internacionalmente como
o fundador da tradição moderna em poesia. Sua obra
teórica influenciou profundamente as artes plásticas do
século XIX.
5
Walter Benjamin (Berlim, 1892 - 1940) foi um ensaísta,
crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu
alemão. Conhecedor profundo da língua e cultura
francesas, traduziu para o alemão importantes obras
como Quadros Parisienses de Charles Baudelaire e
Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust. O seu
trabalho, combinando ideias aparentemente antagônicas
do idealismo alemão, do materialismo dialético e do
misticismo judaico, constitui um contributo original para a
teoria estética.
6
Paul Cézanne (Paris,1839 -1906) foi um pintor pós-
impressionista francês, cujo trabalho forneceu as bases
da transição das concepções do fazer artístico do século
XIX para a arte radicalmente inovadora do século XX.
Cézanne pode ser considerado como a ponte entre o
impressionismo do final do século XIX e o cubismo do
início do século XX.
ARTE E CIDADE
ARTE E CIDADE
Durante o século XIX se verificou a hegemonia urbana voltada à industrialização e à ocupação maciça
dos espaços urbanos, assim como o imperialismo napoleônico do barão Georges-Eugène Haussmann3
em Paris. Essa modernidade imposta, porém, implicou na destruição da memória da cidade (VILLAC,
2006). Atento ao projeto de exclusão, o filósofo Charles Baudelaire4 vê nessa reforma a divisão do
espaço urbano, já que surgem novas avenidas com grandes perspectivas, que convivem com ruas
de traçado antigo que permanecem como espaços intersticiais, gerando assim uma maior distância
entre as diferentes classes sociais. (VILLAC, 2006).
Baudelaire define a vida moderna com as figuras que povoam esse cenário: há o snob, “aquele
burguês que acredita na fantasmagoria da história cultural das aparências, o dandy – aquele que está
sempre na moda e o flâneur – aquele outro cuja melancolia e inteligência o elege como habitante
boêmio da grande cidade”. (JACQUES,2014, p.57). Essa interpretação da vida moderna e tal visão dos
figurantes da nova cidade foram atualizadas por Walter Benjamin5 no século XX. (JACQUES, 2014).
Benjamin, assim como Baudelaire, denuncia a linguagem secreta dos locais deixados de lado: os
becos, as passagens, os desvios, as ruas de mão única. Nesse sentido, o filósofo trabalha com o
conceito de que a cidade precisa ser conhecida, assim como na concepção marxista, mas que
nenhuma cidade pode ser conhecida sem afeto (VILLAC, 2006). Benjamin cultiva a arte de deixar-se
comover, educando o olhar de forma a conciliar memória e imaginação. (JACQUES, 2014).
No mesmo sentido trabalha Paul Cézanne6 , no início do século XX, o direcionar seu olhar à natureza
com o objetivo de retratar a luz real dos momentos. Com um olhar que compreende a relação do
homem com a natureza, Cézanne pinta o que vê, mas também o que sabe. (VILLAC, 2006).
Tendo como inspiração as percepções dos objetos de Cézanne, no início do século XX surgiu a vanguarda
Cubista. O movimento Cubista abandonou a arte de composição clássica e deu início ao processo de
Figuras 07 e 08: Paris de Haussmann. abstração que suspende os antigos hábitos, de forma a fazer nascer uma nova visualidade. Nessa
FONTE:< https://parisianfields.com/2011/12/18/a-closer-
look-at-parisian-streets/ >
mesma linhagem do processo de abstração, surgiu a segunda vanguarda construtiva, o Futurismo,
Acesso em 10.04.2016
63
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
que enxerga não apenas o movimento, mas também a velocidade, como dinâmicas da vida urbana
moderna. No espaço futurista não existe mais um observador estático:
“O Futurismo se abre à percepção desta nova dinâmica do olhar urbano e inaugura outra imagem,
inspirada pela experiência e pela ciência e a técnica que trazem o fascínio pelo mundo inumano,
pela ausência de familiaridade.” (VILLAC, 2006, p. 6).
Após o movimento Futurista, surgiu o Neoplasticismo que, por sua vez, dirigia o olhar para as
especulações acerca do espaço, construindo a tridimensionalidade através de pontos, linhas e
planos. O Suprematismo foi, na sequência, um movimento de um único artista. Kasimir Malevitch7
empreendeu a redução à pintura, na busca de um novo espírito da arte. Nas artes plásticas, acredita
que apenas a Arquitetura, abstraída de seu caráter funcional, pode alcançar a complexidade do
espaço.
Figura 09: Paul Cézanne – Natureza Morta (1895-1900)
FONTE: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/
Herdeiros do suprematismo, os Construtivistas russos acompanham essa vertente, envolvidos com pessoa11627/paul-cezanne > Acesso em 10.04.2016.
as profundas transformações sociais advindas da Revolução Bolchevique8 , e assim “desenharam
cidades onde se mantém a harmonia entre o espaço rural e o espaço urbano.” (VILLAC, 2006, p. 9).
64
ARTE E CIDADE
a vanguarda se nomeia Modernismo brasileiro, com uma identidade própria para as artes, literatura
e música. Essa vanguarda brasileira revela suas diferenças de temperamento, história e experiência
local, revelando assim uma certa ambiguidade. Essa ambiguidade revela a característica desta
vanguarda de significar coisas diferentes, admitir variadas leituras a partir do mesmo objeto, em
função da oposição à abstração e ao antinaturalismo das vanguardas europeias. (VILLAC, 2006).
7
Kazimir Severinovich Malevich, (Kiev, 1878 – 1935) Na Arquitetura, a linha adotada durante esse período é racionalista, procurando uma reescritura do
foi um pintor abstrato soviético. Fez parte da vanguarda
russa e foi o mentor do movimento conhecido como passadon mais adaptada ao clima e costumes brasileiros. Ao longo da segunda metade do século XX,
Suprematismo. a construção da cidade moderna brasileira é concretizada, nos moldes de Lucio Costa e Le Corbusier,
8
Revolução Bolchevique ou Revolução Russa de
1917 foi um dos acontecimentos mais importantes “sem história e escala de cidade antiga a modernidade de Brasilia assusta.” (VILLAC, 2006, p.10).
da história do século XX. Ela foi o produto de um
amplo processo histórico. A Revolução Russa de 1905 A partir da terceira geração de arquitetos, as questões funcionalistas do Modernismo são deixadas
foi a primeira grande mobilização operária, quando
nasceram os conselhos operários, que reapareceriam de lado, e volta-se a atenção para a diversidade. Para esses arquitetos, o centro da cidade deve
em 1917. A Rússia era, até então, um país de população ser revitalizado para que volte a ser o coração da cidade. A escala humana, do pedestre, volta a
predominantemente camponesa (cerca de 70% da
população total) e que ainda mantinha relações de prevalecer. Na cidade pós-moderna não há símbolo, mas há alegoria - essa constatação representa
produção pré-capitalistas na agricultura, ao passo em que os momentos da arte em que a aparência é conectada a um tipo de realidade. A arte pós-modernista
passava por um processo acelerado de industrialização,
concentrada em alguns grandes centros urbanos. é alegórica não apenas por sua ênfase nos espaços em ruínas (como nas instalações efêmeras) e nas
65
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
A Pop Art surgiu entre 1954 e 1955 na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, após a chegada de Jasper
Johns e Robert Rauschenberg às galerias de Nova Iorque, em um momento em que a arte estava
dominada pelo expressionismo abstrato. Todos os artistas pop representavam objetos fáceis de Figura 14: Croqui Le Corbusier – Plano Piloto de Brasília
FONTE: Revista Vitruvius Disponível em:http://www.
reconhecer: comics, geladeiras, celebridades, garrafas de Coca-Cola e outros elementos de consumo vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/07.075/1938
massivo que os abstracionistas rejeitavam por serem concretos e materiais. A despersonalização Acesso: 04.05.2016
dos objetos, o espírito do feito em série e as grandes quantidades cativaram o mundo das galerias. 9
Conferência Construir, habitar, pensar de Martin
Heidegger, em Darmstäd, 1951.
Logo depois, a estética do pop influenciou outros artistas como o Keith Haring e o Jean Michel 10
Edgard Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum, é um
Basquiat, ambos intimamente ligados ao universo do graffiti de Nova Iorque. No Brasil, nomes como antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de origem
sefardita. Formado em Direito, História e Geografia,
Claudio Tozzi, Antonio Dias e Rubens Gerchman se destacam no cenário da Artpop. Todavia, o início realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia.
da proliferação dos meios de comunicação de massa no Brasil, durante a década de 1960, leva, 11
Jane Butzner Jacobs foi uma escritora e ativista política
do Canadá, nascida nos Estados Unidos. Sua obra mais
paradoxalmente, esses artistas a aproximar as técnicas da arte pop (silkscreen e alto-contraste) a conhecida é Morte e Vida de Grandes Cidades, na qual
temas engajados politicamente. critica duramente as práticas de renovação do espaço
público da década de 1950 nos Estados Unidos.
66
ARTE E CIDADE
Nos anos 60, surgem novos fenômenos na arte que incorporam a propaganda como construtora
dos espaços urbanos: por exemplo, na pintura de Ricard Hamilton, nos edifícios anúncio de Robert
Venturi, que defendia uma arquitetura de percepção imediata. (VILLAC, 2006). São impulsionados
distintos projetos artísticos com o objetivo de recuperar o espaço público enquanto espaço de
expressão, de diversidade e de identidade.
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
68
ARTE E CIDADE
No Brasil, também ao longo da década de 60, percebe-se uma necessidade de manifestação mais
aberta de cultura. Instala-se uma diversidade de produção no país, tanto musical, quanto de cinema.
Desta época são os festivais de música popular que trouxeram o movimento Tropicália; o Cinema
Novo investiga o inconsciente coletivo do Brasil; os textos políticos de Florestan Fernandes; os estudos
indígenas de Darcy Ribeiro e a revolucionária Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire. (VILLAC, 2006).
Na Arquitetura, a ênfase vai para a produção ideológica da Escola Paulista com Vila Nova Artigas –
FAUUSP. No entanto, a mais revolucionária vanguarda é a arquitetura do concreto armado aparente
de Affonso Eduardo Reidy, Vila Nova Artigas, Lina Bo Bardi e Paulo Mendes da Rocha, que caracteriza
o rompimento do classicismo com o concreto aparente. O Neoconcretismo se estabelece com o
objetivo de envolver a sociedade e colaborar com a cultura universal. Helio Oiticica, Ligia Pape e
Lygia Clarck revogam o sujeito e fazem crítica ao excesso de racionalismo da arte construtiva das
vanguardas. Os artistas reagiam às condições de exposição, circulação e acesso das obras de arte
inseridas no espaço museológico e galerístico.
A Arte Conceitual surge e tem como origem os trabalhos de Marcel Duchamp. Na década de 60,
graças às idéias veiculadas pelo grupo Fluxus, a Arte Conceitual tornou-se um fenômeno mundial.
No Brasil, artistas como Artur Barrio, Baravelli, Carlos Fajardo, Cildo Meirelles, José Rezende, Mira
Schendel, Tunga e Waltércio Caldas começam a desenvolver um trabalho nessa forma de expressão.
Nesse momento, a Arte Conceitual se desenvolve somente no campo das idéias, abandonando um
pouco a materialidade da obra de arte.
