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DA GRÉCIA CLÁSSICA A

CULTURA CONTEMPORÂNEA

Apostila elaborada por:


ANDRÉ LUIZ BEZERRA
Licenciado em Filosofia

REALIZAÇÃO: APOIO:
1

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

Capítulo 1 – MITOLOGIA GREGA 1

Capítulo 2 – DO MITO À FILOSOFIA 3

Capítulo 3 – OS PRÉ – SOCRÁTICOS 5


- ESCOLA JÔNICA 6
- TALES DE MILETO (625/4-558 a.C.) 6
- ANAXIMANDRO DE MILETO (610-547 a.C.) 7
- ANAXÍMENES DE MILETO (585-528/5 a.C.) 7
- ESCOLA PITAGÓRICA 8
- ESCOLA ELEÁTICA 12
- XENÓFANES DE COLOFÃO (570-528 a.C.) 12
- PARMÊNIDES DE ELÉIA (530-444 a.C.) 12
- ZENÃO DE ELÉIA (cerca de 504/1? a.C.) 13
- HERÁCLITO DE ÉFESO (535-475 a.C.) 13
- ESCOLA ABDÉRICA OU ATOMISTA 14
- EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO (490-435 a.C.) 15
- ANAXÁGORAS DE CLAZÔMENAS (500-428 a.C.) 16
- LEUCIPO DE MILETO (500-430 a.C.) 17
- DEMÓCRITO DE ABDERA (460-370 a.C.) 17

Capítulo 4 – A FILOSOFIA EM ATENAS 20


- OS SOFISTAS 20

Capítulo 5 – SÓCRATES (469-399 a.C.) 22

Capítulo 6 – PLATÃO (427-347 a.C.) 25

Capítulo 7 – ARISTÓTELES (384-322 a.C.) 29

Capítulo 8 – O HELENISMO 34
- OS CÍNICOS 35
- OS ESTÓICOS 36
- OS EPICUREUS 37
- O NEOPLATONISMO 38
- A FILOSOFIA EM ROMA 40

Capítulo 9 – A PATRÍSTICA 41

Capítulo 10 – SANTO AGOSTINHO (354-430) 44

Capítulo 11 – A ESCOLÁSTICA 48

Capítulo 12 – TOMÁS DE AQUINO (1225-1274) 52

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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Capítulo 13 – HUMANISMO E RENASCIMENTO 56


- ERASMO DE ROTERDÃ (1466-1536) 59
- MAQUIAVEL (1469-1527) 59
- THOMAS MORE (1480-1535) 60
- TOMÁS CAMPANELLA (1568-1639). 60
- THOMAS HOBBES (1588-1679) 60
- MONTAIGNE (1533-1592) 60
- PASCAL (1623-1662) 60

Capítulo 14 – OS PRIMÓRDIOS DA CIÊNCIA MODERNA 61


- COPÉRNICO (1473-1543) 61
- GIORDANO BRUNO (1548-1600) 62
- JOHANNES KEPLER (1571-1630) 62
- GALILEU GALILEI (1564-1642) 62
- ISSAC NEWTON (1642-1727) 62
- LEONARDO DA VINCI (1452-1519) 63
- FRANCIS BACON (1561-1626) 63

Capítulo 15 – RACIONALISMO E EMPIRISMO 64

Capítulo 16 – OS FILÓSOFOS RACIONALISTAS 68


- RENÉ DESCARTES (1596-1650) 68
- ESPINOSA (1632-1677) 70
- LEIBNIZ (1646-1716) 72

Capítulo 17 – OS FILÓSOFOS EMPIRISTAS 75


- JOHN LOCKE (1632-1704) 75
- GEORGE BERKELEY (1684-1753) 77
- DAVID HUME (1711-1776) 78

Capítulo 18 – O ILUMINISMO 79
- VOLTAIRE (1694-1778) 83
- MONTESQUIEU (1689-1755) 83
- ROUSSEAU (1712-1778) 83
- OS ENCICLOPEDISTAS 84
- AUFKLÄRUNG 84

Capítulo 19 – IMMANUEL KANT (1724-1804) 86

Capítulo 20 – SÉCULO XIX 96

Capítulo 21 – HEGEL (1770-1831) 98

Capítulo 22 – COMTE (1789-1857) 105

Capítulo 23 – KARL MARX (1818-1883) 110

Capítulo 24 – DARWIN (1809-1882) 121

Capítulo 25 – FREUD (1856-1939) 127

Capítulo 26 – NIETZSCHE (1844-1900) 134

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Capítulo 27 – SÉCULO XX 140

Capítulo 28 – INTRODUÇÃO A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA 141

Capítulo 29 – FENOMENOLOGIA 144


- EDMUND HUSSERL (1859-1938) 144

Capítulo 30 – PRAGMATISMO 146


- WILLIAN JAMES (1842-1910) 147

Capítulo 31 – FILOSOFIA DA INTUIÇÃO E DA VIDA 149


- BERGSON (1859-1941) 149

Capítulo 32 – NEOPOSITIVISMO 150


- KARL POPPER (1902–1995) 151
- BERTRAND RUSSELL (1872-1970) 153
- WITTGENSTEIN (1889–1951) 154

Capítulo 33 – A ESCOLA DE FRANKFURT 156


- HERBERT MARCUSE (1898-1979) 157
- ERICH FROMM (1900-1980)
159

Capítulo 34 – FILOSOFIA DA LINGUAGEM 161


- NOAM CHOMSKY (1928) 162
- JÜRGEN HABERMAS (1929) 164

Capítulo 35 – EXISTENCIALISMO 166


- MARTIN HEIDEGGER (1889–1976) 167
- SARTRE (1905-1980) 168

Capítulo 36 – O FILÓSOFO DA MÍDIA 172


- MARSHALL MCLUHAN (1911–1980) 172

Capítulo 37 – NEOMARXISMO 174


- GEORG LUKÁCS (1885–1971) 174
- LOUIS ALTHUSSER (1918–1990) 175

Capítulo 38 – ESTRUTURALISMO 176


- LÉVI-STRAUSS (1908) 176

Capítulo 39 – EVOLUCIONISMO CRISTÃO 171


- TEILHARD DE CHARDIN (1881-1955) 179

Capítulo 40 – EPISTEMOLOGIA GENÉTICA 181


- PIAGET (1896-1980) 181

QUADRO DE AFILIAÇÕES FILOSÓFICAS 184

BIBLIOGRAFIA 186

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
*

Uma singela homenagem a um estudante filósofo que esteve entre nós


e agora indaga nas estrelas.

