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A TEORIA GERACIONAL DE KAREL VASAK (1979).

A teoria das gerações foi desenvolvida por Karel VASAK por meio de (i) um
texto publicado em 1977, bem como (ii) por uma palestra proferida em 1979. Tal
palestra fruto de uma Conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de
Estrasburgo (França) – 1979: "Pelos Direitos Humanos da Terceiração Geração: os
direitos de solidariedade".

Neles (texto e palestra retromencionados), estabeleceu-se, em breve síntese, a


teoria das gerações, que redunda numa relação entre direitos e o lema da revolução
francesa: liberté, egalité et fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade). É o que
vemos por este fluxograma:

A primeira geração seria os direitos de liberdade, individuais, civis e políticos.


Ou seja, um direito vocacionado às prestações negativas, abstendo-se o Estado (dever de
proteger a esfera de autonomia do indivíduo). É possível também um papel ativo desses
mesmos direitos, como lembra André de Carvalho RAMOS, "pois há de se exigir ações
do estado para garantia da segurança pública, administração da justiça, entre outras".

Por conseguinte, a segunda geração consiste nos direitos voltados à igualdade


(econômicos, sociais e culturais - próprios de um vigoroso papel ativo do Estado).
Nestes, podemos identificar duas espécies, com base na doutrina de André de Carvalho
RAMOS, assim: (i) direitos sociais essencialmente prestacionais, bem conhecidos por
todos (ex.: pedido de medicamentos a favor de um necessitado), e (ii) os direitos
sociais de abstenção (ou de defesa), com os quais o Estado deve se abster de interferir
de modo indevido (ex.: liberdade de associação sindical; direito de greve...).
E, para ficar claro, a terceira geração trata dos direitos de titularidade da
comunidade (direitos de solidariedade/fraternidade). Exemplo singelo é o meio
ambiente, na famosa indagação de Mauro CAPPELLETTI: "A quem pertence a
titularidade do ar que eu respiro?".

2. O COMEÇO DA CRIAÇÃO: QUARTA, QUINTA, SEXTA, SÉTIMA E


OITAVA. E A NONA?

Superada as considerações iniciais a respeito da teoria geracional, cabe apontar


que alguns doutrinadores começam a inovar, teoricamente, na ordem jurídica a respeito
da teoria geracional, criando abruptamente mais e mais "gerações" (ou melhor: espécies
de direitos), sem que, pelo menos, existisse um novo gênero geracional capaz de
abarcar esses "novos" direitos geracionais, os quais, na verdade, continuam
sendo espécies das três gerações de Karel VASAK.

A começar com a quarta geração (concebida no século XX), resultado da


globalização dos direitos humanos (o universalismo), cuja qual fora criada por Paulo
BONAVIDES. Para o teórico, alguns motivos evidenciam a exigência de se criar
uma quarta geração, como, por exemplo: o direito de participação democrática
(democracia direta), o direito ao pluralismo, o direito à bioética e aos limites da
manipulação genética. Ou seja, fundados na defesa da dignidade da pessoa humana
contra intervenções abusivas de particulares ou do Estado.

Nessa linha, não é descomedido sustentar que seriam - todos esses exemplos da
"quarta geração" - inclusos e provenientes da terceira geração, eis que qualquer
instituto voltado à sociedade deve prestar sua função para com a
solidariedade/fraternidade, numa perspectiva, de certa maneira, de "função social",
estando eles, portanto, inseridos na terceira geração, e não como motivo inusitado/novo
para a criação de uma extraordinária quarta geração.

Para tanto, se um instituto não se classifica como de primeira nem como


de segunda geração, olha-se para ele com um viés social/fraternal, em prol da
sociedade (digo: em um viés coletivo), porque são direitos de ordem pública, a toda
coletividade importa, da qual ninguém pode se titularizar como único
possuidor/proprietário/detentor, quiçá hipótese de domínio. Não por outro motivo, esse
fundamento corresponde à terceira geração (fraternidade).

