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Universidade Federal de São João del-Rei

Coordenadoria do Curso de Química

Fenetilaminas: De Drogas de Abuso ao Uso


Medicinal – Síntese, Propriedades
Farmacológicas e Toxicológicas

Paulo Antonio Dias Cipriano

São João del-Rei – 2018


Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ – 2018

Fenetilaminas: De Drogas de Abuso ao Uso Medicinal –


Síntese, Propriedades Farmacológicas e Toxicológicas

Monografia de Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado no 1º semestre do ano de 2018 ao Curso
de Química, Grau Acadêmico Bacharelado, da
Universidade Federal de São João del-Rei, como
requisito parcial para obtenção do título Bacharel em
Química.

Autor: Paulo Antonio Dias Cipriano


Docente Orientador: Prof. Dr. Marcelo Siqueira Valle
Modalidade do Trabalho: Dissertação

São João del-Rei – 2018

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Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2018

RESUMO

A Fenetilamina é a molécula base para a sua própria classe de compostos e faz parte das Novas
Substâncias Psicoativas (NSP). São chamadas de Fenetilaminas substituídas, todas as
substâncias que possuem uma estrutura que deriva da 2-feniletilamina, de modo que esse grupo
inclui diversas substâncias. Neste trabalho abordou-se a Catina e a Catinona, a Anfetamina e as
suas substâncias análogas, assim como a Efedrina, Pseudoefedrina e o MDMA. Essas
substâncias possuem ação estimulante no Sistema Nervoso Central (SNC), e são amplamente
conhecidas por seu uso como Droga de Abuso, como pôde se citar as Catinonas Sintéticas, a
Metanfetamina e o MDMA. Outra questão que foi levantada no decorrer das pesquisas e da
realização do trabalho foi sobre as principais sínteses químicas das substâncias de interesse, onde
foram encontradas reações que consistiam em reduções de precursores, reações com a formação
de intermediários, como no caso da síntese da Anfetamina que tem como intermediário uma imina,
assim como reações de biocatálise. Os efeitos toxicológicos resultantes do uso abusivo dessas
substâncias também foram discutidos, onde de acordo com cada substância observou-se
manifestações clínicas em diferentes graus de intensidade, afetando na maioria das vezes o
sistema neurológico, cardiovascular e em alguns casos, o sistema gastrointestinal do usuário.
Contatou-se também que a maioria das substâncias estudas possuem algum uso medicinal sendo
ele já aprovado ou não, como é o caso da Anfetamina, amplamente utilizada no tratamento do
Transtorno de Défit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e da Efedrina e Pseudoefedrina que são
associados a descongestionantes indicados para o alivio de gripes e alergias. Quanto as
substâncias que não possuem seu uso aprovado, como por exemplo a Catina e o MDMA, diversos
estudos veem sendo realizados para determinar uma dosagem que venha a maximizar,
respectivamente, os seu efeitos no combate a obesidade, e no tratamento de danos psicológicos
e emocionais graves, em função aos seus efeitos toxicológicos. De maneira geral, o presente
trabalho consistiu na apresentação uma série de informações sobre a síntese, e as propriedades
de algumas dessas substâncias, sejam elas mais voltadas para o uso recreacional e abusivo, ou
para o uso medicinal.

Palavras-chave: Fenetilamina, Sistema Nervoso Central, Drogas, Novas Substâncias Psicoativas,


Química Medicinal.

NOTA: Embora não se discuta com aprofundamento a questão da legislação, a maioria destas
substâncias são proibidas ou são controladas sob prescrição médica. Esse trabalho não faz alusão
a nenhuma droga e não incentiva o uso das substâncias abordadas por meios recreacionais.

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Sumário
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6

1.1. As Novas Substâncias Psicoativas e as Fenetilaminas ..................................... 6

2. OBJETIVOS ................................................................................................................ 7

3. FENETILAMINA .......................................................................................................... 7

3.1. Propriedades Químicas Gerais da Fenetilamina ............................................ 7

3.2. Ocorrência Natural e Biossíntese .................................................................... 8

3.3. Síntese Química da Fenetilamina..................................................................... 9

3.4. A Fenetilamina como Neurotransmissor ...................................................... 10

3.5. Fenetilaminas substituídas ............................................................................. 11

3.5.1. CATINA E CATINONA ............................................................................12

3.5.1.1. Ocorrência Natural e Biossíntese ...................................................12

3.5.1.2. Síntese Química ...............................................................................14

3.5.1.3. Uso como Droga de Abuso e Propriedades Toxicológicas .........15

3.5.1.4. Uso Medicinal da Khat, Catina e Catinona .....................................17

3.5.2. ANFETAMINA E METANFETAMINA ......................................................19

3.5.2.1. Síntese Química ...............................................................................20

3.5.2.2. Uso como Droga de Abuso e Propriedades Toxicológicas..........21

3.5.2.3. Uso Medicinal da Anfetamina ..........................................................23

3.5.3. EFEDRINA E PSEUDOEFEDRINA .........................................................24

3.5.3.1. Ocorrência Natural e Biossíntese ...................................................24

3.5.3.2. Síntese Química ...............................................................................26

3.5.3.3. Uso como Droga de Abuso e Propriedades Toxicológicas ..........26

3.5.3.4 Uso Medicinal da Efedrina e Pseudoefedrina ..................................27

3.5.4. MDMA......................................................................................................28

3.5.4.1. Síntese Química ...............................................................................29

3.5.4.2. Uso como Droga de Abuso e Propriedades Toxicológicas .........30

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3.5.4.3. Uso Medicinal do MDMA .................................................................32

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 32

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 33

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1. INTRODUÇÃO

1.1. As Novas Substâncias Psicoativas e as Fenetilaminas

Segundo a definição adotada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime
(UNODC/ONU), as Novas Substâncias Psicoativas (NSP) correspondem a moléculas projetadas,
na maioria das vezes, para fins ilícitos.[1] Devido à dificuldade em se padronizar, catalogar e
estudar suas diversas rotas de síntese, as quais levam a produtos com uma gama enorme de
alterações em suas estruturas químicas, há pouca legislação sobre as NSP. Sendo assim, essas
substâncias são pouco controladas internacionalmente tanto pela Convenção de Substâncias
Psicotrópicas quanto pela Convenção Única de Entorpecentes.[1]

As NSP, também conhecidas como “Designer Drugs”, Drogas Lícitas ou Drogas Legais, são
análogas estruturais ou funcionais de substâncias controladas, das quais derivam ou mimetizam
os seus efeitos.[1] Como a maioria destas substâncias não são classificadas como ilegais, e os
métodos de detecção para as drogas padrões não acusam resultado, essas substâncias vêm
sendo muito difundidas e comercializadas.

Seja sob o nome de “spice”, fertilizantes, sais de banho ou ambientadores, essas substâncias
são conhecidas e facilmente comercializadas pela internet. As NSP se tornaram um fenômeno
global, pois, segundo relatórios da UNODC, mais de 100 países reportaram o aparecimento de
pelo menos uma delas. Somente no período de 2008 a 2015 em que o Escritório começou a
monitorar as NSP, foram reportadas a identificação de 644 novas substâncias, sendo que esse
número vem aumentando frequentemente.[2]

Quanto à diversidade regional, o aparecimento dessas substâncias concentra-se em três


regiões, sendo elas a Ásia, mais precisamente no Japão; a Europa, onde os países que
apresentaram mais relatórios quanto a presença destas NSP são Alemanha, Rússia, Finlândia,
Hungria, Reino Unido, Suécia e Turquia; e a América do Norte (Canadá e Estados Unidos).

