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PRECEDENTES – CPC/15

Em geral e em análise apertada, tem-se compreendido a Civil Law como um sistema


jurídico que tem por fonte primária, ostentando posição de relevância como fonte de
solução de conflitos sociais, a lei, vale dizer, a norma jurídica escrita, positivada; já por
Common Law tem-se entendido o sistema cujo elemento norteador, a base da estrutura
jurídica, são os casos julgados, isto é, as decisões judiciais já proferidas, cujas soluções
empregadas se apresentam vinculantes, ou seja, têm de ser obrigatoriamente observadas
em julgamentos posteriores.

Evidentemente que a diferença entre os dois sistemas, no entanto, não se resume


somente a isso; muito pelo contrário, são muito maiores e envergam, pela própria forma
como cada um particularmente encara a posição da Justiça, o dever de cumprimento das
decisões judiciais e a própria disposição jurídica como forma de regular condutas sociais.

No Common Law, antes de se ter uma jurisdicização da lide, evidencia-se uma fase de
comunicação entre os advogados das partes, por meio da qual eles expõem as suas
pretensões e até mesmo indicam as provas que têm ou que irão produzir, o que permite
um sopesamento de riscos pelos procuradores, antes de irem a juízo bancar um processo
caro, desgastante e demorado. Dessa sorte, é que muitos acordos acabam sendo
firmados extrajudicialmente.

Dentro deste universo jurídico têm, pois, os advogados posição de destaque, passando o
juiz a ostentar, contrariamente ao que ocorre na Civil Law, uma posição mais discreta e
até mesmo passiva em dadas situações (como, por exemplo, na coleta da prova). Isso
não quer dizer, em absoluto, que o juiz não tenha poderes dentro do Common Law. Muito
pelo contrário. Tem poderes, como se verá adiante, inclusive, para adequar e flexibilizar o
procedimento processual à realidade do caso específico (no Brasil, art. 139, VI,e 190,
CPC) o que, por certo, em muitas ocasiões o torna imprevisível para as partes.

A atuação do juiz, todavia, encontra limites diante das decisões anteriormente proferidas
pela Corte, em outras oportunidades e demandas, que eventualmente se encaixem na
situação jurídica então posta sob sua apreciação e jurisdição. Com certeza, esta questão
é fundamental e nela se encontra todo o fundamento do Common Law, que o distancia da
Civil Law.

De fato, naquele sistema tudo gira em torno das decisões judiciais já proferidas, não
propriamente pelo mérito da decisão em si, mas, sim, pelas vinculações que ostentam em
relação a todos os casos que, posteriormente, se assemelharem àquele julgado. Vale
dizer, a decisão judicial emanada e transitada em julgado passa a ser um precedente com
uma força tamanha que torna obrigatório o seu acatamento para todos os casos
posteriores a ele que se enquadrem à mesma realidade fática.

Uma decisão judicial, segundo a perspectiva de tal sistema, ostenta: a) os fatos narrados
ou visualizados pelo juiz; b) os princípios do direito aplicados ao fato; e c) o julgamento
baseado numa combinação dos dois primeiros elementos (“a” e “b”). O que realmente
vincula são os princípios do direito aplicados ao fato (“b”) e não a decisão em si (“c”). A
decisão em si (“c”) interessa somente à parte que participou do processo; já os princípios
de direito aplicáveis a determinados fatos (“b”) interessam a toda sociedade, porquanto
representam a interpretação da justiça sobre aquela situação, vinculando o juiz para todos
os casos idênticos posteriores.
A análise de aplicação de um precedente a determinado caso, no entanto, não é matéria
tão simples quanto possa imaginar um operador da Civil Law, bastando dizer que
requererá não somente uma precisa investigação, mas também uma boa qualificação
técnica para apresentação e comparação dos casos em juízo. Tanto nos Estados Unidos
quanto na Inglaterra a pesquisa e o estudo sobre os precedentes se apresentam de forma
vital para o exercício da advocacia contenciosa e também da atuação judicial, sendo,
pois, objeto de análise minuciosa nas faculdades de Direito.

Pelo fato de o caso decidido ter importância continental, o percurso de análise dos fatos e
da causa propriamente dita é matéria árdua, sendo que, de início, o precedente se
apresenta como mero ponto de partida, ficando a critério do juiz decidir se ele se
enquadra naquela questão sub judice ou não, fato que, por certo, conta com certo
subjetivismo (distinguishing). Na prática, cotejam-se os grupos de casos semelhantes
para ao fim decidir qual precedente mais se afeiçoa ao caso concreto.

