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REVISTA ZUM 1
O público alemão demorou a acolher a arte fria e documental dos Becher, mas, por volta
da década de 1980, as tipologias dos Becher passaram a ser presença obrigatória nos
museus. Em 1976, Bernd Becher tornou-se professor de fotografia da Academia de Artes
de Düsseldorf, disciplina que não costumava constar do currículo das academias de artes
plásticas. Muitos de seus alunos alcançaram enorme sucesso:
Candida Höfer, Thomas Struth, Jörg Sasse e Andreas Gursky, entre eles. Quando Becher
se aposentou, em 1996, Jeff Wall foi escolhido para sucedê-lo, mas, no primeiro contato
com a classe, defrontou-se com um ex-aluno de Becher portando uma arma. Wall
renunciou ao posto de imediato. Bernd Becher ficou furioso com a passividade da
academia. A cadeira foi entregue a Thomas Ruff, outro discípulo conhecido, ainda que, em
certa medida, um dissidente.
Entrevistei os Becher pela primeira vez enquanto a exposição Minas de carvão (1999)
acontecia em Colônia. Eles revelaram-se um casal simpático, embora exibissem traços de
obstinação e certa tendência a interromper um ao outro. Responderam às perguntas com
precisão; Bernd com preferência por mostrar as coisas, em vez de explicá-las. Voltei para
gravar esta entrevista em 14 de junho e 17 de setembro de 2000. Ao final de cada visita,
insistiram para que eu os acompanhasse a um dos restaurantes ou bares de Kaiserswerth,
outrora uma orgulhosa cidadezinha que hoje é parte de Düsseldorf.
BERND: Nós nos conhecemos numa agência de publicidade, a Trost. Foi em 1957, eu
tinha 26 anos.
A senhora também?
HILLA: Eu tinha um emprego na agência. Estava muito feliz lá, mas depois vi que não era
publicidade o que eu queria fazer. Então pensei que o melhor seria voltar aos estudos.
HILLA: Foi, eu me candidatei para uma vaga na academia. Fui aceita, embora fosse
complicado, porque não tinha fotografia, e eu não sabia pintar.
E o que comprou?
HILLA: Bem profissional, um 13 × 18 cm, tanques, bandejas, todo o necessário. Isso dava
aos alunos que tivessem interesse no assunto a possibilidade de trabalhar ali, e a nós
também. As condições eram difíceis naquele tempo, o aluguel de espaços grandes era
caríssimo; comprar equipamento próprio, impossível. Ali estava a oportunidade.
BERND: No fundo, tínhamos terminado fazia tempo, mas ficamos na academia por causa
do laboratório. Simplificando, foi isso.
A senhora tem formação como fotógrafa. Onde foi que se formou e o que era
considerado, então, boa fotografia?
HILLA: Primeiro, eu me dediquei à fotografia por conta própria, quando tinha 12, 13 anos.
Os meios de que dispunha eram bastante precários. Isso foi logo depois da guerra, e o
material fotográfico que tínhamos era de antes da guerra, parte dele já embolorado. Mas,
de um jeito ou de outro, conseguíamos as coisas no mercado negro. Minha mãe, quando
jovem, tinha aprendido a fotografar – era fotógrafa, mas nunca mais havia exercido a pro-
fissão. Ela me deu uma máquina fotográfica e me deixava brincar um pouco. Tudo isso
aconteceu em Potsdam, ou seja, ainda na Alemanha Oriental. Mais tarde, fui atrás de um
aprendizado de fato.
HILLA: Com um senhor mais velho chamado Walter Eichgrün, que tinha sido fotógrafo da
corte prussiana em Potsdam, como o pai e o avô. Eles tinham um arquivo imenso, com
chapas enormes relacionadas à vida da corte. Acontecimentos políticos fotografados como
se fazia no século 19, com equipamentos da época, inclusive as lentes. Há tempos não
havia mais nada daquilo, por causa da guerra. O estúdio era como se fosse do tempo do
império, com mobília preta de ébano e cortinas pesadas – “a cripta” foi o apelido que
demos a ele. Era um aprendizado muito bom. Porque meu professor fotografava
corretamente e conhecia bem composição, luz, sombras e perspectiva.
Além disso, estava disposto a ensinar. O estúdio ocupava todo um andar de um edifício em
Potsdam. Fazia o que lhe encomendassem: retratos, fotografia de objetos, reproduções e
muita arquitetura também. Isso ele fazia bem, por isso era sempre chamado. Naquela
época, estava encarregado de fotografar Sanssouci por fora e por dentro: o parque, os
castelos, os cômodos, as estátuas. E eu sempre ia junto, carregando as coisas todas. Isso
foi de 1951 a 1953, mais ou menos. Larguei o secundário antes do tempo. Porque nem
sempre conseguíamos manter a boca fechada. Preferi sair por livre e espontânea vontade a
ser expulsa. Não tinha nem 17 anos. Quando fugimos, eu tinha 19. Aí o aprendizado já
tinha acabado.