Entre os anos de 2007 e 2015, segundo relatórios da Polícia Federal, a classe de NSP mais
apreendida no Brasil foi a das Fenetilaminas, que também são conhecidas como PEA (proveniente
do nome em inglês phenethylamine). Estas substâncias, que se apresentam na maioria das vezes
como cristais incolores, são comercializadas na forma de um pó ou em comprimidos. Elas
possuem ação psicoativa e efeitos estimulantes no sistema nervoso central (SNC). Dentre essa
classe de substâncias, podemos destacar as Fenetilaminas substituídas, como por exemplo a
Catina e as Catinonas, a Efedrina, o MDMA (Ecstasy), a Anfetamina e a Metanfetamina, as quais
serão abordadas a seguir neste trabalho.

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2. OBJETIVOS

Objetivos gerais:

Buscar atualizações e pesquisas emergentes sobre as substâncias que fazem parte da classe
das Fenetilaminas, atentando-se às substâncias previamente escolhidas (Catina, Catinonas,
Efedrina, Pseudoefedrina, Anfetamina, Metanfetamina e MDMA (Ecstasy))

Objetivos específicos:

 Levantar informações sobre as principais rotas de síntese das substâncias de


interesse;
 Discutir sobre os seus efeitos tóxicos e os principais riscos à saúde associados ao uso
abusivo dessas substâncias;
 Apresentar as propriedades farmacológicas e aplicações medicinais que essas
substâncias possuem.

3. FENETILAMINA

3.1. Propriedades Químicas Gerais da Fenetilamina

A Fenetilamina, também é conhecida como 2-feniletilamina ou β-feniletilamina, segundo a


nomenclatura da IUPAC (do inglês International Union of Pure and Applied Chemistry), possui uma
fórmula molecular descrita por C8H11N. É considerado um alcaloide pequeno, contendo um anel
benzênico e uma amina ligada a ele por meio de uma cadeia lateral de dois grupos metilênicos
em sua estrutura (Figura 1).

Figura 1. Estrutura da Fenetilamina.

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Com uma massa molecular de 121,15 g/mol e se apresentando como cristais incolores, ou um
pó de coloração branca (Figura 2), possui alta solubilidade em água e no plasma, apresentando
baixa solubilidade em lipídios.

Figura 2. Cristais e pó de Fenetilamina. Fonte: Wikimedia Commons, 2017.

3.2. Ocorrência Natural e Biossíntese

A Fenetilamina pode ser encontrada em algas, dentre elas algas marinhas de coloração
marrom, como por exemplo a Desmarestia aculeata e Desmarestia viridis (Figura 3A e 3B), algas
vermelhas como a Gelidium crinale e a Cystoclonium purpureum (Figura 3C e 3D) entre diversas
outras espécies.[3]

Figura 3. Espécies de Algas que contém Fenetilamina. (A) Desmarestia aculeata, (B)
Desmarestia viridis, (C) Gelidium crinale, (D) Cystoclonium purpureum. Fontes: Aphotomarine, ano
desconhecido; Biodiversidad Virtual, 2014; Discover Life, 2008.

Pode ser encontrada também em diversas plantas da família Leguminosae (da qual fazem
parte os feijões, ervilhas e vagens) e assim como em fungos e bactérias, onde a Fenetilamina se
apresenta como um produto de descarboxilação da fenilalanina mediante a catálise da enzima
tirosina descarboxilase.[4]

Outras aminas, incluindo a Fenetilamina, podem ser encontradas nos alimentos como
resultado de dois processos diferentes: na atividade metabólica de fungos e bactérias, ou no
processamento térmico de alimentos. O chocolate, por exemplo, é um alimento que, além de
conter muitos antioxidantes, possui também a Fenetilamina, que não é produzida por bactérias,
mas sim durante o processamento térmico e fermentação do cacau. As Fenetilaminas sintetizadas
por fungos e bactérias, por sua vez, podem ser encontradas em diversos produtos alimentícios

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industriais, atuando como uma espécie de indicador de frescura e de qualidade, dos quais como
exemplo pode se citar o Nattö (alimento tradicional japonês feito de soja fermentada) [5] e os ovos
comerciais.

Graças à sua alta solubilidade no plasma e à sua capacidade de atravessar a barreira


hematoencefálica, a Fenetilamina pode ainda ser encontrada no cérebro humano e de alguns
outros mamíferos. A Fenetilamina é produzida no corpo humano após um processo de
descarboxilação enzimática do amino ácido L-fenilalanina via enzima L-aminoácido
descarboxilase (AADC). A reação de biossíntese está representada pela Figura 4 a seguir.

Figura 4. Reação de Biossíntese da Fenetilamina.

3.3. Síntese Química da Fenetilamina

Dois métodos para a síntese da Fenetilamina foram estabelecidos em meados do século


passado, em 1948 por R. F. Nystrom e W. G. Brown, onde a síntese consiste na redução do β-
nitroestireno com hidreto de alumínio e lítio em éter (Figura 5).[4]

Figura 5. Reação de Síntese da Fenetilamina a partir da redução do β-nitroestireno.

Outro Método de síntese, foi proposto em 1955 por J. C. Robinson e R. H. Snyder, onde a
Fenetilamina é produzida a partir da redução de um cianeto em uma amina. Especificamente, o
cianeto de benzila é misturado com o catalisador de níquel-Raney (sólido composto por grãos
muito finos de uma liga de níquel-alumínio) em uma bomba calorimétrica, onde se formam aminas
secundárias, e estas são reduzidas em aminas primárias pela adição de amônia. Essa reação
(Figura 6) ocorre a uma pressão de 13,9 Mpa e a uma temperatura de 130 °C.[4]

Figura 6. Síntese da Fenetilamina pela redução da função nitrila (Método de Robinson-Snyder).

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3.4. A Fenetilamina como Neurotransmissor

A Fenetilamina pode ser considerada como membro do grupo conhecido como aminas-
traço ou aminas residuais, uma vez que as aminas desse grupo são encontradas em
concentrações muito mais baixas do que as aminas biogênicas nos meios intra e extracelulares.[4]
Estas aminas são formadas por uma parte alifática, a amina, e por uma parte aromática que pode
ser um catecol ou indol, fazendo que, de acordo com a sua estrutura, essas aminas biogênicas
sejam classificadas em indolaminas ou em catecolaminas, onde as aminas biogênicas mais
conhecidas dessa subclasse estão representadas na Figura 7, e são elas a Dopamina
(responsável pela sensação de prazer e recompensa), Serotonina (responsável pela regulação do
humor, sono e do apetite), Epinefrina, ou Adrenalina, (relacionada a excitação e age como um
mecanismo de defesa do organismo preparando-o para situações de stress, medo, perigo e outras
emoções fortes) e Norepinefrina, ou Noradrenalina, (responsável por mobilizar o cérebro e o corpo
para a ação, como por exemplo na resposta de luta ou fuga).

Figura 7. Estrutura de aminas biogênicas.

O mecanismo de ação da Fenetilamina assim como o das aminas-traço, envolve uma


ligação a um receptor acoplado a uma proteína G (da classe de proteínas envolvidas na
transdução de sinais celulares) chamado de Receptor Associado a Amina-Traço (TAARs, do Inglês
Trace Amine-Associated Receptors), onde esses receptores são o TAAR1, que responde além de
outras aminas residuais, a Fenetilamina e a tiramina, e o TAAR2 que, como diferença ao primeiro
receptor, responde a triptamina.[4] A feniletilamina, então atua como agonista endógeno com um
pouco mais de potência do que as outras aminas-traço nos receptores TAA1, TAA2, assim como
nos receptores das aminas biogênicas.