Nessa forma de expressão artística, as ideias, reflexões e pensamentos do artista eram mais importantes
do que o objeto de arte em si. Com isso, o suporte da pintura ou intervenção artística era visto
também como suporte para as reflexões do artista. As obras de arte conceituais eram apresentadas
como meros documentos, um relato de reflexões do artista que não utiliza a linguagem escrita, mas a
linguagem visual, sua característica própria. Ao observador cabia estabelecer o entendimento dessa
Figura 20 e 21: FAU-USP – Vila Nova Artigas
FONTE: http://www.archdaily.com.br/br/01-12942/ linguagem. Surgiu, nesse contexto, a força crítica da arte conceitual.
classicos-da-arquitetura-faculdade-de-arquitetura-e-
urbanismo-da-universidade-de-sao-paulo-fau-usp-joao-
vilanova-artigas-e-carlos-cascaldi
Acesso: 02.05.2016
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
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ARTE E CIDADE
Ainda nesse momento, é possível pensar em arte pública por meio de iniciativas individuais de artistas.
As manifestações ambientais de Hélio Oiticica, com suas capas, estandartes, tendas, parangolés, uma
sala de sinuca (1966) e Tropicália (1967, ambiente labiríntico composto de dois espaços associados a
Figuras 22: Porte Bouteilles – Marcel Duchamp (1914) plantas, areia, araras, poemas-objetos, capas de parangolé e um aparelho de televisão12) podem ser
tomadas como exemplos de produção artística que interpelam a cena pública.
Figura 23: Joseph Beuys, The Chief—Fluxus Chant (2015)
FONTE: http://enciclopedia.itaucultural.org.
br/#!q=marcel%20duchamp Na década de 1970, podem ser lembradas as intervenções na cidade realizadas por Antonio Lizarraga
http://www.frenchandmichigan.com/fam/joseph-beuys- em parceria com Gerty Saruê, cujo primeiro resultado é Alternativa Urbana. A obra, definida pelos
and-martin-kippenberger
Acesso: 03.05.2016 autores como peça de “engenharia urbana”, é composta por 28 toneladas de vigas prismáticas de
cobertura (fabricadas pela Sobraf), pintadas com faixas azuis, pretas, brancas e vermelhas, cortadas
Figura 24: Ponta Cabeça, instalação de Tunga, 1994-97
por um desenho geométrico. A proposta liga-se à interação do público com a obra e à ideia de que a
Figura 25 - Objeto Preenchido de Waltércio Caldas arte deve ser “utilitária”. Esse projeto está primeiro na origem de um projeto coletivo, liderado pelo
FONTE: https://fotoclubef508.wordpress.
com/2008/11/24/alain-quemin-a-origem-em-discussao/ arquiteto Maurício Fridman. A Rua Gaspar Lourenço, na vila Mariana, São Paulo, é escolhida como
Acesso: 03.05.2016 cenário: o beco é pintado de branco com figuras negras representando as fases da evolução humana;
Figura 26 e 27 Letras - Schendel e Desvio para o vermelho a escadaria, também branca, leva uma lista azul e panos coloridos; os muros são recobertos com
- Cildo Meirelles letras, números, linhas e bolas coloridas que tomam a calçada.
FONTE: http://www.agachamento.com/?p=623
Acesso:03.05.2016 03.05
71
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
72
ARTE E CIDADE
Foster (2014) propõe que a arte é, antes de tudo, atravessada pelas “contradições” próprias a ela
mesma e à teoria. Trata-se daquilo que Foster chama de ausência de centro e de presença. Como
Duchamp já havia assinalado a “instabilidade do signo” (Foster, 2014, p. 89), não seria possível
assumir qualquer estabilidade nesse momento.
No período pós-Duchamp, a arte se apresenta com um valor estético, mas subtrai-se em um valor de
uso. Com isso, arte e consumo tornam-se um só. Essa tendência mobiliza os autores mais diversos na
perspectiva de uma arte estritamente voltada ao mercado. Fredric Jameson, crítico contumaz desse
ideário, sugere uma oportuna vigência de cultura de massas e arte, mesmo que os artistas mais
novos nada citem, já que eles, antes, se introjetaram de tal maneira que são irreconhecíveis, advindo
daí uma impossível conciliação de análise que seja fruto de teorias anteriores a essa receita. “O que
se costumava ser estigmatizado como cultura comercial ou de massa passa agora a ser percebido no
recinto de um domínio cultural novo e ampliado.” (Jameson, 2011, p. 41).
Mas ainda se verifica outro problema: a assinatura do “autor” da obra vale mais que a própria obra.
(Foster, 2014). A arte é veículo de prestígio e de desejo. É dentro da arte que se compõe um quadro
cínico muito singular e específico, demanda dos tempos urgentes de hoje.
A arte pós-moderna é vivida como uma espécie de trauma, fato evidenciado pelo esquema do
real que transmite. A ordem simbólica, nesse sentido, está inscrita numa economia psíquica, via
acontecimento traumático. Os objetos artísticos são contaminados pelo olhar, além de compungidos
no tráfego de sentido que se coloca como condição de existência. “Eu estou no quadro” é o mote
que desata o narcisismo contemporâneo. Toda arte é uma “domesticação” do olhar. Daí a partilha
73
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
que o hiper-realismo traz para o debate contemporâneo. Seria um subterfúgio contra o real,
desrealizando-o, mas que “antes exalta que questiona” (Foster, 2014, p. 138) o presente em que se
insere.
Essa maneira de interpretar os dados da arte, condicionada por uma economia que, ao fim, é
economia em vários sentidos, inclusive o econômico, alcança pelo menos duas dimensões na obra
de dois pensadores atuais muito lidos no mundo inteiro: Barthes e Baudrillard. Para o primeiro, trata-
se de uma ruptura, daí a noção de “simulacro”. Para o segundo, porém, mercado e arte haviam
definitivamente se juntado em uma “política do signo-mercadoria” (Foster, 2014).
O ponto de inflexão dessa arte estaria associado à perspectiva do etnólogo, na qual a crítica à instituição
capitalista se voltaria para a alteridade e para a cultura, impregnada do contexto, conciliando assim
posições interdisciplinares e seria autocrítica. (Foster, 2014).
Pensar e refletir sobre a realidade de maneira sofisticada exige do artista uma referência que ele
muitas vezes não tem. Assim como um pintor figurativo necessita estudar profundamente a sua
técnica e forma de expressão para que possa fazer um retrato de qualidade, o artista conceitual
necessita ter um profundo conhecimento de filosofia, história, cultura e informação sobre o mundo
atual, assim como os artistas contemporâneos, para que possam criar “reflexões” visuais consistentes.
Atualmente, os artistas conceituais imprimem sua arte em vários formatos: vídeo arte, fotografia,
instalação, performance, internet art e Land Art. Cada uma dessas formas de expressão leva o artista
a novos desafios e, muitas vezes, a uma volta para as formas de expressão tradicionais das artes,
como a pintura, a gravura e a escultura.
74
ARTE E CIDADE
Quando tratamos de arte urbana, remetemos aos conceitos de Arte Site Specific. De acordo com
Peixoto (2004), o termo Site Specific tem uma conotação mais ampla ao levá-lo ao contexto urbano.
Os conceitos dessa arte estão ligados a movimentos como a Land Art e a Environmental Art, mas
investiga primordialmente as relações entre a paisagem construída (a arquitetura e suas dinâmicas
sociais), bem como entre as instituições artísticas, ou de outra natureza, e a prática artística. Formou-se,
assim, o que foi chamado de Installation Art e, a partir dos anos 80, também deu origem a movimentos
que evoluiriam no sentido de sua plena intervenção no espaço. Embora formas contemporâneas de
arte que respondem ao lugar para onde é realizada tendam a optar pela efemeridade, a arte site
specific foi inicialmente produzida segundo uma natureza relativamente permanente. Dessa forma,
diz-se que a arte site specific é realizada em função de um determinado local e leva em consideração
suas características físicas e dinâmicas sociais.
De acordo com Peixoto (2004), o termo site specific tem uma conotação mais ampla ao levá-lo ao
contexto urbano. A obra de arte não é um objeto independente, e ao ser colocado no espaço público
se impregna daquilo que a rodeia: a cidade completa seu conteúdo. Verificando a cidade como fonte
de significados, sua relação com a intervenção artística alimenta sua existência como obra.
“A função da arte é construir imagens da cidade que sejam novas, que passem a fazer parte
da própria paisagem urbana. Quando parecíamos condenados às imagens uniformemente
aceleradas e sem espessura, típicas da mídia atual, reinventar a localização e a permanência.
Quando a fragmentação e o caos parecem avassaladores, defrontar-se com o desmedido das
metrópoles como uma nova experiência das escalas, da distância e do tempo. Através dessas
paisagens, redescobrir a cidade.” (PEIXOTO, 2004, p.15).]
Ao verificar as cidades ao longo dos anos, podemos tomar a Paris de Haussmann como possuidora
Figura 35: Arte Cidade–Zona Leste - Máquinas Urbanas -
José Resende (2002) FONTE: <http://www.select.art.br/
de valor de limite, um ponto de partida para um processo de metamorfose. A cidade de Paris,
design-e-experimentacao-na-intervencao-urbana/> intimamente conectada com a cidade pré-industrial, inaugurada por espaços heterogêneos da
Acesso em: 27.04.2016.
capital como uma entidade única (CHOAY, 2008). As transformações nas cidades ficam evidentes
13
NEA – National Endowment Arts Grants [NEA] and ao estudarmos a história da urbanização das cidades europeias e verificarmos as similaridades e
private fund. Entidade de Artes americana que promove contribuições dos planos urbanísticos sobre as cidades. A construção e a permanência da urbanidade
a arte e a capacidade criativa nas comunidades. FONTE: <
https://www.arts.gov/ >. Acesso em 27.04.2016. metropolitana na segunda metade do século XIX se deram em grande parte aos planos de Haussman
(Paris), Wagner (Viena) e Cerdà (Barcelona), (CHOAY, 2008).
75
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Artistas como pintores, cineastas, fotógrafos nos confrontam desde o século passado, evidenciando
as relações sociais de uma cidade de “duas faces”, benéfica para uns, no entanto refém do progresso
e beleza. (CHOAY, 2008).
No entanto a medida que o tempo passa, tanto uns como outros designam de forma semelhante
a acumulação progressiva de pessoas, multiplicação de trajetórias e aceleração da velocidade,
o gigantismo contagioso de construções verticais e horizontais, a disseminação periférica e, por
fim, a imagem da ausência. (CHOAY, 2008, p. 9).
O espaço das cidades é explorado pela arte pública de modos distintos. Alguns projetos artístico- Figura 36: La Grande Vitesse (1969) - Alexander Calder
FONTE: <http://chicago-outdoor-sculptures.blogspot.com.
arquitetônicos se associam diretamente aos processos de requalificação do espaço urbano e contam br/2011/09/grand-rapids-michigan-la-grande-vitesse.
com a participação da população local em sua execução (pode-se citar o trabalho de Eileen Adams na html> Acesso em: 27.04.2016
76
ARTE E CIDADE
77
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
78
ARTE E CIDADE
Pembroke Street Estate, Plymouth, na Inglaterra). Outros planos de renovação de centros urbanos
se beneficiam de obras de artistas de renome. A encomenda feita a Alexander Calder pelo NEA13 é
uma delas.
Se o trabalho de Calder, instalado na região central de Grand Rapids, Michigan, 1969, reconheceu
acolhida imediata por parte da população, outra foi a reação mobilizada pelo Tilted Arc (1981), de
Richard Serra. Trata-se de uma gigantesca “parede” de aço inclinada que toma conta da Federal
Plaza, em Nova York, retirada do local em 1989, em função dos sucessivos conflitos entre o artista e
a opinião pública.
Exemplos de projetos e obras que lidam com a cidade como espaço de intervenção podem ser
encontrados na escola californiana de Los Angeles: Robert Irwin, James Turrell, Maria Nordman e
Michael Asher. Esses artistas realizam um trabalho sobre as construções urbanas com utilização de
fontes luminosas artificiais. A instalação permanente de Daniel Buren em frente do Palais Royal, em
Paris, e a intervenção coletiva no Battery Park City em Manhattan, envolvendo arquitetos e artistas
Figura 41: Wheatfield - A Confrontation: Battery Park como Armajani e M. Miss, exemplificam outras direções tomadas pela arte pública.
