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Cai o investimento público e a produtividade no Brasil submergente

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou, em 10 de abril de 2019, os dados econômicos


e as projeções até 2024 para todos os países do mundo e regiões. Os dados para o Brasil não
são nada agradáveis e confirmam que o maior país da América Latina está encolhendo e
ficando mais pobre em termos relativos. O FMI reduziu as projeções de crescimento da
economia brasileira para o período 2019-2022, em relação ao que foi publicado em abril de
2018. O cenário é desalentador, pois a economia brasileira continua rastejando quando
comparada com a média mundial e, especialmente, em relação aos países emergentes.

O gráfico acima mostra que a nação brasileira, pela primeira vez na história, entre 2011 e
2024, deve ficar, pelo menos, 14 anos com desempenho abaixo do ritmo médio da economia
mundial e muito abaixo da média dos países emergentes. Isto nunca tinha acontecido antes e
pode estar se tornando a nova norma, num processo de estagnação secular e de
envelhecimento precoce da economia nacional.

Considerando alguns períodos mais longos, também com dados do FMI (abril de 2019), nota-se
que o ritmo de crescimento econômico dos países emergentes aumentou de 4,5% ao ano no
período 1980-2010, para 4,7% aa no período mais amplo de 1980-2024 e chegou a 4,9% aa
quando se considera somente os 14 anos entre 2011-24, conforme a tabela abaixo. A média
mundial manteve o ritmo de 3,6% ao ano no três períodos. Já o Brasil apresentou queda
regressiva, pois teve média de crescimento de 2,8% aa entre 1980-2010, de 2,3% aa entre
1980-2024 e somente 1,0% aa nos últimos 14 anos, entre 2011-24.

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Com o baixo crescimento econômico, houve uma quase estagnação da renda dos brasileiros. A
renda per capita da população brasileira era de US$ 11,4 mil em 1980 e caiu para US$ 10,4 mil
em 1992. Houve uma recuperação nos anos seguintes e a renda per capita chegou a US$ 11,7
mil em 2002, pouco acima daquela de 1980. Na primeira década do século XXI a renda per
capita deu o maior salto e foi para US$ 15,1 mil em 2011 e atingiu o pico histórico em 2013,
com US$ 15,6 mil. Mas a renda per capita começou a cair com a recessão de 2014 e atingiu o
nível mais baixo em 2016, com US$ 14,3 mil. Nos anos seguintes a renda teve uma lenta
recuperação, mas só deve atingiu o nível de 2011 em 2022 (com US$ 15,3 mil) e deve atingir o
nível de 2013, se tudo ocorrer bem como nas projeções do FMI, somente em 2024 (com US$
15,8 mil).

Nos 40 anos entre 1940 e 1980 a renda per capita brasileira cresceu mais de 4 vezes, mas nos
44 anos entre 1980 e 2024 deve crescer apenas 1,4 vezes. Ou seja, o Brasil teve uma década
perdida nos anos de 1980 e uma segunda década perdida nos anos 2010. A renda per capita
brasileira está praticamente estagnada. O país está ficando para trás em relação à média
mundial e, principalmente, à média das economia emergentes. E o pior é que as projeções do
FMI para 2019 a 2024 – acima de 2% ao ano – podem não se realizar e o resultado final pode
ser ainda mais desalentador.

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Estes 14 anos (2011-2024) em que o Brasil cresce menos que a média mundial vieram no pior
momento possível pois o país está desperdiçando os últimos momentos da janela de
oportunidade demográfica. A perda desta oportunidade pode representar o fim do sonho da
construção de um país próspero, de renda per capita alta e de alto Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH). O drama é que o bônus demográfico só acontece uma vez na história de cada
país e não aproveitá-lo pode significar a condenação à condição de país eternamente
acorrentado ao subdesenvolvimento e à “armadilha da renda média”.

O Brasil está perdendo competitividade internacional e apresenta redução da produtividade.


Segundo o economista Delfim Neto - ex-ministro todo-poderoso do período ditatorial e
consultor privilegiado dos governos petistas - o Brasil deixou para trás os chamados “trinta
anos dourados” (1950-1980), para cair na armadilha dos 40 anos de baixo crescimento (1981-
2020).

Nas palavras de Delfim: “em 1947, o PIB brasileiro per capita (nossa produtividade) era 18% do
americano; em 1980, 36% (tinha dobrado) e em 2017, regredido para 26%. Em outras palavras:
entre 1947-1980, crescemos 2,2% ao ano acima dos EUA, e entre 1980-2017, decrescemos
0,9% ao ano em relação a eles!”, como mostra o gráfico abaixo.