Edward Re, professor da Universidade de Nova Iorque, a propósito bem leciona neste
sentido:

“É preciso compreender que o caso decidido, isto é, o precedente, é quase


universalmente tratado como apenas um ponto de partida. Diz-se que o caso decidido
estabelece um princípio, e ele é na verdade um principium, um começo, na verdadeira
acepção etimológica da palavra. Um princípio é uma suposição que não põe obstáculo a
maiores indagações. Como ponto de partida, o juiz no sistema do common law afirma a
pertinência de um princípio extraído do precedente considerado pertinente. Ele, depois,
trata de aplicá-lo moldando e adaptando aquele princípio de forma a alcançar a realidade
da decisão ao caso concreto que tem diante de si. O processo de aplicação, quer resulte
numa expansão ou numa restrição do princípio, é mais do que apenas um verniz;
representa a contribuição do juiz para o desenvolvimento e evolução do direito”.

É por razões históricas, e de longa data, que o Common Law se caracteriza pela eleição
do precedente como fonte primária, sendo tal força vinculativa das decisões, como se
registrou, elemento central de tal estrutura jurídica. De se registrar que os precedentes
ostentam o condão de vincular a decisão proferida aos casos posteriores, ainda que tal
decisão não pareça a mais correta. Essa circunstância é, inclusive, criticada e posta como
ponto fraco pelos próprios seguidores do Common Law já que, em determinadas
oportunidades, pode gerar situações teratológicas. Lembre-se, por exemplo, do
precedente polêmico existente na Inglaterra, cujo conteúdo dizia que “não era crime o
estupro dentro do casamento”. Tal precedente levou, de fato, muito tempo para ser
alterado.

O seguimento de um precedente para os integrantes do Common Law é, pois, a


materialização do que já foi definido e que, por tal razão e para manter a segurança
jurídica, não pode ser modificado. É que, segundo a concepção existente, uma vez tendo
sido a situação julgada, a sociedade já teria absorvido aquela decisão como norma de
conduta não sendo razoável então, posteriormente, alterá-la.

A previsibilidade dos julgamentos, com base nos precedentes é, dentro do sistema, um


elemento extremamente valorizado representando a sua não-aplicação, ao fim e ao cabo,
uma “quebra de confiança” no próprio conjunto jurídico que regula a sociedade.

Há, de fato, verdadeira resistência quanto à aplicação do “abandono do precedente”


(overruling), porque, sendo o precedente uma fonte de direito e, logo, um instrumento de
regulação social, a sua não incidência em determinado caso fático específico a que, em
tese, seria aplicável representa uma violação à base do próprio sistema.

Evidentemente que, por estas razões, no overruling o esforço argumentativo do juiz deve
ser muito maior do que na situação em que meramente aplicaria o precedente.

Há, todavia, que se fazer uma distinção entre precedente e precedente vinculante. O juiz
norte-americano, por exemplo, estará vinculado aos precedentes da Corte onde se situar
a sua jurisdição, bem como da Suprema Corte, não tendo, todavia, de obedecer a
precedentes de tribunais outros, ainda que se situem dentro dos Estados Unidos. De igual
sorte, por exemplo, um juiz federal não estará obrigado a decidir da mesma forma como
decidiu uma Corte Estadual, porquanto se trata de esferas distintas e que, por certo, não
se sobrepõem e não geram dever de observância.

Tem-se que uma decisão terá força vinculante quando houver: 1) identidade de fato; 2) Já
tenha sido adotado em Corte da mesma jurisdição; 3) Não tenha sido modificado ou
revisto, isto é, não tenha sido superado por entendimento mais atual; e 4) quando a
matéria jurídica se apresenta idêntica.

Um precedente que se mostre não vinculante, seja pelo fato de não corresponder à
mesma realidade, mas apenas análoga, seja por não pertencer à Corte da mesma
jurisdição, ou por qualquer outra razão, pois, expõe-se como mero elemento de
argumentação jurídica, de persuasão. É, de fato, um mero ponto de partida, um princípio
a ser observado sem que o fim (resultado) da demanda com ele convirja. O precedente só
terá força vinculante se houver identidade com base nos fatos ou nas questões de direito
suscitadas (binding ou leading precedents), caso contrário servirá apenas de elemento
persuasivo (persuasive precedents).

