Você está na página 1de 9

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO

CAMPUS UNIVERSITÁRIO JANE VANINI


DEPARTAMENTO DE CIENCIAS SOCIAIS E APLICADAS
BACHARELADO EM DIREITO

DIÓGENES SANCHES BATISTA

ANÁLISE DA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA REFERENTE A ADC19/DF


SEGUNDO DURKHEIM

Cáceres, MT
Março de 2019.
Introdução

O trabalho a seguir foi proposto pelo professor da disciplina de sociologia a turma do


segundo semestre do curso de direito. E tem como objeto que os docentes realizem
uma analise sociológica sobre a ação declaratória de constitucionalidade 19, ação
essa que analisa a validade constitucional dos artigos 1º, 33 e 41 da lei nº 11.340 de
2006, comumente conhecida como Lei Maria da Penha.

A análise deve então ser elaborada baseando-se no método sociológico de


Durkheim, por consequência esse trabalho será dotado de três etapas principais em
seu desenvolvimento. Inicialmente a apresentação do contexto histórico visto que
para se compreender a necessidade de discussão do tema é de suma importância
abranger ainda que superficialmente os fatores que a incitaram.

Posterior à contextualização será apresentado tanto o objeto de estudo, os artigos


da Lei Maria da Penha, como o método utilizado para análise, método sociológica de
Durkheim. Para em seguida culminar na analise critica do texto apresentado na
ADC 19/DF.
Desenvolvimento

Vivemos historicamente em uma sociedade patriarca que vem gradativamente


tornando-se mais igualitária. No entanto, certos tipos de atitudes como: homicídios
de mulheres, relatos de violência registrados, registros de agravos de violência
interpessoal contra mulheres ainda são extremamente frequentes dentro do Estado
Brasileiro. E foi devido a um desses casos que a Lei nº 11.340 de 2006 foi criada.

Antes de sua vigência, 22 de setembro de 2006, a legislação brasileira tratava os


atos acima citados da mesma forma para mulheres e homens, por consequência
não possuindo mecanismos suficientes e eficientes para proibir a pratica de violência
domestica contra a mulher. No entanto o caso nº 12.051/OEA tornou-se responsável
por incitar a mudança dessa situação.

O caso citado acima 12.051/OEA foi aberto em 20 de agosto de 1998 por uma
denúncia apresentada pela senhora Maria da Penha Maia Fernandes, pelo Centro
pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de
Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) referente a tolerância da Republica
Federativa do Brasil referente a violência cometida por Marco Antônio Heredia
Viveiros em seu domicílio com sua então esposa durantes os anos de convivência
matrimonial, que culminou numa tentativa de homicídio e novas agressões em maio
e junho de 1983. Em decorrência dessas atitudes Maria da Penha sofre de
paraplegia irreversível e outras enfermidades.

No entanto em mais de 15 anos desde os fatos o Estado Brasileiro não tomou


medidas necessárias para processar e punir o agressor e por consequência disso
denuncia-se a violação dos artigos 1(1) (Obrigação de respeitar os direitos); 8
(Garantias judiciais); 24 (Igualdade perante a lei) e 25 (Proteção judicial) da
Convenção Americana, em relação aos artigos II e XVIII da Declaração Americana
dos Direitos e Deveres do Homem (doravante denominada “a Declaração”), bem
como dos artigos 3, 4,a,b,c,d,e,f,g, 5 e 7 da Convenção de Belém do Pará.

Em 13 de março de 2001 um relatório sobre o caso 12.051/OEA foi encaminhado ao


Estado Brasileiro apresentando cinco recomendações da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos referente ao caso. Dentre as quais a que tem importância para
esse trabalho trata-se da recomendação 4 apresentada a seguir:

[...] 4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite


a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito
à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão
recomenda particularmente o seguinte:
a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários
judiciais e policiais especializados para que compreendam a
importância de não tolerar a violência doméstica;

b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que


possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos
e garantias de devido processo;

c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais,


rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem
como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às
consequências penais que gera;

d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a


defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais
necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as
denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao
Ministério Público na preparação de seus informes judiciais.
[...].
(CIDH, relatório nº 54/01, 2000)

Devido às recomendações contidas no item apresentado acima o Estado Brasileiro


se viu obrigado a criar e aprovar um dispositivo legal que trouxesse maior eficácia na
prevenção e punição da violência doméstica e familiar. Iniciando assim o processo
legislativo que culminou na Lei 11.340 de 2006 – Lei Maria da Penha.