Por conseguinte, Paulo BONAVIDES ainda insiste numa quinta geração,


composta pelo direito à paz em toda a humanidade (classificada por Karel
VASAK como sendo de terceira geração, salienta Paulo BONAVIDES, em seu Curso
de direito constitucional).

Sem aprofundamentos, percebe-se, a bem dizer, o atrelamento intrínseco que há


entre o direito à paz e a terceira geração. O mais curioso é que Paulo BONAVIDES, o
próprio criador da quinta geração, confessa o seu recrudescimento à criação, mormente
quando diz que a quinta pertence ao gênero da terceira geração (lembrando Karel
VASAK). Mais uma vez tenho dúvidas da viabilidade/usabilidade de se
singularizar a espécie de seu gênero, como se gênero fosse.

Continuando, a sexta geração os teóricos a colocam como direitos


relacionados à bioética. Mas cabe salientar que Paulo BONAVIDES já à inseria no
campo da quarta geração de direitos, defendendo a participação democrática, o direito
ao pluralismo, bioética, limites à manipulação genética, como tratado alhures; isto é,
tudo fundado na defesa da dignidade da pessoa humana contra intervenções abusivas de
particulares ou do Estado (explica: André de Carvalho RAMOS).

Adentram à temática da sexta geração, ainda, os defensores da água potável. E


por mais que seja considerada como pertencente à terceira geração/dimensão, esses
respeitosos teóricos, não satisfeitos por considerá-la de terceira dimensão, acrescentam-
na como espécie de direito capaz de gerar a sexta geração/dimensão, sob o fundamento
de que o direito à água potável está destacado e alçado a um plano justificador de
nascimento como nova dimensão de direitos (mais sobre: Zulmar FACHIN; Deise
Marcelino SILVA).

É inevitável a caracterização do direito à água potável, doravante por ser


considerada como essencial à vida; contudo, isso já se sabe e está protegido, com base
na terceira geração/dimensão.

Quer-se dizer com isso: qual a finalidade de se criar


uma nova dimensão/geração para um direito que já pode ser incluído em uma das
gerações/dimensões? Mais vale a sua constatação como um direito do que classificá-lo
como uma "nova geração de direitos".

Seria até mesmo um excesso de minúcia - ou mesmo impossível de se pensar


em um rol exaustivo de direitos fundamentais e/ou humanos - toda e qualquer norma
jurídica elencar "as gerações/dimensões dos direitos humanos e suas espécies",
ante patente premissa doutrinária existente de abertura do rol de direitos humanos no
âmbito internacional, marcada e presente no Brasil pelo princípio da não
exaustividade (art. 5º, §2º, da Constituição de 1988), até mesmo porque:

Uma sociedade pautada na defesa de direitos (sociedade inclusiva) tem várias


consequências. A primeira é o reconhecimento de que o primeiro direito de todo
indivíduo é o direito a ter direitos. Arendt e, no Brasil, Lafer sustentam que o
primeiro direito humano, do qual derivam todos os demais, é o direito a ter
direitos (LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o
pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Cia. das Letras, 1988).
Visualiza-se mais uma vez a preocupação com o excesso de minúcias. Deveras
próprio de um país vocacionado aos princípios da civil law (tradição jurídica oriunda do
sistema romano-germânico), burocrático e diretrizado em especificações legislativas
altas (próprio de um Estado liberal), de modo que, para esta
ideologia neoliberal, entende-se, o que não está na lei não é passivo de cumprimento.

Porém, esquecem-se que de civil law o Brasil, hoje, pouco tem a oferecer. Não
por outro motivo, fala-se de uma tradição jurídica brazilian law, constatando-se ser
a tradição jurídica brasileira singular e bem peculiar do que as demais pertencentes
a outros países estrangeiros.

A sétima geração de direitos humanos seria o direito à impunidade do


investigado/indiciado/réu/apenado.