“Quem tem o hábito de freqüentar a nossa U.E.C., seja como trabalhador, como
estudante, como paciente em busca de tratamento para males físicos, morais ou espirituais, ou
como simples simpatizante ou interessado da doutrina, foi surpreendido, no início do corrente ano,
com pequenos cartazes convidando para um curso inédito na nossa casa: História da Filosofia
promovida pela Academia Espírita de Estudos Filosóficos, com início previsto para março.

Nossa Instituição, já oferece, permanentemente, além das palestras doutrinárias


nas segundas-feiras, cursos regulares da doutrina (E.S.D.E.) e da mediunidade (C.E.M.), e,
periodicamente, de passe, de recepcionistas, de entrevistadores, de monitores, de expositores da
doutrina etc. Mas curso de estudos filosóficos era uma autêntica novidade. Só que, ao se
surpreenderem, esqueceram-se, momentaneamente, de que a Doutrina Espírita, está assentada
sobre uma base formada pela ciência, pela religião e pela filosofia.

A U.E.C. fez, aqui em Fortaleza, o que já se observa no sul do país: grupos de


jovens, de ambos os sexos e de variadas procedências, em diversas instituições, reunindo-se com
o mesmo objetivo: estudos filosóficos. É a maior divulgação desses conhecimentos.

Em caráter de implantação, foram inicialmente abertas aproximadamente quarenta


inscrições, onde observou-se que muitos foram movidos pela curiosidade, poucos na busca de
mais saber. O tempo encarregou-se de fazer a triagem, e hoje, ao se aproximar o final do ano e
do curso, com os estudantes amigos da sabedoria que persistiram na longa senda, regozijo-me e
digo: Mas como valeu a pena...

Em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, introdução, IV, vê-se que Sócrates e


Platão são os precursores da idéia cristã e do Espiritismo. Nos demais livros básicos da
codificação Kardequiana, bem como nos continuadores ou complementares e em obras da vasta
e maravilhosa literatura espírita, estão registradas referências a muitos outros nomes, tais como:
Aristóteles, Pitágoras, Santo Agostinho, Descartes, Kant, Comte, Darwin etc. A maioria de nós
também já ouviu falar nesses nomes, mas pouco ou quase nada conhece de sua vida, obra e
contribuição para o progresso do conhecimento.

O Espiritismo, como tudo o mais que existe não só no nosso planeta como em todo
o universo, não está isolado no espaço e no tempo, nem é obra do acaso. Tudo se interliga na
senda da evolução.

A Academia Espírita de Estudos Filosóficos não tem a pretensão de formar


filósofos, objetivo das instituições universitárias. Mas está cumprindo muito bem a sua finalidade,
que é a de, nessa área do saber humano, uma base do Espiritismo, trazer aos seus alunos cada
vez mais conhecimentos, obedecendo assim à instrução do Espírito de Verdade: “Amai-vos e
Instruí-vos”.
Sylvio Lopes de Souza”

(*) Texto redigido em 1997 para publicação no informativo A Voz do Alto da União Espírita
Cearense. Atualmente a ACEEF funciona no Grupo Espírita Auxiliadores dos Pobres. Os
direitos autorais desta obra pertencem a ACEEF.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
INTRODUÇÃO
A Filosofia nasce da contemplação e
capacidade de admirar o mundo. Platão

A História do Pensamento constitui uma viagem em que aparece a cada momento a


experiência humana naquilo que ela tem de mais próprio: a indagação, tantas vezes árdua, tantas
vezes fascinante, sobre o destino do homem e de tudo o que o cerca. Nunca será velha a questão
sobre por que existimos ou para onde vamos. E nunca é demais saber que respostas ofereceram
a tais dilemas, os milenares sábios indianos, o Buda e o Cristo, o Iluminismo ou mesmo um
investigador deste nosso tempo, quando a tudo mais que o intriga o homem acrescentou, nos seus
arsenais, o poder de se auto-aniquilar, e ao planeta.

Mas de onde deve partir uma tal História? Como se verá já nas primeiras páginas que
aqui começa, o ponto inicial desse longo percurso será um salto na Grécia Antiga, do difuso mundo
dos mitos para as hipóteses racionais sobre a origem e composição do universo. Iremos conhecer
o conjunto de investigações dos pensadores pré-socráticos que foi uma reação de espanto e
perplexidade diante do grande mistério das origens e finalidades, da mudança e da permanência
dos homens e das coisas. Estudaremos Sócrates a incomodar os atenienses com perguntas sobre
o que é a verdade, o que é o bem. Platão construiu, a seguir, uma doutrina em que se conjugam
a busca da verdade e a organização de uma sociedade perfeita. Aristóteles tentará conciliar a
exigência lógica e metafísica com a instabilidade da realidade empírica. Esse período inaugural
da Filosofia ocidental forneceu a matriz para os debates e investigações dos séculos seguintes.

Na Idade Média o cristianismo triunfante não pôde deixar de levar em conta a forte
presença do helenismo. Santo Agostinho fará um gigantesco esforço para adaptar o pensamento
grego à idéia cristã do destino espiritual do homem. Tomás de Aquino irá empreender uma
poderosa síntese entre a provisória vida terrena, cheia de variações, e o eterno reino dos céus.

Caberá ao Renascimento a missão de conduzir a uma nova firma proclamação de


independência do intelecto frente aos dogmas e outras sujeições. O inglês Francis Bacon encarna
esse espírito libertador. E o francês René Descartes o consolida: num momento em que a ciência
se ramificava em todas as direções, ele inaugura a Filosofia Moderna, procurando estabelecer um
método que lhe pudesse servir de guia seguro às investigações.

Em etapas posteriores veremos Marx e Nietzsche, cada um a seu modo, chegar a


proclamar o fim da filosofia. O primeiro, exortando os homens de seu tempo a transformar o
mundo, em vez de interpretá-lo. O segundo, pondo em xeque o ideal mesmo da filosofia, formulado
e acalentado desde Sócrates, que é à busca da estabilidade e da imobilidade.

Não houve esse pretendido fim, mas os duros embates induziram o pensamento filosófico
a deixar para trás a procura utópica de um saber sistemático e totalizador. Para a frente emerge
o confronto com a evolução do pensamento científico. Junto aos pensadores contemporâneos
somos convidados a acompanhar uma abertura a múltiplas direções – a literatura, as artes, a vida
social e política. Iremos finalmente descobrir que a maior empreitada das realizações humanas se
caracteriza mais pelas interrogações que provocam do que pelas conquistas que proporcionam.
Eu só sei que nada sei, nos sussurra o sábio mais sábio da antiga Grécia, Sócrates.