Landfill, Downtown Manhattan - Agnes Denes
FONTE: http://www.agnesdenesstudio.com/works7.html
Acesso em: 03.05.2016 No Minhocão, ambiente segregado e hostil manifestam-se diversas apropriações, mas as que se fixam
mais no imaginário paulistano são os grafites. “A cidade passa a ser reconhecida pelos sinais que a
ocupam e, por meio de inscrições e transformações exibidas nos suportes que a sustentam, conta a
sua própria história para um receptor sensível e atento.” (KHOURY; NASCIMENTO, 2014, p.115).
Nota-se que a cidade fornece inúmeras possibilidades de uso, a arte urbana pode estar nos muros, na
calçada, no topo de um prédio, no asfalto, no farol. Cada trabalho é diferente, mas todos compartilham
a intenção de participar no contexto urbano, dialogar com a arquitetura e com os moradores, além
de formar parte do imaginário artístico da rua. O objetivo da intervenção de arte pública é a ativação
dos espectadores passivos que passam pelos contextos trabalhados, transformando-os em usuários
ativos dos espaços urbanos. (FONTES, 2013).
Figura 42: Michael Ascher – Santa Monica Museum
Instalation ONTE: http://afasiaarchzine.com/2013/05/ A arte feita no espaço público, seja intervenção, evento ou graffiti, exerce sobre o social preexistente
michael-asher/
Acesso em: 03.05.2016 algum tipo de impacto, segundo Pallamin (2000, p. 10), “em que talvez a hegemonia seja confirmada
79
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
80
ARTE E CIDADE
ou desafiada, mas, mais importante que isso, em que algo do novo desse social passa a ter existência”.
Verifica-se, na paisagem urbana, efeitos na percepção simbólica que são produzidos pela atividade
física: suas imagens e representações modificam a concepção do espaço. Surge então uma questão
relevante: a arte urbana possui a habilidade de alterar a percepção que os usuários possuem daquele
espaço público ou da sua cidade? Sobre isto, Argan afirma:
“É evidente que, se nove décimos da nossa existência transcorrem na cidade, a cidade é a fonte
de nove décimos das imagens sedimentadas em diversos níveis da nossa memória. Essas imagens
podem ser visuais ou auditivas e, como todas as imagens, podem ser mnemônicas, perceptivas,
eidéticas. Cada um de nós, em seus itinerários urbanos diários, deixa trabalhar a memória e a
imaginação: anota as mínimas mudanças, a nova pintura de uma fachada, o novo letreiro de uma
loja.” (ARGAN, 2005, p.232)
Silva (2006) cita como exemplo o projeto na passagem da rua da Consolação, na qual o município da
cidade autorizou a concessão do túnel de pedestres que comunica a Avenida Paulista com a Rua da
Consolação para fins artísticos. Esse mural mantém o desenho original feito nos anos 90, o que mostra
a valorização que os cidadãos e (aos poucos) as instituições formais dão a esse tipo de expressão
Figura 46 : Acesso a Passagem da Rua Consolação
FONTE < http://www.paulista900.com.br/?p=966 >
artística, uma vez que têm respeitado sua permanência como um ícone da paisagem da cidade.
Acesso em: 03.05.2016
O conceito de arte pública parece estar associado ao monumento, à arte patrocinada, oficial, que
depende da autoridade pública. A arte urbana e seus desdobramentos, por outro lado, podem ser
considerados, dentro dessa categoria, enquanto expressões que utilizam a cidade como suporte
e surgem a partir dela. Isso é especialmente válido para uma cidade como São Paulo, em que a
quantidade de manifestações desse tipo já se converte em parte da paisagem coletiva. Por outro
lado, Vera Pallamin (2000, p. 48) apresenta o problema ou, talvez, um dos seus pesares, da não
garantia de público: “a arte urbana pode desabar pela indiferença”.
A arte pública (ou arte urbana) possibilita que o público da rua entre em contato com manifestações
Figuras 47: Pixação com estêncil – CIDADE CINZA
que desafiam as normas sociais, questionando a noção de espaço público e contribuindo para
FONTE: Foto da autora (Data:13.02.2016) eliminar as possíveis barreiras entre arte e vida. Nas palavras de Brenson:
81
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
“[...] a arte pública é ainda uma prática social que se apropria do espaço urbano promovendo
mudanças, interligando e modelando a construção afetiva/coletiva de uma cidade.” (BRENSON,
1998, p. 19).
“[...] É obvio que, não obstante o que se programe, planeje ou projete, o objeto é sempre a
existência humana como existência social e que não se planejaria ou projetaria se não se
pensasse que a existência social será, deverá ou deveria ser diferente e melhor com relação ao
que é.” (ARGAN, 1998, p. 212).
A disponibilização da cidade para todos os grupos através da arte abre novas possibilidades de
apropriação e usufruto dos espaços urbanos. Segundo Pallamin (2002), a arte pública traz significado
para o espaço. As práticas artísticas podem criar situações inéditas de visibilidade, apontar resistências
às exclusões no domínio público, bem como desestabilizar expectativas e criar novas conveniências.
É importante considerar também o aspecto da condição urbana da arte: não haveria a arte se não
houvesse a cidade, de acordo com Argan. Ademais, Pallamin afirma que:
“A arte urbana é uma prática social. Suas obras permitem a apreensão de relações e modos
diferenciais de apropriação do espaço urbano, envolvendo em seus propósitos estéticos o
trato com significados sociais que as rodeiam, seus modos de tematização cultural e política.”
(PALLAMIN, 2000, p. 24).
Incansável pensador da vida cotidiana, Lefebvre dedicou-se ao ritmo dos espaços urbanos para
compreender seus efeitos sobre os habitantes e suas inter-relações. Segundo ele, o ritmo é encontrado
no trabalho, na vida urbana e no movimento através do espaço:
82
ARTE E CIDADE
O cotidiano seria, assim, um pano de fundo de atividades que preparam e possibilitam os saltos
criadores. No caso da cultura contemporânea, a vida cotidiana se explicita como contraponto ao
esquecimento, à pobreza, ao desemprego. O território urbano torna-se suporte para a ação criadora
insurgente, simbólica e politicamente qualificadora do valor coletivo do espaço publico. O plano real
vivido, em sua natureza fragmentada agrega diferentes movimentos em tensão: homogeneização
de consumo e gostos; tribalismos e identidades culturais e religiosas segmentadas; aproximação
relacional e configuração de significados subjetivos na utilização dos espaços públicos. “A arte
mantém um vínculo forte com a realidade e é expressão da experiência cotidiana conflitiva de uma
vida de resistência à sociedade da segregação e da exclusão.” (VILLAC, 2012, p.163).
Os experimentos artísticos, que têm como a cidade fonte de inspiração, reflexão e atuação, poderão
revelar dimensões do urbano normalmente negligenciadas ou friamente capturadas em sistemas
de coordenadas e previsões pelos estudos urbanos tradicionais, tais como: sistemas de forças,
transitividades, ritmos e qualidades expressivas do território que são extraídas e extendidas em
afectos a perceptos (DELEUZE E GUATTARI, apud JACQUES, 2005, p. 125).
Pensar em arte urbana é produzir entendimento a respeito da vida social, aproximando-se do modo
como as pessoas produzem e são produzidas no âmbito da produção simbólica.
“O relevo dos significados das obras de arte urbana e sua concretização no domínio público
dão-se em meio a espaços permeados de interdições, contradições e conflitos. Sua efetivação
porta relações de força sendo exercidas entre grupos sociais, entre grupos e espaços, entre
interpretações do cotidiano, da memória e história dos lugares urbanos. Potencialmente
(sobretudo quanto às obras de caráter temporário) pode configurar-se num terreno privilegiado
para efeitos de choque de sentidos (negação, subversão ou questionamento de valores).”
(PALLAMIN, 2002, p. 24).
83
PERCURSOS DO MINHOCÃO
PERCURSOS DO MINHOCÃO
PERCURSOS DO MINHOCÃO
A pesquisa de campo compreenderá a observação sistemática do objeto de estudo nas áreas objeto
de análise do Elevado Costa e Silva, e também nas regiões fronteiriças, paralelas ao viaduto, por
meio de observação empírica e pesquisas históricas. Para essa observação, foi eleito o método
da “caminhada exploratória” (CARERI, 2013), com o objetivo estabelecer um reconhecimento do
usuário, por meio de diferentes perspectivas. A observação do presente objeto de estudo se faz pelo
usuário do automóvel nas vias inferiores ao elevado e na parte superior, pelo usuário da bicicleta
nos percursos da ciclovia localizada sob o Minhocão, e pelos pedestres, durante o percurso de suas
caminhadas, seja no cotidiano, por meio dos deslocamentos diários ou pelo uso de lazer dos que
caminham sobre o Minhocaõ aos finais de semana.
A observação direta é uma técnica importante da pesquisa empírica que pode incorporar uma
variedade de procedimentos, desde observação visual, auditiva, fotográfica, etc. e pressupõe, em um
sentido restrito, contatos não verbais com o observador, podendo ser aplicada a uma gama limitada
de dimensões do social.
Pode-se perceber que em todas as épocas ”o caminhar tem produzido arquitetura e paisagem, e
que essa prática, quase inteiramente esquecida pelos próprios arquitetos, tem sido reabilitada pelos
poetas, filósofos e artistas, capazes precisamente de ver aquilo que não há, para brotar daí algo.”
(CARERI, 2013, p.18).
O uso proveitoso da técnica do caminhar pode ser otimizada, quando associada à construção de
tipologias de classificação das observações bem estruturadas e fundamentadas teoricamente.
Estabelecem-se, assim, elos entre os referenciais teóricos e os dados empíricos. As tipologias
conceitualmente definidas servem como informantes do olhar e possibilitam o reconhecimento de
distinções empíricas.
87
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Nesses percursos de aproximação com o objeto de estudo, hpa grande interesse em observar o
conteúdo da paisagem e interpretá-lo, como se fosse um texto, lendo suas páginas e apreendendo
seus significados. A cidade comunica e produz sentidos. Procura-se, portanto, desenvolver uma
interpretação e um entendimento acerca de tais produções.
• Dimensão simbólica: Seu caráter transgressor como forma de dialogar com a cidade.
O recorte empírico que aborda a investigação toma o percurso por três partes distintas, que serão
denominadas de trecho 01, 02 e 03, sendo respectivamente: Trecho 01 - Avenida Amaral Gurgel
até o Largo Santa Cecília; Trecho 02 - Avenida São João até a Praça Marechal Deodoro; e Trecho
03 - Avenida General Olímpio da Silveira até o túnel de ligação com o Largo Padre Péricles, início da
Avenida Francisco Matarazzo. O percurso constitui um total de aproximadamente 3km de extensão,
onde serão analisados os espaços urbanos delimitados pela sombra do Elevado, bem como sua parte
superior e os espaços vizinhos, paralelos ao percurso estabelecido. Essas três divisões do percurso
têm como objetivo identificar os segmentos conforme suas vias (onde o elevado as sobrepõe) e
estabelecer uma diferenciação desas apropriações, se for possíveis, de acordo com a relação das
88
PERCURSOS DO MINHOCÃO
DINAMISMO
REVERSIBILIDADE
CONDIÇÃO
EFÊMERA FLEXIBILIDADE
INTERVENÇÃO
IMPREVISIBILIDADE
TEMPORÁRIA
CONEXÃO
ESPAÇOS
COLETIVOS
Figura 51: Interrelação entre os conceitos.
FONTE: Diagrama executado pela autora. (FONTES, 2013).