HILLA: A mesma coisa que hoje consideramos a boa fotografia do século 19: uma
fotografia clara, limpa, com todas as gradações de cinza, profundidades harmônicas,
comprometida com o objeto.
Mas a senhora está descrevendo a fotografia do século 20. No século 19, havia
uma predileção por linhas suaves, vedute [pintura, desenho ou gravura que
apresenta a vista de uma cidade]…
HILLA: Existiam duas correntes na fotografia do século 19, e essa era a da fotografia
direta. Os retratos não eram muito diferentes dos de August Sander. Sander é, para mim,
um fotógrafo do século 19, que se orienta pela pintura. Essas pessoas sabiam muitíssimo
bem como mostrar uma mão, como inserir essa mão no quadro, girando um pouco os
ombros, fazendo a luz incidir pelo lado mais distante do rosto, os cabelos iluminados por
trás.
BERND: Já. As primeiras fotos são de 1957, quando ainda não nos conhecíamos. Foram
tiradas com uma máquina de pequeno formato, e não como fotografias propriamente, mas
como base para desenhos e pinturas. Havia uma instalação industrial em demolição.
Passei semanas sentado ali, desenhando, mas não conseguia acompanhar o ritmo da
demolição. Fotografei a instalação para completar os desenhos, depois para fazer águas-
fortes, litografias, pinturas. Mas eu também já tinha começado a colecionar fotos sempre
que podia, fotos de instalações industriais feitas pelos proprietários. Fotos da siderúrgica
de Prachbach, da siderúrgica de Niederscheld, onde meu avô tinha trabalhado, da
siderúrgica de Grünebach e assim por diante. E, em Siegen, da siderúrgica de Hain.
Conseguia as fotos quando conhecia gente que trabalhava nas indústrias. Quando as ins-
talações eram modificadas – modernizadas – ou fechadas, quando os escritórios eram
desmanchados, ninguém mais queria as fotos. Queriam se livrar da imagem do século 19.
Eu gostava daquelas fotos enormes, feitas por contato, que representavam as instalações
com tanta precisão. Antigamente, essas indústrias não eram grandes. Quando elas tinham
um alto-forno, ou dois altos-fornos, podia-se enquadrar tudo sem necessidade de cortar
nada. Era como, digamos, retratar duas garrafas. Indústrias gigantescas, como as que vie-
ram mais tarde – Krupp etc. –, não existiam por ali. A fotografia industrial tendia a
empregar um formato horizontal e muitas vezes incluía um grupo de pessoas, posicionado
de modo que a instalação ficasse visível ao fundo. Também encontramos isso na
representação das ferrovias, da navegação a vapor. Tem muito disso no século passado,
inclusive em gravuras.
HILLA: Aquilo me atraía também, eu só não sabia direito de que maneira. Da primeira vez
que estive na região do Ruhr, fiquei admirada. Antes disso, já me interessara por
locomotivas. Depois que fugimos de Berlim, eu circulava muito pela região portuária de
Hamburgo. Ainda não tinha ideia de como representar aquilo: só ficava por ali, tirando
fotos com a Rolleiflex. Tentava capturar aquela terra de ninguém, onde não havia nada, só
que, sem um objeto, não funcionava. De alguma maneira, sempre acabamos recorrendo a
um objeto, um guindaste, por exemplo. Mas a coisa toda ainda não tinha uma forma, e eu
talvez tenha sofrido influência de Albert Renger-Patzsch. Havia ainda muito pouco
material que eu pudesse imitar.
BERND: Naquela época, ainda não se podia falar nesses termos. Tive uma trajetória um
pouco diferente. Minha intenção inicial era fotografar objetos com precisão para, depois,
recortá-los e reuni-los em montagens ou colagens. Para evitar sobreposições, eu me
posicionava no alto, fotografava de cima de uma escada. Recortava a parede de uma
edificação para depois ter 20 paredes, que juntava numa colagem. Foi quando notei que,
fotografado do alto, o objeto se integra ao fundo. Do alto, o fundo se desdobra. Isso talvez
não tenha sido uma descoberta, mas algo que decorreu da nossa experiência conjunta.
Vimos que, postas uma ao lado da outra, as coisas adquirem uma correspondência.
Quando dispostas em grupo, coisas que mal se distinguem umas das outras ganham indi-
vidualidade. As casas dos operários, por exemplo, ou as torres de extração, se parecem
muito, mas só quando se está passeando por elas.