Um agonista endógeno corresponde a uma substância capaz de se ligar e ativar um


receptor celular resultando assim em uma atividade biológica. O esquema de ação da fenetilamina
pode ser observado na Figura 8, onde em (A) acontece a ação normal de liberação e recaptação
das aminas biogênicas dopamina e serotonina, e em (B) a fenetilamina se liga ao TAAR e aos
receptores de serotonina e dopamina ativando-os. Essa ativação estimula a liberação, assim como
reduz a recaptação das aminas. De maneira geral, a fenetilamina age amentando o efluxo (devido
a uma alta liberação e baixa recaptação) de vários neurotransmissores nas sinapses, tais como a
Dopamina, Serotonina e Noradrenalina.[4]

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Figura 8. Esquema do Mecanismo de ação da Fenetilamina. Modificado de ISFELD, 2013.[4]

3.5. Fenetilaminas substituídas

As Fenetilaminas substituídas correspondem a uma classe de substâncias químicas que


têm como molécula base a Fenetilamina (Figura 1), de modo que todas substâncias desse grupo
possuem uma fórmula estrutural dotada de um anel benzênico unido a um grupo amino por meio
de uma cadeia lateral de dois grupos metilênicos, de acordo com a Figura 9 a seguir.

Figura 9. Estrutura geral de uma Fenetilamina substituída. Em azul, o componente básico de


qualquer molécula desse grupo de compostos.

Muitas dessas Fenetilaminas substituídas desempenham papeis importantes no nosso


organismo, como é o caso dos neurotransmissores dopamina, epinefrina e norepinefrina, em
contrapartida, diversas outras substâncias possuem ação psicoativa e pertencem a diversos tipos
de drogas, das quais pode se citar os estimulantes do SNC como as Anfetaminas,
descongestionantes nasais, como as Pseudoefedrinas, reguladores da pressão sanguínea, como

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as Efedrinas, supressores de apetites, como as Catinas, assim como outras drogas recreacionais,
como por exemplo as Catinonas, Ecstasy e Metanfetaminas. Todas essas substâncias citadas
serão o objeto de estudo desse trabalho a partir de agora.

3.5.1. CATINA E CATINONA

Tanto a Catina como a Catinona (Figura 10), são drogas psicoativas da classe das
Fenetilaminas substituídas. De acordo com a Figura 9, essas duas substâncias possuem um grupo
metila na posição Rα, e na posição Rβ, localizada na cadeia lateral, a Catina possui uma hidroxila,
e a Catinona uma carbonila.

Figura 10. Estrutura química da Catina e da Catinona.

3.5.1.1. Ocorrência Natural e Biossíntese

Ambas as substâncias são encontradas naturalmente na Planta Khat (Catha edulis) (Figura
11), ou Qat como também é conhecida na região do Oeste da África e na Península Arábica, onde
essa planta é muito difundida e cultivada. A Catha edulis é um arbusto da família Celastraceae
que pode chegar até aos 5 metros de altura e se caracteriza por suas folhas ovais e levemente
serrilhadas.[6]

Figura 11. Galhos e Folhas da Khat (Catha edulis). Adaptado de NILESH, 2015.

A biossíntese destas substâncias psicoativas encontradas na Catha edulis (Figura 12)


começa com a L-Fenilalanina que passa por uma reação de desaminação catalisada pela enzima
L-fenilalanina amônia liase (PAL), formando o ácido cinâmico. Nesse ponto, a molécula do ácido

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pode passar por duas rotas, uma via β-oxidativa que produz benzoil-CoA, ou uma via não-
oxidativa, rota, que produz ácido benzoico.

Na etapa posterior, o produto resultante é submetido a uma condensação com piruvato


catalisada por uma enzima dependente de ThDP (enzima dependente de tiamina difosfato). Essa
condensação produz a 1-fenil-1,2-propanodiona, que por sua vez passa por uma reação de
transaminação para formar a (S)-Catinona. A Catinona então pode sofrer uma redução para
produzir a Catina (1S, 2S) ou a Norefedrina (1R, 2S).[7]

Figura 12. Rota biossintética da Catinona e da Catina na Planta Catha edulis.[7]

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3.5.1.2. Síntese Química

Um dos desafios que se encontra na síntese química das Catinonas está relacionado em
se evitar a formação de uma mistura racêmica de (S)-(˗)-Catinona e (S)-(+)-Catinona que se obtém
como produto final, pois este último possui atividade biológica limitada.

Um exemplo de síntese que tem como resultado uma mistura racêmica de Catinona, é a
rota sintética que utiliza a propiofenona como intermediário. Essa substância pode ser obtida a
partir de uma reação de acilação de Friedel-Crafts entre o ácido propanóico e benzeno, e a
Catinona racêmica pode ser finalmente obtida por meio de uma reação de bromação da
propiofenona, seguida por uma reação de substituição com amônia, de acordo com a Figura 13 a
seguir.

O O
O
Br NH3
Br2 NH2
AcOH ROH
Propiofenona Catinona

Figura 13. Reação de Síntese da Catinona Racêmica a partir da Propiofenona.

Um meio de se realizar a síntese para se obter como produto final a Catinona


enantiomericamente pura está representado a seguir pela Figura 14. Esta síntese começa com a
acetilação da S-alanina utilizando anidrido acético. Em seguida uma cloração do ácido carboxílico
é feita, utilizando o pentacloreto de fósforo (PCl5) para dar origem a um cloreto de acila, e
simultaneamente uma acilação de Friedel-Crafts é realizada em benzeno com catalisador de
cloreto de alumínio. Então o grupo protetor de acetila é removido por aquecimento com ácido
clorídrico (HCl) para formar S-(-)-Catinona enantiomericamente pura.[8]

Figura 14. Síntese da Catinona enantiomericamente pura.

Uma alternativa a Catinona, propriamente dita, são as Catinonas sintéticas, que ao


contrário da primeira, não possuem muitas restrições acerca do seu consumo e comercialização,
justamente devido ao fato de suas rotas de síntese e propriedades poderem variar
significativamente de uma para outra. As Catinonas sintéticas possuem como estrutura base a
molécula da Catinona, e que de acordo com a Figura 15, podem ser substituídas nas posições de
R1 a R5 e com os mais diversos compostos. Essas Catinonas sintéticas podem ser sintetizadas

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para diversos fins, tanto medicinais, quanto recreacionais (droga de abuso), como é o caso a
Mefedrona (R1 = Me, R2 = R3 = R4 = R5 = H).

Figura 15. Estrutura Básica de uma Catinona Sintética.

3.5.1.3. Uso como Droga de Abuso e Efeitos Toxicológicos

Nos países onde a Khat é nativa, a mastigação de folhas e brotos frescos é um hábito
social e tradicional, especialmente no Iêmen e na Etiópia, onde cerca de 5 a 10 milhões de pessoas
fazem o uso dessa planta diariamente. O material seco, isto é, suas folhas, também pode ser
fumado, conferindo efeitos de redução do apetite e um estado de euforia e estimulação que é
comparável ao conferido ao se beber uma xícara de café forte.

Os efeitos resultantes do uso da planta foram inicialmente atribuídos a Catina, que foi a
primeira substância a ser isolada das folhas da Catha edulis em estado seco, e mais tarde
constatou-se a existência da Catinona em quantidades variáveis a partir das folhas frescas da
Khat, sendo a Catinona o agente mais ativo e mais importante presente na planta. Entretanto, a
Catinona é uma molécula instável na presença de oxigênio e que se decompõe em poucos dias
após a colheita em um produto químico bem mais estável, porém com uma atividade bem menor,
a Catina.[9]

Apesar do uso da Khat se restringir majoritariamente aos países onde essa planta é nativa,
os seus efeitos psicoativos provenientes da presença da Catinona são amplamente explorados e
reproduzidos em laboratórios. As Catinonas sintéticas, são conhecidas por “Miau-Miau”, “Sais de
Banho”, “Bloom”, “Cloud 9”, entre outros nomes, e vem se espalhando em diferentes partes do
mundo, principalmente na Europa, na América do Norte e na Austrália.

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A Mefedrona é a catinona sintética que possui o efeito estimulante e empatógeno


(relacionado as emoções) mais potente dentre as outras substâncias de sua família e é mais
comumente comercializa como fertilizante para plantas (Figura 16), de modo a evadir as medidas
de controle.

Figura 16. Pacote comercial de Mefedrona.