André Luiz Bezerra


Coordenador da ACEEF
Presidente do GEAP
Fortaleza, 4 de fevereiro de 2006.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
MITOLOGIA GREGA

CAVALO DE TRÓIA
ULISSES E AS SEREIAS

CONCEPÇÃO DO MUNDO
GREGO
PROMETEU ENTREGA O
FOGO DOS DEUSES PARA A
HUMANIDADE

HESÍODO HOMERO
PANDORA

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
PENSADORES PRÉ-SOCRÁTICOS

TALES HERÁCLITO PITÁGORAS

TERRA, AR, ÁGUA E FOGO


OS QUATRO ELEMENTOS DO COSMO

MUNDO PRIMORDIAL GREGO

ESCOLA PITAGÓRICA

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
1

“A consciência mítica é, tanto quanto a consciência filosófica, uma


maneira de organizar um conhecimento sobre a realidade”.
Georges Gusdorf

O QUE É MITOLOGIA

Com a palavra mitologia designam-se dois conceitos: o conjunto de mitos e lendas


que um povo imaginou e o estudo dos mesmos. A palavra vem do grego mythos, significando
fábula, e logos, tratado. O conceito de fábula não nos deve induzir a crer que o mito seja uma
ficção caprichosa da imaginação. Dentro da narrativa mítica esconde-se um aspecto, um núcleo,
que encerra uma verdade. A fábula, pelo contrário, refere-se a acontecimentos realmente
imaginados e que não modificam a condição humana como tal. O mito relata uma “história
verdadeira”, na medida em que toca profundamente o homem - ser mortal, organizado em
sociedade, obrigado a trabalhar para viver, submetido a acontecimentos e imprevistos que
independem de sua vontade. Dizer-se que sob uma forma “fabulada”, imaginária, a mitologia narra
uma história do homem através dos milênios, não seria afastar-se muito da verdade.

É a história da criação do mundo, do homem, de múltiplos eventos cuja memória


cronológica se perdeu, mas que se preservaram em uma memória “mítica”.

Para a consciência mítica, tudo deve ter tido a sua origem. Se esta origem ficou
encoberta pelas trevas do tempo e do mistério, isto não significa que não possa ser recuperada
pela imaginação. A realidade das coisas está aí a demonstrar a repetição das origens nos ciclos
da vida. A temporalidade dos acontecimentos pouco interessa. Interessa, sim, o fato de que eles
se repetem: e por isso são perenes.

O mito consiste nesta “história perene”: é a história dos acontecimentos que são
eternos porque se repetem. Reconhecendo em cada ato cotidiano uma participação nos grandes
ciclos da vida - que não são mais do a repetição dos ciclos modelo narrados pela mitologia -, o
homem sente-se participar da grande eternidade mítica, e liberta-se de sua transitoriedade.

Através da mitologia - desde as mais primitivas até a mais moderna de suas formas,
disfarçada em ficção científica -, sempre o homem procurou compensar a distância que o separa,
cada vez mais, do universo irracional. Este abismo, o mito busca preenchê-lo, ao misturar todas
as origens. Não apenas do mundo e do homem, mas também dos animais e das plantas: e tudo
o que nasce, vive, é sexuado e organizado, se desfaz e morre - mas volta e continua.

Devido a seu caráter fundamental, o mito conserva até os nossos dias vitalidade e
presença grandiosa: ele trata dos mesmos problemas - existenciais, morais e sociais - que
continuam a afligir a humanidade. Por isto, o homem não deixou de criar novos mitos, muito
embora tenha pisado na Lua.

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2

VERDADE E FANTASIA

A mitologia helênica é uma das mais geniais concepções que


a humanidade produziu. Os gregos, com sua fantasia povoaram o céu e a
terra, os mares e o mundo subterrâneo de divindades principais e
secundárias. Amantes da ordem instauraram uma precisa categoria
intermediária para os semideuses e heróis. Grandes observadores criaram
novos nomes e figuras para os diferentes fenômenos da realidade natural.
Prodigamente, alimentou a literatura e artes através dos séculos. A cultura
ocidental deve-lhe muito do espírito e do sentido, senão do próprio fato de
existir.

Os gregos não foram grandes políticos, nem criaram, militarmente, nenhum império
coeso. Admite-se mesmo que seu espírito crítico deve ter contribuído para sua fragmentação
política em um punhado de pequenos Estados. Mas levou-os, ao mesmo tempo, à contemplação
da vida, do mundo, do homem, para perguntar: qual é a origem dos seres?

A resposta obtida não visava ao Nada, nem a um deus criador, mas a um espaço
aberto, chamado Caos, onde existe matéria informe à espera de ser organizada. Não podiam
chegar ao Nada, porque para os gregos o Nada é impensável. Mesmo sua matemática ignora o
zero. “Do não-existente nada pode nascer e nada pode desaparecer no nada absoluto”, diz
o filósofo Empédocles (495?-435? a.C.). Não chegaram à idéia de um deus criador, pois
perceberam que tudo o que existia, embora se mostrando regido por uma força vital única,
apresentava várias formas, diferentes maneiras de ser, múltiplas funções, graus infinitos. Um deus
criador único, segundo eles, não poderia ter deixado escapar uma variedade tão imensa e até
contraditória de fenômenos, sem perder ele mesmo, deus único, a sua unidade criadora essencial.

Portanto, conceberam o Caos, algo já existente, massa rude e carente de estrutura,


onde forças intrínsecas e latentes poderiam, se organizadas, produzir e perpetuar a vida. O Caos
não é, pois, a desordem, a confusão. É a possibilidade de tudo. A sua ordenação não foi
providenciada por um deus operando de fora. Ao contrário, os próprios deuses nascem, de alguma
maneira, dessa matéria. Pois é a Terra - condensação da matéria - que, em amoroso amplexo
com o Céu, dá origem às divindades primordiais.

O homem também nasceu assim. Por isso, o poeta Píndaro (518-446 a.C.) canta:
“Igual é o gênero dos homens ao dos deuses, pois todos tiramos a vida da mesma mãe;
apenas, uma força completamente diferente distingue os deuses”.

A força que ordenou o Caos deixou nas entranhas da Terra uma multiplicidade de
poderes geradores, que engendraram todas as formas existentes na superfície terrestre: seres
vegetais e animais, trazendo cada qual dentro de si o seu próprio dáimon (força misteriosa). A
vida e suas manifestações são obra de um dáimon, que elas guardam como elemento
responsável, também, por sua maneira de ser.