BERND: Eram muito parecidas, como se saídas de uma linha de produção, como é o caso
dos automóveis. Apenas quando postas lado a lado é que se vê a individualidade. O que
aconteceu foi que essas instalações foram demolidas. Sobretudo em Siegerland, percebi
que, a partir de 1950, mais ou menos, as siderúrgicas estavam fechando; depois, foi a vez
das minas, uma atrás da outra. Senti a necessidade – não diria a obrigação – de
documentar essas coisas também.
BERND: Na época, eu pensava que o que Jean Tinguely fazia era uma interpretação da
indústria do ponto de vista das artes e ofícios. E não achava bom aquilo. Hoje minha visão
é outra. Vejo pelo menos que era uma coleção maravilhosa de ferro-velho, de coisas que
não existem mais. Passei a achar as primeiras obras muito boas. Mas pensava que um
alto-forno ou uma mina eram muito mais interessantes. Até porque são objetos
monumentais, mais ricos em detalhes. Têm um caráter irracional – porque não dá para
entendê-los – e, não obstante, são estáticos e funcionais. Contam com precisão a história
de seu tempo, da época anterior à Primeira Guerra Mundial, o boom do aço. Mostram que
se produzia muito mais que o necessário.
BERND: Achávamos que iríamos viver uma aventura maravilhosa, que viajaríamos pelo
mundo todo. Já havíamos estado na Bélgica, assim como nas minas de Aachen e em
Saarland. Tínhamos viajado para o norte da França, só para olhar. Pensamos: se o nosso
trabalho resultar de fato em uma
sistematização, vamos ter na gaveta uma espécie de região industrial internacional. Como
as instalações estavam desaparecendo, imaginamos que sua conservação por meio de
fotografias conquistaria, em algum momento, interesse mais generalizado. Não era
possível que não acontecesse. Afinal, somos indústria! Todos nós andamos de carro!
Aquela ideia romântica de que podíamos prescindir da indústria, de que poderíamos viver
sem ela, nunca compartilhamos. Por outro lado, tampouco tínhamos uma visão
positivista. Já enxergávamos o que havia de estranho, a superprodução… e todas as
dificuldades daí decorrentes. Mas vimos também que as pessoas diretamente envolvidas
com a indústria – aqui no Ruhr, em Lüttich, em Charleroi – compunham uma espécie
muito particular, que via aquilo tudo como parte de sua própria vida. Eu conhecia aquele
mundo desde Siegerland: todos os meus antepassados, por parte de pai e mãe, tinham
trabalhado nas minas ou na siderurgia. Eu conhecia aquela situação, o vocabulário. Para
mim, era um prolongamento da infância: procurar lugares que se parecessem com aqueles
onde eu havia crescido.
BERND: Diziam que fotografávamos paredes! Que aquilo não era nem uma interpretação
do mundo nem uma visão artística da indústria. Quando se contemplam, por exemplo, as
fotos de Otto Steinert, o modo como ele fotografava a indústria, aquilo era uma
transposição altamente dramática, influenciada pela arte abstrata, pelo surrealismo. Mas
dizer: essa torre de extração é um objeto igualmente interessante – isso não era possível.
Gente como Reinhold Köhler, em Siegen, ou como Nohl, percebeu isso. Naquela época,
nunca tinha havido uma exposição de nossas obras em Düsseldorf, embora morássemos
lá.
BERND: Sim, bem mais tarde, em 1970. O primeiro catálogo veio antes, na primavera de
1967.
BERND: Essa é uma ideia que só se poderia ter hoje em dia, quando se dispõe de uma
técnica de impressão tão boa. Diante de uma foto original, no entanto, pode-se até passear
pela imagem. A precisão e as gradações de cinza são muito particulares. Além disso, tem-
se a possibilidade de juntar imagens: daí surgiu a primeira tipologia. A pessoa pode se
afastar três, quatro metros da imagem e ver o todo, ou pode chegar bem perto e ver cada
parafuso. O livro é outra coisa. O tema é exposto de forma limitada: a pessoa folheia e,
então, põe de lado.
BERND: Na Nohl, usamos molduras quadradas, nas quais se podia optar tanto pelo
formato vertical como pelo horizontal. As molduras dispunham-se em duas fileiras, uma
debaixo da outra, penduradas na frente das estantes de livros.
Imagino que tenham deparado com uma dificuldade de sistematização,
porque, se queriam completar a tipologia – para ter, digamos, 100 torres de
extração –, tinham também, em cada lugar onde havia uma torre de extração,
de documentar todo o resto. Aí o trabalho avançaria muito lentamente. Os
senhores se viram alguma vez diante do dilema de fotografar apenas as torres
de extração ou a instalação inteira?