Conclui-se então dessa forma a apresentação do contexto histórico e a razão


originaria para a criação da Lei Maria da Penha. Nesse ponto dá-se inicio a segunda
etapa deste trabalho a apresentação do objeto de estudo e do método para
avaliação da ADC. O método solicitado foi o método sociológico proposto por
Durkheim. Para compreender o pensamento de Durkheim é necessário ter a
inclusão nesse ponto de alguns pressupostos ou noções fundamentais,
apresentadas a seguir:

 Os fatos sociais devem ser tratados como coisas;


 A análise dos fatos sociais exige reflexão prévia e fuga de ideias pré-
concebidas;
 O conjunto de crenças e sentimentos coletivos são a base da coesão da
sociedade;
 Destaca o estudo da moral dos indivíduos;
 A própria sociedade cria mecanismos de coerção internos que fazem com
que os indivíduos aceitem de uma forma ou de outra as regras estabelecidas;
 A explicação dos fatos sociais deve ser buscada na sociedade e não nos
indivíduos – os estados psíquicos, na verdade, são consequências e não
causas dos fenômenos sociais.

Dessa forma Durkheim compõe suas ideias em contraposição ao conhecimento


filosófico da sociedade, pois para ele a forma dedutiva que esta utilizava para obter
o conhecimento aliado com a maneira que expressava a sociedade e os fatos
sociais eram insuportáveis, visto que eram deduções e não tinham validade
cientifica.

E partindo dessa contraposição Durkheim explica que os fenômenos sociais são


exteriores aos indivíduos criando o conceito de que não é o individuo que formaria a
sociedade, mas esta seria a base para a formação do individuo.

Durkheim ainda complementa apresentando os fatos sociais como uma realidade


objetiva e por consequência passível de observação externa. Dessa forma afirma
que o sociólogo deve despir-se de todo o sentimento e prenoção em relação ao
objeto, afastando todo dado sensível que corra risco de ser demasiado pessoal ao
observador. Por fim a pesquisador deveria definir precisamente as coisas de que se
trata o estudo a fim de que se saiba, e de que ele saiba, bem o que está em questão
e o que ele deve explicar.

A fim de concluir essa segunda etapa, para tornar possível uma analise segundo o
método de Durkheim é preciso definir o objeto nesse caso já apresentamos o
contexto histórico, no entanto ainda falta expor os artigos tratados na ADC19/DF.
Sendo assim, segue os artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/06.

Art. 1º. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a


violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §
8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher,
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar
a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais
ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a
criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra
a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às
mulheres em situação de violência doméstica e familiar. [...]

[...]Art. 33. Enquanto não estruturados os Juizados de


Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas
criminais acumularão as competências cível e criminal para
conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência
doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões
do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual
pertinente. [...]
[...]Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e
familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista,
não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

(BRASIL, lei 11.340, de 7 de agosto de 2006).

A Ação Declaratória de Constitucionalidade 19 Distrito Federal (ADC19/DF) foi


solicitada visto que para alguns juízes os artigos supracitados feriam com artigos
existentes em nossa constituição dentre eles o artigo 5º, inciso I

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e


obrigações, nos termos desta Constituição;

Os demais artigos que foram citados na ADC19/DF referem-se apenas a questões


legais e judiciais não fazendo então sentido a sua inclusão ou menção neste
trabalho, visto que em nada alterarão a análise sociológica aqui apresentada. Nesse
sentido e a partir dele dá-se inicio então ao estudo.

Para Durkheim o fato social é tudo o que se produz na e pela sociedade, ou ainda,
aquilo que interessa e afeta o grupo de alguma forma. Partindo dessa definição é
importante observa que o fato gerador da lei 11.340/06, a violência domiciliar contra
a mulher, se enquadra perfeitamente como fato social visto que, não somente
satisfaz uma, mas ambas as características utilizadas pelo autor para a definição do
fato social.

Com isso, é importante retornar as noções fundamentais, já apresentadas neste


texto, e buscar dentro da sociedade a explicação do surgimento desse fato. O pilar
basal para fundamentação e justificativa de tal fato é encontrado no patriarcado –
sistema social onde os homens mantem o poder primário e predominam em funções
de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades.

Para melhor compreender basta observar como o patriarcado reafirma a


superioridade masculina em diversos períodos temporais, desde os primórdios com
pensadores como Aristóteles que disse em sua obra “Em todas as espécies, o
macho é evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção”
(Aristóteles, pg. 13) até a atualidade.

