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Contribuições Da Análise Institucional para Uma Abordagem Das Práticas Linguageiras - A Noção de Implicação Na Pesquisa de Campo
Contribuições Da Análise Institucional para Uma Abordagem Das Práticas Linguageiras - A Noção de Implicação Na Pesquisa de Campo
47-73, 2010 47
Décio Rocha
Bruno Deusdará
O
presente artigo tematiza a problemática da implicação, tópico ao
qual vem sendo atribuída uma grande importância quando se assume
uma perspectiva que provisoriamente caracterizaremos como não
cientificista em relação à produção de saberes no campo das ciências sociais.
O referido tópico será aqui discutido como um vetor importante oriun-
do da prática analítica em perspectiva institucionalista, que nos permitirá
interrogar certos impasses da pesquisa de campo voltada para as práticas de
linguagem em um enfoque discursivo. Assim sendo, o que ora propomos é
repensar as fronteiras que, entre nós, constituíram a Análise do discurso e a
Análise institucional como especialidades de formações acadêmicas distintas,
a fim de favorecer novas composições nessa paisagem disciplinar, atualizando
sua força instituinte.
Nosso propósito será o de incluir nos contornos que envolvem a referida
problemática os estudos comprometidos com um certo modo de apreender
as práticas linguageiras segundo a perspectiva desenvolvida por analistas do
discurso – denominação vaga, tendo em vista a diversidade de abordagens que
reclamam para si o “selo da discursividade”, mas que possuem em comum, se-
gundo podemos avaliar, o fato de não reservarem em suas discussões qualquer
espaço efetivamente relevante de problematização das implicações, ou, pelo
menos, de o fazerem apenas de forma marginal.
Trataremos especificamente de algumas dúvidas que se atualizam a partir
da opção pela pesquisa de campo. Queremos especialmente colocar em discus-
são uma certa concepção de pesquisa de campo que a veria como uma etapa
de mera “coleta de dados”. Ora, parece-nos insuficiente compreender os textos,
produzidos em situações concretas de enunciação, como “dados” a serem cole-
tados, extraídos desses contextos e passíveis de análise em outras coordenadas
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48 uma abordagem das práticas linguageiras: a noção de implicação na pesquisa de campo
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É interessante observar o jogo de palavras possibilitado pela língua francesa no que concerne
aos significantes lieu e lien, “coincidência” que não faz senão enfatizar a impossibilidade de
distinguir em absoluto o lugar (lieu) ocupado pelo analista e o elo (lien) que o liga a seu
outro, a saber, o analisando.
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Com efeito, vários são os autores que trouxeram sua contribuição para
uma definição de implicação, acentuando a impossibilidade de se evitar o
tema, como se percebe no ponto de vista sustentado por Lourau, para quem
“somente a análise das implicações permite compreender e transformar rela-
tivamente os atos falhos da pesquisa em ciências sociais.” (apud MERINO
1997, p. 60).
Uma mesma ordem de reflexão pode ser resgatada em Morin: o pesqui-
sador não se contenta em analisar os dados sociais relativos a seu objeto; antes,
ele integra em seu dispositivo5 a elucidação de “perturbações” induzidas para
tentar “compreender-se a si mesmo enquanto observador” (MERINO, 1997,
p. 60). Ou ainda: “é da ordem da implicação todo fator pessoal que tenha uma
relação entre o sujeito e o objeto de pesquisa, entre o pesquisador e o objeto de
conhecimento científico”. (MERINO, 1997, p. 60)
Segundo Savoye (apud FERRARATO, 1994, p.145), a implicação “é a
configuração singular das relações nas quais o pesquisador é enredado: relação
com o seu objeto de pesquisa, com a instituição de pesquisa da qual ele depen-
de, com o contexto político e social que o engloba etc.”.
Em mais uma iniciativa de definição, localizamos a seguinte proposta:
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Dispositivo (ou agenciamento) “é uma montagem ou artifício produtor de inovações que ...
atualiza virtualidades ...” (BAREMBLITT, 1992, p. 151).