HILLA: A pressão existia por causa da primeira crise do carvão e, depois, da primeira crise
do aço. Sabíamos muito bem…
BERND: …se não fotografarmos tudo agora, vai nos fazer falta depois. Mesmo que não
achemos lá muito bom. Se era, por exemplo, uma edificação sem aura particular. Aí era
chato. Mas fotografávamos assim mesmo. Às vezes, tínhamos uma surpresa, sobretudo
nas fotos tiradas com grande-angular. Quando se tem de fotografar de perto, é preciso
usar a grande-angular, e só na imagem é possível ver o todo. Só se pode avaliar um objeto
como um todo quando se tem a distância devida. A experiência mostrou que as fotos com
grande-angular deviam ser tiradas a meia altura do objeto, para que o resultado fosse uma
visão normal dele.
BERND: Eles queriam escrever e adornar seus textos com nossas fotos.
HILLA: Não conseguiam imaginar que um livro só com fotos funcionaria. Queriam dar a
ele uma fundamentação científica.
HILLA: Foi uma experiência ruim. Percebemos pela primeira vez que já não éramos livres.
Fomos pagos por hora e entregamos o trabalho. Então, vieram com pedidos, ideias,
condições. Era preciso fundamentar tudo com base na história da técnica.
BERND: Empreguei, sim. Desenhei uns poucos logotipos para empresas e fiz alguns
trabalhos na área gráfica. Não a estrela da Mercedes, mas… E Hilla fez trabalhos muito
legais.
HILLA: Alguns bem corajosos. Naquela época, havia exposições mundiais por toda parte.
Foi a época em que os alemães tornaram a se voltar para fora. Trabalhei cerca de 15 anos
num escritório de arquitetura. Os projetos eram dos pavilhões alemães nessas exposições,
em Nova York, em Chicago, em Buenos Aires, em Helsinque. Às vezes, eu ia junto, ajudava
na construção e depois documentava tudo. Passei um tempo no Sudão, estive em Trípoli.
Para tanto, juntava ideias e material, inclusive fotografias de outros fotógrafos, desenhos.
Tudo que tivesse a ver com o tema: exposições mundiais de medicina…
Mas isso a senhora fez sozinha. Foi esse o trabalho aplicado pelo qual a
senhora foi bem paga?
HILLA: Antes dele, vimos Roy Lichtenstein, na galeria de Alfred Schmela. Mas o
serialismo foi uma decorrência de termos juntado muito material acerca de determinados
temas. Só que nossa concepção, na hora de apresentar o material, tem mais a ver com o
século 19, com o enciclopedismo na botânica ou na zoologia, em que plantas do mesmo
gênero ou animais da mesma espécie são comparados na mesma página de uma
enciclopédia. Estava cada vez mais clara para nós a existência de certas espécies, gêneros e
subgêneros dessas estruturas. Na verdade, é um procedimento antiquado, mas depois foi
utilizado na arte conceitual. Por Joseph Kosuth. Gilbert e George, um pouco depois.
BERND: Exato, e por isso era possível pendurar duas ou três fileiras, uma em cima da
outra. Ao mesmo tempo, podia-se observar que as famílias de objetos ficavam mais
parecidas. Veja estes esboços, pequenas fotos de contato coladas num suporte formato…
HILLA: …1 × 1,5 metro – eram os maiores pedaços de papelão que se podiam comprar.
Papelão!
BERND: E esta foi a primeira tipologia das torres de extração, quando ainda
trabalhávamos de forma assistemática, de 1961 a 1965. Mas colamos tudo depois da
viagem à Inglaterra, em 1966. Eram pequenas fotos de contato sobre uma folha de papel.
Hoje esse trabalho está no Getty Museum.
BERND: Embora sejam torres de extração, há tipos reunidos aí que não apresentam
semelhança nenhuma. Esta aqui não tem a ver com a série.
BERND: Exatamente.
HILLA: Aqui está um tipo já sistematizado. Todas as torres têm algo em comum: o
formato da letra A. Há também o aspecto do material. De que são feitas as torres de
extração? Há as de madeira, da Pensilvânia; outras são de concreto. Quando se organizam
todas elas, percebe-se que estas aqui são francesas, porque dão preferência à pedra.
HILLA: A brincadeira com escultura anônima, uma coisa que não dissemos tão a sério. O
subtítulo é Uma tipologia das construções técnicas.
Que artistas fizeram parte dos seus anos de formação? De quem se sentiram
próximos e com quem, além de Andre, trocaram obras?
BERND: Os mais próximos eram Sol LeWitt e Carl Andre, do ponto de vista da
sistemática, do pensamento.
HILLA: Tínhamos mais intimidade com os artistas que com o pessoal dos museus, para
não falar das galerias.
BERND: Andre vinha com frequência a Düsseldorf, e Richard Long também. Muitas vezes
Long nos acompanhava quando íamos fotografar. Tinham grande interesse no que
fazíamos, tanto um como o outro.
