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PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA

Portal Educação

CURSO DE

Entrevista Motivacional

Aluno:

EaD - Educação a Distância Portal Educação

AN02FREV001/REV 4.0

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CURSO DE

Entrevista Motivacional

MÓDULO II

Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este
Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição
do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido
são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas.

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MÓDULO II

2 MOTIVAÇÃO PARA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO

2.1 O QUE É MOTIVAÇÃO

Todos os problemas que envolvem mudança de comportamento, também


envolvem a motivação do indivíduo para mudar. Sem a motivação não há como
estabelecer qualquer tipo de trabalho terapêutico com esse objetivo. Assim, a
motivação pode ser definida como a probabilidade de que uma pessoa entre no
processo de mudança, permaneça nele e o adote como novo estilo de vida. Não se
trata de uma característica estagnada, ao contrário é percebida como um estado de
prontidão, uma característica dinâmica. Ou seja, a qualquer momento - dependendo
de variáveis externas e internas ao paciente que podem influenciar suas decisões,
especialmente do entendimento dele de sua situação como problemática - o
paciente poderá produzir a mudança de comportamento, passando de um estado de
prontidão para a mudança a outro.
Não é algo mágico, só acontecerá com muito trabalho, porém é preciso
entender que a motivação está “dentro” do paciente e pode ser “acesa” quando as
questões certas para cada paciente são trabalhadas. Com uso de técnicas
adequadas e uma abordagem favorável ao desenvolvimento da motivação – como é
o caso da Entrevista Motivacional – pode-se chegar ao sucesso terapêutico. Desta
forma, a motivação não pode ser pensada como um traço de personalidade, inerente
ao caráter do indivíduo, mais sim como algo crucial na atividade do terapeuta, ele
precisa motivar para conseguir algum avanço no processo de mudança.

Geralmente a preocupação em torno da motivação está em avaliar o que o


paciente diz a esse respeito e não o que faz. No entanto, um paciente que faz
afirmações que levam o terapeuta a pensar que está motivado, não garante que a

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mudança de comportamento seja feita. Essa mudança se dará à medida que houver
adesão ao tratamento ou ao plano terapêutico, isso está relacionado com resultados
bem-sucedidos e com a motivação do paciente. De forma geral, os quadros abaixo
descrevem como se costuma avaliar, de maneira precipitada, um paciente como
motivado ou desmotivado.

Um paciente motivado... Um paciente desmotivado...


Concorda com o terapeuta Discorda do paciente
Aceita o diagnóstico do Não aceita o diagnóstico
terapeuta Não expressa necessidade de
Expressa vontade ou ajuda
necessidade de ajuda

A partir de uma avaliação neste contexto, o terapeuta corre o risco de


trabalhar na direção errada, pois não se dará conta das dificuldades do paciente em
comunicar sua falta de motivação. Certamente ter um paciente que aceita tudo o que
é dito pelo terapeuta é mais fácil do que tratar alguém que discorda e rebate o que o
terapeuta diz. No entanto, aqui se encontra uma grande armadilha terapêutica, nem
sempre “o paciente bonzinho” é o que terá maior adesão ou sucesso no tratamento.
O fato de contestar e de se opor a colocações do terapeuta a respeito de si pode
significar um pedido de ajuda. O terapeuta tem que aprender a ler o que o paciente
diz nas entrelinhas. Assim, saber se um paciente está ou não motivado depende de
muitas variáveis e não acontecerá logo na primeira sessão terapêutica.

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2.2 COMO ESTIMULAR A MOTIVAÇÃO

Pensando que a motivação é uma probabilidade de mudança de


comportamento, é preciso utilizar estratégias para aumentar essa probabilidade.
Existem oito estratégias descritas que representam uma compilação do que há na
literatura a respeito do que motiva as pessoas. Para serem mais bem memorizadas,
essas estratégias são descritas em ordem alfabética de A a H, a partir das palavras
em inglês. São elas:

Aconselhar (giving Advice):

O terapeuta precisa dar ao paciente uma orientação clara a respeito de seu


problema, para que isso seja feito de forma eficaz deve identificar o problema e a
área de risco, explicar a importância da mudança de comportamento e recomendar
uma mudança específica. Uma forma de fazer isso é utilizar os resultados da
avaliação pré-tratamento, com os cuidados necessários.