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crática é que nela nada se encontra fundado a priori (apud GUILLIER; SA-
MSON, 1997, pp. 24-5). Ora, tal inexistência de fundamentos dados a priori
mantém precisamente um estreito vínculo com o debate possibilitado pela aná-
lise das implicações, tendo em vista tratar-se de um conceito que contribui para
desnaturalizar muito do que aprendemos a ver como sendo um “dado natural”.
Por essa razão, acreditamos que um papel fundamental desempenhado pelas
implicações esteja muito adequadamente formulado na definição que se segue,
papel que, como veremos, produz ressonâncias ineludíveis sobre a dimensão
ética de nossa própria possibilidade de atuar em um dado campo:
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Expressão cunhada por Guattari para responder às exigências de interdisciplinaridade entre,
por um lado, a psicoterapia institucional nascente no início dos anos 50 do último século
(grosso modo, uma rearticulação da prática hospitalar da psiquiatria tradicional com o pen-
samento psicanalítico), de cuja construção ele próprio participou ativamente, e, por outro,
diversas outras práticas similares em campos variados, a exemplo da pedagogia, do urbanis-
mo, dos movimentos estudantis, etc. (GUATTARI, 1985, p. 103).
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Compreende-se, desse modo, que instituição não deva “se confundir com
o estabelecimento e suas paredes, o local de trabalho”. Instituição “é o que vem
à luz no enunciado das implicações de cada um em uma situação, segundo um
dispositivo de trocas construído por um modo de intervenção” (FERRARATO,
1994, p. 145).
Rodrigues e Souza (1987) revêem diferentes possibilidades de entendi-
mento da noção de instituição, segundo a tradição francesa do conceito:
. a instituição-estabelecimento, concepção que se assenta nos trabalhos
de Psicoterapia Institucional que têm início na década de 40 do último século:
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Os termos produção e atividade são opções de Rodrigues e Souza (1987, p. 24) para atualizar
esta terceira acepção de instituição.
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Segundo Rodrigues e Souza (1987, p. 34), “ao menos no contexto do Rio de Janeiro, as
práticas autodenominadas de Análise Institucional vêm sendo desenvolvidas quase que ex-
clusivamente por profissionais ‘psi’: são psicólogos, psicanalistas ..., psicopedagogos ... e,
fundamentalmente, profissionais ‘psi’ ligados à instituição escola (os antigos ‘psicólogos es-
colares’)”. De nossa parte, conforme dissemos no início deste artigo, estamos convencidos
de que muitas das contribuições do institucionalismo poderiam revigorar a reflexão de nossa
abordagem discursiva das práticas linguageiras.
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que deverão operar neste âmbito específico para transformá-lo de acordo com
as metas propostas.” (BAREMBLITT, 1992, p. 158). Compreende-se que o
campo de intervenção pressupõe necessariamente um campo de análise com
base no qual aquele será pensado e compreendido. Desse modo, “...o campo
de intervenção é, em geral, infinitamente menor que o campo de análise ...”
(BAREMBLITT, 1992, p. 67).
Baremblitt (1992, p. 102-4) apresenta-nos uma tipologia das diferentes
modalidades de intervenção:
. um serviço (de intervenção) é oferecido a partir de posições tradicio-
nais, clássicas (por exemplo, o serviço oferecido por um profissional liberal
ou autônomo, por uma sociedade científica de Análise institucional, por um
estabelecimento privado, por um departamento ou setor específico de uma
Faculdade);
. um serviço (de intervenção) é oferecido por parte de uma equipe que
integra a organização na qual se pretende intervir;
. um serviço (de intervenção) é oferecido como no caso anterior, mas de
modo menos burocratizado e de forma menos profissional (como é o caso de
institucionalistas que, militando num partido político, são solicitados a inter-
vir em um segmento específico a pedido do partido);
. um institucionalista integrante de uma dada organização à qual pertence
organicamente ou não passa a intervir em algum segmento sem que tenha ha-
vido qualquer solicitação de seus serviços (caso de um membro de uma associa-
ção de moradores que, no exercício de sua função como integrante da referida
associação, opera como institucionalista, sem que seja explicitada tal condição);
. um exercício cotidiano de uma prática institucionalista (o sujeito não
oferece serviços como institucionalista, mas alimenta uma concepção institu-
cionalista de mundo e, por isso, vive suas relações cotidianas – no trabalho, em
família, etc. – com base em tais princípios).