Aqui se encontram as raízes do mito, como tentativa de penetrar, pela imaginação, os


esconderijos do que não se explica de outra maneira: o mistério da existência.

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3

“Que representa então a Filosofia? - É uma das raras possibilidades de existência criadora. Seu
poder inicial é tornar as coisas mais refletidas, mais profundas”. Martin Heidegger

QUAL A ORIGEM DA FILOSOFIA?

Que terá levado o homem, a partir de determinado momento de sua história, a fazer
ciência teórica e filosofia? Por que surge no Ocidente, mais precisamente na Grécia do século VI
a.C., uma nova mentalidade, que passa a substituir as antigas construções mitológicas pela
aventura intelectual, expressa através de investigações científicas e especulações filosóficas?

Para responder a estas indagações teremos que compreender a formação da Grécia


Clássica que se espalhava por um mosaico de pequenas comunidades independentes, desde a
Jônia, na Ásia Menor, até o sul da Itália. No centro estava a Grécia propriamente dita. Essa
dispersão resultou das sucessivas invasões em busca, através dos mares, de novas terras
cultiváveis. Nesse cenário tomou forma, no século VI a.C., as primeiras idéias sobre as quais se
erigirá o pensamento ocidental.

Tudo teve início quando no século XII a.C., se instalou e se desenvolveu na península
grega e ilhas, a civilização micênica ou dos aqueus em estreita ligação com a civilização cretense.
A civilização micênica era composta por famílias principescas e seus monarcas eram
considerados reis divinos, ou seja, uma teocracia. Eles constituíam pequenas comunidades ou
unidades autônomas, protótipos das futuras cidades-Estados da Grécia Clássica. Desde as
origens mantinham comunicação e comércio com outras civilizações através dos mares.

Séculos depois, bandos sucessivos, vindos do Norte, os dórios dominam a região.


Estes povos dominavam o uso de utensílios e armas de ferro, fator decisivo para a vitória sobre
os micênios, que permaneciam na Idade do Bronze. As invasões dóricas acarretam migrações de
grupos de aqueus de base agrícola e patriarcal, que se transferem para as ilhas e as costas da
Ásia Menor e aí fundam colônias. Aí fundaram cidades como Mileto e Éfeso com base no comércio
(adoção da moeda), navegação e artesanato. O novo grego é capaz agora através da técnica
compreender e dominar com suas mãos as vicissitudes da nova existência. As novas condições
de vida das colônias e a nova mentalidade delas decorrente encontram sua primeira expressão
através das epopéias: em poesia o homem grego canta o declínio das arcaicas formas de viver e
pensar, enquanto prepara o futuro advento da era científica e filosófica que a Grécia conhecerá a
partir do século VI a.C.

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4

Dos numerosos poemas, apenas dois se conservaram: a Ilíada e a Odisséia de


Homero, escritos entre o século X e o VIII a.C. Embora a existência real desse poeta seja uma
questão controvertida, os poemas atribuídos a Homero narram um remoto acontecimento
histórico: as últimas guerras troianas, que se imagina terem ocorrido entre 1260 e 1250 a.C. Assim,
a Ilíada narra a fase final da guerra, em que o guerreiro Aquiles se envolve em uma série de
aventuras contra os troianos. A Odisséia descreve uma longa viagem de volta: derrotada Tróia, o
herói Ulisses (Odysseus) vaga pelos mares durante dez anos até chegar a Ítaca, sua terra, onde
sua mulher Penélope pacientemente o espera. As epopéias homéricas são a primeira expressão
documentada da visão mitopoética dos gregos. A intervenção, benéfica ou maléfica, dos deuses
está no âmago da psicologia dos heróis de Homero e comanda suas ações. Na mentalidade
popular de seu tempo, a natureza está dominada por forças obscuras e incontroláveis, cuja
interferência é designada por palavras como “théos” ou “Zeus”. Homero, entretanto, abre caminho
para compreensão da divindade e consequentemente, alija do plano divino o caráter de
inescrutabilidade e de misteriosa ameaça. Homero através de seus versos, oferece ao povo uma
visão nova de ver o Olimpo. Os deuses agora revestem-se de forma humana. O antropomorfismo
dá um aspecto familiar e até certo ponto compreensível. Agora o divino tem os contornos definidos,
feito à imagem do homem. Os deuses estão animados por sentimentos e paixões humanas. Os
deuses agora se diferenciam dos mortais, porque não podem envelhecer e são imortais. Os
deuses

Uma outra idéia também inspira os gregos à não mais recorrerem aos deuses para
explicar o mundo: a sensação de que os deuses abandonaram os homens, que aparece já no final
do século VIII a.C., na obra do poeta Hesíodo. Em Teogonia, Hesíodo descreve a criação do
mundo através de três gerações de deuses: no princípio era o Caos (Céu) e Gaia (terra), depois
a de Cronos (tempo) e finalmente Zeus e Eros (fecundidade) que entre lutas e traições, vence as
demais potências. No desenrolar desta obra e retomados nos episódios de Os Trabalhos e os
Dias, Hesíodo interpolará a figura de Prometeu e Pandora para justificar a condição humana.
Prometeu rouba o fogo de Zeus para dá-lo aos homens e atrai para si e para os mortais a ira do
suserano do Olimpo. Zeus condena Prometeu à tortura de ter o fígado permanentemente devorado
pela águia. Pandora, a outra figura do relato, é incumbida por Zeus a levar em suas mãos uma
jarra que, destampada, deixa escapar e espalhar-se entre os mortais todos os males. Na jarra,
prisioneira, fica apenas a esperança. Aos mortais Zeus reserva não menor castigo: o homem está
abandonado à própria sorte. O trabalho é a única condição de sobrevivência. Se por um lado esta
visão tem um certo tom de pessimismo, por outro Hesíodo sugere a idéia de que agora o homem
está livre dos deuses e pode valer a sua justiça e pensar por sua conta. Esta visão dos deuses
cantada nos versos de Homero e Hesíodo estabelece um novo modo de viver e pensar: a idéia de
fatalidade, o destino implacável que comanda a vida não só do homem, mas também dos próprios
deuses. O que é essa força que está acima dos deuses? Esta pergunta é uma das raízes do
pensamento ocidental.

Apartir do século VI a.C., esse tipo de construção cedeu lugar a uma nova e mais
radical forma de pensamento racional, que não partia da tradição mítica, mas de realidades
apreendidas na experiência humana cotidiana. Uma nova mentalidade, que coordenou
racionalmente os dados da experiência sensível, buscando integrá-los numa visão compreensiva
e globalizadora. Dentro desse espírito surgiram na Jônia, as primeiras concepções científicas e
filosóficas da cultura ocidental, propostas pela escola de Mileto.

