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No Common Law, antes de se ter uma jurisdicização da lide, evidencia-se uma fase de
comunicação entre os advogados das partes, por meio da qual eles expõem as suas
pretensões e até mesmo indicam as provas que têm ou que irão produzir, o que permite
um sopesamento de riscos pelos procuradores, antes de irem a juízo bancar um processo
caro, desgastante e demorado. Dessa sorte, é que muitos acordos acabam sendo
firmados extrajudicialmente.
Dentro deste universo jurídico têm, pois, os advogados posição de destaque, passando o
juiz a ostentar, contrariamente ao que ocorre na Civil Law, uma posição mais discreta e
até mesmo passiva em dadas situações (como, por exemplo, na coleta da prova). Isso
não quer dizer, em absoluto, que o juiz não tenha poderes dentro do Common Law. Muito
pelo contrário. Tem poderes, como se verá adiante, inclusive, para adequar e flexibilizar o
procedimento processual à realidade do caso específico (no Brasil, art. 139, VI,e 190,
CPC) o que, por certo, em muitas ocasiões o torna imprevisível para as partes.
A atuação do juiz, todavia, encontra limites diante das decisões anteriormente proferidas
pela Corte, em outras oportunidades e demandas, que eventualmente se encaixem na
situação jurídica então posta sob sua apreciação e jurisdição. Com certeza, esta questão
é fundamental e nela se encontra todo o fundamento do Common Law, que o distancia da
Civil Law.
De fato, naquele sistema tudo gira em torno das decisões judiciais já proferidas, não
propriamente pelo mérito da decisão em si, mas, sim, pelas vinculações que ostentam em
relação a todos os casos que, posteriormente, se assemelharem àquele julgado. Vale
dizer, a decisão judicial emanada e transitada em julgado passa a ser um precedente com
uma força tamanha que torna obrigatório o seu acatamento para todos os casos
posteriores a ele que se enquadrem à mesma realidade fática.
Uma decisão judicial, segundo a perspectiva de tal sistema, ostenta: a) os fatos narrados
ou visualizados pelo juiz; b) os princípios do direito aplicados ao fato; e c) o julgamento
baseado numa combinação dos dois primeiros elementos (“a” e “b”). O que realmente
vincula são os princípios do direito aplicados ao fato (“b”) e não a decisão em si (“c”). A
decisão em si (“c”) interessa somente à parte que participou do processo; já os princípios
de direito aplicáveis a determinados fatos (“b”) interessam a toda sociedade, porquanto
representam a interpretação da justiça sobre aquela situação, vinculando o juiz para todos
os casos idênticos posteriores.
A análise de aplicação de um precedente a determinado caso, no entanto, não é matéria
tão simples quanto possa imaginar um operador da Civil Law, bastando dizer que
requererá não somente uma precisa investigação, mas também uma boa qualificação
técnica para apresentação e comparação dos casos em juízo. Tanto nos Estados Unidos
quanto na Inglaterra a pesquisa e o estudo sobre os precedentes se apresentam de forma
vital para o exercício da advocacia contenciosa e também da atuação judicial, sendo,
pois, objeto de análise minuciosa nas faculdades de Direito.
Pelo fato de o caso decidido ter importância continental, o percurso de análise dos fatos e
da causa propriamente dita é matéria árdua, sendo que, de início, o precedente se
apresenta como mero ponto de partida, ficando a critério do juiz decidir se ele se
enquadra naquela questão sub judice ou não, fato que, por certo, conta com certo
subjetivismo (distinguishing). Na prática, cotejam-se os grupos de casos semelhantes
para ao fim decidir qual precedente mais se afeiçoa ao caso concreto.
Edward Re, professor da Universidade de Nova Iorque, a propósito bem leciona neste
sentido:
É por razões históricas, e de longa data, que o Common Law se caracteriza pela eleição
do precedente como fonte primária, sendo tal força vinculativa das decisões, como se
registrou, elemento central de tal estrutura jurídica. De se registrar que os precedentes
ostentam o condão de vincular a decisão proferida aos casos posteriores, ainda que tal
decisão não pareça a mais correta. Essa circunstância é, inclusive, criticada e posta como
ponto fraco pelos próprios seguidores do Common Law já que, em determinadas
oportunidades, pode gerar situações teratológicas. Lembre-se, por exemplo, do
precedente polêmico existente na Inglaterra, cujo conteúdo dizia que “não era crime o
estupro dentro do casamento”. Tal precedente levou, de fato, muito tempo para ser
alterado.
Evidentemente que, por estas razões, no overruling o esforço argumentativo do juiz deve
ser muito maior do que na situação em que meramente aplicaria o precedente.