Uma tal tipologia das diferentes modalidades de intervenção vem atu-
alizar, como não é difícil perceber, diferentes modalidades de atualização
da oferta. A tal questão prende-se a da diferença que separa encomenda,
demanda e oferta.
A encomenda (também chamada de demanda latente, pedido, encargo)
remete aos “sentidos não explícitos, não manifestos, dissimulados, ignorados
ou reprimidos, e que comporta uma demanda de bens ou serviços”, ou seja,
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Este parece ser o caso das encomendas de intervenção solicitadas por intermédio de profis-
sionais inscritos em cursos do antigo DESS (Diplôme d’Études Supérieures Spécialisées) na
Université de Aix-en-Provence, na França.
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Tendo em vista nossa opção por trabalhar com uma perspectiva discursiva
das práticas linguageiras, podemos nos indagar por que escolhemos esses conceitos
desenvolvidos na perspectiva institucionalista para articulá-los com o de implicação.
Diríamos, em primeiro lugar, que proceder a uma análise das implica-
ções de sua atuação em um dado campo significaria, para o linguista / analista
do discurso, recusar qualquer movimento de naturalização de sua presença no
referido campo, assim como dos conhecimentos que nele se produzem.
Muitas vezes – talvez mesmo esta seja a regra – deparamos com situações
em que o linguista deixa implícito um certo “desejo de invisibilidade”, quando
não torna esse mesmo desejo algo que francamente explicita. Dito com outras
palavras, trata-se do desejo de estar presente em um dado campo, sem que sua
presença venha a interferir na dinâmica das relações que ali se verificam. Tal
posição significa que prevalece a ingênua crença de que o analista-linguista não
produziria qualquer alteração do meio, ou que ele poderia se tornar “neutro”
na cena em que atua e, por extensão, ter acesso à realidade “exatamente como
ela realmente se apresenta”12. Isto é subestimar o valor da palavra: acreditar
que ela possa se produzir “no vácuo”, sem um direcionamento, pretensamente
livre das coerções que pesam sobre uma dada situação de enunciação - posição
francamente antibakhtiniana que declaradamente rejeitamos.
Logo, para nós, acolher a necessidade de lidar com as implicações é criar
as condições para um tratamento efetivamente dialógico das práticas lingua-
geiras. E, como vimos anteriormente, trabalhar as implicações implica uma re-
visão de quais são nossos atravessamentos institucionais, nossas possibilidades
mesmas de estar naquele campo, de “falar uma mesma língua” que o referido
campo ou, pelo menos, de ter a condição de negociar efeitos de sentido que se
produzem para muito além do que poderíamos controlar.
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Como vimos no item anterior, a própria instituição do lugar do analista é geradora do tipo
de demandas que lhe são encaminhadas! Além disso, negar um lugar de relevo à análise das
implicações significa negligenciar, não sem uma boa dose de ingenuidade, o duplo sentido
adquirido pelo termo, segundo Hess (2001): por um lado, implicar-se em / com alguma coisa,
significando enredar-se, envolver-se com algo; por outro, estar implicado, expressão que remete
aos múltiplos pertencimentos institucionais do sujeito. Assim, se é verdade que podemos
nos iludir tentando evitar as implicações na primeira acepção do termo, compreende-se por
que razão seria impossível esquivarmo-nos de sua presença no segundo sentido indicado.