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5

“Todas as coisas estão em eterno fluxo e mudança. Você não é, está


sendo. A história cósmica realiza-se em ciclos repetidos”
Heráclito de Éfeso

AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE CONSTRUÇÃO DO VERDADEIRO NA GRÉCIA

IDÉIA CENTRAL
Explicação racional e natural do COSMOS (o Universo).

QUESTÃO PRINCIPAL
Qual o princípio das coisas (PHYSIS = Natureza)?
Qual a gênese, a fonte originária, o processo de surgimento e de desenvolvimento das coisas?

No século VI a.C., na Grécia, uma nova mentalidade, passa a substituir as antigas


construções mitológicas pela aventura intelectual, expressa através de investigações científicas e
especulações filosóficas.

A idéia central daquele momento histórico da Grécia girava em torno do esforço


intelectual para compreender o que era o mundo, o universo, a realidade ou, na expressão grega,
o Cosmos.

De que maneira se poderia chegar ao conhecimento do universo, do Cosmos?

Pela razão, respondiam.

Cosmos, para os gregos, era um todo organizado racionalmente, portanto essa ordem
poderia ser desvendada pela razão. Isto despertava uma imensa curiosidade intelectual naquele
brilhante povo. Contudo, não apenas a Filosofia, mas também a Arte grega, a Política, a vida
enfim, estavam dominadas por esta atitude racional.

A ânsia de entender racionalmente as coisas criou a um só tempo a Filosofia e a


Ciência. “É necessário, dizia Platão, ir até onde nos leva a razão e o espírito” (Rep. III, 394). A
razão levou os gregos a ver uma ordem, uma unidade, uma harmonia por detrás da multiplicidade
caótica das coisas e dos acontecimentos.

A realidade não era o que estava à nossa frente, mas sim, o que a razão iria encontrar
e dizer. Daí a busca das causas e dos princípios. Há uma citação de Eurípedes, repetida por
Virgílio, grande poeta romano, que reflete esta motivação intelectual dos helênicos: “Feliz aquele
que aprendeu a pesquisar as causas”.

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6

Como é possível, perguntavam os primeiros filósofos gregos, que todas as coisas


mudem e desapareçam e, apesar disto, a Natureza continue sempre a mesma? A Terra está
repleta de espécies. A água se transforma em vapor. A matéria viva se transforma em pó e neste
surgem às plantas para alimentar outros seres vivos. Vejamos as diversas soluções deste
problema.

ESCOLA JÔNICA

Na Jônia, colônia grega da Ásia, foi onde começou a Filosofia no Ocidente. Deparou-
se logo aos primeiros pensadores gregos da Jônia o seguinte problema: era necessário descobrir
um princípio (gr.: arché ou arqué) de tal maneira que dele se pudessem tirar, como conseqüências
racionais ou lógicas, as explicações para os fenômenos restantes da Natureza.
Este princípio poderia ser, de um ponto de vista lógico ou mental, uma proposição
extremamente geral, a partir da qual fosse possível extrair conclusões válidas. Poderia ser também
no campo físico alguma coisa material que, por força de transformações e mutações, desse origem
a todas as coisas e a todos os acontecimentos. Não deve ter sido fácil aos primeiros filósofos
chegar a esse princípio. Sua descoberta provavelmente exigiu longa meditação. É bom lembrá-lo
para que se possa relevar certa ingenuidade de algumas destas primeiras explicações racionais
ou teorias filosóficas.
Estávamos diante de um modo de pensar abstrato, bem diferente do pensar concreto
do modelo mítico.

TALES DE MILETO (625/4-558 a.C.)

É com ele que principia a Filosofia Ocidental. Segundo uma


tradição, que remonta aos próprios gregos antigos, Tales teria sido o
primeiro filósofo e físico grego ou investigador das coisas da natureza
como um todo. Pouco sabemos de sua pessoa. As datas a respeito de sua
vida são incertas, sabendo-se, porém, com segurança, que ele viveu no
período compreendido entre o final do século VII e meados do século VI
a.C.. Só pôde ser situado cronologicamente por haver predito um eclipse
que, na opinião dos astrônomos, ocorreu no ano 585 a.C..

De ascendência fenícia, era natural da Jônia, na Ásia Menor, cidade famosa pelo
florescente comércio marítimo, pátria de Anaximandro e Anaxímenes. Famoso como matemático,
alguns historiadores consideram que sua colocação pelos antigos entre os “sete sábios da Grécia”
deveu-se principalmente a sua atuação política: teria tentado unir as cidades-Estados da Ásia
Menor numa confederação, no intuito de fortalecer o mundo helênico diante das ameaças de
invasões de povos orientais.

De suas idéias, no entanto, pouco se conhece; nem há certeza de que tenha escrito
um livro. Também não se conhecem fragmentos seus. Sua doutrina só nos foi transmitida pelos
doxógrafos (escritores da antiguidade que compuseram os textos antigos referentes à doutrina
dos pensadores pré-socráticos).

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Segundo Aristóteles, Tales afirmava que a substância original, o arqué de todas as


coisas, era a água. Esta, circundando e servindo de apoio a Terra, daria origem a todas as demais
coisas: o ar, a terra, as rochas e os seres vivos. Princípio primário, a água não deriva de nada. É
elemento e princípio absolutos. Em sua última realidade deveria ser algo eterno para poder ser
agente de tamanhas transformações.

Em palavras mais simples, talvez pudéssemos traduzir a filosofia de Tales na seguinte


explicação: A água se transformava em gelo, o gelo em cristal, este em rocha, este em areia, terra
etc. A água, por sua vez, se transformava em vapor, este em ar. Por outro lado, como homem do
litoral, impressionado com a observação da “’’água-viva”, que é um animal, não teve dificuldade
em estabelecer também a evolução da vida a partir da água. Assim, a água seria a origem de tudo.
A regra estabelecida: o transformismo.

ANAXIMANDRO DE MILETO (610-547 a.C.)

Concidadão, discípulo e sucessor de Tales, substituiu-o na


chefia da escola de Mileto. Geógrafo, matemático, astrônomo e político. De
sua vida, praticamente nada se sabe. Em compensação, os relatos
doxográficos nos dão conta de que escreveu um livro, intitulado Sobre a
Natureza, tido pelos gregos como a primeira obra filosófica no seu idioma.
Infelizmente o livro se perdeu, restando-nos apenas um fragmento e
notícias de filósofos e escritores posteriores. Atribui-se a Anaximandro a
confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso
do gnômom (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e
o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega). Ampliando
a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal
presidindo o processo cósmico total.