Há, todavia, que se fazer uma distinção entre precedente e precedente vinculante. O juiz
norte-americano, por exemplo, estará vinculado aos precedentes da Corte onde se situar
a sua jurisdição, bem como da Suprema Corte, não tendo, todavia, de obedecer a
precedentes de tribunais outros, ainda que se situem dentro dos Estados Unidos. De igual
sorte, por exemplo, um juiz federal não estará obrigado a decidir da mesma forma como
decidiu uma Corte Estadual, porquanto se trata de esferas distintas e que, por certo, não
se sobrepõem e não geram dever de observância.
Tem-se que uma decisão terá força vinculante quando houver: 1) identidade de fato; 2) Já
tenha sido adotado em Corte da mesma jurisdição; 3) Não tenha sido modificado ou
revisto, isto é, não tenha sido superado por entendimento mais atual; e 4) quando a
matéria jurídica se apresenta idêntica.
Um precedente que se mostre não vinculante, seja pelo fato de não corresponder à
mesma realidade, mas apenas análoga, seja por não pertencer à Corte da mesma
jurisdição, ou por qualquer outra razão, pois, expõe-se como mero elemento de
argumentação jurídica, de persuasão. É, de fato, um mero ponto de partida, um princípio
a ser observado sem que o fim (resultado) da demanda com ele convirja. O precedente só
terá força vinculante se houver identidade com base nos fatos ou nas questões de direito
suscitadas (binding ou leading precedents), caso contrário servirá apenas de elemento
persuasivo (persuasive precedents).
Já dictum diz respeito a tudo aquilo que se afirma na decisão, mas que não é decisivo
para o deslinde da controvérsia, sendo, pois, elementos persuasivos e, talvez, no caso,
confortadores da decisão proferida.
Em sentido lato, o precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo
elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos
análogos.
Na verdade, em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio
decidendi.
Por exemplo: o art. 700, CPC permite o ajuizamento de ação monitória a quem disponha
de “prova escrita” que não tenha eficácia de título executivo. “Prova escrita” é termo
vago. O STJ decidiu que cheque prescrito (Súm. 299, STJ) e contrato de abertura de
conta corrente acompanhado de extrato bancário (Súm. 247, STJ) são exemplos de prova
escrita. A partir de casos concretos criou-se duas normas gerais à luz do direito positivo.
Compõe também o precedente o obter dictum (dito de passagem, pelo caminho, obter
dicta, no plural), ou simplesmente o dictum, que é o argumento jurídico, consideração,
comentário exposto apenas de passagem na motivação da decisão, que se convola em
juízo normativo acessório, provisório, secundário, impressão ou qualquer outro elemento
jurídico-hermenêutico que não tenha influência relevante para a decisão.
(John Adams, presidente dos EUA, foi derrotado na eleição presidencial por Thomas Jefferson. Antes da posse do
presidente eleito, Adams nomeou diversas pessoas ligadas ao seu governo, como juízes federais, destacando-se
William Marbury, cuja nomeação para o cargo foi assinada pelo ex-presidente, mas jamais lhe foi entregue.
Jefferson, ao assumir o governo, nomeou James Madison como seu Secretário de Estado e, ao mesmo tempo,
determinou que o cargo de Marbury não se efetivasse. Desta forma, Marbury impetrou writ of mandamus para efetivar
judicialmente sua nomeação.
O juiz John Marshall da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde foi distribuída a ação, em seu voto analisou vários
pontos da demanda, inclusive sobre a competência da Corte no caso.
Verificou o magistrado que havia conflito de normas sobre o tema, entre a Constituição e a lei (seção 13 do Judiciary
Act, DE 1789). Em resumo, pela Constituição a Suprema corte não teria competência para julgar a referida ação,
contrariando o que determinava a lei. Concluiu que é nula qualquer lei incompatível com a Constituição, vinculando os
demais tribunais a esta decisão. Na justiça americana o controle decorre da jurisprudência em não de uma autorização
expressa pelo Constituinte.)
O obter dictum, embora não seja vinculante, não é desprezível. Ele pode sinalizar uma
futura orientação do tribunal, por exemplo. Além disso, o voto vencido em um julgamento
colegiado tem a sua relevância para que se aplique a técnica de julgamento da apelação,
do agravo de instrumento contra decisão de mérito e da ação rescisória, cujo resultado
não seja unânime, conforme art. 942, CPC, bem como tem eficácia persuasiva para uma
tentativa de superação do precedente.
O dever de uniformizar pressupõe que o tribunal não pode ser omisso diante de
divergência interna, entre seus órgãos fracionários, sobre a mesma questão jurídica, art.
926, § 1º, CPC.