Com essa estética precisa das imagens, os senhores também não se sentiram
um pouco solitários no meio dos conceitualistas?
HILLA: Estávamos sozinhos. Mas não éramos solitários. Julgávamos a situação adequada.
BERND: …de modo que os detalhes fossem reconhecíveis. Um instantâneo não significava
nada para nós. Foi por isso, também, que não nos demos por satisfeitos com negativos em
formato 6 × 9 cm e passamos a usar os de 13 × 18 cm.
HILLA: Não sei. Mas entenderam que tinha de ser feito daquele jeito.
De que tipo?
BERND: Diziam que não fazia sentido compor imagens. Bastava amarrar uma câmera na
perna e apertar o botão de vez em quando.
HILLA: Mas mesmo essas pessoas acabaram por aceitar o que fazíamos. Doug Huebler,
por exemplo, tirava fotografias de tantos em tantos minutos de dentro de um carro; um
conceito. Ou Ed Ruscha…
BERND: Ele era mais preciso.
HILLA: Foi ficando com o tempo. A Sunset Boulevard ainda foi, em grande parte,
fotografada de câmera na mão, mas então vêm os postos de gasolina, e aí há apuro técnico.
HILLA: É, o que também pressupõe um plano. Para muito artistas plásticos, a fotografia
era um recurso a mais, mas eles não tinham por princípio fotografar de câmera na mão.
Não fizeram disso uma estética.
HILLA: Bom, não precisamos falar sobre coisas que não deram certo.
BERND: Porque era um complexo gigantesco. Fizemos um filme sobre a mina porque
pensamos que poderia ser interessante – mostrar a atmosfera do lugar. Depois, assistimos
às filmagens, ainda sem a montagem, e ficamos muito decepcionados.
BERND: A atmosfera também era muito importante. Outro fator importante foi que
estávamos com pressa. Pensamos: fotografar a totalidade das instalações vai levar anos.
Então fizemos o filme, em dois ou três dias.
HILLA: A ideia era rodar toda aquela área extensa e mostrar as conexões entre
preparação, torre de extração, usina elétrica e coqueria. Mostrar o movimento. Só que ele
era tão pequeno que o único movimento que aparece no filme é o nosso. A rigor, quando
se observa uma mina, a única coisa que se move é a roda da torre de extração.
HILLA: Na época, eu pensava nos primeiros filmes de Charlie Chaplin, em que a câmera
fica fixa no tripé e tudo o mais se move diante dela.
Yasujiro Ozu, no Japão dos anos 1950, ainda utilizou a mesma técnica.
HILLA: Ou aquele filme de Hitchcock que se passa todo num mesmo espaço: Festim
diabólico.
Que curioso citar esses exemplos, porque a senhora não deixou a câmera
imóvel.
HILLA: Não, porque isso se podia fazer muito melhor com fotografia. Aquela câmera
oscilando para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda – aquilo não ficou nada
bom.
BERND: Não.
Quase não ouso perguntar, mas estamos falando de filme em preto e branco?
HILLA: Eu iria!
BERND: O que pode haver de diferente lá? Hilla esteve até na Sibéria, viu tudo. Não
existem variações que possam enriquecer muito o que já temos sobre, por exemplo, o tema
dos altos-fornos. Temos o suficiente.
HILLA: Claro, os países de origem dessas indústrias foram os que fizeram as invenções.
BERND: Agora estamos nos dedicando a viajar no nosso arquivo. Não podemos nos dar ao
luxo de sair por aí, ou não vamos conseguir dar conta nem do que já fizemos. Não se trata
de fotografar tudo que há no mundo, e sim de provar que uma arquitetura composta em
essência de maquinário não tem a ver com design nem com arquitetura. São trabalhos de
engenharia, donos de uma estética própria. Precisa-se de certa quantidade de formas para
comprovar isso, mas chega um momento em que já se juntou tudo o que é necessário.
Seguimos fotografando os silos de armazenamento de cereais, porque surgiram novos
tipos – e também não temos o bastante dos antigos –, assim como ainda faltam refinarias
e indústrias químicas. Precisamos também de mais fornos de cal.
HILLA: Outra resposta para a mesma questão é que, havendo necessidade de nos
limitarmos, melhor é que seja àqueles países de industrialização mais antiga, para que
possamos enxergar o período histórico. Há certas coisas que, em razão da antiguidade,
encontramos na Inglaterra, na Bélgica, na França, na Alemanha e, até certo ponto, na
Itália.
HILLA: Claro, e lá existem coisas muito interessantes, como os silos de cereais. Desses
não podemos prescindir. Aí deixa de ser fundamental ter os silos da Coreia.