CONTEXTO SUPORTE
89
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
MINHOCÃO
O Minhocão teve sua construção concebida de forma a facilitar a circulação dos automóveis,
possibilitando uma alternativa eficiente ao deslocamento entre as regiões Leste e Oeste da cidade.
Esse objetivo de facilitar a livre circulação é um paradigma central dentro dos princípios funcionalistas
do urbanismo moderno, corrente de grande expressão no país até o final do século passado. De
acordo com Le Corbusier (1887-1965), a cidade que dispunha de velocidade era também uma cidade
que dispunha de sucesso.
No contexto brasileiro, com o início das políticas de subsídio maciço à indústria automobilística, esses
ideais tiveram grande repercussão, e o resultado foi imediato. Sempre favorecendo o transporte
individual em detrimento do transporte público, houve proliferação de viadutos, túneis e vias
expressas, que alteraram drastica¬mente o convívio e o desenho da paisagem urbana das principais
cidades brasileiras.
Nesse sentido, o Minhocão é posicionado como um artefato simbólico, ele¬mento consequente dessa
forma de se pensar a cidade, vista nos dias atuais como uma maneira insuficiente de se enfrentar as
demandas da metrópo¬le contemporânea. Suas particularidades residem tanto em suas dimensões
quanto na condição urbanística em que foi implantado: sobre avenidas exis¬tentes, em bairros em
processo de verticalização, a poucos metros do entor¬no construído.
A cidade de São Paulo se transformou em campo de batalha. (PEIXOTO, 2003). Uma guerra foi
eclodida, pela ocupação de áreas urbanas e pelo controle da infraestrutura e dos espaços públicos. A
cidade se divide: por um lado há territórios modernizados, com torres corporativas e grandes edifícios
inteligentes, shoppings centers e condomínios fechados; de outro lado, há áreas abandonadas,
territórios vagos, tomados por populações itinerantes.
Segundo Peixoto (2003, p. 400), “os viadutos, autopistas, estacionamentos, canteiros de obras,
tubulações expostas e conjuntos residenciais populares são os monumentos das grandes extensões
urbanas devastadas contemporâneas”. Mapa 01: Localização do Minhocão no Município de
São Paulo. FONTE: Autora sobre Mapa Digital da Cidade
(MDC).
90
PERCURSOS DO MINHOCÃO
Movimentos organizados por populações sem moradia invadem prédios inteiros no centro da cidade,
assim como terrenos nas áreas periféricas. Vive-se em um momento no qual a cidade se transforma
numa espécie de selva. A crise energética, hídrica, as enchentes e os congestionamentos apontam
para uma entropia generalizada.
Nesse contexto, volta-se o olhar para a região em que está inserido o Minhocão. Tal região serve de
ligação entre as regiões Leste e Oeste, e é integrante de uma gigantesca estrutura viária nesta cidade
que:
No início da década de 1970 foi inaugurado o Elevado Costa e Silva que, juntamente ao Edifício-
Praça Roosevelt, inaugurado um ano antes, constituiu a ligação Leste-Oeste. O elevado materializou
o caráter de monumentalidade que se pretendia para uma metrópole em plena era do progresso. O
Elevado Costa e Silva carrega em seu nome a condição histórica de sua construção.
Figura 53: Rua Amaral Gurgel antes do elevado. A urgência construtiva do regime militar visava unicamente aumentar a oferta viária e assim, por meio
FONTE: < http://otrecocerto.com/tag/minhocao// >. da grandiosidade das construções, traduzir a era do progresso. A desproporcionalidade do Elevado
Acesso em 13.12.2015.
91
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Costa e Silva em relação à área de implantação resultou em uma proximidade excessiva: o eleveado
se situa a cinco metros das janelas dos prédios lindeiros. Zaidler (2014) refere que o Minhocão:
“[...] inspirado em soluções viárias consagradas, ao longo do século XX, em diversas cidades
norte-americanas e europeias; uma via expressa segregada do tecido urbano, idealizada para
aumentar a velocidade de deslocamento de veículos a revelia de condicionantes topográficas,
visuais, históricas. ” (ZAIDLER, 2014, p. 108).
Considerado por muitos uma cicatriz urbana, o elevado rasgou o centro histórico da cidade,
transformando charme decadente em provisoriedade permanente. A feiura da obra é resultado
da somatória de uma estrutura rude, voltada exclusivamente à rapidez do processo construtivo, à
desproporção em relação às vias que encimou – Rua Amaral Gurgel e Avenida São João. Ademais,
devastou a vida doméstica dos apartamentos praticamente encostados à construção e, em um
processo inverso à gentrificação, irradiou rápida deterioração nos quarteirões adjacentes, como
se o sonho modernista de uma cidade multinivelada, de tráfegos independentes e desimpedidos,
se desdobrasse em pesadelo. A região central passou a ser considerado mero nó de articulação e
passagem na estrutura viária da cidade, priorizando a circulação em grande escala em detrimento das
áreas atravessadas. O Minhocão, em especial, resultou numa desvalorização drástica e imediata do
entorno, apesar de se situar em região até então muito procurada para empreendimentos verticais.
(CAMPOS, 2008).
92
PERCURSOS DO MINHOCÃO
Procurou-se, no presente estudo, diferenciar as regiões do Minhocão de acordo com suas avenidas
de pertencimento, iniciando-se na Avenida Amaral Gurgel, onde o Elevado se conecta com o sistema
Leste-Oeste de ligação da cidade de São Paulo, passando então pelo Largo Santa Cecília, Terminal
Amaral Gurgel, e seguindo pela Avenida São João, passando pela Praça Marechal Deodoro e seguindo
para Avenida General Olímpio da Silveira, terminando assim no túnel de acesso à Avenida Francisco
Matarazzo e Largo Padre Péricles, na zona oeste da Capital.
Tomando os planos horizontais e verticais como referência, pode-se dizer que o plano vertical dividiu
o centro tradicional dos bairros de Campos Elíseos e Santa Cecília, regiões mais valorizadas da cidade:
“Esse verme urbano sem pé nem cabeça costuma ser apreendido de maneira fragmentada. Por
cima, por baixo, ou como segmento de algo do qual não se vislumbra começo nem fim. Para
motoristas usuários, é sempre trecho de trajeto maior; para transeuntes de baixios e entornos,
são pórticos de concreto que se sucedem, perdendo-se na distância e escondendo o lance
seguinte.” (CAMPOS, 2008, p. 20).
“Cria uma zona de sombras, um mundo semi-enterrado, em que térreos e primeiros andares
se perdem em um longo subsolo. Seu próprio apelido evoca um ser subterrâneo. Nessa área
aparentemente escondida, surgem elementos e usos que não ousam se manifestar em locais
mais expostos, sempre com mão dupla: da arte proibida das pichações ao apelo ambíguo dos
travestir.” (CAMPOS, 2008, p. 20).
A sobreposição dos universos inferior e superior não permite interações. A parte superior é tomada
pelos automóveis, pelo fluxo, pela velocidade ou a ausência dela, no caso dos congestionamentos,
visto que o elevado foi concebido sem vias de escape. A porção inferior, subterrânea, também
prescrita em parte pelos mesmos componentes, contempla a interação do cidadão e do comércio
Figura 56: Corte Genérico do Elevado Costa e Silva. existente. Como limite para esses dois universos paralelos, há o que é lindeiro, o que emoldura: o
FONTE: Disponível em: < http://www.vitruvius.com.br/revistas/
read/arquitextos/13.147/4455 >. Acesso em: 12.12.2015. entorno.
93
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Para Campos (2008), a drástica desvalorização do entorno de uma região até então extremamente
interessante à construção vertical contribui para que o Minhocão adquirisse uma aura transgressora:
“Nos casos dos trechos atravessados pelo Elevado, seu caráter aberto à transgressão e acolhedor
da diferença passou a ganhar valor com a ascensão do multiculturalismo, do pluralismo e das
identidades alternativas como traços definidores da paulistanidade. Suas pistas passaram a ser
aproveitadas, nos finais de semana, como área de lazer, na qual se manifesta a diversidade das
tribos urbanas.” (CAMPOS, 2008, p. 42).
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
Atualmente, é possível verificar que a área contígua à extensão total do Minhocão se mantém
extremamente adensada e verticalizada, conforme demosntra o Mapa 01. Grande parcela dos
imóveis é antiga, anteriores época da instalação do Elevado. Porém, pode ser também verificada a
instalação de novos empreendimentos na região, onde a principal estratégia de vendas se apoia na
possível transformação do Elevado no Parque Minhocão.
Ao verificar os espaços construídos (Mapa 01) na área do trecho 01, que vai daAvenida Amaral
Gurgel até o Largo Santa Cecília, e possível perceber que as ruas possuem um traçado ortogonal
e as quadras são relativamente proporcionais. Tal fator implica na posição paralela do Elevado em
relação à fachada frontal dos edifícios. Nessa área, pode-se verificar que os lotes são extremamente
aproveitados, com excessão de algumas quadras onde se encontram a Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia e a Praça Rotary, onde se encontra a Biblioteca Monteiro Lobato (Mapa 03). Nessa
região há pouca vegetação, conforme demonstra o Mapa 02, e as áreas verdes se concentram-se na
praça e no Largo do Arouche, que faz divisa com o segundo trecho a ser analisado.
Quando foi analisado o percurso no trecho 02, que vai da Avenida São João até a Praça Marechal
Deodoro, a configuração da malha urbana é outra: ela se irradia a partir de um eixo que é o Largo
Figura 64: Foto de Emprendimento Novo nas do Arouche e se conecta à avenida São João, seguindo sua linearidade até pouco depois da Praça
proximidades do Minhocão Marechal Deodoro.
FONTE: Foto da Autora (Data: 20.03.2016)
A partir do Mapa 02, pode-se verificar que a configuração dos lotes e sua respectiva ocupação se
alteram de acordo com o lado do Elevado. Conforme o Minhocão segue para a região oeste, as
construções datam de épocas mais recentes e respeitam outras configurações. Nas construções
próximas ao bairro do Pacaembú (próximos à Av Pacaembu e fim do elevado), são encontrados imóveis
com recuos frontais e laterais, a maioria sendo edifícios de mais de dez andares, configurando outra
característica de ocupação. As áreas verdes são precárias (Mapa 03), restritas às pequenas praças, à
arborização das vias e à Praça Marechal Deodoro.
No último trecho, que vai da Avenida General Olímpio da Silveira até o túnel de ligação com o Largo
Padre Péricles, início da Avenida Francisco Matarazzo, a ocupação dos lotes e a arborização, conforme
mapas 02 e 03, se mantém regular, mas é verificada uma acentuada alteração no padrão dos edifícios.
Conforme avança-se para o bairro do Pacaembu, eos edifícios são de padrão mais elevado, o que
Figura 65: Elevado Paralelo à Malha Ortogonal Urbana
FONTE: Autora (Data: 28.02.2016) configura uma região mais nobre, do ponto de vista econômico dos habitantes da região.
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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Mapa 03: Áreas Verdes e Arborização em torno da região do Elevado Costa e Silva.
FONTE: Autora sobre Mapa Digital da Cidade (MDC).
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Mapa 04: Gabarito de altura das edificações da região em torno do Elevado Costa e Silva.
FONTE: Autora sobre Mapa Digital da Cidade (MDC).
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Mapa 05: Rede Cicloviária e Metroviária da região em torno do Elevado Costa e Silva.
FONTE: Autora sobre Mapa Digital da Cidade (MDC).
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Nas regiões que ladeiam o Minhocão, o padrão dos edifícios também se altera, mas em menor escala
de diferenciação, em função da poluição visual e da concentração do comércio nos térreos dos
edifícios.
É posível verificar que os edifícios, em sua grande maioria, são residenciais, com uso comercial ou de
serviço nos térreos e sobrelojas.