Remover Barreiras (remove Barriers):

Barreiras significativas a mudança comportamental devem ser rapidamente


identificadas e removidas. Essas podem estar relacionadas ao início do tratamento,
à adesão e ao próprio processo de mudança. Questões como distância da casa do
paciente até o local de tratamento, custo com transporte, espera, entre outros
empecilhos podem ser exemplos de barreiras específicas. O terapeuta deverá
identificar tais barreiras junto ao paciente e ajudá-lo a encontrar soluções práticas
para tais situações.
Oferecer Escolhas (providing Choices):

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Sabemos que a motivação interna do paciente é estimulada pela percepção
de que ele fez sua escolha sem coerção ou influências externas. Assim, o terapeuta
deve oferecer alternativas ao paciente, sem tentar pressioná-lo para escolher um
determinado caminho. Essa é uma forma de diminuir a resistência e a desistência,
melhorando, portanto, o resultado do tratamento.

Diminuir o Aspecto Desejável do Comportamento (Decreasing desirability):

Todo comportamento que é mantido tem uma razão, ou seja, tem algo de
bom. Por isso, o terapeuta deve identificar os aspectos positivos do comportamento-
problema e buscar formas de diminuir estes aspectos e aumentar os aspectos
negativos. Nesse caso, técnicas comportamentais podem ajudar.

Praticar Empatia (practicing Empathy):

Como já descrito, trabalhar o entendimento do paciente a partir do uso da


escuta reflexiva, de forma respeitosa pode constituir um importante apoio no
processo de mudança. E para lembrar: Não se trata de identificar-se com o
paciente, mais de entendê-lo.

Proporcionar Feedback (providing Feedback):

É preciso manter o paciente consciente de como ele está na situação


presente. Isso será feito a partir de feedback (retornos) proporcionado aos
pacientes. Eles podem ser feitos a partir de preocupações dos familiares, resultados
de testes, pela manutenção de um diário de automonitoramento, etc. Proporcionar
feedback deve ser uma ação frequente dentro da abordagem da Entrevista
Motivacional.

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Esclarecer Objetivos (clariffing Goals):

O estabelecimento de objetivos claros, metas que se pretende alcançar,


ajuda ao longo do processo de tratamento, pois servem como parâmetro de
comparação entre os objetivos e onde o paciente está. Também serve para
demonstrar sucessos já alcançados, à medida que o terapeuta pode lembrar ao
paciente onde ele estava quando chegou ao tratamento e o quanto evoluiu até o
presente momento. Deve-se ter cuidado para que os objetivos sejam realistas e
atingíveis.

Ajudar Ativamente (active Helping):

O terapeuta precisa estar ativamente e afirmativamente envolvido na


mudança de comportamento do paciente. Isso pode ser feito a partir da expressão
de cuidado, como ligar quando o paciente falta a uma sessão. O paciente precisa
sentir que o terapeuta acredita no seu sucesso em mudar o comportamento-
problema e que se dedica a isso.

As oito estratégias descritas acima são questões amplas que devem


permear o clima terapêutico da Entrevista Motivacional em relação à motivação do
paciente. Porém, existem outras cinco estratégias mais específicas que podem ser
úteis como técnicas de apoio ao processo motivacional. A primeira delas é o uso das
perguntas abertas.

O terapeuta precisa E ajudam o paciente a


conhecer o paciente: explorar seu problema,
Perguntas abertas ajudam a favorecendo o diálogo e a
estabelecer confiança. fala do paciente.

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Como
podemos fazer

O paciente deve ser encorajado a falar o máximo possível. Alguns exemplos


de perguntas abertas:

Então, o que traz você aqui? Qual é seu problema?


Comece me contando como seu problema teve início?
Como você enxerga sua situação atual?