BERND: Até tentamos reencontrar aqueles silos, mas eles não existiam mais. Eram
exemplos muito bons, mas que o próprio Le Corbusier tirou de catálogos – o senhor com
certeza conhece o livro de Reyner Banham, que mostrou de onde eles vinham.
HILLA: Mas não foi Le Corbusier que trouxe dos Estados Unidos as fotografias dos grain
elevators.
BERND: Que também fotografava. Os silos que Mendelsohn fotografou em Buffalo, esses
Reyner Banham retomou em A Concrete Atlantis (mit, 1986).
BERND: Longe de nós estabelecer essa conexão. O que dizemos é que essa é uma
arquitetura de engenheiros, ela existe aqui, ali e acolá. Os silos costumam permanecer
como foram concebidos; acréscimos são raros. Ao passo que as construções que abrigam
altos-fornos sofrem mudanças constantes; são um conglomerado que se assemelha a uma
cidade medieval, em que surgem acréscimos a todo momento. A estrutura básica pode ser
da virada do século, sofrendo, então, inúmeras variações. Mas o elevador ainda pode ser
visto.
HILLA: Os altos-fornos.
BERND: Na Inglaterra, fiquei louco pelas unidades de preparação, muito mais que pelas
torres de extração. A unidade de preparação continha a estrutura de aço, que tornava a
construção reconhecível, e o preenchimento com tijolos. O desenvolvimento natural, o
modo como um frontão se segue ao outro: tudo isso ainda existia na Inglaterra. Isso me
interessou em especial no tocante às casas, com seu ângulo suave de inclinação dos
telhados; não eram como os silos da época de Hitler, copiados dos armazéns de grãos da
Idade Média – e sim uma forma bonita e harmônica.
HILLA: No começo, você tendia mais para o formato da edificação residencial, ao passo
que eu me interessava sobretudo pelas estruturas de aço, fora do alcance da arquitetura.
BERND: No caso dos silos de cereais, descobrimos, pela experiência, que sempre havia
um nos locais em que uma estrada cruzava a via férrea. Se não estava lá, era porque tinha
sido demolido.
BERND: Eu me esforcei por dois anos seguidos. O escultor Norbert Kricke teve a ideia de
instituir um curso de fotografia. Havia uma pressão resultante da arte conceitual. Muitos
estudantes queriam trabalhar com fotografia. A mesma tendência foi verificada nos cursos
de pintura. Havia uma lacuna. Klaus Rinke, acho, era a favor da abertura do curso. Gün-
ther Uecker também. Naquele tempo, já tínhamos contato com os Sonnabend. Eu disse a
Kricke que não dava para conciliar as aulas com nosso trabalho, porque o trabalho
demandava que viajássemos. Durante dois anos, eu ia de um lado para o outro.
E por que a cadeira foi oferecida a Bernd, e não, por exemplo, à senhora?
HILLA: Bernd sempre dissera: ensinar, jamais. Quando Kricke telefonou pela primeira
vez, fui eu quem atendi. Ele me explicou do que se tratava, e eu disse: “Sim, aceito”. E ele
respondeu: “Não, não, queremos o mestre!”.
HILLA: O que eu podia fazer, ficar brava? Estava certo em chamar só um de nós. Com os
dois não teria dado certo. Pela própria natureza da atividade. Professor é um só. Mas os
estudantes estavam sempre aqui. Fizemos muita coisa boa juntos.
Isso não resultou numa divisão do trabalho? A senhora passou a fazer a
maior parte do trabalho de laboratório.
HILLA: Então, fui eu. Isso foi em 1971, 1972, um tempo em que já não se “fazia” arte.
Eram os efeitos de 1968. Arte era tabu. Só uns poucos estudantes queriam mostrar seu
trabalho, e mesmo assim nunca na presença dos outros. Muitos ficavam sentados no
refeitório, sem fazer nada. Alguns só faziam cartazes ou panfletos. Eu tinha adquirido uma
coleção de livros de divulgação científica, e depois alguns de ciência pura também. Meu
programa consistia em classificar e trabalhar as ilustrações. Tinha de tudo: física, química,
matemática, geometria e, sobretudo, biologia. Enciclopédias entraram também; tratava-se
particularmente de pesquisa iconográfica. Representações não artísticas ligadas ao
domínio da ciência. A coisa chegou até a Scientific American, a Bild der Wissenschaft –
havia ilustrações fantásticas ali.
Desenho ou fotografia?
HILLA: As duas coisas. Eu tinha um pequeno grupo de estudantes que fez isso por mais de
um ano e meio.