Para o ex-ministro, a “produtividade do trabalho” depende da quantidade e qualidade do


capital posto à disposição de cada trabalhador, e ela cresce com o nível de investimento. Ele
pergunta: “O que explica sua dramática redução?”. E responde: “Seguramente não foi a
redução da carga tributária/PIB. Entre 1964-94 ela permaneceu em 25%. Com o Plano Real
(1995), saltou para 33%, onde está hoje” ... “Os governos dissiparam sua receita no consumo
da casta que o controla e estimularam o “rentismo” com uma das maiores taxas de juro real do
mundo para sustentar a valorização da moeda”. No artigo “Estado Autofágico” (FSP,
20/03/2019), o que explica as baixas taxas de formação bruta de capital é a redução do
investimento do setor público do Brasil, que tinha subido de 3% em 1947 para 10,6% em 1976,
mas caiu para o seu menor nível de 1,8% em 2017.

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Isto quer dizer que a crise fiscal do Estado brasileiro está prejudicando toda a sociedade,
mantendo altas taxas de desemprego e fazendo a renda per capita ficar estagnada ou
decrescente. Os últimos dados do FMI mostram que, no quinquênio 2015-20, a taxa de
poupança da economia brasileira está em torno de 14% do PIB e a taxa de investimento em
torno de 16%. Nesse nível, jamais haverá recuperação e progresso.

A trajetória submergente da economia brasileira começou no tempo do governo Figueiredo, a


partir da crise econômica de 1981, teve uma aceleração nos governos Collor e Sarney (1985-
1992), apresentou uma desaceleração nos governos Itamar (1993-1994), Fernando Henrique
(1995-2002) e Lula (2003-2010) e voltou a acelerar o ritmo de declínio nos governos Dilma-
Temer (2011-2018). Mesmo que a economia cresça cerca de 2% ao ano durante o governo
Bolsonaro (como prevê o FMI), a trajetória submergente vai continuar pois o mundo e as
economias emergentes crescem muito mais rápido.

Evidentemente, o péssimo desempenho econômico se reflete em uma miríade de tragédias:


barragens de rejeitos de mineração tragaram centenas de vida em Mariana e Brumadinho;
pontes, viadutos e passarelas caem ou são interditados por falta de manutenção; o trânsito
continua matando milhares de pessoas por ano; homicídios de homens e mulheres continuam
em quantidade escandalosa e até bebês são assinados por balas perdidas na barriga das mães:
doenças como Dengue, Chikungunya, Zika, febre amarela e sarampo, que poderiam estar
erradicadas, voltam a testar as fragilidades da saúde pública nacional, revertendo as conquistas
da transição epidemiológica; incêndio do Museu Nacional destruiu parte da nossa história;
garotos sonhadores do time do Flamengo morreram em um incêndio no centro de
treinamento; o fogo continua destruindo benfeitorias e as matas; as chuvas e os efeitos
climáticos extremos causam tragédias sem que o poder público esteja preparado para evitar o
pior; as milícias e os traficantes de drogas e armas controlam amplos territórios constituindo
um verdadeiro “Estado paralelo”, inclusive dominando “currais eleitorais”; faltam verbas para
manter os serviços básicos de saúde, educação, Justiça e segurança pública, além de recursos
para o investimento público em rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, metrôs nas grandes
cidades, saneamento básico, etc. Também falta dinheiro para garantir as atividades de
pesquisa, de desenvolvimento tecnológico e de incremento da graduação e da pós-graduação
das universidades. Até o censo demográfico 2020 está ameaçado e o Brasil pode ficar sem a
sua maior pesquisa decenal ou ter um censo sem representatividade.

O pior é que não se vê uma luz no fim do túnel. O processo de apequenamento e encolhimento
relativo da economia brasileira já tem cerca de quatro décadas. O que difere um governo do
outro é o grau e a rapidez da trajetória submergente. O Brasil saiu de uma trajetória emergente
(entre 1822 e 1980) para uma trajetória submergente (a partir de 1981). A democracia
brasileira está em perigo e a sociedade civil está enfraquecida e bestificada. Só uma tomada de
consciência e uma grande mobilização de baixo para cima pode sacudir a poeira e dar a volta
por cima.

Referências:
ALVES, JED. A trajetória submergente da nação brasileira em 10 figuras, Ecodebate, 07/11/18
https://www.ecodebate.com.br/2018/11/07/a-trajetoria-submergente-da-nacao-brasileira-em-
10-figuras-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Delfim Neto, Estado autofágico. FSP, 20/03/2019
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antoniodelfim/2019/03/estado-autofagico.shtml

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