Para Anaximandro, o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio


originário ou arché. Esse princípio seria o ápeiron, que se pode traduzir por infinito e/ou ilimitado.
Desde a Antiguidade, discute-se se o ápeiron pode ser interpretado como infinitude espacial,
como indeterminação qualitativa, ou se envolve os dois aspectos. Certo é que, para Anaximandro,
o ápeiron, substância etérea e invisível, estaria animado por um movimento eterno, que
ocasionaria a separação dos pares de opostos. No único fragmento que restou de sua obra,
Anaximandro afirma que, ao longo do tempo, os opostos pagam entre si as injustiças
reciprocamente cometidas. Para alguns intérpretes isso significaria a afirmação da lei do equilíbrio
universal, garantida através do processo de compensação dos excessos (por exemplo, no inverno,
o frio seria compensado dos excessos cometidos pelo calor durante o verão). Para Anaximandro,
portanto, os elementos estariam eternamente em luta uns contra os outros. Por exemplo: o ar é
frio, a água é úmida. O fogo é quente. São, pois, antagônicos entre si. Nesta luta cósmica, a
substância primária deve ser, neutra, como o ápeiron.

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ANAXÍMENES DE MILETO (585-528/5 a.C.)

Foi discípulo e continuador de Anaximandro. Escreveu sua obra, Sobre a Natureza,


também em prosa. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a Lua
recebe sua luz do Sol. Os antigos consideravam Anaxímenes a figura principal da escola de Mileto.

Para o último representante da escola milesiana, o universo resultaria das


transformações de um ar infinito (pneuma ápeiron). Aproveitando a sugestão oferecida pela
técnica de fabricação de feltro (produzido por aglutinação de materiais dispersos), em grande
expansão na Mileto de sua época, Anaxímenes afirmava que todas as coisas seriam produzidas
através do duplo processo mecânico de rarefação e condensação do ar infinito. O pensamento
milesiano adquiria, assim, consistência, pois, além de se identificar qual a physis, mostrava-se
um processo capaz de tornar compreensível a passagem da unidade primordial à multiplicidade
de coisas diferenciadas que constituem o universo.

Exemplificando, diríamos que a substância fundamental, o ar infinito, se condensaria


e daria origem à água. O resto se seguiria de acordo com o modelo de Tales.

Foram estes primeiros filósofos, que ao tentarem explicar racionalmente a realidade,


descobriram um novo modo de pensar, inaugurando, com suas primeiras explicações racionais, a
Ciência do Abstrato ou a Filosofia.

ESCOLA PITAGÓRICA

Pitágoras, o nome vem de Pythia, nome pelo qual era


conhecida a sacerdotisa de Apolo, no templo de Delfos, que fornecia os
oráculos ou predições e goras (que quer dizer guru em sânscrito).
Pitágoras significa, portanto, “guiado pela Pítia”.

Nascido no século VI a.C., esse filho da ilha grega de Samos,


no mar Egeu, teria viajado pelos grandes centros espirituais da
Antigüidade, percorrendo a Fenícia, o Egito, onde teria permanecido por
22 anos (sendo iniciado em Tebas, pouco antes do desmoronamento do
império faraônico com a invasão de Cambises, filho de Ciro, rei dos
Persas), a Babilônia, onde se entretém durante 12 anos entre os
astrólogos, os magos e os discípulos de Zoroastro e a India.

Regressou à Grécia onde estudou o Orfismo e daí partiu para a Itália onde se
estabeleceu na cidade de Crotona, fundando uma congregação religiosa, que não possuía
legislação civil nem policiamento de espécie alguma, sendo orientada por uma sensata e luminosa
racionalidade. Teria sido o primeiro a implantar uma cosmocracia.

DOUTRINA ÓRFICA E A PITAGÓRICA

Durante o século VI a.C. verificou-se, em certas regiões do mundo grego, uma


revivescência da vida religiosa, para a qual contribuiu, inclusive, a linha política adotada em geral
pelos tiranos: para enfraquecer a antiga aristocracia, que se supunha descendente dos deuses
protetores da polis, das divindades “oficiais”, os tiranos favoreciam a expansão de cultos
populares ou estrangeiros. Dentre as religiões de mistérios, de caráter iniciático, uma teve então
enorme difusão: o culto de Dioniso (Baco para os romanos), originário da Trácia, e que passou a
constituir o núcleo da religiosidade órfica. Orfismo de Orfeu, que primeiro teria recebido a
revelação de certos mistérios e que os teria confiado a iniciados, sob a forma de poemas musicais
- era uma religião essencialmente esotérica.

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Os órficos acreditavam na imortalidade da alma e na metempsicose (reencarnação na


Antigüidade), ou seja, a transmigração da alma através de vários corpos, a fim de efetivar sua
purificação. A alma aspiraria, por sua própria natureza, a retornar a sua pátria celeste, às estrelas;
mas, para se libertar do ciclo das reencarnações, o homem necessitava da ajuda de Dioniso, deus
libertador que completava a libertação preparada pelas práticas catárticas.

Pitágoras de Samos realizou uma modificação fundamental na religiosidade órfica,


transformando o sentido da “via de salvação”: no lugar de Dioniso colocou a matemática. Criou
um sistema global de doutrinas, cuja finalidade era de descobrir a harmonia que preside à
constituição do cosmo e traçar, de acordo com ela, as regras da vida individual e do governo das
cidades. Partindo de idéias órficas, o pitagorismo pressupunha uma identidade fundamental, de
natureza divina, entre todos os seres; qualificada como uma “harmonia” garantida pela presença
do divino em tudo. Natural que, dentro de tal concepção, o mal seja sempre entendido como
desarmonia. A grande novidade introduzida, certamente pelo próprio Pitágoras, na religiosidade
órfica foi à transformação do processo de libertação da alma num esforço de purificação que
resultaria do trabalho intelectual, que descobre a estrutura numérica das coisas e torna, assim, a
alma semelhante ao cosmo, em harmonia, proporção, beleza.