Fonte: Alamy - Stock Photos, Stock Images & Vectors, 2010.

Essas Catinonas sintéticas são encontradas sob a forma de pó (branco ou castanho) ou


como comprimidos conhecidos como Bliss, Bloom e variantes e são comercializados,
principalmente na internet, em pacotes coloridos e chamativos, e na maioria das vezes são usadas
por jovens. Essas substâncias são normalmente ingeridas, mas uma outra forma de uso é a partir
da inalação e até mesmo da Injeção, uma vez que esses comprimidos são solúveis em água.

Ao se mastigar as folhas da Khat ou fazer uso das catinonas sintéticas, a Catinona e/ou a
Catina são absorvidas através das mucosas da boca e do revestimento do estômago. A Catina e
a Catinona atuam diretamente na receptação de Epinefrina e de Norepinefrina, fazendo com que
o corpo recicle mais lentamente esses neurotransmissores resultando em vigília e insônia.[9]

Essas duas substâncias também podem agir como indutores diretos da liberação de
monoaminas na fenda sináptica, onde os efeitos produzidos pelas Catinonas sintéticas são
semelhantes aos originados pela ingestão da Catha edulis, entre eles, aumento de energia e
excitação, aumento da autoestima e libido, aumento da sensação se segurança e capacidade de
concentração e comunicação.[9]

Ao se consumir as Catinonas e/ou as Catinas, em ambas as formas, natural, ou sintética,


os efeitos tóxicos mais frequentemente reportados são os neurológicos e cardiovasculares,
entretanto efeitos a nível gastrointestinal também podem ser observados. As tabelas 1 e 2 a seguir
demonstram as Manifestações Clínicas do consumo das folhas de Khat e das Catinonas sintéticas.

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Tabela 1. Manifestações clínicas resultantes do tempo de uso da folha de Catha edulis.


(Adaptado de AL ZAROUNI, 2015)
Manifestações Clínicas
Prisão de ventre
Aumento da pressão arterial
Imediato Aumento da frequência cardíaca
Insônia
Supressão do apetite
Sede
Depressão
Alucinações
Longo Prazo Aumento do risco de infarto
Psicose
Cáries e recessões gengivais no local da mastigação
Câncer bucal
Efeitos Indeterminados Acidente vascular cerebral após síndrome coroariana aguda

Tabela 2. Manifestações clínicas periféricas e neurológicas provocadas pela toxicidade das


Catinonas sintéticas (Adaptado de PROSSER e NELSON, 2012).

Manifestações Clínicas Manifestações Clínicas


Palpitações
Cardiovasculares Dificuldades em
respirar
Dores no peito
Boca seca Agressividade
Otorrinolaringológicas Dor nasal Bruxismo
(orelhas, nariz e Dor orofaríngea Neurológicas Vertigens
garganta) Zumbidos no Perda da
Ouvido memória
Dor abdominal Tremores
Gastrointestinais Náuseas Convulsões
Vômitos
Efeitos Efeitos
Periféricos Geniturinárias Anorgasmia Neurológicos
Disfunção erétil
Artralgias
Musculoesqueléticas Tensão muscular Ansiedade
Formigamentos e Alucinações
cãibras visuais e
Oftalmológicas Visão turva auditivas
Midríase (dilatação Psicológicas Depressão
das pupilas) Disforia
Sudorese Euforia
Febre Fadiga
Outros Insônia Pânico
Pesadelos Paranoia
Erupção cutânea Desorientação

3.5.1.4. Uso medicinal da Khat, Catina e Catinona

Analisando uma outra vertente, a Catha edulis também possui fins medicinais, dotada além
da Catinona também possui alcaloides, cálcio, fibra, proteínas, taninos e óleos essenciais,
tornando assim essa planta um forte agente analgésico e antialérgico, e ao ser consumida com
moderação, a Khat pode trazer diversos benefícios a saúde. Como comparação tem se que os
efeitos da infusão ou chá de folhas secas de Khat se assemelham bastante aos de um café bem

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forte, reduzindo assim a fadiga e o cansaço. Acredita-se também que as folhas frescas de Khat
tenham um efeito afrodisíaco e, por isso, alguns homens as misturam, em pouca quantidade, em
seu café para aumentar sua potência sexual. Também é frequentemente utilizada como um
remédio popular para doenças respiratórias, como asma e tosse e para acalmar sintomas e
desordens de estômago e intestinos.

Diferentes países da África e Ásia têm usos variados para a Catha edulis, e devido a esses
diversos usos e costumes, a Universidade do Nairobi realizou um estudo sob o comando de
Josphat K. Kiunga sobre a forma de utilização da Khat nos condados de Meru e Embu no Quênia,
onde se constatou 13 diferentes usos para a planta, de acordo com a Tabela 3.[10]

Tabela 3. Usos medicinais de Catha edulis em condados de Meru e Embu no Quênia.[10]

Sintoma ou Condado Parte Usada Método de Modo de Administração


Condição Preparação
1 Hemintíase Embu Folhas Mastigação do material Oral
2 Dor de dente Embu Folhas Infusão e aspiração Oral

3 Asma Meru Galhos Mastigação do material Oral

4 Disfunção erétil Meru Galhos Mastigação do material Oral


5 Dores no corpo Meru Galhos Mastigação do material Oral
6 Gonorreia Meru Raiz Infusão ou chá Oral
7 Azia Meru Galhos Mastigação do material Oral
8 Gripe Meru Galhos Mastigação do material Oral
9 Pneumonia Meru Folhas Mastigação do material Oral

10 Dor de estômago Meru Folhas Mastigação do material Oral


11 Tosse Embu e Meru Folhas e Galhos Infusão ou chá Oral
12 Diarreia Embu e Meru Raízes e Galhos Infusão ou chá Oral
13 Fadiga Embu e Meru Galhos Mastigação do material Oral

Devido ao efeito supressor de apetite das Catinona diversas pesquisas veem sendo
realizadas de modo a constatar se a Khat e até mesmo se a Catina podem ser utilizadas como
medicamento para combater a obesidade, onde esses medicamentos agem modulando a
liberação e a absorção de monoaminas, principalmente no cérebro, onde os neurotransmissores
de Dopamina e Serotonina desempenham um papel importante na regulação da ingestão de
alimentos e energia no corpo.[11]

A Obesidade está relacionada a um estado de desregulação da Dopamina e


principalmente da deficiência de Serotonina, resultando em uma ingestão excessiva de alimentos,
que é o resultado de estímulos motivacionais, e por outro lado, um alto nível de Serotonina está
associado à anorexia.[11]

Partindo desse ponto um estudo foi realizado e chefiado por Hans Hauner, Ljiljan Hastreite
e colaboradores afim de se averiguar a eficácia e a segurança do uso de Catinas no tratamento
da Obesidade. O trabalho publicado pela revista Obesity Facts no ano de 2017, consistia no
tratamento de 241 pessoas com obesidade utilizando diferentes quantidades de Cloridrato de
Catina por 24 semanas a fim de se determinar uma dose ideal para se obter os maiores resultados,

18
Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2018

com os menores efeitos colaterais possíveis. O tratamento demonstrou resultados satisfatórios na


perda de peso e redução da cintura dos pacientes, em função dos efeitos colaterais, cujos efeitos
mais graves observados, como por exemplo síncopes e depressão, não possuíam relação causal
com a medicação do estudo.[11]

3.5.2. ANFETAMINA E METANFETAMINA

A α-metilFenetilamina, mais conhecida como Anfetamina, é uma substância que possui


uma forte ação estimulante no SNC e diversas aplicações medicinais. O nome Anfetamina está
relacionado a mistura racêmica de Levoanfetamina e Dextroanfetamina, ou a qualquer um deles
isoladamente. À temperatura ambiente, a base livre pura de Anfetamina se apresenta como um
líquido, incolor e volátil, com um odor de amina caracteristicamente forte e um sabor ardente e
ácido.