A região observada no presente estudo, inserida em toda extensão do Minhocão, é bem servida de
transportes (Mapa 05). A ciclovia percorre praticamente toda extensão do Minhocão, conectando-se
ao bairro dos Campos Elíseos, Pacaembú, Santa Cecília e Centro, através do Largo do Arouche.
Na mesma linha, sob a laje do Elevado, se concentram os pontos de ônibus. Na região há os terminais
Amaral Gurgel, ao lado do Largo Santa Cecília, e o Terminal Princesa Isabel, que não aparece na área
Figura 75: Novos empreendimentos entre os antigos.
de abrangência deste estudo. FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016).
Figura 73: Av. Amaral Gurgel e Ciclovia. Figura 74: Largo do Arouche – Vista a partir do Minhocão. Figura 76 Pichação e deterioração.
FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016). FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016). FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016)
112
PERCURSOS DO MINHOCÃO
Figura 77 Comércio localizado na Av. São João x Figura 79: Comércio de Móveis Antigos (Baixios do Edifício Figura 81: Acesso ao Elevado e Metrô Marechal. FONTE:
Al.Northmanh. FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016). Porchat).FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016). Foto da Autora (Data: 28.02.2016).
Figura 78 Igreja Universal (ao lado da Av. São João). Figura 80: Lançamento do Edifício Porchat – Arquiteto Figura 82: Acesso ao Elevado Fechado. FONTE: Foto da
FONTE: Foto da Autora (Data: 28.02.2016). Rino Levi - 1940 FONTE: Disponível em: < http:// Autora (Data: 28.02.2016).
armazemperisc.blogspot.com.br/2012/06/nem-o-melhor-
nem-o-pior.html >. Acesso: 28.02.2016.
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
01
05 06 07
Figura 91: Teatro São Pedro. Figura 92: Hospital Santa Cecília Figura 93 77º. Delegacia de Polícia Santa Cecília
FONTE:< http://www.cultura.sp.gov.br>. FONTE: < http://santaceciliasp.blogspot.com.br/p/ FONTE: < https://www.google.com.br >.
Acesso em: 30.04.2016 . hospitais.html >. Acesso em: 30.04.2016 . Acesso em: 30.04.2016 .
118
PERCURSOS DO MINHOCÃO
02 03 04
Figura 88: Funarte Figura 89: Paróquia São Geraldo Figura 90: Externato Casa Pia São Vicente de Paula
FONTE: < http://vejasp.abril.com.br/estabelecimento/ FONTE: Disponível em:< http://planejandocasamento. FONTE: < http://www.jfsp.jus.br/20101130-
funarte >. Acesso em: 30.04.2016 com.br/fornecedores/paroquia-sao-geraldo/> Acesso em: memorialbaronesa/> Acesso em: 30.04.2016 .
30.04.2016.
08 09 10
Figura 94 Irmandade Santa Casa de Misericórdia Figura 95 Biblioteca Monteiro Lobato. Figura 96: Teatro Sesc Anchieta.
FONTE: < https://www.google.com.br >. Fonte:< https://blogcasasbacanas.wordpress.com/ >. Fonte:< http://www.encontraconsolacao.com.br/
Acesso em: 30.04.2016 . Acesso em: 30.04.2016 . consolacao/sesc-na-consolacao.shtm l>.
Acesso em: 30.04.2016 .
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Mapa 07: Concentração de Pessoas nas regiões ao redor do Elevado Costa e Silva.
FONTE: Autora sobre Mapa Digital da Cidade (MDC).
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
A circulação de pedestres e automóveis é verificada durante todo o dia, inclusive aos finais de
semana. No mapa 07, pé possível visualizar maior concentração de pessoas em regiões próximas aos
pontos de ônibus e metrô. O movimento é intenso durante o dia e as primeiras horas da noite, mas
o movimento de automóveis diminui com o fechamento do elevado às 21h.
122
PERCURSOS DO MINHOCÃO
A interação entre o elevado e os prédios que o ladeiam se resume a uma contemplação, que pode
ser considerada mútua, que se dá entre carros e habitantes, aquele que passa e o que habita. A
contemplação, no entanto, é certamente muito mais dos moradores em relação à presença ou a
ausência de automóveis no elevado, do que no sentido contrário. (CASTANHEIRA, 2015). Aquilo que
supostamente deveria ser um brutal contraste entre o interior dos prédios e o exterior, entre o que
é público e o que é privado, no caso do Minhocão, se confunde pela exagerada proximidade, pela
invasão de uma privacidade inexistente.
123
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
RESULTADOS
A partir da análise do lugar, apresenta-se a seguir um quadro-resumo com algumas análises dos
resultados. O quadro tem por objetivo facilitar a interpretação dos dados verificados por meio da
observação sistemática do espaço urbano que envolve a área objeto desta pesquisa.
Malha irregular de ruas e quadras. Edificações coladas nas divisas e de alto gabarito (acima de 6 andares). Algumas
Morfologia
edificações se destacam em meio aos prédios que não possuem recuos laterais.
Edifícios Residenciais com térreos de uso comercial. Várias épocas de construção com características formais diferentes.
Arquitetura Poluição visual – comunicação e pichação. Ambiente inferior ao Minhocão escuro, enclausurado pela proximidade dos
edifícios.
Canteiro central em toda a extensão inferior ao Minhocão acompanhado pela ciclovia e interrompido pela sequência
de pilares. O canteiro central se mantém neutro, pontuado pelas pinturas. Calçadas na extensão lateral das avenidas
Plano Suporte com características heterogêneas, tomadas em alguns momentos pela invasão do comércio. Parte superior lateral do
Minhocão repleta de fachadas e empenas, que servem de suporte para grafite e apropriações de arte urbana. Pista
superior contínua com pequenas declividades em alguns pontos.
Domínio do espaço coletivo. Pedestres, bicicletas, skatistas, etc. tomando o espaço juntos, no mesmo momento, em
Domínios
ambas as partes-superior e inferior.
Local utilizado para prática esportiva e caminhadas – parte superior, atraente aos percursos. Parte inferior escura e
Tipologia
poluída visualmente. Misto de usos (carro, bicicleta, pedestre, skate) causa confusão visual e insegurança ao caminhar.
Fortes nas conexões com o transporte público – proximidades das estações de metrô, pontos de ônibus, Praça
Marechal Deodoro, Terminal Amaral Gurgel e Largo do Arouche. Percurso superior com apropriação intensa pelos
Percursos
pedestres aos fins de semana. Intensidade de fluxo de veículos sempre nos horários permitidos na parte superior e
todos os dias na parte inferior.
Restrita às praças e arborização das ruas. Ambiente superior e inferior destituído de qualquer vegetação. Áreas de
Áreas Arborizadas
concentração: Praça da República e Largo do Arouche.
Figura 101: Quadro-resumo – Leituras do Lugar. FONTE: Tabela executada pela autora. (FONTES, 2013).
124
PERCURSOS DO MINHOCÃO
125
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
SOBRE O MINHOCÃO
Aqui procura-se tratar das intervenções que ocorrem na parte superior do elevado, sejam elas
artísticas ou apropriações do espaço para outros fins que não aquele concebido inicialmente - o de
deslocamento de veículos, conectando duas importantes regiões da metrópole paulistana. Em um
aporte histórico, procura-se evidenciar as intervenções que já tomavam o Minhocão como suporte a
partir de sua inauguração, nos anos de 1970. Esses movimentos, que tinham como objetivo diminuir
o impacto da construção no entorno da região, se instalaram em diferentes momentos, procurando
amenizar a percepção daquele equipamento que impactou e segmentou a região.
Em 1997, a FUNARTE (Fundação Nacional de Arte) propõe a realização do Projeto Elevado à Arte,
cujo propósito era pintar os 54 mil m² de extensão que compõem o elevado. Essa proposta tinha
caráter permanente.
A intervenção na lateral norte ficou a cargo de Maurício Nogueira Lima que, por meio da inserção de
linhas diagonais em ocre e amarelo, procurou se aproximar do grafismo dos sinais de trânsito. Para
a intervenção na lateral oposta, aartista Sônia Von Brusly utilizou as cores cinza, vermelho e azul, de
forma a contrastar com o aspecto agressivo da construção.
“Hoje nada resta dessas primeiras intervenções. A via, cada vez mais congestionada, impedia
a visão em tempo cinematográfico e a pouca luz na parte inferior igualmente não auxiliava
visualização dos trabalhos. Outras camadas foram sobrepostas aos murais: cartazes publicitários,
grafites e a própria repintura da estrutura, em cor que mimetiza o concreto. A iniciativa de cobrir
parcialmente a enorme estrutura com trabalhos artísticos funcionou como uma espécie de
maquiagem, que se esvaiu no tempo.” (ARTIGAS, 2008, p. 49).
Ocupada intensamente por veículos durante a semana, a face superior do Minhocão, que oculta o
lado obscuro, as sombras do elevado, o avesso da edificação, se transmuta aos finais de semana e
feriados. Essa transformação efetiva a qualidade do equipamento de ser híbrido, transgredindo a sua
funcionalidade primordial. Figura 103: Intervenção cromática da autoria de Maurício
Nogueira Lima.
FONTE: < http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/
nacional/brusky_sonia03.htm >. Acesso em: 19.10.2014.
126
PERCURSOS DO MINHOCÃO
A típica utilização dominical é antes de tudo um grande manifesto de ocupação: essa via expressa
nega a sua vocação original, facultando o seu território para uma atividade tão banal quanto caminhar.
(CASTANHEIRA, 2015).
O ato de caminhar ou espaço de enunciação, como refere Certeau (1998), é a privação do lugar
em um processo constante de sua procura, o que faz dessa trivialidade uma experiência social, e
assim faz da cidade um recinto próprio para as experimentações, um laboratório que torna possível
ao usuário extrair fragmentos do percurso e atualizá-los em segredo, como refere Barthes. (1996
apud CERTEAU, 1998). Tal relação entre o usuário e o percurso, é qualificada como enunciação,
“um processo de apropriação do sistema topográfico pelo pedestre” (CERTEAU, 1998, p.164), onde
o percurso se altera pelas práticas do usuário, se transmutando em singularidades aumentadas e
em ilhotas separadas (BOURDIEU, 1996 apud CERTEAU,1998). Assim, define o fenômeno social pelo
qual um sistema de comunicação se manifesta de fato, remetendo a um comportamento, entendido
como norma.
127
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
A apropriação interage, interfere, acrescenta. São muitas as ações que buscam refletir a falta de
verde no Minhocão. Em 2009, o fotógrafo Felipe Morozini, com a ajuda de 20 amigos, realizou uma
intervenção denominada Jardim Suspenso da Babilônia, onde foram desenhadas grandes flores, com
cal, na superfície do equipamento.
128
PERCURSOS DO MINHOCÃO
Em 2012, o Festival Baixo Centro simulou o que poderia vir a ser o Parque do Minhocão. Esse festival
é um movimento de ocupação civil, transversal, que busca de forma colaborativa promover ações de
apropriação urbana. O Baixo Centro14 é um festival de rua colaborativo, horizontal, independente e
autogestionado, realizado por uma rede aberta de produtores interessados em ressignificar a região
da capital de São Paulo em torno do Minhocão, que compreende os bairros de Santa Cecília, Vila
Buarque, Campos Elísios, Barra Funda e Luz. Com o mote “as ruas são pra dançar”, busca estimular
a apropriação do espaço público pelo público a quem, de fato, pertence, motivando uma maior
interação das pessoas com seus locais de passagem, trabalho ou moradia cotidianos.