HILLA: Sobre as leis da física ou a fórmula química representada por meio de bolinhas –
átomos, moléculas. E, quando queriam nos explicar alguma coisa, eles próprios
começavam a desenhar. Explicavam como pensavam por meio de imagens. Isso contribuía
para o desenvolvimento – e falo de mim mesma – de uma certa lógica visual: como
visualizar as coisas. E nisso a biologia é a mais bela e a mais clara das ciências, porque há
modos bastante específicos de contemplar uma planta ou um animal, morfológica ou
historicamente. Na morfologia, tem-se o todo, as partes, os cortes, longitudinal e
transversal. E isso se pode transpor.
HILLA: Ernst Haeckel é um deles, com seu Formas artísticas da natureza. Em sua
viagem pelos mares do Sul, ele fez os desenhos a partir do microscópio e, mais tarde,
mandou transformá-los em ilustrações.
HILLA: O quadrado mágico, por exemplo, foi uma descoberta importante. Ele se compõe
de nove casas, e a soma de cada fileira – na vertical, na horizontal e na diagonal – dá o
mesmo número. É uma harmonia matemática. E isso se pode transpor para as imagens,
inclusive para as gradações do preto e branco e certas tensões resultantes.
BERND: E foi assim que estabelecemos como meta para cada tipologia ter no mínimo
nove de cada, para então contrapor esse grupo de nove a outros grupos de nove.
Do modo como descrevem essa descoberta, ela foi uma libertação do sentido
da leitura.
HILLA: Sim, mas havia também muita correção de trabalhos e muita discussão sobre
fotografia. Mas a ênfase não era apresentar nosso trabalho fotográfico. Houve muita
discussão acalorada, em particular sobre marxismo.
HILLA: Era alérgica, sim, mas tinha feito minha lição de casa. Quem leu O capital inteiro?
Eu não era vaga como muitos outros.
Quando o senhor decidiu dar aulas, achava que poderia ensinar aos
estudantes?
BERND: Não acho que tenha pensado muito no assunto. Aquilo era muito arriscado.
Pensei: dois anos; depois mais dois anos; e então mais dois anos. Até que uma equipe
coesa acabou se formando, em que uns influenciavam os outros e os temas se
complementavam. Naquela época, não tínhamos certeza se queríamos ficar na Alemanha.
Queríamos ir para os Estados Unidos. Se não tivesse tido bons alunos, teria abandonado
as aulas.
BERND: O interesse pelo nosso trabalho era muito maior lá. Aqui na Alemanha…
HILLA: …eram sempre perguntas que retornavam ao filosófico. Quem lhes deu o direito…
Apresentar apenas imagens e ordená-las de determinada maneira não era o bastante na
Alemanha. Vinha sempre a pergunta: mas para quê, afinal? Os americanos, e os ingleses
também, têm outra abordagem.
BERND: Era uma obrigação para com os estudantes. Ia deixá-los sozinhos? Tinha amigos
entre eles – quem iria fazer aquilo? Embora hoje eu veja que aquilo me tomava muito
tempo.
Quando o senhor parou, correu o boato de que o curso deixaria de existir. Há
na Academia uma hostilidade entre os pintores de orientação expressionista
e os demais?
BERND: Isso o senhor vai ter de descobrir sozinho, senhor Ziegler! [risadas]
Vamos voltar às preferências iniciais. É correto dizer que o senhor não tinha
grande afinidade com a pintura?
BERND: Esses eu deliberadamente não aceitava. Tive alunos como Thomas Struth.
Straßen [ruas], pensei comigo, é muito legal. Era coisa que eu mesmo poderia fazer. Mas,
se ele está fazendo, então não preciso fazer. É uma espécie de divisão do trabalho. Ou
Candida Höfer, com os espaços interiores. Ela pôde trabalhar durante anos naquilo.
Quando alguém trabalha durante muito tempo em alguma coisa, obtém algum resultado;
acaba sendo influenciado pelo próprio trabalho. O processo de trabalho, o dia a dia,
liberta. Se uma pessoa chega para você todo dia e diz: “Professor, já terminei a tarefa que o
senhor me passou”, isso não faz nenhum sentido.
BERND: De vez em quando, para aqueles que não se achavam. Mas nunca funcionou. Ou
os alunos ficavam obcecados com alguma coisa, e dava certo, ou era melhor largar mão.
Também nunca aceitei alunos que trabalhassem com fotografia industrial, porque não
queria influenciá-los. Houve uma única exceção, uma moça que fotografava aquelas gran-
des escavadoras de carvão aqui da região do Reno.
BERND: Estava claro que a cor viria. Naquela época, tínhamos comprado, ou adquirido
por meio de troca, uma pequena série de fotografias de Stephen Shore. Elas ficavam
penduradas aqui, para todo mundo ver. Isso exerceu certa influência.
HILLA: Os alunos eram bem informados. Eu não limitaria essa influência à obra de
Stephen Shore.
BERND: Ainda assim, Stephen Shore foi um dos primeiros a usar a cor em negativo de
grande formato, de um modo muito pitoresco.