A Anfetamina (Figura 17) pertence ao grupo das Fenetilaminas substituídas, e sua


estrutura tem como base a molécula de Fenetilamina, e de acordo com a Figura 9, o diferencial
entre essas estruturas se dá devido a presença de um grupo metila na posição Rα.

Figura 17. Estrutura Básica da Anfetamina.

De certo modo, assim como diversas substituições podem ser realizadas na estrutura base
da Fenetilamina, essas substituições também podem ocorrer no esqueleto da Anfetamina, fazendo
com que ela seja uma molécula base para um subgrupo das Fenetilaminas substituídas, grupo
esse chamado de Análogos de Anfetamina ou Anfetaminas substituídas, onde essas substituições
podem ocorrer em qualquer lugar da molécula com exceção do agrupamento metila.

Dentre as substâncias análogas a Anfetamina, esse trabalho vai se atentar além do


Ecstasy (MDMA), que será discutido mais adiante, a Metanfetamina (N-metilanfetamina) que está
representada pela Figura 18, sendo essa substância amplamente utilizada para fins recreacionais
como afrodisíaco e euforizante.

Figura 18. Estrutura da Metanfetamina.

19
Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ – 2018

3.5.2.1. Síntese Química

Diversas rotas de síntese para a Anfetamina foram desenvolvidas desde que a sua
primeira preparação foi realizada em meados de 1887 pelo químico romeno Lazăr Edeleanu que
nomeou a droga de fenilisopropilamina.[12]

As rotas sintéticas mais comuns, utilizadas tanto legalmente como ilegalmente utilizam a
fenilacetona como material de partida. A Figura 19 a seguir consiste na reação entre a fenilacetona
e a formamida (reação de Leukart), seguida pela redução pelo ácido fórmico, produzindo a N-
formilanfetamina, que posteriormente é hidrolisada utilizando ácido clorídrico.[13]

H O

O NH O H
4
O O N O N O
+ O H
H2N H H H

Fenilacetona Formamida - CO2

NH2 H
HCl N O

- H3O H
Anfetamina N-Formilanfetamina

Figura 19. Síntese de Leuckart da Anfetamina.

Uma outra reação envolvendo a fenilacetona pode ser observada na Figura 20, onde a
reação em questão consiste na síntese de uma imina intermediária a partir da reação da
fenilacetona com amônia, e posteriormente a sua redução em uma amina primária utilizando
hidrogênio sob um catalisador de paládio ou hidreto de alumínio e lítio.[13]

Figura 20. Síntese da Anfetamina a partir de uma imina intermediária.

Atualmente conhece se também rotas de síntese para a Anfetamina baseadas em outras


reações orgânicas, um exemplo é a Alquilação de Friedel-Crafts do benzeno por cloreto de alila
(Figura 21).

Figura 21. Alquilação de Friedel-Crafs para a síntese da Anfetamina.

20
Monografia de TCC – Química – Bacharelado – UFSJ - 2018

A Fenilacetona também pode produzir uma mistura racêmica de Metanfetamina ao se


reagir com metilamina sob condições redutoras, ou pelo método de Leuckart ao ser associada
com dois equivalentes de N-metilformamida. No entanto, as rotas sintéticas de Metanfetamina que
empregam a Efedrina ou Pseudoefedrina como percursor, dois quais se destaca o método
conhecido como método “Emde” (Figura 22), onde a Efedrina ou Pseudoefedrina são tipicamente
reagidas com cloreto de tionila para dar origem ao intermediário cloroefedrina, que é então
hidrogenado sobre um catalisador de platina ou paládio para produzir Metanfetamina.[13]

Figura 22. Síntese da Metanfetamina pelo método Emde.

3.5.2.2. Uso como Droga de Abuso e Propriedades Toxicológicas

As Anfetaminas, assim como seus análogos, apresentam muitos efeitos adversos no


cérebro, no SNC e no corpo do usuário. Quando essas substâncias são utilizadas, os
neurotransmissores Dopamina e Norepinefrina são libertados das terminações nervosas do
cérebro e a capacidade de recaptação dos neurotransmissores é inibida, causando um influxo de
neurotransmissores nas terminações nervosas ou sinapses do cérebro. Os efeitos fisiológicos das
Anfetaminas se assemelham aos da cocaína, ambas as substâncias produzem um estado eufórico
e um estado de alerta aumentado. O que difere os efeitos de ambas substâncias é o tempo de
duração, onde segundo o Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas (NIDA – National Institute on
Drug Abuse) os efeitos da cocaína duram cerca de 1 a 2 horas e os efeitos das Anfetaminas
tendem a durar quatro vezes mais.[14] Existem Anfetaminas tanto ilegais quanto legalmente
prescritas e o abuso destas últimas pode levar ao uso e abuso do primeiro.

A Anfetamina é encontrada ilegalmente como um sal de sulfato na forma de pó e a sua


base que pode ser apreendida em laboratórios clandestinos, apresenta-se tipicamente como um
líquido oleoso castanho escuro com um cheiro desagradável, já a Metanfetamina produzida de
forma ilícita está disponível em diferentes formas, incluindo o pó, cristais (comumente conhecidos
como “Cristal”, “Gelo”, “Vidro” ou “Shabu”) e comprimidos (comumente conhecidos como
“Yaba”).[13] A Anfetamina e suas substâncias análogas podem ser ingeridas, aspiradas, e com uma
frequência menor, injetados e até mesmo fumadas, como é o caso dos cristas de Metanfetamina.

Existem inúmeros efeitos colaterais do uso da Anfetamina, sendo assim, a quantidade de


Anfetamina administrada se torna o fator principal na determinação da probabilidade e gravidade

21
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dos efeitos adversos. O uso recreativo da Anfetamina envolve doses muito maiores em
comparação ao uso terapêutico da mesma, acarretando em um risco maior de se observar efeitos
colaterais graves, e dependendo da continuidade, essas reações adversas podem afetar
negativamente a saúde de uma pessoa, como pode ser observado pela Tabela 4, onde estão
apresentados os principais efeitos colaterais do uso abusivo de Anfetamina ao longo do tempo.

Tabela 4. Efeitos colaterais a curto e a longo prazo do uso abusivo da Anfetamina. Adaptado de
Amphetamines.com.[14]
Efeitos Colaterais Efeitos Colaterais
Aumento da temperatura corporal; Psicose tóxica que mimetiza a
Falha do sistema cardiovascular; esquizofrenia;
Paranoia; Distúrbios fisiológicos;
Hostilidade ou agitação; Distúrbios comportamentais;
Frequência cardíaca irregular; Problemas respiratórios;
Pulsação aumentada; Mudanças de humor;
Aumento da pressão arterial; Instabilidade mental;
Diminuição do apetite; Desnutrição devido a reduções extremas
Curto Prazo Boca seca ou desidratação; Longo do apetite;
Pupilas dilatadas; Prazo Doença mental que pode ou não ser
Maior capacidade de falar; tratável;
Náuseas e vomito; Perda de coordenação;
Alterações no comportamento Apodrecimento dos dentes;
Sexual; Úlceras;
Espasmos; Fraqueza;
Sentimentos aumentados de poder, Convulsões;
grandeza ou grande competência. Coma;
Morte.