Perceba que em nenhuma das perguntas o paciente poderia dar uma


resposta do tipo sim ou não. Isso são perguntas abertas!
A segunda estratégia específica é o uso da escuta reflexiva. Embora esse
tópico já tenha sido explorado no Módulo 1, é importante relembrar que se trata de
uma técnica baseada na escuta sem julgamentos e seu produto é uma afirmação
feita, ao paciente, a partir do que o terapeuta ouve e infere sobre o discurso. Não
devemos usar perguntas, a escuta reflexiva pressupõe afirmações!
Embora a escuta reflexiva seja uma forma de encorajar o paciente em sua
motivação, fazer isso de forma direta também pode ser muito útil em determinados
momentos. Elogios e afirmações de compreensão e apreciação ajudam a encorajar
o paciente a não desistir e a dar espaço a sua motivação. Esta é a terceira
estratégia específica para motivar o paciente.

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Exemplo:

• Tentar mudar um comportamento não é fácil. Você deu um grande


passo em vir até aqui!
• Essa é uma boa sugestão!
• Você tem convivido com esse problema por muito tempo e mesmo assim
ainda está estruturado.

A Entrevista Motivacional também supõe que o terapeuta faça resumos do


que o paciente diz ao longo da intervenção. Fazer resumos é a quarta estratégia
específica que ajudará na motivação, pois reforçam o que foi dito, mostram que o
terapeuta escutou com atenção e permitem ao paciente ouvir o que disse ao
terapeuta.
E, por fim, as afirmações automotivacionais são a quinta estratégia
específica de motivação. São essenciais ao progresso motivacional do paciente,
pois podem ser utilizadas para resolução da ambivalência. Na Entrevista
Motivacional quem apresenta os argumentos para a mudança é o paciente e não o
terapeuta, por isso, é necessário ajudá-lo na elaboração das afirmações
automotivacionais. Essas afirmações dividem-se em quatro categorias:
reconhecimento do problema, expressão de preocupação, intenção de mudar e
otimismo. Assim, existem algumas maneiras de auxiliar na evocação das afirmações
automotivacionais. Para cada categoria há afirmações automotivacionais que podem
ser proferidas pelo paciente e perguntas para evocar tais afirmações que podem ser
proferidas pelo terapeuta. Técnicas como perguntas evocativas, balança decisória,
aprofundar tópicos motivacionais, usar extremos, olhar para trás, olhar para frente,
explorar metas, usar paradoxo, podem ser úteis para eliciar as afirmações
motivacionais.
Abaixo quadros com afirmações automotivacionais e sugestões de
perguntas evocativas de tais afirmações.

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RECONHECIMENTO DO PROBLEMA EXPRESSÃO DE PREOCUPAÇÃO
Começo a perceber o quanto a bebida está
me fazendo mal Estou preocupado quanto a minha saúde

Perguntas evocativas Perguntas evocativas


• Como isso tem sido um problema em sua • Como você se sente quanto ao seu
INTENÇÃO DE MUDAR OTIMISMO
vida? hábito de beber?
Está na hora de pensar em parar de beber Eu consigo parar de beber
• Em que situações você se sente • Como você acredita que ficará sua vida
prejudicado ou prejudicando alguém? se você não fizer a mudança?
Perguntas evocativas Perguntas evocativas
• Quais suas dificuldades em relação ao • O que lhe preocupa no seu
• Que motivos você tem para fazer uma • O que lhe faz pensar que conseguirá
seu comportamento-problema? comportamento?
mudança? fazer a mudança?
• O que lhe leva a pensar em fazer uma • O que lhe dá certeza que pode mudar
mudança? se quiser?
• Quais as vantagens e desvantagens de • Se decidisse mudar, o que acha que
fazer uma mudança? funcionaria para você?

Mais uma alternativa para ajudar o paciente a manter sua motivação é a


técnica da Balança Decisória (ou decisional). Consiste em discutir os aspectos
positivos e negativos do comportamento-problema. Tem por objetivo resolver a
ambivalência e fazer com que o paciente sinta-se a vontade para falar. Pode-se
solicitar ao paciente que faça uma lista do que gosta e o que não gosta em seu
comportamento-problema. Depois, discutir com ele o que tem mais peso neste
momento e na sua vida futura. Esta técnica é muito boa para que o paciente pense
nos dois lados da situação em que se encontra.
Aprofundar um tópico motivacional significa aproveitar quando um tema
importante sobre o comportamento-problema do paciente surgir para falar um pouco
mais sobre ele. Pedir ao paciente que use exemplos para explicar o que acontece
(como descrever um dia típico em que o comportamento-problema é observado) e o
quanto se sente preocupado com tal situação ajudará na evocação de afirmações
automotivacionais, pois fará com que reflita sobre esta situação.
Dentro desta mesma perspectiva, podemos solicitar ao paciente que reflita
sobre o ponto mais extremo de sua preocupação, o que ele acha que poderia

