Você está na página 1de 6
sonoroe Brasil 11.289 SOLUCAO AMISTOSA Comissao Interamericana de Direitos Humanos Organizac&o dos Estados Americanos english espafiol francais ortuguas: AICO PUBLICACOES qusca Ligacdes, RELATORIO N° 95/03 CASO 11.289 SOLUGAO AMISTOSA JOSE PEREIRA BRASIL 24 de outubro de 2003 I. RESUMO 1 Em 16 de dezembro de 1994, as organizacdes nao governamentais Américas Watch e Centro pela Justica e o Direito Internacional (CEJIL) apresentaram uma peticio & Comisséo Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Comissio” ou “Comissao Interamericana”), contra a Republica Federativa do Brasil (doravante denominada “Estado”, “Brasil”, ou “Estado brasileiro”), na qual alegaram fatos relacionados com uma situac&o de trabalho “escravo", e violacao do direito & vida e direito a justica na zona sul do Estado de Pard. Com base nos fatos denunciados, as peticiondrias aduziram que o Brasil violou 08 artigos I (direito vida, a liberdade, & seguranga e integridade pessoal), XIV (direito ao trabalho e a uma justa remuneracéo) e XXV (direito & protec contra a detencao arbitréria) da Declaragio Americana sobre Direitos e Obrigagdes do Homem (doravante denominada a Deciaragio); e 0s artigos 6 (proibicao de escravidao e servidéo); 8 (garantias judicials) e 25 (protecao Judicial), em conjungao com o artigo 1(1), da Convencao Americana sobre Direitos Humanos (doravante denominada a Convencio). 2 As peticiondrias alegaram que José Pereira foi gravemente ferido, e que outro trabalhador rural foi morto quando ambos tentaram escapar, em 1989, da Fazenda “Espirito Santo”, onde tinham sido atraidos com falsas promessas sobre condicées de trabalho, € terminaram sendo submetidos a trabalhos forcados, sem liberdade para sair e sob condicées desumanas e ilegais, situac3o que sofreram juntamente com 60 outros trabalhadores dessa fazenda. As peticionarias advogam que os fatos denunciados constituem um exemplo da falta de protecao e garantias do Estado brasileiro, ao ndo responder adequadamente as deniincias sobre essas praticas que, segundo elas, eram comuns nessa regido, e permitir de fato sua persisténcia. As peticionarias também alegaram desinteresse e ineficdcia nas investigacoes e nos processos referentes aos assassinos e os responsdveis pela exploracao trabalhista. 3 Em 18 de setembro, as peticiondrias e 0 Estado assinaram um acordo de solug3o amistosa, no qual o Estado reconheceu a responsabilidade internacional e estabeleceu uma série de compromissos relacionados com o julgamento e punicao dos responsaveis, medidas pecunidrias de reparacéo, medidas de prevencéo, modificacdes legislativas, medidas de fiscalizacio e punico ao trabalho escravo, e medidas de conscientizagéo contra o trabalho escravo. 4. No presente relatério de solucao amistosa, e conforme o estipulado no artigo 49 da Convengao € 0 artigo 41(5) do Regulamento da Comissao, a CIDH apresenta um resumo dos fatos alegados pelas peticionérias, indica a solugo amistosa alcancada e decide sobre a publicagao do presente relatério. i. TRAMITE PERANTE A COMISSAO 5. A dentincia foi recebida pela Comisso em 22 de fevereiro de 1994 e encaminhada em 24 de marco do mesmo ano ao Estado, que respondeu em 6 de dezembro de hitpsctdh.03s.orglannualrep(2003portfrasil11289.him sonoroe Brasil 11.289 SOLUCAO AMISTOSA 1994, alegando que os recursos da jurisdic&o interna n&o haviam sido esgotados. Ambas partes apresentaram informacao adicional em diversas oportunidades. 6. No marco de uma visita in loco realizada pela CIDH ao Brasil, em novembro de 1995, uma delegaco da Comissao recorreu a zona de Xinguara e a cidade de Belém, acompanhada por representantes dos Ministérios de Justica e de Relagdes Exteriores brasileiros, Nessa oportunidade, receberam depoimentos de advogados, defensores de direitos humanos, trabalhadores rurais, promotores de justica, juizes locais, do Tribunal de Justica Estadual e do representante do Ministério Publico Federal a respeito de trabalhadores em condigdes andlogas & escravidao em geral e sobre este caso em particular. 7. A CIDH convocou varias audiéncias e reunides de trabalho sobre o presente caso, que foram celebradas em distintas oportunidades na sede da Comissao. 