Sendo a Metanfetamina um membro da subclasse das Anfetaminas, seus efeitos sobre o


cérebro e o sistema nervoso central são semelhantes aos da própria Anfetamina, mas são muito
mais fortes e mais perigosos para o usuário. Ao contrário da Anfetamina, que tem um potencial
para causar tolerância e abuso apenas com o tempo, o uso de Metanfetaminas pode levar
rapidamente à tolerância e dependência, com apenas alguns usos da droga, o que levanta a
questão da intoxicação, ou overdose, que pode ser observada mediante a uma superdosagem de
Anfetamina ou de Metanfetamina.[14]

A superdosagem de Anfetamina ou de Metanfetamina leva a uma gama enorme de


sintomas que vão desde contrações musculares involuntárias, psicoses agudas até choques
cardiogênicos, hemorragia cerebral, colapsos circulatórios e em casos mais graves a morte. A
gravidade dos sintomas aumenta com a dosagem e diminui com a tolerância a essas substâncias,
a overdose de Anfetamina, ao contrário da overdose de Metanfetamina, raramente é fatal se os
cuidados apropriados (exemplo: Restauração do fluxo sanguíneo para a parte afetada do cérebro,
restauração do fluxo sanguíneo para o coração, entre outros) forem tomados e acontece
geralmente com indivíduos que ingerem até 5 gramas de Anfetamina em um dia, o que é
aproximadamente 100 vezes a dose terapêutica máxima. [15]

22
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3.5.2.3 Uso medicinal da Anfetamina

Como mencionado anteriormente, a Anfetamina, possui diversas aplicações medicinais. A sua


indicação, no começo da sua comercialização, era contra a fadiga, para aumentar a capacidade
física do seu usuário, como estimulante do sistema nervoso central, e para alargar as passagens
bronquiais e nasais. Além de ter sido também ser receitada por médicos para casos de epilepsia,
depressão, Mal de Parkinson.

Atualmente o uso da Anfetamina se concentra em sua maioria no tratamento do Transtorno


do Déficit de atenção e Hiperatividade (TDAH) e no Tratamento da Narcolepsia, uso esse
explicado pelo aumento no estado de alerta mental e na habilidade de o usuário ficar acordado,
focado e concentrado. Devido a estes efeitos que a Anfetamina causa nas células do cérebro e da
medula espinhal, essa substância é um excelente aditivo a medicamentos utilizados para ajudar
as pessoas com distúrbios comportamentais a se concentrar, assim como são usadas no
tratamento de distúrbios do sono como narcolepsia para ajudar o usuário a ficar acordado.

Um dos principais medicamentos que contém sais de Anfetamina e/ou uma mistura de
análogos é o Adderall® (Figura 23), que é utilizado no tratamento do TDAH, principalmente nos
Estados Unidos. O Adderall® é um produto controlado, devido ao seu potencial de causar
dependência (devido à presença de Anfetaminas), e a sua venda é realizada somente sob
prescrição médica.

Figura 23. Frasco de Comprimidos 10 mg de Adderal®. Fonte: ADHD Treatmenttoronto.

Esse medicamento age basicamente aumentando a atividade dos neurotransmissores,


deixando a pessoa mais desperta e mais concentrada, além de aumentar a atividade de diversos
órgãos, como o coração por exemplo. É importante ressaltar que mesmo no casos de pacientes
com TDAH prescritos e que estão fazendo uso do Adderall, só se deve fazer uso do medicamento
seguindo um programa completo de tratamento, que inclui aconselhamento e outras terapias sem
medicamentos.[16]

23
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3.5.3. EFEDRINA E PSEUDOEFEDRINA

A Efedrina (Figura 24) corresponde a mais uma substância psicoativa que está relacionada
ao grupo das Fenetilaminas substituídas devido as suas substituições nas posições RN, Rα e Rβ
no esqueleto da Fenetilamina. Por consequência, a Efedrina é uma Anfetamina substituída e um
análogo estrutural da Metanfetamina diferenciando apenas pela presença do grupo hidroxila (OH).

Figura 24. Estrutura da Efedrina.

Como pode se observar por meio da estrutura anterior, a molécula possuiu dois centros
quirais, exibindo assim isomerismo óptico. A Efedrina dá origem a quatro estereoisômeros de
acordo com a Figura 25 a seguir, onde por convenção os enantiômeros (1R, 2S) e (1S, 2R) são
denominados Efedrina, enquanto os que enantiômeros (1R, 2R) e (1S, 2S) de Pseudoefedrina.[17]

Figura 25. Estrutura química dos Estereoisômeros da Efedrina.

A Pseudoefedrina, assim como a Efedrina, são substâncias com ação estimulante no SNC
e que possuem diversas aplicações, sendo elas legais, como um constuinte de um medicamento
por exemplo, ou ilegais, como é o caso da sua utilização como droga de abuso.

3.5.3.1 Ocorrência Natural e Biossíntese

A Efedrina e a Pseudoefedrina, assim como outros alcaloides relacionados, podem ser


encontradas naturalmente em plantas da família das Ephedraceae, na qual a Ephedra sinica,
também conhecida como Ma Huang ou Efedra Chinesa e a Ephedra antisyphilitica (Efedra
Americana), são dois exemplos de plantas que contêm Efedrina e Pseudoefedrina.

As plantas do gênero Ephedra se apresentam como arbustos cujo comprimento pode


variar de 30 a 50 cm. Proveniente de climas áridos, essas plantas podem ser encontradas numa
vasta área que inclui América do Norte, a Europa, o norte da África, a Ásia Central e Sudoeste
Asiático.

24
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A biossíntese da Efedrina e da Pseudoefedrina encontradas nas plantas do gênero


Ephedra se assemelha com a biossíntese dos Alcaloides encontrados na Catha edulis. Assim
como na Khat, a biossíntese parte da L-fenilalanina que é convertida em ácido cinâmico por uma
reação catalisada pela enzima L-fenilalanina amônia liase. Nesse ponto o ácido pode passar por
uma via beta-oxidativa produzindo benzoil-CoA, ou por uma via não oxidativa, produzindo ácido
benzoico.

A molécula produzida a partir de uma das vias é então submetida a uma condensação
produzindo a 1-fenil-1,2-propanodiona, que posteriormente forma a Catinona depois de passar por
uma reação de transaminação. A Catinona por sua vez sofre uma redução para produzir a Catina
e a norefredrina. Nesse ponto, as duas rotas biossintética se diferem, uma vez que ocorre uma
N-metilação dos produtos anteriores produzido os alcaloides N-metilados (1S, 2S)-Pseudoefedrina
e (1R, 2S)-Efedrina, como pode ser observado pela Figura 26 a seguir.

Figura 26. Rota Biossíntetica da Efedrina e Pseudoefedrina em plantas do gênero Ephedra. [18]

25
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3.5.3.2. Síntese Química

A Efedrina é amplamente produzida a partir de reações de biocatálise, como é o caso da


reação representada pela Figura 27 a seguir. O precursor da Efedrina é o fenilacetilcarbinol ((R)-
PAC) que apesar de ser produzido em escada industrial a partir da fermentação de benzaldeído e
dextrose, pode ser sintetizado a partir da reação do benzaldeído com o ácido pirúvico catalisado
pela enzima piruvato descarboxilase. A Efedrina pode ser produzida então submetendo-se o
fenilacetilcarbinol a uma reação de aminação redutiva.[19]

O OH OH
O
H OH piruvato 1) CH3NH2
+ descarboxilase (R)
O 2) H2, Pt HN
O

Benzaldeído Ácido Pirúvico Fenilacetilcarbinol


Efedrina

Figura 27. Reação de Síntese da Efedrina utilizando o método da Biocatálise.[19]

Como a Pseudoefedrina é um isômero da Efedrina, a suas sínteses se assemelham


bastante. Sendo amplamente sintetizada a partir do método da biocatálise, a Pseudoefedrina
também tem o (R)-PAC como precursor. Além do método mencionado anteriormente, este
precursor também pode ser produzido a partir da fermentação do benzaldeído na presença de
levedura, dextrose e da enzima piruvato descarboxilase.