São conceitos como estes, reiterados através do tempo e das diversas sociedades
subsequentes que legitimam e criam o fato social aqui trabalhado, a violência
domiciliar contra a mulher, assim como outros análogos a esse tema como o
assassinato de mulheres apenas pela razão de serem mulheres, feminicídio.
No entanto a sociedade contemporânea, a partir da década de 60, vem derrubando
o conceito de patriarcado inserindo a “libertação” da mulher através dos movimentos
feministas. Esse movimento representou um divisor de águas e tem como base a
denúncia da existência de uma opressão característica, com raízes profundas, que
atinge todas as mulheres, pertencentes a diversas culturas, classes sociais,
sistemas econômicos e políticos. E, também, na ideia de que essa opressão
persiste, apesar da conquista dos direitos de igualdade (jurídicos, políticos e
econômicos).

E através do movimento feminista, surge então o elemento moral da coercibilidade


que transforma a visão social antes conotada a violência domiciliar contra a mulher,
a partir desse marco uma parcela crescente da sociedade passa a valorar
negativamente o fato social. Essa nova valoração passou a gerar modificações em
textos legais tornando-se cada vez mais presente na sociedade contemporânea, um
exemplo dessa modificação já apresentado no escopo deste é o Art.º 5 que
reconhece em lei a igualdade entre homens e mulheres.

Além desse fragmento na constituição brasileira de 1988 encontram-se outros


segmentos que reafirmam o principio da igualdade sexual. Um trecho em especifico
e que se faz importante para essa discussão é o § 8º do artigo 226 da carta maior.

Art. 226.[...]

[...]

§ 8o - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa


de cada um dos que a integram, criando mecanismos para
coibir a violência no âmbito de suas relações.

Observa-se então que o Estado Brasileiro não só garante a igualdade entre os sexos
como se propõe a assegurar os indivíduos, independente do sexo, contra a violência
no âmbito de suas relações. Apesar disso, o território Brasileiro está demarcado com
a pratica repetida da infração aliado a ausência de punições.

Isso chamou a atenção de órgãos e entidades internacionais dedicadas a transpor a


sociedade patriarcal a caminho de uma sociedade igualitária que ao final do
julgamento 12.051/OEA demandaram que se cumprisse a criação dos mecanismos
já previstos no código maior do Estado Brasileiro. E foi com o intuito de impender tal
demanda que criou-se a Lei Maria da Penha.

A criação da lei 11.340/06 remete a outro principio fundamental apresentado por


Durkheim o qual alega que a sociedade cria mecanismos para obrigar o
cumprimento de uma forma ou outra daquilo estabelecido por regra. Para completar
o estudo da violência domestica segundo o autor ainda falta definir em sua
totalidade para que então seja possível a compreensão do fato como um todo.

Essa definição foi apresentada pela lei citada quando revela em seu 7º artigo o que
se entende como violência doméstica e familiar contra a mulher. Não caracterizando
apenas a violência física, mas também a psicológica, a social, a patrimonial e a
moral. Deu-se concretude ao texto constitucional, com a finalidade de mitigar,
porquanto se mostra impossível dissipar por completo, o que acontece Brasil afora.

É importante então observar que comportamentos construído pela sociedade


através do tempo, sejam estes costumes, tradições ou princípios, tendem a ser
extremamente complexos de se alterarem uma vez que enraizados em seu cerne.
Facilmente notado quando se observa o fato social apresentado no corpo deste
trabalho, visto que a mais de meio século a sociedade luta para extinguir essa
diferenciação.

Ainda cabe expressar que, apesar da violência domestica estar presente desde os
primórdios. Está apenas passou a ter uma valoração negativa com a mudança do
pensamento da sociedade validando então o que Durkheim apresentou sobre a
sociedade formar e mudar o individuo.
BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Lei nº 11.340 de 7 de Agosto de 2006 – Lei Maria da Penha. Diário Oficial
da União. Brasília. 8 de Agosto de 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Organização de Alexandre de Moraes. 16.ed. São Paulo: Atlas, 2000.

CANCIAN, Renato. Feminismo: movimento surgiu na Revolução Francesa.


Pesquisa Escolar. uol. educação.. Disponível em:
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/sociologia/feminismo-movimento-surgiu-na-
revolucao-francesa.htm < acesso em 21/03/2019, v. 30, 2008.

DE ALVÉRNIA, Pedro. COMENTÁRIO À POLÍTICA DE ARISTÓTELES.


Universidad de Navarra, 2001.

DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. 2009.

FEDERAL, SENADO. Panorama da violência contra as mulheres no Brasil:


indicadores nacionais e estaduais. Brasília: Senado Federal, Observatório da Mulher
contra a Violência, n. 1, 2016.

HUMANOS, COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS. Relatório n 54/01.


2001.

Você também pode gostar