HILLA: Havia toda uma série de fotógrafos americanos que trabalhavam de um modo
preciso e profissional, fosse onde fosse que tivessem aprendido a profissão. Aquilo era
digno de ser imitado.
BERND: É verdade. Vi isso na exposição em Düsseldorf: muito próximas umas das outras,
elas não funcionam.
BERND: Isso depende do objeto da contemplação. Não são tantos os objetos que
permitem isso.
Mas o senhor não tentou transmitir uma estética?
Para o senhor era importante que, uma vez escolhido um tema, a pessoa
compreendesse e interpretasse esse tema.
HILLA: A não ser que se tratasse de um tema natimorto, o que também existe. É o que
acontece quando alguém chega e diz que quer trabalhar com flocos de milho. Ou com
cabines telefônicas. Ou com automóveis e casinhas de cachorro.
BERND: São todas iguais. A variação está apenas no entorno. Seria pretensioso. Coisas
desse tipo foram feitas na arte conceitual.
HILLA: Mas existem temas natimortos, que dá para notar que não vão longe, porque não
estão fundados na história nem ancorados no presente. Pense na síndrome de Cindy
Sherman.
BERND: Isso quase me fez parar, quando as moças todas começaram a brincar de Cindy
Sherman.
HILLA: Fotografar a si mesmo pode ser resultado também de certa preguiça. Pode-se ficar
em casa.
BERND: Isso começou com Struth. Ele escolheu ruas de Düsseldorf que não tinham
atrativo nenhum. Depois vieram as fachadas, aquelas modificadas no pós-guerra –
privadas de seus ornamentos – ou construídas depois da guerra. Fachadas puras e simples
que, reduzidas, resultam numa espécie de colagem; isso produziu um efeito totalmente
novo. Desde o princípio, Struth pôs-se no centro, as ruas eram como um envelope.
HILLA: Um triângulo de céu, um triângulo de chão.
BERND: Aí, do lado esquerdo da rua, ele nota alguma peculiaridade, por isso se posiciona
um pouco mais para a direita, a fim de privilegiar o lado esquerdo. Então vem a
descoberta, quando a rua forma um t com uma transversal: olha-se para a fachada, vista
realmente de frente, e duas fileiras de edifícios convergem para ela. Ele percebeu que
tinha encontrado uma mina de ouro. A possibilidade de retrabalhar esteticamente essa
Alemanha do pós-guerra. Michael Schmidt já tinha feito coisa parecida em Berlim. Só que
nele ainda se percebe a influência da fotografia americana. Não é?
Com certeza. Mas em Thomas Ruff e em Jörg Sasse vejo também uma forte
tendência a ironizar o tema alemão.
BERND: Em Ruff, sobretudo nas fotografias das cozinhas, na casa dos pais e na sala de
estar.
É verdade que não posso acusá-los de falta de humor, mas ironia nunca
houve em suas obras, não é?
HILLA: Não?
Como filhos da guerra e tendo passado uma parte da infância sob o regime
nacional-socialista, cabe perguntar se o sentimento de culpa, a homogeneiza-
ção ideológica das indústrias, foi uma preocupação para os senhores.
BERND: Conversamos muitas vezes sobre isso. Mas escolhemos áreas em que nada de
específico era produzido: só carvão e aço. Com essas duas coisas, pode-se produzir de
tudo, de tanques a brinquedos de lata. A verdadeira motivação para mim, no entanto, foi o
fato de eu ter vivido tudo isso quando criança. Bem ao lado da casa dos meus avós, onde
cresci, havia um alto-forno. Eu podia ouvi-lo, vê-lo e sentir o cheiro.
HILLA: Seria impossível trabalhar com algo que vemos como absolutamente negativo.
Quem se ocupa de escorpiões tem também, até certo ponto, de amar os escorpiões. E a
fotografia está aí justamente para mostrar o que existe – e não para separar as coisas e
retratar apenas o que é bom ou bonito. Vemos a indústria não como uma força apenas
positiva. Ela tem suas crises, seus excessos, seu papel como impulsionadora de guerras…
Procuramos, em nossa representação, nos comportar com a máxima neutralidade, sem
incorrer em nenhum tipo de glorificação.
BERND: Evitamos. Porque dissemos a nós mesmos que a alma do pensamento industrial
estava no oposto disso tudo.
É singular que os americanos tenham uma palavra para isso – “vernacular”
–, e que nós não a tenhamos.
HILLA: Sim. Para mim, a fotografia é, por natureza, livre de toda e qualquer ideologia.
Fotografia com ideologia não dá certo. ///
Tradução do alemão por Sérgio Telarolli. Uma versão desta entrevista foi publicada na
revista Art in America, em junho de 2002.