3.5.3.3 Uso como Droga de Abuso e Propriedades Toxicológicas

Tanto a Efedrina como a Pseudoefedrina são aminas simpaticomiméticas que têm ação
direta e indireta nos receptores α e β adrenérgicos, mas seu uso recreacional está relacionado
com a capacidade que essas substâncias possuem de atravessar a barreira hematoencefálica
estimulando o SNC. Essas substâncias estimulam indiretamente a liberação de noradrenalina,
Dopamina e Serotonina, sendo essa última em um menor grau.[20]

Os efeitos do uso das Efedrinas e Pseudoefedrinas se assemelham, em uma menor


intensidade, aos efeitos das Anfetaminas, incluindo um aumento de euforia e excitação, aumento
no estado de vigília, aumento do vigor e supressão da fadiga, assim como mudanças no humor.
Esses efeitos podem ser observados a partir de uma superdosagem, seja por via oral ou por
injeção de substâncias médicas prescritas, tais como pílulas de Efedrina ou sprays nasais.

Como estão relacionadas as Anfetaminas, os efeitos colaterais do abuso da Efedrina e da


Pseudoefedrina incluem psicoses, tremores, um aumento na ansiedade além de outros sintomas.
A tabela 5 a seguir mostra as manifestações clínicas que podem ser observadas ao se utilizar a
Efedrina e/ou a Pseudoefedrina de forma abusiva.

26
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Tabela 5. Manifestações clínicas Periféricas e Neurológicas provocadas pelo uso abusivo de


Efedrinas e Pseudoefedrinas. Adaptado de “Drugs.com, Know More, Be Sure”, 2018.

Manifestações Clínicas Manifestações Clínicas


Taquicardia
Arritmia cardíaca Inquietação
Cardiovasculares Angina Neurológicas Tremores
Vasoconstrição com Convulsões
hipertensão
Efeitos Rubor Efeitos
Periféricos Dermatológicas Sudorese Neurológicos Insônia
Acne Alucinações
Gastrointestinais Náusea Delírios
Vômitos Psicológicas Paranoia
Geniturinárias Diminuição da micção Pânico
Pedra nos Rins Psicose
Respiratórias Dispneia (Falta de ar) Hostilidade
Edema pulmonar

O uso prolongado e sem moderação dessas duas substâncias pode levar a dependência,
a tolerância, e em casos mais graves até mesmo a overdose que é caracterizada por danos
cardiovasculares severos. No caso do tratamento com medicamentos à base de Efedrina,
Pseudoefedrina ou seus sais, o que é recomendado é diminuir a dosagem gradativamente e se
observar a gravidade dos sintomas de abstinência que podem ir desde uma maior sensação de
agitação e irritabilidade até paranoias, convulsões e tremores.

3.5.3.4 Uso Medicinal da Efedrina e da Pseudoefedrina

A Efedrina e a Pseudoefedrina possuem atividade vasoconstritora e broncodilatadora


sendo assim amplamente utilizadas em formulações médicas voltadas para problemas
respiratórios provenientes de alergias ou não. Tanto a Efedrina como a Pseudoefedrina atuam nos
receptores α (responsáveis pela vasoconstrição) e β2 adrenérgicos (responsáveis pela
broncodilatação). Os receptores α adrenérgicos estão localizados nos músculos que revestem as
paredes dos vasos sanguíneos, e quando estimulados os receptores provocam a contração dos
músculos causando a constrição dos vasos sanguíneos. A ativação dos receptores β2
adrenérgicos produz relaxamento da musculatura lisa dos brônquios, causando dilatação
brônquica.[20]

Mesmo a Pseudoefedrina possuindo uma atividade mais acentuada que a Efedrina, ambas
as substâncias são utilizadas em medicamentos indicados para combater os sintomas da
congestão e inflamação das membranas nasais, sendo assim associados a descongestionantes
utilizados para aliviar os sintomas de resfriados e alergias. A Efedrina é muito utilizada em casos
de asma devido aos seus efeitos no alívio da falta de ar e sensação de aperto no peito. A

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Pseudoefedrina também é utilizada no tratamento da rinite vasomotora e é indicada como um


agente auxiliar no tratamento da rinite alérgica, sinusite, otite média e traqueobronquite.

Diversos medicamentos à base dessas substâncias ou dos seus sais então disponíveis
comercialmente como é o caso do Rhinamide® e Rhino-Sulfuryl® que contém Efedrina, e
Rhinadvil®, Actifed®, Dolihurme® que contém Pseudoefedrina, entre outros.[21]

Figura 28. Medicamentos à base de Efedrina e Pseudoefedrina utilizados no tratamento de


congestão e inflamações nasais. Adaptado de Franceinfo - France Télévisions, 2015.

3.5.4. MDMA

O MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina), popularmente conhecido como Ecstasy ou


Molly, corresponde a mais uma substância psicoativa que pode ser relacionada às Anfetaminas e
as Fenetilaminas. De acordo com a Figura 29 a seguir, a estrutura do MDMA se assemelha com
a estrutura da Metanfetamina (Figura 18) devido à presença de grupos metila nas posições Rα e
RN, e o diferencial da estrutura do ecstasy se dá pela presença do grupamento -O-CH2-O- nas
posições R3 e R4 do anel benzênico.

Figura 29. Estrutura do MDMA.

O MDMA é amplamente utilizado como droga recreacional devido aos seus efeitos
euforizantes e levemente alucinógenos e, segundo a UNODC, o uso dessa substância como
medicamento não é regularizada atualmente, embora o MDMA tenha sido utilizado no
aconselhamento psiquiátrico no passado.

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3.5.4.1 Síntese Química

Atualmente sabe-se que a maioria das rotas de síntese do MDMA partem de precursores,
entre eles estão o safrol, isosafrol, piperonal e o PMK (3,4-metilenodioxifenil-2-propanona).[22]
Ambos os precursores estão representados pela figura 30 a seguir, onde o safrol é o principal
material de partida, e os outros três precursores podem ser sintetizados a partir dele.

Figura 30. Estrutura dos principais precursores das sínteses químicas de MDMA.

O MDMA foi sintetizado a primeira vez em 1912 pelo químico Anton Köllisch sob a
patente da Merck que só foi registrada dois anos mais tarde. Na patente original uma mistura
racêmica de MDMA é produzida a partir do Safrol que é reagido com ácido bromídrico para
formar o Bromossafrol que, posteriormente, é convertido em MDMA usando metilamina. As
reações da patente da Merck, podem ser melhores observadas na Figura 31 a seguir.

Figura 31. Síntese do MDMA a partir do Safrol.

O safrol, devido ao seu potencial uso como reagente de partida para a síntese de
diversos compostos análogos á Anfetamina, é uma substância controlada em diversos países,
inclusive no Brasil. Como um método alternativo, e visando burlar os métodos de controle,
diversas das sínteses ilegais têm utilizado o PMK como precursor na síntese de MDMA.[22]

O PMK pode ser sintetizado a partir do safrol de diversas formas, entre elas destacam-
se a isomerização do safrol em isosafrol por meio de uma base forte, e posteriormente a sua
oxidação com peróxido de hidrogênio, como pode ser visto pela Figura 32 (Rota A) e a
conversão direta do safrol em PMK através da Reação de Wacker (Figura 32, Rota B), que
utiliza benzoquinona e o cloreto de paládio como catalisador.[22] Sintetizado o PMK, este
intermediário sofre uma aminação redutiva e dá origem a uma mistura racêmica de MDMA.

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Figura 32. Síntese do PMK a partir do Safrol e posterior síntese do MDMA.

3.5.4.2 Uso como Droga de abuso e Propriedades Toxicológicas

O MDMA possui efeito estimulante e alucinógeno, ele diminui a recaptação dos


neurotransmissores Serotonina, Dopamina e Noradrenalina em determinadas partes do
cérebro.[22] Devido ao modo de ação do MDMA, o seu principal uso é como substância de
abuso, sendo utilizado maioritariamente para fins recreacionais. O MDMA normalmente é
comercializado na forma de comprimidos coloridos, os quais são conhecidos por Ecstasy
(“XTC”, “E” ou “X”) ou “Bala” (Figura 33) nos quais cada comprimido tem um logotipo diferente
que remete ao fabricante e a pureza do comprimido.