Na interpretação de um precedente, dentro do Common Law, clássica é a distinção entre


holding (chamado na Inglaterra de ratio decidendi) e de dictum (originariamente derivado
da expressão obter dictum). O holding diz respeito ao que foi discutido e argüido perante
o juiz e para cuja solução foi necessário “fazer” (criar/descobrir) a norma jurídica; diz
respeito ao cerne da questão, isto é, a solução jurídica para o caso fático.

Já dictum diz respeito a tudo aquilo que se afirma na decisão, mas que não é decisivo
para o deslinde da controvérsia, sendo, pois, elementos persuasivos e, talvez, no caso,
confortadores da decisão proferida.

Na hipótese em que se verifica a “derrogação” de um precedente, pode-se dizer que


ocorreu de ele se deslocar da posição de holding para a posição de dictum, ou seja,
continua presente no sistema não com forca vinculante, mas, sim, como mero elemento
de persuasão, cujas idéias e valores poderão ser analisados como elementos a auxiliar a
construção de uma nova tese ou mesmo novo precedente.

Nesses termos é que os precedentes apresentam sua importância dentro do Common


Law, cabendo lembrar, entretanto, que em cada país eles guardam suas peculiaridades.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte não se vincula aos seus
precedentes, servindo, pois, como mero dictum, muito embora seja raro ela negar suas
orientações já lançadas.
PRECEDENTES NO CPC/2015 – ARTIGOS 926 A 928

Em sentido lato, o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo
elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos
análogos.

Todo precedente é composto de duas partes distintas: a) as circunstâncias que embasam


a controvérsia; b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi)
do provimento decisório. Além desses dois elementos, compõe o precedente, também, a
argumentação jurídica. Assim, embora comumente se faça referência à eficácia
obrigatória ou persuasiva do precedente, deve-se entender que o que pode ter caráter
obrigatório ou persuasivo é a sua ratio decidendi, que é apenas um dos elementos de
compõem o precedente.

Na verdade, em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio
decidendi.

A ratio decidendi (holding/USA) consiste nos fundamentos jurídicos que sustentam a


decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido
proferida como foi; constitui a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso
concreto (rufe of law).

É importante assentar o seguinte: ao decidir um caso, o magistrado cria (reconstrói),


necessariamente, duas normas jurídicas. A primeira de caráter geral, é fruto da sua
interpretação/compreensão dos fatos envolvidos na causa e da sua conformação ao
Direito positivo: Constituição, leis etc. A segundo de caráter individual, constitui a sua
decisão para aquela situação específica que se lhe põe para a análise.

Por exemplo: o art. 700, CPC permite o ajuizamento de ação monitória a quem disponha
de “prova escrita” que não tenha eficácia de título executivo. “Prova escrita” é termo
vago. O STJ decidiu que cheque prescrito (Súm. 299, STJ) e contrato de abertura de
conta corrente acompanhado de extrato bancário (Súm. 247, STJ) são exemplos de prova
escrita. A partir de casos concretos criou-se duas normas gerais à luz do direito positivo.

Compõe também o precedente o obter dictum (dito de passagem, pelo caminho, obter
dicta, no plural), ou simplesmente o dictum, que é o argumento jurídico, consideração,
comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convola em
juízo normativo acessório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento
jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante para a decisão.

Um exemplo se dá no famoso caso Marbury v. Madison, o juiz da Suprema Corte John


Marshall considerou que um dispositivo do Judiciary Act de 1789 era inconstitucional, mas
também seguiu dizendo que a Suprema Corte tinha o poder de exercer jurisdição sobre o
presidente dos Estados Unidos, conclusão acessória e totalmente desnecessária, que
enfureceu o Presidente Thomas Jefferson.

(John Adams, presidente dos EUA, foi derrotado na eleição presidencial por Thomas Jefferson. Antes da posse do
presidente eleito, Adams nomeou diversas pessoas ligadas ao seu governo, como juízes federais, destacando-se
William Marbury, cuja nomeação para o cargo foi assinada pelo ex-presidente, mas jamais lhe foi entregue.