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Desse modo, para além dos limites impostos pelos especialismos que via
de regra nos tornam míopes e que, por essa razão, constituem um verdadeiro
desserviço na formação de novos profissionais da área e na própria produção
de conhecimentos, reafirmamos aqui nosso maior interesse pela tematização
de questões de ordem política que envolvem um determinado modo de atuali-
zação da dimensão do social que podemos – e desejamos – ajudar a construir.
Aliás, essa era a “aposta” e o “desafio” que encontrávamos em Foucault (1984),
em Rodrigues e Souza (1987) e em Hess (2001) acerca da viabilidade (e mes-
mo a necessidade) de desconstruir tais especialismos. Acrescentamos que o
próprio perfil do horizonte teórico no qual nos situamos – o de uma Análise
do discurso de base enunciativa – já nos parece favorecer tal posicionamento,
trazendo-nos algo que, de certo modo, já nos é familiar, uma vez que também
nós, analistas do discurso, trabalhamos em um campo que não chega a se
constituir como propriedade privada de ninguém.
Por que analistas do discurso decidem tematizar as implicações? Eis a
questão que talvez o leitor esteja se fazendo já há algum tempo, tendo em vista
a novidade de tal procedimento.
De forma bastante sintética, diremos que, se tematizamos as implica-
ções, isto se explica pelo fato de sabermos que: (i) toda prática produz efeitos;
(ii) é impossível continuar acreditando que nos encontramos no interior de
um dispositivo sujeito X objeto; (iii) todo exercício de leitura do real que nos
cerca apresenta uma dimensão ético-política da intervenção que norteará o
sentido de social que desejamos construir, um social não naturalizado.
Não há neutralidade do pesquisador, assim como não há neutralidade
no pesquisado, por muito que se queira assegurá-la/valorizá-la como possí-
vel. Isto, no entanto, não significa crer que o fazer científico seja uma im-
possibilidade: o rigor intrínseco a toda pesquisa precisa considerar o atraves-
samento dos limites e da amplitude do que somos capazes de “ver”, “ouvir”
e “dizer”. O que se faz visível/dizível tem como constitutivo o irremediável
estar situado em um determinado tempo e espaço. Concretiza-se em marcas
que consideram a intervenção sempre por meio de um gênero de discurso,
produzindo enunciados que registram a diversidade e a complexidade da
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Pesquisa realizada por Deusdará (2006).
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Fazendo incidir o foco de análise sobre essa dinâmica de circulação dos in-
divíduos no espaço escolar, em consonância evidente com as reflexões foucaul-
tianas acerca das instituições disciplinares, a pesquisa em questão vai propondo
a construção de uma demanda de análise que contribua para a desnaturalização
dos sentidos instituídos em torno do trabalho docente. Tal percurso de pesqui-
sa parece colocar para essas investigações o desafio de pensar a linguagem como
um dos planos de constituição do real. A linguagem deixa de ser compreendida
apenas como um plano de representação de eventos exteriores a ela. No caso
em análise, julga-se haver diversos modos de intervir sobre o trabalho do pro-
fessor, entre eles, pode-se afixar textos no mural da sala de professores.
Desse modo, a opção pelo mural como campo produtor de pistas para a
análise pressupõe a existência de uma “massa de textos”, um conjunto de inte-
rações sendo produzido na sala de professore(a)s, dos quais o mural representa
um possível recorte. A própria existência do mural já se sustenta em uma es-
colha de alguns entre tantos outros textos, que circulam por outros momentos
e em outros espaços, tendo como referência um certo propósito comunicativo
de falar ao(à)s professore(a)s. Assim como a escolha de alguns entre tantos
outros textos pressupõe um certo funcionamento do mural, a seleção feita dos
textos a serem analisados pela referida pesquisa não pode ser compreendida
como uma simples “coleta”, mas como uma “nova situação de enunciação”
que viabilizará a construção de um outro texto, de uma outra possibilidade de
falar sobre o trabalho docente.
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www.priberam.pt/dlpo/ definir_resultados.aspx Consulta em 20 de julho de 2006.