Confesso que fiquei intrigado para saber os pormenores desta corrente [1].
Defende ela que (i) a lentidão do Judiciário e (ii) as penas brandas são causas
justificadoras para uma geração de direitos:

Aqui apresentamos a sociedade jurídica brasileira um moderno direito de sétima


geração ou sétima maravilha do mundo: Direito a Impunidade.

Do ponto de vista léxico, impunidade significa aquilo que não foi punido, que
escapou ao castigo.

Segundo conceito Wikipediano, do ponto de vista subjetivo, a impunidade consiste


na sensação compartilhada entre os membros de uma sociedade no sentido de que a
punição de infratores é rara e/ou insuficiente. Disso deriva uma cultura marcada pela
ausência de punição ou pela displicência na aplicação de penas. Nessa “definição”,
podem ser incluídos casos que não se enquadram no aspecto técnico acima descrito:

 Lentidão excessiva no julgamento, que oferece ao suspeito mais liberdade do


que "mereceria";

 Penas mais brandas do que as esperadas pela sociedade ou parte dela.

Pode-se afirmar que o incremento da impunidade em nosso meio é multicausal.

Algumas causas merecem citação: escassez na matemática logística do sistema de


defesa e controle social, parcos recursos humanos, a morosidade na prestação de justiça
efetiva, a fragilidade legislativa, o grande rol de benefícios processuais aos acusados em
geral, como liberdade provisória, transação penal, conciliação penal, sursis, suspensão
processual, livramento processual, saída temporária, delação premiada, detração penal,
remição penal, inclusive pelo estudo, Lei 12.433/2011, indulto, anistia, perdão judicial,
prisão como extrema ratio da ultima ratio, tudo isso em detrimento social, a ausência de
espírito comunitário de grande parte dos agentes públicos e o comportamento extremista
de pseudo-operadores do direito levam a concretização do direito a IMPUNIDADE.

Nos dias atuais o delinquente tem certeza que em praticando qualquer lesão social
o seu direito a impunidade será assegurado, com todos os recursos a ele inerentes. A
prisão requer tempo para conclusão do processo. O cidadão em conflito com a lei possui
uma indústria de liberdade provisória a seu favor, agora com maior incidência em
função da vigência das chamadas medidas cautelares introduzidas pela Lei 12.403/11,
um modelo previsto no artigo 197 do Código de Portugal, e que alguém pensou um dia
que serviria para o Brasil. E quando aparece alguém para quebrar o sistema ou rede de
impunidade, ele é expurgado a todo custo e assazmente criticado nos corredores da
injustiça.
O mais preocupante é que a corrente da sétima geração, que sustenta esse
posicionamento, e ao que nos parece, posiciona-se contra garantismos penais
e processuais, enfim, se contradiz à própria sistemática da matéria de Direitos Humanos,
a qual não se compatibiliza com um tendencioso direito à impunidade, e sim o
impede (RAMOS, 2014, p. 324 e 327):

O preâmbulo do Estatuto de Roma realça o vínculo entre o direito penal e a


proteção de direi humanos por meio do combate à impunidade e, consequentemente,
evitando novas violações. No preâmbulo, estabeleceu-se que é dever de cada Estado
exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais,
pois crimes de tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar
da humanidade.

O art. 20, § 3º, do Estatuto chega ao ponto de esclarecer que o TPI não julgará de
novo o criminoso, salvo se o processo criminal nacional tiver sido feito para obtenção
da impunidade.
É notável como a seara internacional combate vigorosamente o direito à
impunidade; ao passo que, por sua vez, se defende o direito à verdade, o direito à
justiça das vítimas.