Figura 33. Comprimidos de Ecstasy encontradas comercialmente. Fonte: iStock, 2016.

Esses comprimidos de ecstasy são amplamente comercializados em baladas e em


festas Rave por jovens que buscam a droga para atingir um estado maior de excitação e
euforia. Nesses tipos de festa, a música e a iluminação causam efeitos sensoriais que são
altamente sinérgicos com a droga, o que explica o alto consumo desses comprimidos por
parte dos frequentadores. Além da forma de comprimido o MDMA, também pode ser
encontrado como pílulas ou na forma de pó, onde ele passa a ser chamado de MD, “Mandy”
ou “Molly” quando encontrado na sua forma pura e dependendo também da cultura de drogas
local.

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O MDMA normalmente é consumido oralmente e o método de utilização pode variar,


dependendo da concentração e disponibilidade da droga. Segundo um estudo realizado pela
Global Drug Survey (GDS) no ano de 2017, o MDMA é preferivelmente ingerido na forma de
comprimidos e pílulas, seguido da utilização dos cristais debaixo da língua ou dissolvidos em
água. Uma alternativa para o consumo é a aspiração do pó pela boca ou nariz, utilizando ou
não canudos, método esse conhecido como “Bomb”.

O ato de se consumir o MDMA é conhecido “drop”, e os efeitos recreativos a curto


prazo mais comuns são o aumento da empatia, da sensação de prazer e excitação sexual, da
emotividade, e das sensações, sendo as sensações táteis as mais estimuladas. O MDMA
também proporciona um aumento nas habilidades de comunicação do usuário e é um
alucinógeno psicodélico moderado.[23]

Efeitos adversos ou colaterais podem ser observados em ocasiões diferentes e em


diversos tipos de usuários, sendo estes os que fazem o uso excessivo da substância ou,
usuários que têm os efeitos colaterais observados a partir de uma dose única, o que acontece
quando o MDMA consumido é adulterado. A tabela 6 a seguir contém os principais efeitos
colaterais observados e relatados por usuários da substância.

Tabela 6. Efeitos Colaterais Imediatos e a Longo Prazo do uso de MDMA. Adaptado de


“Drugs.com, Know more, Be sure.”, 2014.

Efeitos Colaterais Efeitos Colaterais


Midríase
Perda de Apetite
Insônia Prejuízos em múltiplos aspectos da cognição,
Bruxismo incluindo atenção, aprendizado, memória,
Cansaço ou letargia processamento visual e sono.
Aumento da transpiração
Aumento da frequência cardíaca Aumento na permeabilidade da barreira
Aumento da pressão arterial hematoencefálica, tornando o cérebro mais
Imediatos Aumento da atividade psicomotora Longo suscetível a toxinas e patógenos ambientais
Impulsividade e inquietação Prazo
Disfunção erétil Apesar dos efeitos a longo prazo da utilização
Diarreia do MDMA não tenham sito totalmente
Desidratação estudados, acredita que também possam
Hipertermia ocorrer lesões cerebrais nas vias neurais
Depressão serotoninérgicas.
Ansiedade e Paranoia
Comprometimento da memória

O MDMA é uma substância com potencial moderado para causar vício e dependência,
o que não o deixa de tornar essa substância perigosa. Casos de overdoses fatais de MDMA
são raros e estão associados a diversos fatores entre eles pode se citar a pureza da droga
consumida, no qual geralmente o usuário ao consumir ecstasy por exemplo, faz uso de uma
combinação variada de drogas e frequentemente substâncias tóxicas. Outro fator é a
necessidade que os usuários sentem de usar outras drogas para ajudar a lidar com as dores
físicas e mentais que aparecem depois que os efeitos do MDMA passam.

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3.5.4.3 Uso Medicinal do MDMA

Atualmente sabe-se que o MDMA não tem nenhum uso medicinal aprovado, no
entanto, devido aos seus efeitos de estimulação, de aumento da confiança e empatia, assim
como seus efeitos que reduzem o medo, ele foi utilizado para o aconselhamento psiquiátrico.

O MDMA veem sendo alvo de pesquisas para tratar danos psicológicos e emocionais
graves, principalmente o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O TEPT é uma
doença mental comum associada a altos níveis de autoflagelação, suicídio consumado e
comorbilidade, incluindo depressão, ansiedade e abuso de substâncias.[24] Um dos desafios
no tratamento desse transtorno está relacionado a sobrecarga que os pacientes tem com as
lembranças negativas de seus traumas, fazendo com que eles não consigam se envolver na
terapia. Há um alto nível de abandono no tratamento do TEPT e muitos pacientes tentam
suicídio ou partem para a automedicação com drogas ilícitas.

No ano de 2010 o psiquiatra Michael Mithofer realizou um estudo aleatório controlado


que testou o MDMA em psicoterapia contra placebo, envolvendo no estudo 25 pacientes que
apresentavam resistência ao tratamento convencional do TEPT. O estudo realizado consistia
em medicar os pacientes com três doses de MDMA ou do placebo durante dezesseis semanas
durante as sessões semanais de psicoterapia. Em comparação com os 15% dos pacientes
que estavam fazendo uso do placebo, 85% dos pacientes com TEPT apresentaram uma
melhora significativa após um único curso de psicoterapia assistida pelo MDMA. Foi realizado
também um estudo subsequente a longo prazo demonstrando que mesmo após o corte do
MDMA na parcela que fez uso deste, os resultados originais foram sustentados por até quatro
anos depois.[25]

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É certo que as NSP apresentam um risco devido ao fato das suas propriedades não
serem totalmente conhecidas, e como a cada dia que passa mais sínteses e mais moléculas
diferentes vem surgindo, é importante conscientizar o máximo de pessoas sobre a toxicidade
e os efeitos adversos que essas substâncias podem desencadear. A Fenetilamina que está
presente no nosso cotidiano, inclusive nos alimentos, é uma molécula pouco conhecida, assim
como sua classe de compostos, as Fenetilaminas substituídas, que vão muito além das sete
substâncias aqui abordadas.

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Conforme substituições são realizadas na sua estrutura, a Fenetilamina pode passar


de uma substância de abuso, para uma substância com apelo medicinal, e vice-versa, como
é o caso da Anfetamina e da Metanfetamina. Enquanto a primeira além dos efeitos
estimulantes e do potencial para ser utilizada como droga, possui também aplicabilidade no
tratamento do TDAH e da Narcolepsia, a Metanfetamina, não possui uma função benigna na
saúde, pelo contrário, ela é uma das substâncias abordadas que mais causa vício e morte por
overdose. Analisando-se agora do panorama medicinal, mesmo as substâncias que possuem
o seu uso medicinal bem esclarecido devem ser ministradas com cuidado e com
acompanhamento médico. Apesar de existir muita diferença, em questão da quantidade da
substância, entre a dose medicinal e recreacional, não se pode descartar a possibilidade de
que efeitos adversos ao medicamento ocorram.

O intuito desse trabalho foi se aprofundar nas pesquisas e avanços tecnológicos


envolvendo as Fenetilaminas e as substâncias análogas a ela, visando a sua síntese, as suas
propriedades toxicológicas, e seus usos medicinais. Conclui-se que a Fenetilamina é uma
molécula versátil, assim como as substâncias que fazem parte do seu grupo, podendo atuar
como droga de abuso e/ou como medicamento. É certo que alguns tratamentos ou terapias a
base de Fenetilaminas não são viáveis no momento, seja por motivos de inviabilidade
comercial, dificuldade na obtenção da substância, e até a periculosidade do tratamento, mas
essas são questões que vão demandar mais pesquisas e estudos.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] ANVISA – Grupo de Trabalho para a Classificação de Substâncias Controladas - Relatório de


Atividades 2015/2106. Disponível em:
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<https://www.unodc.org/documents/scientific/Global_SMART_Update_2016_Vol-16_Sp.pdf> Acesso
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