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acontecer de pior se ele continuar com o comportamento atual (O que mais lhe
preocupa nesta situação? Quais as piores coisas que podem acontecer?).
Duas outras formas de ajudar nesta tarefa são: pedir ao paciente que olhe
para trás, relate como era sua vida antes de ter o problema, e compare com a
situação atual; então, solicitar que pense em como será seu futuro a partir da sua
mudança de comportamento e discutam sobre isso. Em seguida, a técnica de
explorar metas pode ser uma sequência interessante ao processo motivador. O
objetivo é desenvolver discrepância entre o que o paciente quer e acredita como
valores de vida e seu comportamento atual. Consiste apenas em perguntar ao
paciente sobre seus objetivos e valores, para que ele possa fazer a reflexão sobre o
quão longe está disso tudo no momento presente.
O uso do paradoxo deve ser feito com muito cuidado e principalmente
quando o terapeuta já se sente mais seguro. À medida que se trata de uma técnica
em que o terapeuta assume uma postura do tipo “não existe problema algum em seu
comportamento atual”, pode criar uma ideia de que o terapeuta não está entendendo
bem o problema ou não está se importando com ele. Todavia, se o terapeuta for
habilidoso para tal técnica poderá suscitar o oposto do que está dizendo no
paciente, ou seja, o paciente evocará expressões de otimismo, preocupação e
intenção e mudar o comportamento.
Além de usar estratégias para estimular a motivação do paciente, também é
útil ter cuidado com armadilhas que podem comprometer o progresso do
tratamento.
O que acontece?
O terapeuta faz perguntas durante toda a sessão e o
paciente responde com respostas curtas do tipo sim
ou não.

Por que isso acontece?


Pode ser porque o terapeuta que saber questões
específicas do paciente; ou pela ansiedade, tanto do
Armadilha da terapeuta (de manter o controle da sessão), quanto
Pergunta Resposta do paciente de ficar numa posição passiva.

Qual é o prejuízo?
Ensina o paciente a responder com respostas curtas
e simples; sugere que o terapeuta seja o especialista
ativo no processo e o paciente passivo; diminui as
oportunidades do paciente de explorar seu problema.

Como evitar?
Uso de perguntas abertas e escuta reflexiva.

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O que acontece?
O terapeuta percebe que o paciente tem um
problema e passa a afirmar que este problema é
sério. O paciente passa a se opor à ideia de que
seu problema é tão sério.
Armadilha do Por que isso acontece?
Confronto Negação Porque o terapeuta pretende alertar o paciente
para a gravidade de seu problema e esquece que
argumentações desse tipo geram relutância.

Qual é o prejuízo?
Criar resistência no paciente e este pode decidir
não mudar.

Como evitar?
Uso de escuta reflexiva e estimulação de
afirmações automotivacionais.

O que acontece?
O terapeuta cria a ideia de que sabe todas as
respostas.

Armadilha do Por que isso acontece?


Especialista Porque o terapeuta pode entusiasmar-se com seu
conhecimento.

Qual é o prejuízo?
Criar uma condição de passividade para o
paciente, em que ele não explore seus problemas.

Como evitar?
Uso de escuta reflexiva e perguntas abertas,
permitindo ao paciente explorar sua ambivalência.

O que acontece?
Armadilha da O terapeuta rotula o paciente (ex. alcoolista).
Rotulação
Por que isso acontece?
Porque o terapeuta acredita na importância do
uso de rótulos para o tratamento.

Qual é o prejuízo?
Pelo estigma social dos rótulos, algumas pessoas
resistem a eles e, novamente, gera resistência.