O caso de maior repercussão, ainda hoje, é no tocante à Lei de


Anistia, porquanto não haver convencionalidade entre o Supremo Tribunal Federal e a
Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Supremo entende a Lei de Anistia como
sendo constitucional (fundamentação com base no ordenamento jurídico interno); já,
para a Corte, consagra-se a Lei de Anistia inválida, porquanto violadora dos arts. 8º e 25
da Convenção Americana de Direitos Humanos (com fulcro no sistema regional de
direitos internacionais). Mais sobre o posicionamento da Corte (RAMOS, 2014, p.
312, 313 e 315):

Caso Barrios Altos vs. Peru (sentença de 14-3-2001). Este caso faz referência a um
massacre ocorrido em Lima, inserido nas práticas estatais de extermínio conduzido pelo
Exército peruano de Fujimori. As leis de anistia que impediram a responsabilização
criminal dos indivíduos ligados ao massacre foram consideradas pela CtIDH
incompatíveis com as garantias outorgadas pelos arts. 8º e 25 da CADH. Este caso é
paradigmático por estabelecer a invalidade das leis de anistia de medidas que impliquem
a impunidade de agentes responsáveis por graves violações de Direitos Humanos (ver
também sobre esse tema os comentários aos casos Almonacid – Chile e Gomes Lund-
Brasil).

• Caso Almonacid Arellano y otros vs. Chile (sentença de 26-9-2006)

A Corte decidiu pela incompatibilidade entre uma lei de anistia e o Pacto de


San José da Costa Rica, condenando o Chile pela ausência de investigação e persecução
criminal dos responsáveis pela execução extrajudicial do Sr. Almonacid Arellano,
durante a ditadura de Pinochet. Diferentemente do que ocorrera no Peru (Barrios Alto,
conforme estudado acima), contudo, no Chile já tinha sido estabelecida uma Comissão
da Verdade e outorgada reparação material e simbólica, dos quais os familiares de Sr.
Almonacid Arellano se beneficiaram. Mesmo assim, a Corte determinou o cumprimento
da obrigação de investigação, persecução e punição criminal e dos violadores bárbaros
de direitos humanos, não sendo aceitável anistia a um grave crime contra a humanidade.
O Chile foi condenado então, pela violação do direito à justiça das vítimas, graças a
uma interpretação ampla dos arts. 8º e 25, em relação aos arts. 1.1 e 2º da Convenção.
Podemos verificar, finalmente, que a intenção dos defensores da sétima
geração tenha sido mais a de alertar o leitor sobre o fenômeno da impunidade, presente
no nosso sistema penal e processual brasileiro, do que propriamente levar-nos a alçar a
problemática (impunidade) a um gênero de direito.

E, agora, a oitava geração: o direito à segurança pública.

A oitava geração, como as outras, é nada mais que uma nova espécie (sem um
porquê de existir única e exclusivamente isolada). Longe está, a segurança pública, de
não pertencer à teoria geracional de Karel VASAK, seja na primeira, segunda ou
terceira. Não é incomum. Até mesmo porque, determinado direito, por vezes, pode estar
sujeito a mais de uma categoria jurídica, tudo a depender da finalidade a que se quer dar
aquele direito (objeto da interpretação/categorização).

Sucede que esses dois pontos.


Um: o criacionismo geracional brazilian.
Outro: a teoria geracional.
Ambos sofrem críticas.

Resumindo-os (RAMOS, 2014, p. 70):


a) substitui uma geração por outra;
b) a enumeração de gerações gera a ideia de antiguidade ou posteridade dos direitos;
c) os direitos são apresentados de forma fragmentada, ofendendo a indivisibilidade dos
direitos humanos;
d) dificulta as novas interpretações sobre o conteúdo dos direitos.

A título de curiosidade e pondo um ponto final a este segundo subtema do


presente artigo, no campo jurídico-jurisprudencial brasileiro, o Supremo Tribunal
Federal vem adotando, pelo menos é o que aparenta, com base na decisão infra, a
corrente geracional "clássica" de Karel VASAK (primeira, segunda e terceira
gerações/dimensões):

“os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem


as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e
os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se
identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da
igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade
coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio
da solidariedade e constituem um momento importante no processo de
desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,
enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial
inexauribilidade” (STF, MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-
1995).

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