Pitágoras teria chegado à concepção de que todas as coisas são números através,
inclusive, de uma observação no campo musical: verifica, no monocórdio*, que o som produzido
varia de acordo com a extensão da corda sonora. Ou seja, descobre que há uma dependência do
som em relação à extensão, da música em relação à matemática. O que vale para a música os
pitagóricos vão estender a todas as coisas. O mundo é número - para mostrá-lo, eles reduzem
tudo o que existe a figuras geométricas simples: o ponto (.) é o número um; a linha (-) é o número
dois; a superfície é três; e o volume, quatro. O mundo se traduz nesses quatro primeiros números
inteiros e em seus múltiplos, e, por isso, os pitagóricos consideram a sua soma, o número dez
(tetraktys), vejamos: 1 + 2 + 3 + 4 = 10, como um número sagrado, pelo qual os adeptos juravam
e representavam pela figura do triângulo.

Se o mundo é número, cabe então descobrir as “características” de cada número e as


relações que existem entre eles. Dentre os vários “tipos” de números destacam-se dois: os pares
(2, 4, 6...) e os ímpares (1, 3, 5...). Representados geometricamente, os pares formam sempre um
retângulo, enquanto os ímpares formam sempre um quadrado, com seus lados iguais.

Essas relações, sempre constantes, apontavam para a existência da harmonia do


mundo e também para a possibilidade de alcançá-la desde que os números fossem bem
ordenados, apartir dos dois princípios (pares e ímpares). Esses dois princípios desdobram-se em
uma série de dez pares, pois dez é o número a que se reduz o mundo: 1) limite e ilimitado; 2)
ímpar e par; 3) uno e múltiplo; 4) direita e esquerda; 5) masculino e feminino; 6) estático e em
movimento; 7) reto e curvo; 8) luz e obscuridade; 9) bem e mal; 10) quadrado e retângulo.

(*) Monocórdio - Instrumento composto de uma caixa de ressonância, sobre a qual se estende
uma corda que se apóia sobre dois cavaletes móveis, e que já era usado no tempo de Pitágoras
(c. 582 - c. 500 a.C.) para o estudo e cálculo das relações entre as vibrações sonoras, e durante
a Idade Média para a afinação das vozes e de outros instrumentos.

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A CONGREGAÇÃO PITAGÓRICA

Diz-se que seus integrantes não se conheciam uns aos outros, pois se reuniam
encapuzados. Os discípulos iniciavam o dia com cantos e danças, entregando-se, depois, ao
exercício da meditação e ao estudo, aliando a atividade prática à meditação. Quando o cansaço
mental se fazia presente, nada melhor do que o trato com a terra. A alimentação era frugal e
vegetariana. Devotavam parte da tarde a exercícios ginásticos e, à noitinha, retornavam à dança
e aos cantos. Os discípulos de Pitágoras passavam por diversos estágios de iniciação; a
Preparação, a Purificação, a Perfeição e a Epifania (visão de cima). Os acusmáticos só recebiam
a iniciação moral; os matemáticos recebiam a iniciação completa. Para aqueles Pitágoras era um
DEUS, para esses um Sábio.

NO TERRENO CIENTÍFICO
O pitagorismo centralizou seus esforços na matemática. No campo da "física", isto é, da
interpretação material do mundo, a originalidade da escola consistiu na importância dada às
oposições, em número de dez, cinco das quais de natureza matemática: limitado-ilimitado; par-
ímpar; uno-múltiplo; reto-curvo; quadrado-heteromorfo. Essa visão do mundo, regido por tais
oposições, deu aos pitagóricos uma nova característica filosófica: o pluralismo, contraposto ao
monismo que via os acontecimentos da natureza como manifestações de um único fenômeno, o
movimento.

Para os pitagóricos, o número era o modelo das coisas. Isso levou Aristóteles a dizer mais
tarde que para eles os números eram os elementos constitutivos da matéria. O pitagorismo
desenvolveu também um grande esforço no sentido de relacionar a astronomia com a matemática,
usando para isso a aritmética, a geometria e até a música. No entanto, os pitagóricos não diferiam
profundamente dos outros filósofos gregos, mais preocupados com jogos intelectuais do que com
observações práticas: as teses eram enunciadas com o fim de adaptar a realidade à idéia. Esse
procedimento, levado às suas maiores conseqüências, pode ser observado em Aristóteles, que
governou o pensamento filosófico e científico da humanidade durante mais de mil anos.

O pressuposto filosófico de que os números são o modelo das coisas dominou a escola
pitagórica. Assim, a determinados números, principalmente os dez primeiros, eram atribuídas
virtudes especiais. Isso levou o pitagorismo a concentrar suas atenções nos números inteiros, em
detrimento dos fracionários e irracionais. Estes últimos, cuja descoberta se deve aos próprios
pitagóricos, eram sistematicamente desprezados nos cálculos aritméticos.

Mostrando a lógica e a generalidade de alguns teoremas, até então verificados somente


em casos particulares, os pitagóricos elevaram a matemática à dignidade de uma Ciência. Mais
ainda intuíram a universalidade de suas aplicações, situando-a assim na dianteira das Ciências.
A mais célebre dessas generalizações, que leva o nome do suposto fundador da escola, é o
teorema de Pitágoras, ou seja, a relação existente entre a hipotenusa e os catetos de um triângulo
retângulo (a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa).

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A demonstração da relação, sem o emprego de números "especiais", foi conseguida a


partir de um problema para o qual não existe solução numérica, o da duplicação do quadrado.
Com efeito, demonstrou-se que a relação entre a diagonal e o lado do quadrado é um número
irracional - raiz quadrada de 2 - e que um quadrado construído sobre a hipotenusa tinha o dobro
de área do quadrado original. De qualquer maneira, o teorema de Pitágoras não é suficientemente
geral, pois ele é verdadeiro não apenas para as áreas de quadrados construídos sobre os lados
de um triângulo retângulo, mas para qualquer outra figura regular. Até aí os pitagóricos não
chegaram; esta última generalização foi introduzida mais tarde.

Pode-se imaginar com que decepção os pitagóricos constataram a existência de números


- os irracionais - que não se enquadravam perfeitamente no edifício de sua "concepção numérica"
do Universo. Inicialmente, as quantidades irracionais foram qualificadas como indizíveis, numa
evidente alusão à confusão que trouxeram: os irracionais significavam um verdadeiro malogro da
aritmogeometria, uma insuficiência na linguagem e nos símbolos.

O reconhecimento do fracasso e sua aceitação figuram entre os pontos de honra da


escola pitagórica, que nisso foi pouco imitada ao longo das épocas. Surpreendentemente, eles
admitiram estar diante de dificuldade insuperável, colocando-se de propósito num beco sem saída,
pela exigência da demonstração. Introdutores do rigor demonstrativo e da generalização dos
resultados, os pitagóricos garantiram assim seu lugar na história da matemática.