Figura 108: Elevado Costa e Silva aos domingos e feriados
FONTE: < http://www.hypeness.com.br/2011/03/artista-
Recentemente foram instalados Jardins Verticais no Minhocão. O primeiro projeto teve a iniciativa da
plastico-pinta-flores-no-asfalto-do-minhocao/>. Acesso marca Absolut e foi realizado em parceria com o Movimento 90º e a Escola São Paulo. Procurava-se
em: 15.11.2015.
colaborar para a alteração da cidade por meio de ações que estivessem em conexão com conceitos
novos ―Transform Today (estratégia concebida pela marca para assim estabelecer proximidade e
vínculos com a geração Y, também conhecida como Millenials, que para os patrocinadores constitui
uma geração ávida pela materialização do novo15). A instalação de Parques Verticais, segundo os
idealizadores do programa, pode reduzir em até 30% a poluição das áreas de proximidade, além de
desempenhar papel de isolante térmico. Na sequência desse, vieram outras empenas que tiveram
sua superfície coberta de vegetação.
Figura 109: Elevado Costa e Silva aos domingos e feriados. Essa plataforma a céu aberto que é o Minhocão hospedou, no âmbito da 10ª Edição da Bienal de
FONTE: Joel Silva/Folhapress. Disponível em: < http:// Arquitetura de São Paulo, uma intervenção subordinada ao tema Cidade: Modos de Fazer, Modos de
fotografia.folha.uol.com.br/galerias/7094-minhocao> .
Acesso em: 15.11.2015. Usar.
A bienal pretendeu promover uma reflexão sobre as possibilidades de construção do viver urbano e
sobre a cidade contemporânea a partir da sua própria estrutura espacial. Dessa forma, os conteúdos
foram alocados em diferentes pontos da cidade, cujos critérios de escolha recaíram sobre a qualidade
14
Baixo Centro – Quem Somos – Disponível em: <http://
do espaço e a respectiva acessibilidade,e permitindo uma experiência viva da cidade.
baixocentro.org/quem-somos/ > Acesso em: 09.11.2014.
15
Jardim Vertical Invade Minhocão – Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/jardim-
vertical- invade-minhocao-em-sao-paulo >. Acesso em:
09.11. 2014.
129
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
130
PERCURSOS DO MINHOCÃO
131
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Se por um lado a utilização do Minhocão como suporte de intervenções tem mobilizado agentes
de distintas esferas, por outro, as iniciativas coletivas que nascem da articulação de moradores se
efetivam de forma crescente. Em 2012 aconteceu a primeira Festa Junina no Minhocão. Tratou-se de
um processo colaborativo que mobilizou cidadãos animados pelo lema: “A Festa Junina no Minhocão
será dos cidadãos para a cidade e da cidade para cidadãos”16. A iniciativa visa chamar a atenção
para a função social da arte e a relevância da participação social individual, que constrói a coletiva.
É a legitimação de uma identidade construída, que ocorre da apropriação do espaço urbano, do
exercício do direito à cidade, e também por meio da concretização cultural.
Figura 116: Intervenção Elevado Costa e Silva – X Bienal
de Arquitetura – Artista Luana Geiger.
FONTE: Daniel Teixeira/Estadão. Disponível em: < http://
sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,piscina-e-
montada-em-cima-do-minhocao,1144198 >. Acesso em:
02.10.2014.
134
PERCURSOS DO MINHOCÃO
com um olhar difereciado17. A plateia é o chão do Minhocão. O palco se instala em duas janelas do
terceiro andar do Edifício São Benedito e a cenografia se resume a batentes azuis e uma floreira, além
do enfileirado de janelas vizinhas.
135
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
O peso da estrutura do Minhocão está presente no filme Terra Estrangeira (1995) de Walter Salles
e Daniela Thomas, e é retratado na dicotomia que a edificação contempla: o barulho e o silencio; a
velocidade e a lentidão; o fluxo e a escassez; a presença e a ausência. Seja como pano de fundo (em
o Signo da Cidade, de Carlos Alberto Ricceli, de 2007), como cenário romântico (em Estamos Juntos
de Toni Venturi, de 2011) ou como espaço de lazer (como em Não Por Acaso, de Philippe Barcinski,
de 2007), o Minhocão se presta a construir a realidade urbana com a dramaticidade inerente à sua
presença.
136
PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
RESULTADOS
Atualmente, pode-se verificar uma diversidade de ocupações na parte superior do Minhocão, nos
horários em que está fechado para a circulação de veículos. Tratam-se de grupos teatrais, de dança,
ginástica laboral, comerciantes vendendo bebidas, sorvetes, bancas de ambulantes vendendo
bijuterias e artesanato. Os mais inusitados usos acontecem nesse local, nos momentos em que se
configura como Parque.
De acordo com as observações do objeto de pesquisa, pode-se relacionar uma diversidade de usos
que podem ser classificados como intervenções temporárias. As festas, apropriações espontâneas,
intervenções de arte urbana, bem como festivais, podem ser classificadas dessa forma, de acordo
com os conceitos abordados no primeiro capítulo. Na figura 124, conforme a tabela, podem ser
verificados os casos abordados e suas respectivas qualificações.
Também de acordo com os conceitos abordados anteriormente, esse espaço coletivo revela os
conceitos, de acordo com a apropriação apresentada, conforme figura 125, que apresenta a tabela
de conceitos.
• Dinamismo: Nova atitude dos usuários em relação ao espaço, que toma outras configurações.
A reação dos usuários se altera conforme as diferentes apropriações.
• Reversibilidade: Capacidade elástica do espaço. Após diferentes situações, volta ao uso para
que foi concebido, o tráfego de veículos.
140
PERCURSOS DO MINHOCÃO
• Imprevisibilidade: Não existe rigidez nos usos desse espaço. As configurações podem se
manifestar em diferentes formatos.
A partir da análise do lugar, apresenta-se, a seguir, um quadro-resumo com algumas análises dos
resultados. O quadro tem por objetivo facilitar a interpretação dos dados verificados por meio da
observação sistemática do espaço urbano que envolve a área objeto desta pesquisa.
A pesquisa tem como objetivo apresentar as características das atividades, procurando estabelecer
uma conexão entre tais características e o espaço urbano, evidenciando, por meio dos conceitos
revelados, as transformações que essas práticas tendem a manifestar naquele espaço.
O Minhocão, em função das diferentes apropriações de uso na sua parte superior, se tornou um
sinônimo de lazer para os paulistanos, aos fins de semana e feriados, no período em que os carros não
circulam. Pode-se verificar que a identidade se instalou com grande intensidade, de forma que vários
grupos da sociedade defendem a transformação definitiva daquele local em parque, procurando lhe
dar o caráter definitivo que lhe é emprestado em determinados momentos.
Em contrapartida, grupos contrários defendem seu desmonte e desativação definitiva, para que a
região, maltratada pelas décadas de deterioração que o elevado lhe causou, volte a reviver a aura dos
tempos remotos, quando era tida como área nobre do centro paulistano.
141
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
CASO CLASSIFICAÇÃO
PINTURA DAS LATERAIS DO ELEVADO - FUNARTE (1997) ARTE URBANA
CORRIDA DE SÃO SILVESTRE APROPRIAÇÃO ESPONTÂNEA
JARDIM SUSPENSO DA BABILÔNIA – PINTURA DE PISO (2009) ARTE URBANA
BAIXO CENTRO (2012) FESTAS LOCAIS
FESTA JUNINA FESTAS LOCAIS
JARDINS VERTICAIS ARTE URBANA
BIENAL DE ARQUITETURA ARTE URBANA
VIRADA CULTURAL – FEIRA GASTRONÔMICA FESTAS LOCAIS
TEATRO ESPARRAMA ARTE URBANA
ELEVADO 3.5 – DOCUMENTÁRIO DE CINEMA ARTE URBANA
GRAFITI NAS EMPENAS CEGAS ARTE URBANA
PARQUE MINHOCÃO APROPRIAÇÃO ESPONTÂNEA
Figura 129: Aplicação de conceitos para casos exemplares
COMÉRCIO AOS FINS DE SEMANA APROPRIAÇÃO ESPONTÂNEA da Parte Superior do Minhocão.
FONTE: Tabela executada pela autora. (FONTES, 2013).
142
PERCURSOS DO MINHOCÃO
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
SOB O ELEVADO
O Minhocão e as vias abaixo dele exercem centenas de relações e microssituações, que constituem
diferentes suportes. A via expressa na parte superior escoa o trânsito de veículos, enquanto a parte
inferior se divide entre a estrutura do gigantesco viaduto, as ruas, o trânsito, o comércio e os edifícios.
Percebe-se que os espaços intermediários entre as estruturas e pilares configuraram um novo lugar,
motividador de apropriações de caráter artístico e transgressor, como o grafite, apropriações não
autorizadas que se comunicam com os usuários daquele local, sejam eles pedestres, ciclistas ou
motoristas. De acordo dom Guatelli (2012), é justamente a possibilidade de constantes combinações
e recombinações entre espaços intransitivos e os dominantes, ou transitivos, que justifica a existência
e garante a vitalidade de ambos.
Desde sua inauguração, o Elevado foi explorado de diversas formas como suporte para intervenções
artísticas, sejam elas não autorizadas, aquelas de caráter transgressor, identificadas nos grafites,
sejam em projetos patrocinados pelo poder público ou por instituições culturais.
A primeira intervenção realizada no Minhocão teve autoria de Flávio Motta e Marcello Nitsche, e
explorava as variáveis de tempo e de posicionamento, conceitos da arte cinética para a percepção
da obra.
Segundo o artista, o objetivo do projeto era tornar a cidade um campo de relacionamento urbano
mais amplo. A intervenção, finalizada em 1974, integrou o projeto Arte e Planejamento, sob-
responsabilidade da Coordenadoria Geral de Planejamento do Município (1975). (ARTIGAS, 2008).
Intitulada Caminhos do Jaraguá, a intervenção tomava partido da sequência dos pilares do ponto de
147
SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
vista do deslocamento do motorista, e marcava sua sequência da região central à zona Oeste, onde
à época era possível se avistar o Pico do Jaraguá. O trabalho de Flávio Motta marcou o deslocamento
dos trabalhos artísticos em empenas cegas para outras superfícies da cidade. (ZAIDLER,2014).
Paralelamente, o ineditismo na utilização dos pilares do Minhocão teve grande destaque, emancipando
esse tipo de apropriação e abrindo possibilidades inéditas para a concepção de trabalhos artísticos
visuais na cidade, pois, até então, as pinturas artísticas a céu aberto tinham o status de mural e as
empenas cegas eram o suporte preferencial.
“As pinturas recobriam a totalidade da área dos pilares, exclusivamente nas cores azul, vermelho
e branco; eram em sua maioria geométricas. Em alguns trechos, a sequência sugeria um pôr do
sol; em outros, movimentos de expansão e contração. A certa altura tornava-se figurativa: um
pássaro ocupava sempre a mesma posição relativa em pilares sucessivos, enquanto suas asas se
deslocavam alguns centímetros, primeiro para cima e depois para baixo, criando a ilusão do voo.
Tudo isso na direção oeste, na qual era visível o pico do Jaraguá, o mais alto da cidade e marco
referencial natural cuja visão, desde a Avenida São João, foi bloqueada pelo elevado.” (ZAIDLER,
2014, p. 100).
Nota-se ainda o caráter de transitoriedade da obra, na qual não foram utilizados materiais que
pudessem perpetuar a sua presença, como refere o mesmo autor.
Após algumas décadas, por sugestão da crítica de arte Radha Abramo, foram recriados os painéis de
Flávio Motta como forma de homenagem a um dos pioneiros interventivos.
A apropriação dos baixios do Minhocão como suporte para eventos mobilizou iniciativas também em
outras esferas. Em 2013, foi promovido pelo SESC e autorizado pela Prefeitura o projeto Giganto, de
autoria da jornalista Raquel Brust. Essa intervenção fez parte do festival PhotoEspaña, cuja proposta
era utilização da arquitetura da cidade como suporte para inserção de imagens de grandes formatos.
