O documento resume um livro de contos de Noll chamado "A máquina de ser". Apresenta os principais temas do livro como a exploração da condição humana vazia e passageira através de narrativas que comparam os homens a máquinas de filmar. Também discute a apropriação do ponto de vista feminino nos contos e como as vozes masculinas descrevem o universo masculino com mais detalhes.
O documento resume um livro de contos de Noll chamado "A máquina de ser". Apresenta os principais temas do livro como a exploração da condição humana vazia e passageira através de narrativas que comparam os homens a máquinas de filmar. Também discute a apropriação do ponto de vista feminino nos contos e como as vozes masculinas descrevem o universo masculino com mais detalhes.
O documento resume um livro de contos de Noll chamado "A máquina de ser". Apresenta os principais temas do livro como a exploração da condição humana vazia e passageira através de narrativas que comparam os homens a máquinas de filmar. Também discute a apropriação do ponto de vista feminino nos contos e como as vozes masculinas descrevem o universo masculino com mais detalhes.
O livro é composto de 24 contos, um número de valor simbólico em país onde o
hábito de depositar a fé no jogo do bicho leva à casa do veado. Veado, imagem tomada de empréstimo para traçar um paralelo grosseiro entre o comportamento do animal do mato e do homem que se afeta por outro homem. Pode sim, ser uma referência residente aos olhos de quem quer ver o que o texto não permite. Fato é que a obra de Noll tem sido lida por críticos que se lançam sobre a homoafetividade na literatura. Mesmo se tomada apenas “A máquina de ser” posso trazer à tona este aspecto, mas não é meu interesse, pois me interessa muito mais os corpos desabitados. Antes de seguir adiante e demonstrar como esta máquina de ser perfura todo o livro, acho interessante chamar a atenção para a variedade de narradores de seus contos. São eles homens e mulheres, personagens ou não das histórias contadas, ou, em alguns casos, as duas coisas ao mesmo tempo. É válido notar, e apenas faço uma observação em relação ao fato, que as narrativas que recebem a voz de uma mulher são afetadas pelo esteriótipo da sintaxe feminina, o que levaria a uma polêmica sobre o fato do homem ter propriedade sobre o universo da mulher, a ponto de s colocar como sua consciência. Para não deixar solta esta observação, vou exemplificar o que estou dizendo. No conto Marabá, a narradora é uma mulher, que inicia a sua história relembrando fatos ocorridos na infância. Entre eles, o de ver seu pai chegar em casa, trocar de roupa, ser atendido pela mãe, que o conduz à cama. Não há na narrativa nenhuma indignação na voz da narradora afetada pela submissão dela e da mãe. Em outro autor poderíamos não dar atenção ao fato, pois assim, as muitas vozes femininas ainda se colocam e são colocadas. Porém, há de fato uma atrofia da consciência dessa narradora, quando colocada ao lado das vozes masculinas. Essas vozes masculinas descrevem com afetação o universo dos homens. Todos os fatos são perturbados pelas minúcias deste universo. No conto “Monges”, por exemplo, o narrador, um homem que fala em primeira pessoa, descreve o instante em que sentado na praça de alimentação, “olhava cada coisa como se nada fosse apenas um detalhe” (p. 85), a ponto de, em certo momento... diz o narrador: “abaixei a cabeça e descobri uma ereção por baixo de minha calça em tom gelo, tecido a sofrer também de alvura. Eu tinha entrado no shopping vestido de calça bem grafite. Senti que aquele instante imenso ainda prosseguia, que ia indo tão longe, e tanto e tanto, que a minha braguilha deu um soluço formando uma flor úmida na sua superfície” (p. 86). Ou seja, no trecho citado percebo como é capaz de se apropriar de detalhes. Detalhes que não é capaz de perceber quando toma emprestado a consciência de uma mulher para dar matéria às suas histórias. E isso não é um posicionamento político de minha parte, o de achar que o homem não é capaz de ser mulher quando bem quer, Mia Couto faz isso muito bem. Me demorei nesse aspecto por achar que é o único ponto fraco de seu livro de contos. Noll é surpreendente. Essa foi a primeira vez que me deparei com um de seus livros. Um livro de contos, que poderia até ser um romance, posto que é tomado pela unidade temática. Como se, e aí vou chegando próximo ao que propõe o título do livro, o homem fosse uma máquina vazia, habitada ocasionalmente e ocasionalmente esvaziada, em contato com o mundo por intermédio de uma lente. Suas personagens são vigiadas pelo narrador, que é uma câmera, que faz cortes, panorâmicas, seleciona os espaços e encurta as passagens de um cenário a outro. Mas as personagens são também vazias, melhor, são temporárias, efêmeras. É impressionante a quantidade de corpos mortos nesses seus contos. Não raro um homem acorda ao lado de um corpo sem vida. E, não raro, esse corpo sem vida é deixado em cima de uma cama, enquanto o narrador personagem perambula pela cidade. No primeiro conto, “No dorso das horas”, Noll confunde vida e espetáculo, as lentes das câmeras e dos olhos. Palavras e expressões descontextualizadas já conduzem a este caminho. São exemplos delas: imagem, documentário, iluminação especial, a câmera focava, a câmera me seguisse, aparato de som, filmagens e etc. Vamos ao conto: O que vemos é uma cena - não tem como escapar dessas expressões - onde o homem descreve como fora conduzido a atuar dentro de uma casa desconhecida, sob o comando de um diretor, vazio de suas preferências ou de sua consciência e surpreendido pelo enlace amoroso com a própria filha, médica. O que isso seria? Uma projeção erótica com uma psiquiatra, a fuga para uma situação forjada depois do pai ter violentado sua filha? São muitas as possibilidades. Noll dirige a narrativa, mas não completa os seus sentidos. Faz isso por intermédio do leitor. Percebo que este primeiro conto coaduna todas os outros. Traz a ideia do homem-câmera, um homem-máquina. Vazio, guiado por uma voz externa, confuso, passageiro. Traz o desconforto gerado pela relação pai e filha, mais na frente pelo vivo-morto; sonho-realidade; tempo-espaço etc. É importante destacar que essa alusão à câmera, ao homem-máquina, toma de empréstimo os dados da realidade: a dos meios de comunicação - do cinema, da televisão - porém, toma de empréstimo muito mais a realidade que nos alcança como homens contemporâneos, vazios de sentido, homens sem tempo, sem espaço. Homens oníricos. O paralelo entre o formato de suas narrativas e os sonhos é inevitável. Primeiro porque os contos, e isso é próprio dos contos, condessam uma história estendida, em poucas linhas. No caso de Noll, esse efeito de condensação é ampliado porque o fluxo de pensamento passa imediatamente a ser ação.