8 Em 24 de fevereiro de 1999, @ Comissdo aprovou um relatério tanto sobre 2 admissibilidade como sobre o mérito do presente caso. Nessa oportunidade, a Comissio declarou © caso admissivel e, quanto ao mérito, concluiu que o Estado brasileiro era responsavel por violagées & Declaragdéo Americana sobre os Deveres e Direitos do Homem, e a Convencao ‘Americana sobre Direitos Humanos. Neste relatério, a Comissio efetuou as recomendacées pertinentes ao Estado. 9. Em 24 de marco de 1999, o mencionado relatério foi enviado ao Estado, com um prazo de dois meses para que este cumprisse com as respectivas recomendagées formuladas pela CIDH. Posteriormente, a Comisséo impulsionou 0 inicio de um proceso de solucdo amistosa, no qual ambas partes proporcionaram informacio adicional, e foram celebradas reunides de trabalho e audiéncias perente a CIDH, sendo que a Ultima delas foi realizada em 27 de fevereiro de 2003, durante o 117° periodo ordinario de sessdes da Comissao. 10, Em 14 de outubro de 2003, foi celebrada uma nova reunido de trabalho, durante © 118° periodo ordindrio de sessées da Comisséo, na qual as partes apresentaram formalmente & Comisséo 0 acordo de solugéo amistosa que haviam assinado em Brasilia, no dia 18 de setembro de 2003. I. OS FATOS 11. Em sua dentincia de fevereiro de 1994, as peticiondrias alegaram que o Estado Brasileiro violou suas obrigacées, 8 luz da Convencao Americana sobre Direitos Humanos e da Declaracao, com relacdo as pessoas sob sua jurisdic3o que sofrem condicées andlogas & escravidio impostas por outras pessoas, e a0 permitir a persisténcia dessa prética por ‘omisséo ou cumplicidade, As peticiondrias referiram-se de modo especifico ao caso do adolescente José Pereira, vitima dessa pratica na Fazenda Espirito Santo, localizada no sul do Estado do Pard. 12. As peticionérias informaram que, em setembro de 1989, a vitima que tinha ento 17 anos de idade, e outros 60 trabalhadores foram retidos contra sua vontade e forgados a trabalhar sem remuneracdo e em condigdes desumanas ¢ ilegais. Ao tentar escapar da fazenda, o adolescente Pereira e outro trabalhador foram atacados com disparos de fusil pelo contratista e seus ajudantes armados, como represdlia por sua fuga. Assinalaram que José Pereira foi atingido pelos disparos mas sobreviveu milagrosamente, pois seus agressores pensaram que estava morto, Alegaram que o outro trabalhador que o acompanhava, apenas conhecido pelo apelido de “Parana”, foi morto pelos disparos. Seus corpos foram levados em uma caminhonete “pick-up” pelos assassinos e deixados num terreno. Pereira conseguiu chegar a uma fazenda préxima e foi socorrido, possibilitando entao apresentar sua dentincia. Advogaram que o caso é ilustrativo de uma pratica mais geral de trabalho “escravo” e da falta de garantias judiciais e de seguranca no trabalho, que fazem que esta pratica continue existindo. 13. As peticionarias alegaram que 0 caso de José Pereira e seus companheiros ndo & um caso isolado; e que no biénio 1992-93, anos imediatamente anteriores & dentincia, a Comisséo Pastoral da Terra (CPT), organizacéo de direitos humanos da Igreja Catélica, registrou 37 casos de fazendas onde imperava o trabalho em condigées de escraviddo, que afetavam 31.426 trabalhadores. 14. Com relago ao fenémeno em geral, mencionaram que estas condigdes de trabalho afetam geralmente os trabalhadores agricolas sazonais, recrutados através de hitpsetdh. 03s orglannualrep(2003portfrasil11289.him sonoroe Brasil 11.289 SOLUCAO AMISTOSA promessas fraudulentas, transportados para fazendas distantes de seu lugar de residéncia, retidos contra sua vontade mediante violéncia e endividamento e obrigados a trabalhar em condigdes desumanas. Muitos destes trabalhadores séo agricultores pobres e analfabetos ou “sem terra”, provenientes dos Estados do Nordeste do Brasil, onde as possibilidades de trabalho so minimas. 