Jefferson, ao assumir o governo, nomeou James Madison como seu Secretário de Estado e, ao mesmo tempo,
determinou que o cargo de Marbury não se efetivasse. Desta forma, Marbury impetrou writ of mandamus para efetivar
judicialmente sua nomeação.
O juiz John Marshall da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde foi distribuída a ação, em seu voto analisou vários
pontos da demanda, inclusive sobre a competência da Corte no caso.

Verificou o magistrado que havia conflito de normas sobre o tema, entre a Constituição e a lei (seção 13 do Judiciary
Act, DE 1789). Em resumo, pela Constituição a Suprema corte não teria competência para julgar a referida ação,
contrariando o que determinava a lei. Concluiu que é nula qualquer lei incompatível com a Constituição, vinculando os
demais tribunais a esta decisão. Na justiça americana o controle decorre da jurisprudência em não de uma autorização
expressa pelo Constituinte.)

O obter dictum, embora não seja vinculante, não é desprezível. Ele pode sinalizar uma
futura orientação do tribunal, por exemplo. Além disso, o voto vencido em um julgamento
colegiado tem a sua relevância para que se aplique a técnica de julgamento da apelação,
do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, cujo resultado
não seja unânime, conforme art. 942, CPC, bem como tem eficácia persuasiva para uma
tentativa de superação do precedente.

DEVER DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA

O dever de uniformizar pressupõe que o tribunal não pode ser omisso diante de
divergência interna, entre seus órgãos fracionários, sobre a mesma questão jurídica, art.
926, § 1º, CPC.

DEVER DE MANTER A JURISPRUDÊNCIA ESTÁVEL

Há, ainda, o dever de o Tribunal manter sua jurisprudência estável. Assim, qualquer
mudança de posicionamento (superação; overruling) deve ser justificada adequadamente,
além de ter sua eficácia modulada em respeito à segurança jurídica (dever de
estabilidade).

Daí falar-se do princípio da inércia argumentativa, que defende a preservação do status


quo, cuja modificação pressupõe razões extras até então não cogitadas ou enfrentadas.
Mais que uma norma infraconstitucional (art. 489, § 1º, V e VI, CPC), encontra-se
implicitamente consagrada na Constituição para garantir a igualdade de tratamento para
casos afins (art. 5º, caput, CF); motivação adequada tanto para a decisão que aplica
como para aquele que afasta o precedente (art. 93,IX, CF) e contraditório, que
pressupões o direito de conhecer essa motivação para questioná-la por meios de
impugnação cabíveis (art. 5º, LV, CF).

DEVER DE DAR PUBLICIDADE AOS PRECEDENTES

O art. 927, § 5°, CPC, prevê que caberá aos tribunais organizar seus precedentes por
tema (por questão jurídica decidida) e divulgá-los, de preferência, na rede mundial de
computadores. Com isso, tornam-se mais acessíveis aos juízes e jurisdicionados os
posicionamentos daquela corte que podem vincular ou persuadir no julgamento de casos
futuros e afins.

DEVER DE MANTER A JURISPRUDÊNCIA COERENTE

Segundo o Enunciado 454 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Uma das


dimensões da coerência a que se refere o caput do art. 926 consiste em que os tribunais
não ignorem seus próprios precedentes (dever de autorreferência)” e o Enunciado 455 do
FPPC: “Uma das dimensões do dever de coerência significa o dever de não contradição,
ou seja, o dever de os tribunais não decidirem casos análogos contrariamente às
decisões anteriores, salvo distinção ou superação”.

Há uma metáfora elaborada por um jurista americano Ronald Dworkin, de que a


construção judicial do Direito é um romance em cadeia: cada julgador escreve um
capítulo, mas não pode deixar de dialogar com o capítulo anterior, para que a história
possa resultar em algo coerente.

Não há coerência, por exemplo, na distinção que o STJ fez, na vigência do CPC/73, entre
núcleos de prática jurídica de instituições federais de ensino e núcleos de prática jurídica
de instituições particulares de ensino, reconhecendo apenas os primeiros benefícios da
dobra de prazo – a incoerência dessa distinção é reforçada pela consagração da regra do
§ 3º, do art. 186, CPC/15.

Outro exemplo. Um tribunal que decida, em um caso, que a união homoafetiva é família,
para fim sucessório e, em outro, que não é família, para fim previdenciário, produz
decisões incoerentes, pois não é possível reconduzi-las a uma norma superior comum.

