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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS SOCIAIS

FICHAMENTO DE RESUMO DO LIVRO: CORONELISMO, ENXADA E VOTO-


MUNICÍPIO E O REGIME REPRESENTATIVO NO BRASIL.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo,


enxada e voto: o município e o
regime representativo no Brasil. 7. ed.
São Paulo: Companhia das Letras,
2012. p. 19-41

Aluna: Mirella da Luz Parente Sampaio.


Fugindo da ótica vigente à época, Victor Nunes, em seu livro, publicado
em 1949, foi além das concepções empíricas atribuídas ao Coronelismo,
precipitando uma análise percuciente e inovadora, ao agregar um traçado
metodológico e plural - em ênfase, pelo então, recente, desenvolvimento das
Ciências Sociais. O sistema analisado pelo autor possui varias peculiaridades
temporal e regionais, mas, ainda assim, é notória a semelhança nos aspectos
essenciais de vários elementos disponíveis na documentações encontradas.
Segundo Victor Nunes, a emergência do coronelismo, transpassando
real origem de patente fornecida pela Guarda Nacional, se deu numa
conjuntura social e econômica inadequada, onde o poder privado, representado
por nossa estrutura agrária, tentava persistir diante de um regime político de
extensa base representativa, que recorria ao sufrágio amplo como estratégia
para angariar o eleitorado rural, imprescindível para o governo.
No seu trabalho, nota-se um esforço voltado para a complexidade das
relações existentes no interior do Brasil, onde o poder privado mantém uma
relação de dependência com o pode público. Desse cenário, nasce um
“compromisso” entre ambos os poderes citados e as variadas características
do “Coronelismo” que, segundo Victor Nunes, são: Mandonismo, filhotismo,
falseamento do voto, desorganização dos serviços públicos.
Na figura do “Coronel” podemos reunir as pessoas de “situação
privilegiada”, não só autênticos coronéis. Outrossim, a capacitação a “chefia”
estava intimamente relacionada a esse poderio de chefe municipal, a exemplo
da maioria de médicos e advogados da época.
Victor Nunes também aborda a cerca do absenteísmo, isto é,
ausência do feudo político que, não raramente, ocorria após a consolidação da
liderança e fortuna do chefe municipal, que desse modo, para fins partidários
ascendia em novas esferas como deputação estadual ou federal.
Os “coronéis” desempenhavam lideranças variadas, conciliando distintas
funções de instituições sociais, pois, ora intervia em questões jurídicas ora em
questões policiais - entre outras. Atribuições essas, exercidas tão de forma
arbitrária, quanto era os pré-requisitos para sua ascendência social, sustentada
por uma massa humana desamparada de dignidade mínima, que sobrevivia na
ausência de alfabetização, assistência médica e qualquer conforto primário.
Mas, ainda assim, personificava o patrão como benfeitor, mantendo uma “via
de consideração” deturpada, na qual surge o voto de cabresto.

É, dele, na verdade, que recebe os únicos favores que sua


obscura existência conhece. Em sua situação, seria ilusório
pretender que esse novo pária tivesse consciência do seu
direito a uma vida melhor e lutasse por ele com
independência cívica. O lógico é o que presenciamos: no
plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí
estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte,
da nossa organização econômica rural. (p. 23)

A fim de elucidar melhor o papel dos fazendeiros na liderança local,


recorreu-se ao recenseamento de 1940, que apresentou aspectos bastante
ilustrativos sobre a concentração de grandes propriedades, onde o café e a
recomposição de médias propriedades a serviço da pecuária tiveram papel de
destaque. O autor também referenciou os estudos de Caio Prado Jr. para
explicar o motivo pelo qual alguns lugares essa distribuição foi antagônica com
o cenário nacional. Destacando São Paulo como o estado de maior frequência
de pequenas propriedades devido a variados fatores, como: colonialismo
oficial, colonialismo particular, correntes migratórias, influencia dos centros
urbanos entre outros. Citando também outros estados- Espirito Santo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais, que também percorreram no mesmo aspecto
configurado, aqui, principalmente pelas correntes migratórias.

73,10% é a área total dos grandes proprietários (de 200 ha e


mais), que representam somente 7,80% do número total dos
proprietários. Reunidos, os médios e os grandes
proprietários representam pouco mais de um quarto dos
donos de terras e suas propriedades cobrem
quase nove décimos da área total dos estabelecimentos
agrícolas. (p.27)

Ainda de acordo com o censo de 1940, tínhamos uma população rural


de 2.8353.866 habitantes, mas, aproximadamente, apenas 476335 habitantes
produziam de forma satisfatória, pois dentro de uma projeção genérica esse
número, correspondia, também, às médias e grandes propriedades. A partir,
desses dados, Victor Nunes, remonta a existência mesquinha que suporta a
maioria dos habitantes da zona rural brasileira.
Em outra análise do censo de 1940, formulada a partir do trabalho do
Prof. Costa Pinto, Victor Nunes busca entender a composição das classes
rurais, discriminando a população ativa e, por assim fazer, revela uma enorme
desproporção de empregadores e empregados, que reforçava o voto de
cabresto, à medida que se estabelecia extrema dependência entre os
trabalhadores, médios e pequenos proprietários com relação aos grandes
proprietários.
Em face de um ambiente paupérrimo e diante da falta de espírito público
dos eleitores, cabia aos chefes locais o custeio e “incentivo” das eleições - tais
como o transporte, alimentação, roupas e entre outros. Ônus, esse, às vezes
reduzido pelo sistema de Bico de Pena. E essa reunião de esforços servia aos
interesses das esferas estaduais e federais, que em contrapartida, a depender
do prestígio e da liderança local, concedia “obséquios” ao município,
desbotando o conceito de cidadania e os direitos, à medida o desenvolvimento
local estava mercê de uma “cordialidade e afetividade” existente entre os
eleitores, “coronel” e outras instâncias do poder.