Como evitar?
Deixar de lado os rótulos.

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O que acontece?
O terapeuta direciona o foco da discussão para o
comportamento-problema específico (ex.
alcoolismo), enquanto o paciente quer falar de
questões mais amplas.
Armadilha do Foco Por que isso acontece?
Prematuro Porque o terapeuta quer tratar o foco do
problema.

Qual é o prejuízo?
Desmotivar o paciente, que pode ficar na
defensiva.

Como evitar?
Iniciar pelas preocupações do paciente e não do
t t

O que acontece?
O paciente sente-se culpado por seu
comportamento. Terapeuta e paciente passam
Armadilha da Culpa muito tempo falando disso.

Por que isso acontece?


Porque o paciente sente-se culpado por tudo
que está acontecendo em sua vida.

Qual é o prejuízo?
Gerar defesas no paciente.

Como evitar?
Usar reflexão e reformulação das preocupações
do paciente.

2.3 AVALIAÇÃO DA MOTIVAÇÃO E ESTADO GERAL DO PACIENTE

Este tópico está especialmente direcionado para o tratamento de pacientes


com problemas relacionados ao uso de drogas.
Fazer uma boa avaliação do estado de motivação do paciente pode ser útil
na identificação dos problemas, no estabelecimento do diagnóstico, no
direcionamento das prioridades, na adequação do tratamento e no entendimento de

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como o indivíduo pensa ou age em sua vida. É preciso deixar claro ao paciente que
a avaliação é um processo importante para iniciar o tratamento e que talvez seja
necessária a utilização de instrumentos para isso. Além disso, as medidas utilizadas
para avaliar motivação podem servir para ajudar o terapeuta na mudança do
comportamento-problema ou ainda como medidas de resultados.
Alguns instrumentos podem ser utilizados na avaliação de resultados de
pacientes com comportamentos-problemas. A escala SOCRATES (The Stages of
Change Readiness and Treatment Eagerness Scale), criada por Miller e Tonigan,
em 1996, e a escala URICA (University of Rhode Island Change Assessment
Scale), criada por McConnaughy, Prochaska, Velicer, em1983, têm objetivos
semelhantes: são utilizadas para pacientes com problemas de dependência, focando
no problema-alvo do paciente. Todavia, é importante ressaltar que a escala URICA
mede estágios gerais de mudança e não apenas os relacionados aos
comportamentos aditivos.
Os exames laboratoriais configuram-se em recursos fundamentais para
tratamento de dependentes químicos. O mais comumente utilizado é a análise de
urina, que detecta a presença de droga no organismo; o exame de sangue também
pode ser utilizado para detecção de intoxicação aguda de drogas e para detecção de
prejuízos causados ao fígado pelo uso crônico de álcool. Outro exame utilizado é o
screening, que avalia as enzimas no fígado por meio de provas de função hepática.
Esses tipos de avaliação podem ser necessários para que o terapeuta saiba
a frequência e a quantidade de uso da droga. Como o uso de drogas pode afetar
vários sistemas no organismo, é prudente solicitar ao paciente que vá a um médico
para fazer exames gerais de revisão. Esses exames devem incluir avaliação
neuropsicológica ou neurológica. Falar para o paciente sobre os danos já existentes
em seu organismo provenientes do uso de drogas pode ser um bom motivador à
parada, pois a motivação para a mudança se dá quando o paciente consegue
perceber a discrepância entre a posição que ele está (as condições de vida e saúde
que tem) e aquela na qual gostaria de estar.
No entanto, alguns cuidados com o feedback dos resultados de inventários
ou instrumentos devem ser observados:

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• O terapeuta não deve usar os resultados como “provas” de alguma
coisa que disse ao paciente ou para pressioná-lo a aceitar o diagnóstico. Exemplos
de como iniciar o feedback no momento de ler os resultados obtidos na avaliação:

Não sei se isso vai lhe interessar, mas...


Isto pode ou não lhe preocupar...
Eu não sei o que você vai pensar sobre esse resultado, mas....

• O terapeuta deve cuidar para não usar um tom de advertência ao ler o


resultado da avaliação. Isso poderá gerar constrangimento e resistência no paciente.
• É preciso sempre solicitar e refletir as reações do paciente ao ouvir os
resultados. Aqui é possível eliciar afirmações automotivacionais.