DEVER DE MANTER A JURISPRUDÊNCIA ÍNTEGRA

Para se formar uma jurisprudência íntegra devem ser considerados todos os fundamentos
rejeitados e acolhidos nos julgamentos que versam sobre a mesma matéria jurídica.

Compreender o Direito como um sistema de normas, e não como um amontoado de


normas. O dever de integridade é, nesse sentido, uma concretização do postulado da
unidade do ordenamento jurídico, a exigir do intérprete o relacionamento entre a parte e o
todo mediante o emprego das categorias de ordem de unidade.

Um exemplo. O tribunal, ao interpretar uma norma processual, demonstra as relações


que ela mantém com uma determinada norma material – como no caso de interpretação
das normas relativas à denunciação da lide, por exemplo. Ao fazer isso, o tribunal
robustece a sua fundamentação, por estabelecer as conexões normativas entre os
diversos ramos do Direito. Com essas conexões normativas, o tribunal, por observar o
dever de integridade, tornando a sua decisão ainda mais consistente.

Alguns exemplos de entendimentos que não observam o dever de integridade:

a) decisão que não reconheça capacidade processual do Ministério Público para propor
mandado de segurança coletivo, por não encontrar referência a ele no art. 21 da Lei
12.016/2009, ignora o microssistema de tutela coletiva de direitos (ação civil pública e
código do consumidor);
b) o acórdão do STF que considera que o inquérito penal tem natureza processual e é,
por isso, tema de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, CF), fere a
integridade (e também a coerência) quando há precedente dessa mesma Corte no
sentido de que o inquérito civil é procedimento administrativo, para fins de reconhecer a
competência dos Estados para legislar supletiva ou suplementarmente sobre essa matéria
(art. 24, XI, CF);
c) decisão que não considerasse obrigatória a intimação das fazendas públicas na ação
de usucapião imobiliária de procedimento comum, porque silencia o CPC a respeito do
assunto, violaria o dever de integridade. Se essa intimação é exigida no procedimento
administrativo de reconhecimento da usucapião imobiliária (art. 1.071, CPC/15), tanto
mais ela se justifica no procedimento judicial, que tem aptidão para a coisa julgada
(Enunciado 25 do FPPC);
d) decisão que considera proibido o oferecimento à penhora, pelo executado, de bem de
família disponível, viola o dever de integridade, pois incompatível com o sistema do Direito
privado que permite que esse mesmo bem seja alienado, onerosamente (vendido ou
hipotecado, por exemplo) ou gratuitamente (doado); se o bem pode ser alienado pelo seu
proprietário, pode ser oferecido à penhora, primeira etapa do procedimento de alienação
judicial do bem.

DINÂMICA DO PRECEDENTE

Súmula, jurisprudência e precedente.

No Brasil, o sistema de precedentes tem um aspecto curioso. À luz das circunstâncias


específicas envolvidas na causa, interpretam-se os textos legais (lato sensu),
identificando a norma geral do caso concreto, isto é, a ratio decidendi que constitui o
elemento nuclear do precedente. Um precedente, quando reiteradamente aplicado, se
transforma em jurisprudência, que, se predominar em tribunal, pode dar ensejo à edição
de um enunciado nas súmulas deste tribunal.

Assim, as súmulas é o enunciado normativo (texto) da ratio decidendi (norma geral) de


uma jurisprudência dominante, que é a reiteração de um precedente. Há, pois, em
evolução: precedente – jurisprudência-súmula. São noções distintas, embora ligadas.

Entretanto, se a decisão que gera o precedente é construída em procedimento judicial


que transcorre em contraditório, que se dá com a participação cooperativa e dialógica das
partes, o mesmo não se pode dizer, segundo Marinoni, do enunciado de súmula. O
procedimento de edição de um enunciado da súmula não conta com a presença
democrática e legitimadora das partes que figuram nos processos em que fora
inicialmente concebida a razão jurídica ali sintetizada.

Rigorosamente, a legitimação democrática na formação do precedente – que pode


originar jurisprudência e enunciado de súmula – pressupõe que o tribunal, ao fundamentar
a decisão que o origina, atente para a exigência do art. 489, § 1º, IV c/c art. 927, § 1º,
CPC. Quer dizer, é indispensável que enfrente todos os argumentos trazidos no
processo, em especial os contrários à tese adotada e aptos a colocar em xeque a
conclusão a que se chega.