15. As peticiondrias alegaram que os métodos utilizados para privar-Ihes efetivamente de sua liberdade sao a violéncia pura e simples, mediante um esquema de endividamento que é uma verdadera armadilha. Depois que chegam & fazenda se do conta que as promessas feitas quando foram contratados, baseadas num preco acordado por hectare trabalhado, sao falsas visto que o trabalho em geral é muito mais duro que o antecipado. Além disso, a0 chegarem & fazenda séo infomados que devem dinheiro & fazenda pelos gastos de transporte, comida e habitagao, tanto durante a viagem quanto no seu lugar de trabalho, Quando descobrem que foram enganados, jé é tarde, pois néo podem deixar a fazenda nem deixar de trabalhar, até que paguem suas “dividas”, e séo ameacados de morte se tentarem escapar. Em alguns casos, devem trabalhar sob a mira de pistoleiros armados que os vigiam. As fazendas esto distantes de qualquer tipo de transporte, o que torna muito dificil fugir delas. 16. As peticiondrias indicaram que tais praticas, que caem sob a jurisdicéo da Policia Federal quando os trabalhadores séo mobilizados entre fronteiras interestaduais, estao proscritas pela legislaco brasileira. Além das leis trabalhistas que estabelecem saldrio e condigées minimas de trabalho, existem leis que proibem especificamente o trabalho em condigées andlogas a escravidao, e determinam como crime para aquele que o promove ou efetua. Contudo, alegaram que até esta data da deniincia ninguém no Estado de Pard tinha sido processado e condenado nem por este caso em particular nem pelos outros muitos que existiam e tinham sido denunciados. 17. As peticionérias também alegaram a cumplicidade de agentes do Estado do Para, dado que, em alguns casos, policiais estaduais prendem e devolvem para a fazenda os trabalhadores que conseguem escapar; ou em outros casos, a policia faz “vista gorda” e finge go ver quando os vigilantes privados tentam deter os trabalhadores fugitivos, Por outra parte, nem as autoridades de supervisio do Ministério de Trabalho nem a Policia Federal tomam as medidas necessérias para prevenir, impedir ou reprimir adequadamente esta situacdo. 18. As peticionérias denunciaram a impunidade e cumplicidade do Estado, visto que apesar de estar aumentando nessa época as situagdes de trabalho escravo e as correspondentes deniincias, nenhum agente de contrataco, capataz ou proprietério de fazendas foi condenado apesar da violéncia extrema que caracterizou essas violacdes. Alegaram que era muito comum que os trabalhadores que tentavam escapar fossem assassinados ou agredidos, e citaram varios exemplos. 19. ‘As peticiondrias afirmaram que a Policia Federal no tinha investigado as dentincias feitas desde 1987 a respeito da Fazenda Espirito Santo, mas finalmente entrevistou José Pereira na capital do Estado, Belém do Paré, varios dias depois da execucéo, em setembro de 1989. Entretanto, a policia federal foi a fazenda para investigar os fatos um més depois do ocorrido somente devido & insisténcia de ativistas de direitos humanos junto 20 governo central em Brasilia 20. As peticiondrais afirmaram que deram-se inicio as investigacbes, mas até a data da deniincia, em fevereiro de 1994, transcorridos mais de quatro anos dos fatos, as duas investigagées da Policia Federal somente tinham sido levadas pelo Procurador perante o juiz para instaurar aco penal correspondente. Em 26 de maio de 1996, as peticionérias assinalaram que além da continua ineficdcia dos recursos internos, as provas do caso estavam deteriorando tendo em vista o transcurso de seis anos do ocorrido sem que fosse conclufdo 0 proceso penal, que levava dois anos e meio na sede judicial, além dos quatro anos anteriores de investigacao e instrugao. 21. _ As peticiondrias informaram que em 7 de outubro de 1998 0 Ministério Publico fez a dentincia contra cinco pessoas: Francisco de Assis Alencar, Augusto Pereira Alves, José Gémez de Melo e Carlos de Tal ("Carlao”) pelos crimes de tentativa de homicidio e redugéo a condicao andloga a escravo e contra Arthur Benedito Costa Machado por reducdo 8 condicao andloga a escravo. Indicaram que houve excessiva demora, visto que 0 caso esteve em etapa de instrucéo por quatro anos até 1993, e as alegacées finais somente foram hitpsctdh.03s.orglannualrep(2003portfrasil11289.him

Você também pode gostar