Há, ainda, o dever de o Tribunal manter sua jurisprudência estável. Assim, qualquer
mudança de posicionamento (superação; overruling) deve ser justificada adequadamente,
além de ter sua eficácia modulada em respeito à segurança jurídica (dever de
estabilidade).
O art. 927, § 5°, CPC, prevê que caberá aos tribunais organizar seus precedentes por
tema (por questão jurídica decidida) e divulgá-los, de preferência, na rede mundial de
computadores. Com isso, tornam-se mais acessíveis aos juízes e jurisdicionados os
posicionamentos daquela corte que podem vincular ou persuadir no julgamento de casos
futuros e afins.
Não há coerência, por exemplo, na distinção que o STJ fez, na vigência do CPC/73, entre
núcleos de prática jurídica de instituições federais de ensino e núcleos de prática jurídica
de instituições particulares de ensino, reconhecendo apenas os primeiros benefícios da
dobra de prazo – a incoerência dessa distinção é reforçada pela consagração da regra do
§ 3º, do art. 186, CPC/15.
Outro exemplo. Um tribunal que decida, em um caso, que a união homoafetiva é família,
para fim sucessório e, em outro, que não é família, para fim previdenciário, produz
decisões incoerentes, pois não é possível reconduzi-las a uma norma superior comum.
Para se formar uma jurisprudência íntegra devem ser considerados todos os fundamentos
rejeitados e acolhidos nos julgamentos que versam sobre a mesma matéria jurídica.
a) decisão que não reconheça capacidade processual do Ministério Público para propor
mandado de segurança coletivo, por não encontrar referência a ele no art. 21 da Lei
12.016/2009, ignora o microssistema de tutela coletiva de direitos (ação civil pública e
código do consumidor);
b) o acórdão do STF que considera que o inquérito penal tem natureza processual e é,
por isso, tema de competência legislativa privativa da União (art. 22, I, CF), fere a
integridade (e também a coerência) quando há precedente dessa mesma Corte no
sentido de que o inquérito civil é procedimento administrativo, para fins de reconhecer a
competência dos Estados para legislar supletiva ou suplementarmente sobre essa matéria
(art. 24, XI, CF);
c) decisão que não considerasse obrigatória a intimação das fazendas públicas na ação
de usucapião imobiliária de procedimento comum, porque silencia o CPC a respeito do
assunto, violaria o dever de integridade. Se essa intimação é exigida no procedimento
administrativo de reconhecimento da usucapião imobiliária (art. 1.071, CPC/15), tanto
mais ela se justifica no procedimento judicial, que tem aptidão para a coisa julgada
(Enunciado 25 do FPPC);
d) decisão que considera proibido o oferecimento à penhora, pelo executado, de bem de
família disponível, viola o dever de integridade, pois incompatível com o sistema do Direito
privado que permite que esse mesmo bem seja alienado, onerosamente (vendido ou
hipotecado, por exemplo) ou gratuitamente (doado); se o bem pode ser alienado pelo seu
proprietário, pode ser oferecido à penhora, primeira etapa do procedimento de alienação
judicial do bem.
DINÂMICA DO PRECEDENTE
DISTINGUISHING/ DISTINGUISH
Fala-se em distinguishing (ou distinguish) quando houver distinção entre o caso concreto
(em julgamento) e o paradigma, seja porque não há coincidência entre os fatos
fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica)
constante no precedente, seja porque, a despeito de existir uma aproximação entre ele,
alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente.
Notando, pois, o magistrado que há distinção (distinguishing) entre o caso sub judice e
aquele que ensejou o precedente, pode seguir um desses caminhos: a) dar à ratio
decidende um interpretação restritiva, por entender que peculiaridades do caso concreto
impedem a aplicação da mesma tese jurídica outrora firmada (restrictive distinguishing),
caso em que julgará o processo livremente, sem vinculacão ao precedente; b) ou
estender ao caso a mesma solução conferida aos casos anteriores, por entender que, a
despeito das peculiaridades concretas, aquela tese jurídica é aplicável (ampliative
distinguishing), justificando-se nos moldes do art. 489, § 1º, V e 927, § 1º, CPC.
Mas a previsão técnica de superação, por excelência, que deve ser aplicável à alteração
de qualquer precedente, consta do art. 927, §§ 2º a 4º, CPC.
A superação pode se dar de maneira concentrada ou difusa. De forma difusa pode ocorrer
em qualquer processo que, chegando ao tribunal, permita a superação do precedente
anterior. No concentrado instaura-se um procedimento autônomo, cujo objetivo é a
revisão de um entendimento já consolidado no tribunal. É o que ocorre com o pedido de
revisão ou cancelamento se súmula vinculante (art. 3º, L. 11.141/2006) e com o pedido de
revisão da tese firmada em IRDR, art. 986, CPC.
ANTECIPATORY OVERRULING