Exemplo de como fazer isso:

O que você acha disso?


Como você se sente em relação a isso?

• O terapeuta deve ficar atendo às reações e manifestações não verbais


do paciente. Ele pode expressar de forma corporal o que está sentindo (fazendo
caretas, franzindo a testa, movimentando a cabeça, etc.). Aqui uma boa estratégia é
usar a escuta reflexiva.

Exemplo de como fazer isso:

Isso realmente lhe pegou de surpresa, não era o que você esperava.
É difícil acreditar.
Isso é perturbador para você.

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• O terapeuta deve estar preparado para que o paciente tenha fortes
reações emocionais quando lhe for passado o resultado de avaliações.
Especialmente se houver algum prejuízo físico já instaurado.
• O terapeuta deve criar um plano específico para o processo de
avaliação, no qual é importante preparar o paciente para a avaliação, pensar em que
aspectos quer acrescentar na avaliação pré-tratamento para conseguir a avaliação
correta da motivação e, principalmente, como apresentar os achados da avaliação
de forma motivacional.
• O terapeuta deve lembrar-se de resumir o que foi dito no feedback.
Como esse é um resumo um pouco mais difícil de ser feito, existem alguns
elementos básicos que devem constar:

1. Os riscos e problemas que surgiram nas avaliações;


2. As reações do paciente ao feedback, incluindo as afirmações
automotivacionais que foram feitas;
3. Perguntar ao paciente se ele quer incluir algo no resumo.

Esses tópicos do resumo podem ajudar na confirmação do


comprometimento do paciente com o tratamento.
Para a avaliação de sintomas de ansiedade e depressão, muito comuns no
usuário de drogas, o inventário de ansiedade de Beck (BAI) e o inventário de
depressão (BDI), criados por Aron Beck, podem ser utilizados. Também é preciso
ter uma avaliação geral dos problemas que o paciente vem enfrentando
provenientes de seu comportamento-problema. Essa será uma boa estratégia para
identificar também dificuldades que possam interferir no tratamento ou na
recuperação do paciente. Com esse objetivo, um instrumento bastante utilizado é o
CAGE.
Uma forma de chegar direto a motivação do paciente é perguntar sobre sua
disposição para isso. E, nesse momento, é preciso levar em consideração o
julgamento que ele tem sobre a necessidade de mudar; como ele percebe a

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possibilidade de mudar; o quanto ele se sente confiante (autoeficácia) para mudar e
sua intenção de mudar.
Todos os resultados das avaliações precisam ser vistos pelo terapeuta e
pelo paciente como parte do aconselhamento motivacional.

2.4 SITUAÇÕES ESPECIAIS NA PRÁTICA DA ENTREVISTA MOTIVACIONAL

Para qualquer paciente, existem pessoas significativas em sua vida. A


concordância ou não dessas pessoas com o tratamento interfere em seu sucesso.
Situações particulares com cônjuges de paciente podem ser bastante favoráveis às
mudanças comportamentais. Assim, como em todo o processo da Entrevista
Motivacional, características confrontacionais do cônjuge também evocarão
resistência no paciente. No entanto, se o cônjuge for uma pessoa colaborativa e
estiver de acordo com o tratamento do paciente e com as possibilidades de
mudança de comportamento, é interessante tê-lo como figura colaborativa no
tratamento.
A participação do cônjuge poderá ajudar no processo motivacional à medida
que este oferecer feedback construtivo sobre o comportamento-problema, ou seja,
compartilhar suas expectativas e preocupações sobre o comportamento-problema
pode auxiliar como elemento motivador à mudança. Além disso, ele pode oferecer
apoio ao processo de mudança de comportamento ajudando o paciente no
comprometimento com seus objetivos. Comentar favoravelmente e reconhecer os
esforços do paciente em lidar com seu problema tem bons resultados na adesão ao
tratamento.
O papel do terapeuta é estimular o cônjuge a expressar seu apoio ao
paciente, sem, no entanto, oferecer um treinamento específico para isso, pois quem
está em tratamento é o paciente e não seu cônjuge. Assim algumas questões
também devem ser trabalhadas com o cônjuge, sem, no entanto, tirar o foco do
paciente. LEMBRE-SE de quem é seu paciente! Não faça conluios com o cônjuge,
isso pode gerar desconfiança por parte do paciente, ele pode sentir-se ameaçado e
pressionado.