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A temática tinha por objetivo propor uma reflexão sobre a perfeição de rostos veiculados em
publicidade, por meio da utilização das imagens dos moradores de diferentes áreas da cidade,
cuja escala das fotografias altera a percepção do fotografado em relação a si mesmo, assim como
do observador em relação à cidade. Tinha como objetivo também discutir a individualidade e a
complexidade de cada unidade de apartamento que compõe a fronteira com o Elevado, levando em
consideração todos como uma massa crítica e sem rosto.
Renato da Silveira é artista, pesquisador e escritor baiano, doutor em antropologia pela École des
Hautes Études en Sciences Sociales (Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais), de Paris. Sua
primeira aproximação com o tema das máscaras africanas aconteceu em 1967, ano em que visitou
a Bienal Internacional de Arte. Na concepção dos trabalhos em exposição nos pilares do Minhocão,
o artista buscou misturar elementos de origens diversas, como fragmentos de olhos e bocas, ora
humanas, ora de animais, detalhes de esculturas africanas, objetos móveis e imóveis, além de
vegetais.
Segundo material divulgado pela Prefeitura de São Paulo (Secretaria da Cultura, 18.11.2014) “embora
sejam misturadas e multicoloridas, as obras transmitem um ar de doçura, a agressividade fica de fora
na representação das expressões faciais, pois para Silveira ‘estamos ferozes demais, precisando de
máscaras mais tranquilas”.
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Nos percursos feitos para registrar os grapichos, grafites, pinturas, bombs e demais intervenções que
dialogassem com os transeuntes, verificou-se que o Minhocão é uma galeria de arte espontânea sem
autorização que também conta com obras de projetos municipais. As possibilidades se estabelecem
à divisão em dois planos que a construção do Minhocão sedimentou na região. O plano vertical
dividiu o centro tradicional de regiões mais valorizados da cidade, como refere Campos:
“Esse verme urbano sem pé nem cabeça costuma ser apreendido de maneira fragmentada. Por
cima, por baixo, ou como segmento de algo do qual não se vislumbra começo nem fim. Para
motoristas usuários, é sempre trecho de trajeto maior; para transeuntes de baixios e entornos,
são pórticos de concreto que se sucedem, perdendo-se na distância e escondendo o lance
seguinte”. (CAMPOS, 2008, p. 20).
O plano horizontal separa os quadrantes superiores (e a circulação viária Leste-Oeste) dos quadrantes
inferiores, onde convive a circulação de automóveis e de pedestres. A fronteira determinada pela
construção do elevado isolou a parte inferior da região, submetida ao que se chama de ocultação.
“Cria uma zona de sombras, um mundo semienterrado, em que térreos e primeiros andares
se perdem em um longo subsolo. Seu próprio apelido evoca um ser subterrâneo. Nessa área
aparentemente escondida, surgem elementos e usos que não ousam se manifestar em locais
mais expostos, sempre com mão dupla: da arte proibida das pichações ao apelo ambíguo dos
travestis“. (CAMPOS, 2008, p. 20).
Essa “ocultação” marcada pela falta de luz, escuridão e desvalorização imobiliária estabelece um
estado psicológico nos usuários que circulam pelo local. Esse ambiente hostil, característico da
sociedade contemporânea, se contrapõe às inscrições deixadas na pele da cidade, na estrutura que
a sustenta. (FERES; NASCIMENTO, 2014).
A cidade-panorama a que Certeau (1998) se refere como sendo resultado de uma remota observação,
platonicamente empreendida do alto de um edifício, se contrapõe ao embaixo, ao down, onde estão
confinados os praticantes ordinários da cidade, cujas impossibilidades visuais efetivam a mobilidade
opaca e cega da cidade habitada. É no rés-do-chão que os passos da pressa moldam espaços e tecem
lugares que efetivam a cidade por meio de um processo de apropriação do sistema topográfico e da Figura 143: Desenho Cotidiano Minhocão: Praça Marechal
Deodoro.
realização espacial do lugar, implicando, segundo o autor, em contratos pragmáticos sob a forma de FONTE: Desenho da autora (22.04.2016).
movimentos.
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
Em percurso realizado entre a Praça Roosevelt e o Largo Padre Péricles pela parte inferior do Minhocão
(a ordem das fotos segue esse trajeto), foram verificadas diversas pinturas de grafite que utilizavam
como suporte os pilares do Minhocão, uma sequência de pilares que parecem retomar a sequência
de grandes telas de um museu. Atualmente, algumas intervenções não são as mesmas, uma vez que
a efemeridade é uma de suas principais características.
Na passagem sob a Praça Franklin Roosevelt, foi encontrada a imagem da menina, como mostra
a Figura 149. É evidente o horror estampado em seu rosto, mascarado pelo chapéu de Minnie,
uma visão hollywoodiana da vida. A vida é terrível em espaços sujos e degradados, a expressão se
apresenta como uma visão da sociedade do espetáculo que transforma o homem em ser passivo. O
espetáculo, nascido das condições modernas de produção, automatizou-se do homem.
“O mundo presente e ausente que o espetáculo faz ver é o mundo da mercadoria dominando
tudo que é vivido. E o mundo da mercadoria é assim mostrado como ele é, pois, seu movimento
Figura 149: “Horror da Menina” – Passagem sob a Praça
Franklin Roosevelt.
é idêntico ao afastamento dos homens entre si e em relação à tudo que produzem.” (DEBORD,
FONTE: < http://www.ideafixa.com/minhocao-e-guerrilha- 1997, p. 20).
semiotica >. Acesso em 20.11.2015.
18
Foram tomadas as contribuições do artigo do jornalista Nessa parte do percurso, que se localiza sob a Praça Roosvelt, chama a atenção a iluminação azul,
Caio Luiz, do movimento guerrilha-semiótica, onde são utilizada como mecanismo para afastar os moradores de rua daquele espaço. Trata-se de um lugar
entrevistados os especialistas Pedro Silva e Paulo Demuru,
componentes do Centro de Pesquisas Sócio semióticas em que alguns pernoitam, protegidos do sereno, entre os espaços dos pilares e as paredes do túnel.
da PUC para avaliar o percurso pela parte inferior do
Minhocão. Disponível em: < http://www.ideafixa. A imagem do rato na Figura 150 remete às profundezas da cidade. Os ratos são fortes, assim como
com/minhocao-e-guerrilha-semiotica >. Acesso em:
20.11.2015. as pessoas que vivem na parte inferior do Minhocão, os moradores de rua. Possuindo resistência
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
imunológica e resistência a um lugar hostil, desenvolvem os anticorpos daqueles que são vistos como
arautos do pavor da cidade.
Na Figura 151, pode-se ver a imagem do palhaço, arquétipo social, representação da falibilidade
humana, do fracasso, da inadequação, do ridículo que existe em cada um e que é presente na sociedade.
A Arte Pública aproxima a arte da vida, criando formas de interação entre um pensamento emocional
e um pensamento representacional, evidenciando as relações cotidianas no contexto urbano. Sua
manifestação no espaço possibilita o cultivo de um olhar reflexivo, questionador e racional.
São Paulo é uma grande sobreposição de mutilações. Na Figura 152, verifica-se a imagem de um corpo
mutilado. O Minhocão é o objeto que mais representa isso: uma grande cicatriz, que é residência de
gente mutilada, excluída, abandonada.
Figura 150: “Rato” – Início Minhocão – R. Amaral Gurgel
A temática da alienação está claramente estampada na Figura 153. Hoje, tal temática se manifesra FONTE: < http://www.ideafixa.com/minhocao-e-guerrilha-
não mais pela televisão, mas pelos smartphones, ícones contemporâneos do mundo globalizado. A semiotica >. Acesso em 20.11.2015.
imagem assim representa cabeças formatadas, todas iguais. Ao lado, carros passam despercebidos.
Motoristas conectados, protegidos pela película solar dos vidros, se mostram indiferentes à cidade.
A mostra das máscaras africanas fez parte do Projeto Omô Lodjô, vista na Figura 154. A mostra
comemorou o mês da Consciência Negra. No total foram 20 pilares do Minhocão que receberam
as pinturas assinadas pelo artista Renato da Silveira, pesquisador e escritor baiano, doutor em
antropologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Escola de Estudos Avançados em
Ciências Sociais). Encontram-se ainda algumas máscaras que receberam intervenções de picho e
grafite, ao longo do percurso.
As intervenções institucionalizadas convivem com as outras não autorizadas, por vezes transformando-
se e se fundendinda, como que concebidas unicamente.
Figura 151: Empena de Prédio na R. Amaral Gurgel.
FONTE: Foto da autora (Data: 21.4.2015).
Segundo material divulgado pela Prefeitura de São Paulo19, “embora sejam misturadas e multicoloridas, 19
Disponível em :< http://noticias.uol.com.br/
as obras transmitem um ar de doçura. A agressividade fica de fora na representação das expressões album/2014/11/28/sp-ganha-mostra-a-ceu-aberto-
faciais, pois para Silveira estamos ferozes demais, precisando de máscaras mais tranquilas’”. de-mascaras-afro-brasileiras-nos-pilares-do-minhocao.
htm#fotoNav=6 >. Acesso em: 12.12.2015.
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Na Figura 155, há o marginal empunhando arma, como muitos que frequentam a região.
Na Figura 156, verifica-se o picho como instrumento de contestação, de luta, e sinônimo de voz para
aqueles que não são vistos e ouvidos pela sociedade. A pichação sobre a foto, na cor rosa, representa
o processo de estetização em que o indivíduo afirma a quem de fato pertence à rua. As fotos fizeram
parte de um projeto chamado Giganto20 , promovido pelo SESC. A fotógrafa Raquel Brust estampou
18 fotos de moradores da região.
O morador de rua é o grande anti-sujeito da cidade, visto na Figura 157. O poder público faz ações
sistemáticas no sentido de esconder o que considera desagradável, como os moradores de rua.
Para essas pessoas resta seguir para áreas onde possam ser incluídos na paisagem: lugares sujos,
degradados.
Figura 155: Lambe-Lambe: Marginal controlando arma.
Fonte: Foto da autora. (Data: 21.03.2015).
A parte inferior do Elevado, mesmo sendo parte do todo, é marginalizada e negligenciada. Nela
se esboça o esgoto, a degradação. Segundo Peixoto (2003, p. 400): “Os viadutos, autopistas,
estacionamentos, canteiros de obras, tubulações expostas e conjuntos residenciais populares são os
monumentos das grandes extensões urbanas devastadas contemporâneas”.
Esses sujeitos são tidos fora do padrão. A colagem mostra a diversidade das tribos urbanas,
característica da cidade de São Paulo, como pode-se visualizar na Figura 158.
Na Figura 160, pode-se ver um grafite sobre a foto da tribo indígena, uma sobreposição de camadas
que se fundem e se tornam uma só. A auréola remete ao ser celestial, acima do bem e do mal.
Na Figura 161, a mulher muçulmana é retratada através do grafite, símbolo do individuo que Figura 156: Retratos e Picho
FONTE: < http://www.ideafixa.com/minhocao-e-guerrilha-
permanece excluído, privado dos mesmos direitos dos homens. É um caso semelhante ao daqueles semiotica >. Acesso em 20.11.2015
que vivem o subterrâneo do Minhocão, excluídos dos mesmos direitos que aqueles que passam logo
acima dirigindo seus automóveis.
20
Disponível em : < http://projetogiganto.com.br/ >.
Acesso em 12.12.2015.
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Figura 158: Colagem feita em pilar sob o Minhocão. Figura 159: Projeto Retratos – SESC.
FONTE: < http://www.ideafixa.com/minhocao-e-guerrilha- FONTE: Foto da autora (Data: 21.04. 2015).
semiotica >. Acesso em 20/11/2015
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Na Figura 162, a imagem do líder Mandela, aparece sobre a imagem de um homem negro,
desconhecido e negligenciado dormindo no chão. A associação dos negros à vulnerabilidade social
está manifestada nesse grafite.