É neste capítulo que se manifesta o paternalismo, com a sua


recíproca: negar pão e água ao adversário. Para favorecer
os amigos, o chefe local resvala muitas vezes para a zona
confusa que medeia entre o legal e o ilícito, ou penetra em
cheio no domínio da delinquência, mas a solidariedade
partidária passa sobre todos os pecados uma esponja
regeneradora. A definitiva reabilitação virá com a vitória
eleitoral, porque, em política, no seu critério, “só há uma
vergonha: perder”. Por isso mesmo, o filhotismo tanto
contribui para desorganizar a administração municipal. (p.28)

É a partir dessas relações imparciais que emerge o filhotismo, onde o


chefe local precisava dispor para seus aliados de um arsenal de recursos, que
não raramente, iria aquém do âmbito legal. E do contrário, tratando-se de
oposição, precisava reunir esforços para impor entraves.

A outra face do filhotismo é o mandonismo, que se manifesta


na perseguição aos adversários: “para os amigos pão, para
os inimigos, pau”. (p.32)

De forma geral, na conjuntura dos interiores da época, de maioria rural,


cabia aos chefes locais o custeio e “incentivo” das eleições, sendo “pertinente”,
na visão dos roceiros, a obediência. Entretanto, no caminho inverso em 1945 e
1947, cita Victor Nunes, havia parte do eleitorado rural, que já experimentará
novas tecnologias, informações e maior contato com a vida urbana com
possibilidade de novos empregos, iniciando dessa forma certas “traições”
quanto a não dar retorno em voto, pois o temor da desassistência a partir da
entrada desses fatores tornara-se mais brando.
Na maioria das literaturas partidárias, “o coronel” era visto como alguém
que não possui ideário político, exercendo sua liderança apenas para servir o
oficialismo. No entanto, Victor Nunes ressalta que somente pelo desvelo do
chefe municipal haveria progresso do município e as realizações públicas
dependeriam, sim, do seu empenho e prestigio ou mesmo da contribuição dos
seus amigos. Sendo assim, pontua o autor: o “coronel” não deixava a desejar
se comparado a outros políticos das esferas mais largas, uma vez que estes
mesmos no inicio de suas carreiras, procederam da mesma forma “impura”;
configurando o não idealismo um problema imbricado na nossa estrutura social
e econômica.
O autor observa que nessa política municipal predominava uma “ética”:
os compromissos firmados giravam em torno de coisas concretas, e não por
princípios políticos. Assim, o chefe local poderá, a depender das suas
intenções, mudar facilmente de argumento no transcorrer de algumas eleições,
visando geralmente aderir ao governo, mantendo por perto o apoio estadual.

No esquema analítico do autor, imperava, na República Velha, um


sistema de reciprocidade, onde a base da escala política era os coronéis,
responsável por fazer a comunicação entre os partidos e o eleitorado rural.
Sobre essa prática, Victor Nunes perfaz o seguinte trecho:

É claro, portanto, que os dois aspectos - o prestígio próprio


dos “coronéis” e o prestígio de empréstimo que o poder
público lhes outorga - são mutuamente dependentes e
funcionam ao mesmo tempo como determinantes e
determinados. Sem a liderança do “coronel” firmada na
estrutura agrária do país – o governo não sentiria obrigado a
tratamento de reciprocidade e sem essa reciprocidade a
liderança do “coronel” ficaria sensivelmente diminuída. (p.34)

Uma das mais valiosas prestações do Estado, no acordo político entre


os chefes municipais, é a nomeação do delegado e subdelegado de policia,
capazes de conter a oposição, abrir espaço para uma nova corrente local e, o
mais frequente, consolidar o poder vigente com um mínimo de violência. Nesse
contexto, Victor Nunes recorre às palavras de Basílio de Magalhães para
caracterizar o funcionamento das disputas que havia dentro dos municípios,
sendo em sua maioria constituída pela busca de obter o privilégio de apoiar o
governo e nele se amparar.

[Quando nos surgem facções, de ordinário em acirrada


pugna umas com as outras, todas conclamam desde logo,
chocalhantemente, o mais incondicional apoio
ao situacionismo estadual]. (p.36)

O livro, também aborda sobre a frágil e relativa autonomia dos


municípios, decorrente desse sistema coronelista, uma vez que se tratava de
algo extralegal e dependente das “vista grossas” do Estado, que, em tese, seria
sempre consoante com a administração municipal em troca de apoio
incondicional aos candidatos do governo. Esse apoio era fornecido através de
“força aglutinadora” que induzia os votos do eleitorado, evitando conflitos de
interesses entre os variados chefes municipais.

A melhor prova de que o “coronelismo” é antes sintoma de


decadência do que manifestação de vitalidade dos senhores
rurais nós a temos neste fato: é do sacrifício da autonomia
municipal que ele se tem alimentado para sobreviver. (p.40)

Por fim, pode-se dizer que o livro do jurista e cientista político Victor
Nunes- Coronelismo, Enxada e Voto- trata-se de uma das principais
contribuições para o estudo da nossa história política, pois aborda com
objetividade um fenômeno da realidade brasileira e inaugura ao atribuir nova
interpretação ao “coronelismo”: discriminando a complexidade desse sistema,
em que “o coronel, operador dessa economia, é também um ser
profundamente político que interage com o Estado, servindo-o e dele se
servindo”.

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