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Além do cônjuge, o paciente pode ter outras pessoas significativas. Não
importa quem virá ajudar no tratamento, desde que seja uma pessoa com uma
relação afetiva e contato frequente com o paciente, que saiba de seu problema e
tenha disposição para ajudar. Seja com quem for, as técnicas de Entrevista
Motivacional para incluir a pessoa significativa no tratamento e utilizar sua ajuda são
semelhantes às utilizadas com o paciente. Para conseguir êxito num tratamento com
a presença da pessoa significativa, o terapeuta precisa tomar alguns cuidados:
1. Evitar a armadilha da culpa, em que surgem acusações referentes a
quem é o culpado pela situação atual. Isso é possível mantendo o
controle da sessão.
2. Promover a motivação da pessoa significativa, pois algumas vezes ainda
não está comprometida com a mudança. Aqui podem ser utilizadas
técnicas que estimulem a reflexão e eliciem afirmações
automotivacionais.
3. Envolver a pessoa na avaliação de metas e montagem do plano de
mudança, pois essa pessoa pode ajudar no processo de mudança e
será como uma testemunha do compromisso do paciente.

Outra situação especial na prática da Entrevista Motivacional são os


pacientes coagidos, ou seja, pacientes que são forçados a tratar-se por uma decisão
judicial ou risco de perda do emprego, por exemplo, ou ainda por imposição dos pais
no caso de adolescentes. Certamente pacientes com essas demandas estarão mais
resistentes ao tratamento e demorarão mais tempo para estar prontos à mudança,
no entanto, o terapeuta deverá seguir os mesmos pressupostos da Entrevista
Motivacional que usaria para um paciente não coagido. A maneira correta é não
alhear-se ao coercitor e ter claro o direito de escolha do paciente. Assim,
acompanhando sua resistência e imprimindo a escuta reflexiva, o terapeuta
conseguirá trabalhar a ambivalência no processo de mudança do paciente.
Mais um ponto importante a considerar é como fazer a introdução do
problema quando o paciente não está consciente dele ou está muito resistente em
aceitá-lo. Uma boa técnica é o uso de perguntas abertas, pois essas permitem
avaliar o estado motivacional sem gerar muita resistência. Todavia, essa técnica
dependerá do contexto do tratamento e do paciente. Pode ser relativamente mais

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fácil com algumas pessoas e situações do que em outras. As perguntas devem ser
feitas de maneira natural e direta, seguindo o fluxo da conversa.
Exemplos de perguntas fechadas e abertas:

PERGUNTAS • Você fuma muito, certo?


FECHADAS • Você está me dizendo que tem
problemas com álcool, concorda?
Geram • Você não acha que seu hábito de usar
resistência cocaína é a causa deste problema?

É importante lembrar que as perguntas fechadas suscitam respostas do tipo


sim ou não. O que dificulta o diálogo entre terapeuta e paciente e impede que o
terapeuta conheça o contexto do paciente.

PERGUNTAS • Como é seu consumo de cigarro numa


ABERTAS semana típica?
• O que você gosta no hábito de beber?
Para abrir a
• Como a cocaína pode estar interferindo
discussão
em sua vida?

Perguntas abertas estimulam a falar sobre o assunto perguntado e criam um


clima de liberdade para o paciente falar.
É fácil imaginar que quando alguém está com um problema relacionado a
drogas ou outro que lhe suscite a necessidade de mudança de comportamento, sua
vida está desorganizada. Neste contexto, a tendência do paciente é não encontrar
“luz no fim do túnel” e ficar tão envolvido com os prejuízos sociais causados pelo
comportamento-problema, que acabará desviando da questão principal. Para fugir
dessa armadilha, o terapeuta precisa apenas reconhecer a percepção do paciente e
focalizar a atenção em passos construtivos para a mudança, ao invés de
desqualificar o modo como o paciente está vendo sua situação. Aqui também é útil
utilizar a escuta reflexiva e acompanhar a resistência. LEMBRE-SE que ir contra a
resistência do paciente (interpretá-la) não ajuda em nada o processo de
motivação à mudança.