Já em momento posterior, de interpretação e aplicação desse precedente, não será


necessário revolver todos os argumentos de antes já explorados, em contraditório.
Bastará que a decisão seja fundamentada na forma dos citados artigos, identificando-se
a ratio decidendi do precedente e justificando que o caso que lhe deu origem se
assemelha ao caso em julgamento (não havendo distinção). O art. 927, § 1º, estabelece
a aplicação dos arts. 10 e 489, § 1º, CPC, no ato de interpretação e aplicação dos
precedentes. Mas é importantíssimo que se compreenda que, em nome do contraditório
e do dever de fundamentação das decisões, esses dispositivos são também aplicáveis
no ato de formação e construção dos precedentes.

DISTINGUISHING/ DISTINGUISH
Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto
(em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos
fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica)
constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre ele,
alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente.

Notando, pois, o magistrado que há distinção (distinguishing) entre o caso sub judice e
aquele que ensejou o precedente, pode seguir um desses caminhos: a) dar à ratio
decidende um interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto
impedem a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing),
caso em que julgará o processo livremente, sem vinculacão ao precedente; b) ou
estender ao caso a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender que, a
despeito das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica é aplicável (ampliative
distinguishing), justificando-se nos moldes do art. 489, § 1º, V e 927, § 1º, CPC.

TÉCNICAS DE SUPERAÇÃO DO PRECEDENTE: OVERRULING E OVERRIDING

Overruling é a técnica através da qual um precedente perde a sua força vinculante e é


substituído (overruled) por outro precedente. O próprio tribunal, que firmou o precedente
pode abandoná-lo em julgamento futuro, caracterizando o overruling. Essa substituição
pode ser:

a) expressa (express overruling), quando o tribunal resolve, expressamente, adotar uma


nova orientação, abandonando a anterior;
b) tácita ou implícita (implied overruling), quando uma orientação é adotada em confronto
com posição anterior, embora sem expressa substituição desta última. O implied
overruling não é admitido no ordenamento brasileiro, diante da fundamentação adequada
e específica para a superação do precedente (art. 927, § 4º, CPC).

Mas a previsão técnica de superação, por excelência, que deve ser aplicável à alteração
de qualquer precedente, consta do art. 927, §§ 2º a 4º, CPC.

Não bastasse isso, há também instrumentos processuais que o jurisdicionado pode se


valer para controlar a decisão judicial que, invocando um precedente, lhe cause gravame.
É o que se dá, por exemplo, com o agravo interno (CPC, 1.021), contra a decisão do art.
932, V, CPC; é o que se dá também com a reclamação constitucional, que pode ser
utilizada contra a decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de
súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente, sem prejuízo dos
recursos ou outros meios admissíveis de impugnação (art. 7º, Lei 11.141/2006 e o art.
988, IV, CPC), bem como contra aquela que contraria decisão do STF em controle
concentrado de constitucionalidade ou precedente proferido em julgamento de casos
repetitivos ou em incidente de assunção de competência (CPC, 988, III e IV).

A superação pode se dar de maneira concentrada ou difusa. De forma difusa pode ocorrer
em qualquer processo que, chegando ao tribunal, permita a superação do precedente
anterior. No concentrado instaura-se um procedimento autônomo, cujo objetivo é a
revisão de um entendimento já consolidado no tribunal. É o que ocorre com o pedido de
revisão ou cancelamento se súmula vinculante (art. 3º, L. 11.141/2006) e com o pedido de
revisão da tese firmada em IRDR, art. 986, CPC.

Há overriding quando o tribunal apenas limita o âmbito de incidência de um precedente,


em função da superveniência de uma regra ou princípio legal. Neste caso, não há
superação total do precedente, mas apenas uma superação parcial. É uma espécie de
revogação parcial.

ANTECIPATORY OVERRULING

Como muitas vezes é demorado o processo de superação do precedente, é possível que


o tribunal adote a técnica conhecida no direito norte-americano como signaling, ou seja, o
tribunal sinaliza aos jurisdicionados que poderá modificar seu entendimento, sem
entretanto, fazê-lo, ou mesmo se vinculando a tal sinalização, já que ela somente
demonstra uma possibilidade de futura superação, que poderá nem vir a ocorrer. A partir
da adoção dessa técnica os tribunais inferiores terão fundamento mais seguro para se
valerem da antecipatory overruling.

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