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À noite nos baixios, conforme mostra a Figura 165, as sombras se multiplicam e os signos parecem
tomar corpo, como protagonistas de um filme de suspense. A cidade fala através de suas imagens.
Acredita-se que a virtuosidade cívica pode ser desenvolvida interagindo com a intervenção criada.
A afirmação (DEBORD, 1992) sobre a alienação e os efeitos divisórios do capitalismo n’A Sociedade
do Espetáculo atinge o centro da razão pela qual a participação é importante (arte participativa):
ela reumaniza a sociedade atávica e fragmentada pela instrumentalização repressiva da produção
capitalista.
A arte do fraco, segundo Certeau (2011), manifesta o espaço público como legítimo da
contemporaneidade na Metrópole. As manifestações artísticas nas pilastras do Minhocão são
desprovidas de poder, mas apontam legitimidade, reconhecimento, moralidade.
A “arte participativa”, em seu sentido mais restrito, acaba com a ideia de espectador e sugere um
novo entendimento de arte sem audiência, uma arte da qual, todos são produtores.
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
RESULTADOS
Essas intervenções de arte urbana têm caráter transitório, uma vez que não permanecem por muito
tempo no local, passando por diferentes intervenções e sobreposições de novas pinturas que a
transformam em outra arte, em um processo de constante mutação. Têm caráter pequeno, pontual
e relacional, se instalando nos pilares, que têm características físicas e dimensões semelhantes
às grandes telas de pintura e se relacionam com aqueles que passam usuários da região. São
participativas, pois acontecem com a participação espontânea daqueles sujeitos que procuram
intervir e deixar sua marca na cidade, através da arte. Essa qualidade leva as intervenções a ativarem
os locais em que estão inseridas, onde possuem características subversivas e particulares. Os baixios
do Minhocão apresentam os seguintes conceitos (FONTES, 2013), revelados através das intervenções
de arte urbana e dos usos espontâneos: dinamismo, uma vez que revelam uma nova atitude em
relação ao espaço; flexibilidade, já que revelam a abertura para diversas apropriações; e conexão de
pessoas, de usos e de espaços públicos.
Em função dos conceitos revelados, pode-se afirmar que o espaço é transformado pela apropriação
de usos que se manifestam nos baixios. Apropriações espontâneas, manifestas nos deslocamentos
dos pedestres, dos ciclistas e do uso dos skatistas, e também por meio das pinturas, apropriações de
arte urbana dos pilares, que são impregnadas de caráter transgressor, típico das pinturas de grafite e
de caráter político. Os baixios do Minhocão são uma obra:
“sem expressão ou arquitetura que ressurge como suporte do posicionamento político das
intervenções de arte do grafite e que compõem juntamente com os sem-teto, a geografia do
lugar. Por seu caráter efêmero e sua forte intromissão visual, o grafite contribui para que os
espaços residuais e sem expressão voltem a participar dos fluxos da cidade – que resgatem
seu aspecto simbólico – estabelecendo diálogocom os passantes e também leitura de parte da
cidade”. (TELLES, 2011, p. 254)
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
O Mapeamento dos grafites foi elaborado (figura 157), com inserção dos grafites mais atuais, no
percurso de coleta de dados fotográficos feito ao final de março de 2016. O objetivo desse mapeamento,
além de localizar as imagens de maior relevância, é marcar uma diferenciação nas características
dos grafites nos baixios do Minhocão, além de justificar de acordo com as interpretações feitas nos
outros mapas (leituras do urbano).
Podemos afirmar que a manifestações mais significativas acontecem na Avenida Amaral Gurgel,
seguidas pela região da Praça Marechal Dodoro, próximo à Avenida Angelica e os pontos de ônibus.
Entre a estação Santa Cecília e a Praça Marechal Deodoro e a estação Santa Cecília e Terminal Amaral
Gurgel, há uma região com muita pichação e lambe-lambe, assim como a região da Avenida General
Olímpio da Silveira seguindo para o término do Minhocão. Essas regiões coincidem com regiões de
maior fluxo de moradores de rua e onde não há muito fluxo de pedestres, em função de poucos
pontos de ônibus. Na Avenida Amaral Gurgel há poucos pontos de ônibus, mas muita concentração
de trânsito de veículos, usuários que parecem ser objeto de atenção dos grafiteiros da região.
Pode-se concluir que as intervenções de arte urbana, nos baixios do Minhocão, têm comunicação
com seu entorno e com os usuários do local. Os automóveis, ciclistas, pedestres, moradores de rua
e comerciantes têm relação direta com a linguagem que as pinturas expressam. É fato que cada
usuário, por meio do modo como interage com a intervenção, terá percepções diferentes.
Nesse sentido, os artistas desenvolvem sua comunicação de diferentes maneiras ao longo do percurso,
manifestando diferenças significativas, principalmente no que diz respeito ao foco do expectador,
mas também levando em consideração as características físicas urbanas. Os grafites próximos à Praça
Marechal Deodoro têm outra questão de perspectiva, em função da abertura que o local permite,
bem como os diferentes modos de visualização.
O percurso que foi realizado ao ver a cidade leva a confrontar o espaço, o urbano, a cidade e o
lugar. Os elementos que compõem o espaço interferem na forma deste, quando é verificado que a
paisagem é sugerida como complemento para captar a forma fluida e irregular desses horizontes.
Segundo Ferrara (1997), a cidade é o resultado da atuação de um conjunto de elementos dinâmicos
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PERCURSOS DO MINHOCÃO
denominados de contexto urbano. Esse contexto é composto por ruas, muros, escadarias, fachadas,
edifícios, multidões em locomoção, ruídos, luzes, cor e volume.
O Minhocão é símbolo de resistência, de luta, de manifestação daqueles que não são vistos pela
sociedade como figuras excluídas do contexto social, e as intervenções por meio do grafite, nos
baixios, são acompanhadas dessa aura contestadora que o próprio suporte já incorpora em relação
à cidade: a resistência daqueles que vivem naquele local, a despeito dos problemas que o artefato
criou ao longo de sua história.
O espaço habitado é uma manifestação exemplar de uma linguagem carregada de signos, e esse
texto não verbal se espalha pela cidade e incorpora toda a sua micro linguagem: a paisagem, a
urbanização, a arquitetura, o desenho industrial ambiental, a comunicação visual, a publicidade, bem
como a sinalização viária.
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CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações econômicas e sociais vivenciadas no urbano elaboram o que Ferrara (1997)
chama de história não verbal da cidade. É possível vivenciar a imagem da cidade por meio das
realizações humanas. No Minhocão, pode-se perceber que na apreensão dessas imagens residem as
representações, que constituem por sua vez a linguagem urbana, uma linguagem sem palavras. Tal
linguagem não se apreende apenas por meio da abstração, mas também pela recorrência dos fatos
urbanos que constroem o cotidiano da cidade.
Na história da cidade de São Paulo, o Minhocão constitui um marco, não só por causa dimensão formal
que se constitui, mas também por remeter a uma herança do período de ditadura militar. Nessa era
da nossa história brasileira, pautada pelo culto ao automobilismo, as prioridades construtivas tinham
por objetivo ofertar escoamentos viários em grandiosos equipamentos que revelassem o caráter de
um país em desenvolvimento. Desconsiderava-se, assim, qualquer condicionante topográfica, visual
ou histórica, como refere Zaidler (2014). A desproporcionalidade do Elevado em relação à área em
que foi implantado estabeleceu dois territórios distintos em uma área anteriormente valorizada da
cidade. A interrupção que representa o sinuoso elevado resultou em uma fronteira que materializa a
desproporção, o incômodo e a invasão da privacidade.
O Minhocão se faz e refaz no caráter efêmero de suas manifestações, mas mantém o significado de
símbolo de resistência, cicatriz urbana que fere, mal trada, dói. Seu caráter se legitima através dos
conceitos que foram contextualizados nesse percurso. As intervenções temporárias funcionam como
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SOB [RE] O MINHOCÃO: APROPRIAÇÕES, ARTE E FESTA
Quando se reflete a respeito do atual estágio da modernidade, que é a condição efêmera dos nossos
dias e do mundo contemporâneo, visualizam-se traços que podem ser considerados negativos, no
espaço coletivo, tais como hostilidade, individualismo e relações superficiais entre os indivíduos.
O Minhocão, espaço coletivo, objeto de estudo desta investigação, é o suporte onde se desenrolam
as manifestações negativas e positivas. Tais condições são pautadas na aceleração da vida
contemporânea e na flexibilidade e leveza em que se move o indivíduo dentro desse contexto. Essa
leveza pode ser caracterizada como o aspecto positivo que impulsiona esta pesquisa e que implica no
aspecto temporal das atividades observadas no Minhocão.
Apesar da rejeição que o equipamento suscita nos usuários, constatou-se que os mesmos encontraram
modos de reinventar a sua vocação original, transformando sua estrutura, no caso dos pilares, ou
reinventando usos e fluxos, como é o caso das apropriações realizadas no tabuleiro, parte superior
do elevado. A apropriação se dá em diversos formatos, mas o que se verifica nos baixios do Elevado
é o caráter artístico das intervenções. Na parte superior, as apropriações têm carater espontâneo,
enquanto nos baixios as intervenções de arte urbana manifestam as disputas, as inquietações, as
revoltas daqueles sujeitos deixados de lado, os anti-sujeitos que a sociedade procura ocultar.
Essa visibilidade das relações encontradas na cidade, que se dá por meio da observação do uso do
público e das apropriações dos espaços coletivos, estimula reflexão acerca de novas possibilidades de
leitura do espaço, consistindo em variáveis de projeto importantes para o pensamento das cidades
e do futuro dos espaços coletivos.
Na observação das intervenções temporárias, pode-se verificar que elas provocam uma ruptura nos
eventos cotidianos, pois não são vistas como uso corriqueiro do espaço. (FONTES, 2013).
178
CONSIDERAÇÕES
pessoas, diminuirndo o distanciamento entre elas e pressupondo um espaço coletivo, não no sentido
espacial, mas no sentido do coletivo social.
No momento em que foi aprofundada a análise das observações a respeito das intervenções
temporárias realizadas no Minhocão, nos níveis superior e inferior, verificou-se que se tratam de
agentes transformadoras. Esse conceito se torna evidente quando se comparam as intervenções de
caráter artístico dos usos cotidianos, os quais foram nomeados de usos espontâneos. Nesse sentido,
as intervenções artísticas são aquelas que manifestam uma ruptura no cotidiano, registrando uma
elevação dentro da frequência do espaço-tempo. Em outra perspectiva se encontram os grandes
eventos, localizados do lado oposto ao das intervenções temporárias, os seriam ações de caráter
“projetado de cima para baixo” (FONTES, 2013, p. 381).
As intervenções temporárias, portanto, são caracterizadas pelo convívio social 3 se movem no âmbito
do pequeno, particular, envolvendo participação, ação, interação e subversão, sendo assim motivadas
por situações particulares que se contrapões aos movimentos estandardizados, em grande escala.
As intervenções analisadas nesta pesquisa, conforme conceitos de Fontes (2013), têm como
composição essas oito dimensões, em diferentes porções, que conduziram à classificação tipológica
de apropriações espontâneas, intervenções de arte públicaou arquitetônicas ou festas locais.
A condição efêmera, mesmo abstrata, pode tomar corpo nos espaços da cidade, como verificado nos
percursos pelo Minhocão, e para tanto foram trabalhados cinco conceitos dessa condição (FONTES,
2013), criando conexões com as intervenções observadas, tornando visível o contexto contemporâneo
na avaliação da condição efêmera das intervenções do Minhocão.
179
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM ARQUITETURA E URBANISMO
SÃO PAULO 2016