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Linguagem: representacao ou mediacao? Roxane Helena Rodrigues Rojo” Abstract “This paper contrasts different views about the relations between language and thought, wich ae fairly present in linguistic and psychological research and also classic in philosophical tradition, ‘One of them sees language as an expressive and communicative device linguistically embodying the ‘world representations tht shape thought. The other, assigns language an interpreting role that deter mines and mediates subject and world relations, O tema da relagdes entre Linguagem, Comunicagdo e Representagdo tem sido fonte de muitos debates na Lingiiistica em suas dreas afins, como a Psicologia e a Psicolingiifstica, por exemplo. A tradigAo aristotélica e, antes dela na Filosofia, 0 de- bate entre naturalistas € convencionalistas esto na base da visio da linguagem como representagao. Posigao mais que estabelecida historicamente, a partir dela vé-se a lingua como porta de acesso ao pensamento e ao mundo. No debate filos6fico entre convencionalistas e naturalistas, na Grécia antiga, o cardter de representagao da linguagem era central. Para Demécrito, representante dos convencionalistas, no ha harmo- nia pré-estabelecida entre os nomes (vojtoc) ¢ o mundo. Os nomes, cuja justeza é resultante de um acordo entre os homens, so assim vistos como fundantes. Para Herdclito, naturalista ou essencialista, as coisas da natureza (11s) tém uma esséncia que é capturada pelos nomes. As palavras so 0 justo reflexo dos objetos, traduzindo seu sentido essencial. A linguagem, assim, depende da natureza, H4 uma harmonia pré-estabelecida entre a linguagem e o mundo, + Pontificia Universidade Catélica de $80 Paulo (PUC-SP) ered: revista de estado lingisticos, Juiz de Fra, vo. a, 1p. 41-19 Romane Hela Rodrigues Rojo Plato, no didlogo Crdtilo ou da Exatidao das Palavras, encena esas duas teses em debate, por meio de dois personagens: 0 préprio Critilo, discipulo de Herdclito, defendendo a tese naturalista, em que os nomes siio mimesis ou reflexo do mundo; e Hermégenes, discipulo de Sécrates, mas que no dislogo adota a tese de Demécrito, convencionalista, para quem 0 individuo sente como justo o nome que resulta de uma convencdo ou acordo. Na conclusao do didlogo, Plato, na voz de Sécrates, enuncia teses intermediérias: tanto as coisas da natureza como a prépria linguagem mudam, est4o em constante movimento; + pode ser que, no inicio, os nomes exprimissem os sentidos das coisas; mas, com 0 movimento, esta expresso degenerou-se; 0s usos ‘obscureceram as relagGes; logo, tornaram-se necessarias convengdes; + portanto, os nomes so imitagdes imperfeitas das coisas; 0 nomotéta faz um trabalho imperfeito; + logo, a linguagem nao pode nos ensinar a realidade, mas impede- nos de ver a esséncia das coisas, de aprender as formas ideais. Arist6teles retoma esta discussao de Platdo, no Organon, estabelecendo a fungao da linguagem de traduzir 0 mundo, pois as estrutura da lingua sfo 0 reflexo da estrutura do mundo e, assim, aquela nos permite conhecer 0 mundo: + existe um mundo jé organizado que obedece a uma légica pré-existente; em relaco a este mundo primitivo, a linguagem é derivada, segunda; ela o traduz; ela € seu reflexo secundario; logo, a andlise da linguagem nos permite ter acesso a estrutura do mundo; conhecer. O debate convencionalistas/naturalistas e a posigdo aristotélica foram freqiientemente retomados ao longo da Idade Média e do Renascimento ¢ a querela nominalistas/realistas € um momento importante deste debate. No entanto, é preciso esperar 0 século XVII, com Descartes e com a Gramdtica Geral e Légica de Port-Royal, para ver nascer a nogio de “representacao” tal como a concebemos hoje. Neste movimento, 0 essencial da tese aristotélica é preservado: a lingua é segunda em relagao ao mundo. O que € primeiro, primitivo, si as capacidades de conhecimento humano. A lingua passa a ser um instrumento de “representagio” das capacidades humanas de conhecer 0 mundo Entre a lingua e o mundo aparece o “pensamento” como elo intermediario, capaz de “representacOes” e “operagdes”. As palavras e as frases refletem e traduzem (representam), no mais os objetos, mas Vero’ revise eatades Unloens, air de Foc, vl. 10904140 Linguagem:roresenagto ou mediagio? operagées gerais do espirito, comuns a todas as linguas, uma vez que sfio operagdes do “espirito humano” (gramatica universal) ‘Um esquema que indica aproximadamente as relagdes propostas na Grammaire Générale et Raisonnée de Port-Royal seria o da pagina seguinte, onde percebemos que a linguagem agora é duplamente secundéria: secundaria é sua gramatica (significagdes profundas e frases), em relagdo a referéncia (0 mundo e suas representaces ldgicas) ¢ + secundério é seu uso, ou o discurso, em relacdo a esta gramatica Surgem af, a um s6 tempo, as rafzes de um sujeito psicolégico, sujeito da razo e do logos, e a dupla fungao da linguagem de “expressar” ou “representar” o pensamento que, ele mesmo, por sua vez, representa o mundo. € de “expressando”, “comunicar” a outrem suas representacdes. Firma-se também a distingdio, que sera posteriormente consagrada por Saussure, entre alinguae seu uso social, varivel e miltiplo (o discurso, a fala, a comunicagao), Este € 0 universo filoséfico que sera depois reencontrado, infindaveis vezes, na Lingiifsticae na Psicologia. De Piaget a Saussure, ‘Chomsky e Hymes, a tiltima definigo € universalmente aceita: comunicar € usar a linguagem para expressar representagies l6gico-cognitivas, que sao elementos primitivos (a priori), transcendentes ou inatos, subjacentes & expressio e A comunicagio. Duplo dualismo: entre linguagem e 0 mundo representado (referéncia) e entre sujeitos (o falante, o ouvinte) ¢ a linguagem usada para expressio e, eventualmente, comunicacao. ‘objetos eventos sees |———>] —agbes J 1 [Psicolégico] [—representagGes dos | [proporigoes Togicas] ot objetos ¢ seres cowie conceitos Sone humano « significay6es profundas + frases (gramatica universal) (epresentagio) [Lingiiistico| : +0 Iéxico particular de L” _y « sintaxe particular de L? L L variagio usos da lingua ‘comunicagao entre os povos ‘social Veredas: revista de extaoslingstcos, Ju de For, vol. 1.2. 1p. 4-49

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