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70 uma abordagem das práticas linguageiras: a noção de implicação na pesquisa de campo
de um gênero com regras próprias. Não existe nenhuma fala que esteja fora
de um certo tipo de dispositivo. Não existe uma fala absoluta.” (2006, p. 2).
Além disso, “O discurso não é só linguagem, implica parceiros, papéis .... não
está fora da sociedade, está dentro. Permite que o sujeito se comunique, se
construa”.
Os resultados das reflexões ora apresentadas apontam para a pertinência
de uma perspectiva dialógica segundo a qual a entrevista em situação de pes-
quisa não pode corresponder ao que se entende por gênero primário (Bakhtin,
1992), tendo em vista sua complexidade enunciativa: não se trata de mera
ferramenta a serviço da captação de verdades, representando, antes, um dis-
positivo de produção / captação de textos, isto é, um dispositivo que permite
retomar / condensar várias situações de enunciação ocorridas em momen-
tos anteriores (Rocha; Daher; Sant’Anna, 2004). O enfoque que defendemos
para a entrevista representa, acima de tudo, uma opção política que fazemos
diante do perfil de pesquisador que pretendemos construir e do modo como
pretendemos lidar com a alteridade. A esse respeito, o conceito bakhtiniano
de exotopia (Bakhtin, 1992) é revelador da dimensão ética da problemática da
alteridade no que concerne à criação tanto teórica quanto artística: é preciso
situar o olhar do outro e devolver-lhe um ponto de vista (o do pesquisador)
sobre o referido olhar.
O outro comentário retoma considerações de Daher (1998) acerca do
dispositivo de entrevista construído para fins de pesquisa de campo. Com
efeito, a autora reconhece a inadequação de um modelo de entrevista aca-
dêmica no qual figurem tão-somente as perguntas a serem dirigidas ao(s)
entrevistado(s). Em seu lugar, propõe o registro em um quadro de cinco colu-
nas dos tópicos relevantes para a elaboração da entrevista no referido contexto:
na primeira coluna, os blocos temáticos a serem contemplados na entrevista;
na segunda, os objetivos a serem alcançados na entrevista; na terceira, o pro-
blema a ser investigado a cada momento da entrevista; na quarta, as hipóteses
feitas pelo pesquisador acerca das respostas dos entrevistados; na última, as
perguntas a serem dirigidas ao(s) entrevistado(s).
A construção do referido quadro não seguia um caminho retilíneo; ao
contrário, o que era problematizado em cada linha de uma dada coluna servia
de base de reflexão para a formulação da linha correspondente da(s) coluna(s)
adjacente(s).
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4. À guisa de conclusão:
O presente artigo apenas muito de leve toca numa questão que nos pare-
ce crucial para um tratamento adequado das práticas discursivas: a análise das
implicações tematizada pela Análise institucional, problemática que tivemos
a oportunidade de aproximar neste artigo à análise da relação entre uma dada
produção linguageira e seu entorno. Dito de outro modo, a tematização das
implicações do pesquisador das práticas linguageiras com / em seu campo pa-
rece retomar o antigo debate acerca das condições de produção dos discursos.
Eis o que nos parece lícito concluir a partir de uma das observações de Lourau
(1979) que a seguir transcrevemos:
devemos concluir que o debate acerca das implicações vem reencontrar, no ter-
ritório da Análise do discurso que compartilhamos, a temática dos enlaçamentos
(Maingueneau, 1989), uma vez que esta coloca em cena “a ausência de exteriori-
dade entre coerções enunciativas e práticas institucionais” (Maingueneau, 1989,
p. 67). Uma tal observação parece-nos representar uma interessante hipótese de
trabalho, gerando desafios para futuras investigações referentes aos lugares e aos
modos de inscrição das implicações nas práticas linguageiras.
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Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Letras, linguística e suas interfaces no 40, p. 47-73, 2010 73
Recebido: 31/04/2010
Aprovado: 09/06/2010