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Outra situação semelhante é quando o paciente desvia para um assunto
menos produtivo ao tratamento, isso ocorre porque o paciente tem associações
naturais de pensamento ou ainda pode ser intencional para escapar de falar do
problema que o levou ao tratamento. A melhor estratégia, neste caso, é fazer um
resumo do que o paciente está falando, mostrando um claro entendimento de seu
discurso e, então, redirecioná-lo para a questão principal.
Por se tratar de uma intervenção terapêutica que pode ser aplicada por
profissionais não especializados, a gama de locais e de situações na qual a
Entrevista Motivacional pode ser usada é grande. Os profissionais não
especializados trabalham em muitos lugares em que os terapeutas especializados
não estão. Além disso, pessoas com problemas relacionados a drogas, geralmente
não procuram tratamento, todavia, algumas apresentam outros problemas de saúde
associados que as leva a procurar um médico, então, surge a oportunidade para
tratar também a dependência de drogas.

A Entrevista Motivacional é uma boa intervenção para


qualquer problema que envolva ambivalência, resistência,
motivação e mudança de comportamento.

Um exemplo é o uso da Entrevista Motivacional nos casos de não adesão a


tratamentos crônicos, como por exemplo, o diabetes, as cardiopatias, disfunções
alimentares, etc. Sabemos que pacientes com esses problemas de saúde tendem a
não aderir ao tratamento em razão das mudanças, muitas vezes, radicais no seu
estilo de vida. Dessa forma, aumentam as chances de complicações de saúde e de
agravamento de suas doenças. A Entrevista Motivacional, como uma intervenção
que trabalha a motivação do paciente, pode ajudar complementando o processo de
tratamento dessas e de outras doenças crônicas. O trabalho dos profissionais não
especializados em terapia é exatamente negociar mudanças de comportamentos.
Para conseguir realizar uma boa intervenção com o uso da Entrevista
Motivacional é importante seguir alguns critérios gerais que poderão ser úteis.

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Geralmente os pacientes chegam ao consultório com uma carga muito pesada a
respeito de seu comportamento-problema. Algumas vezes têm vergonha por não
conseguirem mudar sua situação mesmo sabendo que têm problemas de ordem
biopsicossocial advindas de seu comportamento. Então, procurar não usar rótulos
(como no caso de dependentes químicos, a palavra drogado) para se referir ao
paciente, poderá facilitar a aliança terapêutica estabelecendo-se assim a confiança
entre profissional e paciente.
Além disso, a Entrevista Motivacional também pode ser utilizada com
pacientes adolescentes, que, geralmente, apresentam um comportamento bastante
resistente a tratamentos. Nesse caso, é necessário adequar alguns aspectos para
direcionar as características do adolescente e atingir bons resultados.
Algumas alternativas:
• Planejar entrevistas mais curtas.
• Fortalecer os sentimentos de autoestima e autoeficácia, pois é muito
comum que os adolescentes sintam-se afastados das decisões tomadas sobre sua
vida e por isso desenvolvam pouca confiança em si mesmo e baixa autoestima. Esta
estratégia também pode auxiliar a evitar atitudes de hostilidade e resistência, pois
criam a ideia de que o terapeuta acredita no potencial do adolescente e em seu
direito de escolha.
• Algumas situações, como o uso de drogas, são vividas na sociedade
como uma experiência de grupo e, assim, o adolescente entende como algo
“normal”. É possível que outro adolescente de seu grupo use a mesma droga e não
viva os mesmos problemas relacionados a isso, assim essa situação trará uma
ilusão de que também para ele os problemas são frutos da cabeça de seus pais. O
terapeuta deve ater-se para não aliar-se a essa ideia e trabalhar focalizando os
problemas que existem na vida desse adolescente provenientes do uso de droga.

----------- FIM DO MÓDULO II ------

AN02FREV001/REV 4.0

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