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ESCOLA ELEÁTICA

Floresceu* em Eléia, sul da Itália. Em oposição ao pensamento de Heráclito e, apoiando-


se somente na razão, os eleatas estabeleceram que tudo é “ser”, negando o “devir”. Para explicar
seu modo de pensar incorreram no fenomenismo e, mais ainda, no ilusionismo, pois afirmaram
que as transformações não existem, sendo apenas ilusão dos sentidos, que a razão deve corrigir.

Os supremos princípios do monismo eleático são:

1o - O ser é uno, único e imutável.


2o - Nenhum ser pode produzir-se de novo, nem perecer, pois, do contrário o ser ou
aumentaria, ou diminuiria, o que é impossível.
3o - Como só existe um ser, o mundo e Deus são uma única e mesma coisa e assim
concebem a Deus de um modo material e hilozoísta**.

XENÓFANES DE COLOFÃO (570-528 a.C.)

Segundo Apolodoro, Xenófanes nasceu em Colofão, na Jônia (na Ásia Menor), onde
se viu forçado a emigrar, quando ainda jovem, levando então vida errante. Passou parte de sua
vida na Sicília (Itália). Foi poeta, sábio e rapsodo, cantando seus poemas através da Grécia. Em
oposição aos filósofos de Mileto, só escreveu em verso. Fundou uma escola em Eléia. Seu
monismo não é rígido, pois nega o “devir”, mas em física admite que a origem do mundo se deve
a uma ou mais substâncias primitivas, talvez a água e a terra. Pode ser considerado o “Teólogo”
da escola, porque foi o primeiro a afirmar a unidade e a imutabilidade de Deus, que ele demonstra
contra o politeísmo que dominava na época. Condenou a Homero e a Hesíodo, porque, com suas
obras, favoreceram a concepção antropomórfica de Deus. Apoiado na visão do universo como
constituído a partir de uma única origem, Xenófanes proclama: “Um deus é o supremo entre os
deuses e os homens; nem em sua forma, nem em seu pensamento é igual aos mortais”.
Começava o combate aos deuses antropomórficos, herdados da tradição homérica.

PARMÊNIDES DE ELÉIA (530-444 a.C.)

De Eléia. Sucessor e discípulo de Xenófanes é o Metafísico da


escola e talvez o mais profundo filósofo pré-socrático. Seu principal mérito
foi o descobrimento do “ser”. Para ele o real é o ser, isto é, o “ser é”, em
contraposicão o “não ser não é”. Destes dois princípios deduziu todo o seu
sistema.

De fato, se só o “ser é”, deve ser único, pois para existir algo junto ao ser, somente
poderia ser o “não ser” e o “não ser não é”. Deve ser, pois, imóvel, pois o ser que se forma ainda
não é. Deve ser incriado, caso contrário só poderia vir do “não ser”.

(*) Florescimento (florescer) - em grego, acmé: literalmente, ponta; sentido figurado, o ponto mais alto (da
vida), a flor (da idade) - é o período de máxima atividade de um filósofo ou escola; é atingir o auge de
sua produtividade.
(**) Hilozoísmo - representa a idéia de que o universo é dotado de animação, de que a matéria é viva.

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Isto, que parece um jogo de palavras, não é senão o fundamento da ontologia que o
próprio Parmênides assim enunciou: “a mesma coisa é pensar e ser”. Isso decorre da observação
de que existem duas ordens antagônicas de conhecimentos: a “sensitiva” que nos leva à ilusão, e
a “racional” que fundada na evidência dialética, nos conduz à verdade. Tais ordens
corresponderiam à verdade lógico-ontológico. Os sentidos percebem o contingente, mutável; a
razão vê na essência de todas as coisas uma realidade única - o “ser”. Assim, o “ser” não podendo
vir do “não ser” - é único, imóvel e incriado.

Tratando essa noção com rigor racional, Parmênides recusa a possibilidade de que os
sentidos pudessem conduzir à verdade e rejeita a multiplicidade e o movimento.

O homem conduzido pela razão é levado à evidência de que o ser tem de ser eterno,
imóvel, imutável e indivisível.

ZENÃO DE ELÉIA (cerca de 504/1 - ? a.C.)

Zenão nasceu em Eléia (Itália). Ao contrário de Heráclito,


interveio na política, dando leis à sua pátria. Tendo conspirado contra a
tirania e o tirano (Nearco), acabou preso, torturado e, por não revelar o
nome dos comparsas, perdeu a vida. Discípulo de Parmênides; deve ter
vivido na primeira metade do século V a.C..Considerado criador da
dialética (entendida como argumentação combativa), Zenão erigiu-se em
defensor de seu mestre Parmênides, contra as críticas dos adversários,
principalmente os pitagóricos.
Defendeu o ser uno, contínuo e indivisível de Parmênides contra o ser múltiplo,
descontínuo e divisível dos pitagóricos. Procurou também provar que a multiplicidade e o
movimento são impossíveis. É considerado o “Dialético” da escola. Alguns de seus sofismas são
famosos, principalmente o da dicotomia, com que procura provar a inexistência do movimento:
uma flecha para ir de A /a B deve atingir a metade desse espaço, isto é o ponto C; mas para ir de
A a C deve atingir a metade desse outro espaço e assim por diante. Logo num determinado tempo,
sempre estará num determinado ponto, não havendo movimento.

Zenão com suas argúcias dialéticas pode ser considerado precursor dos sofistas.

HERÁCLITO DE ÉFESO (535-475 a.C.)

Nasceu em Éfeso, cidade da Jônia e colônia grega da Ásia


Menor, de família que ainda conservava prerrogativas reais (descendentes
do fundador da cidade). De caráter altivo e melancólico ficou proverbial em
toda a Antiguidade. Desprezava a plebe. Recusou-se sempre a intervir na
política. Conta-se que teria renunciado a dignidade de se tornar rei em
favor de seu irmão. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os
filósofos de seu tempo e até contra a religião dominante. Sem ter tido
mestre, Heráclito escreveu uma obra em prosa, constituída por uma série
de frases isoladas, no dialeto jônico, mas de forma tão concisa que recebeu
o cognome de Skoteinós, o Obscuro.

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A apresentação aforismática de seu pensamento faz de Heráclito um dos pensadores


Pré-Sócraticos de mais difícil interpretação.

Natural, portanto, que a história da filosofia apresente uma sucessão de versões de


seu pensamento dependentes sempre da perspectiva assumida pelo próprio intérprete.

Continuador dos filósofos jônios, encarou diferentemente destes a natureza, em seu


aspecto dinâmico, opondo-se assim aos eleatas. Fundamentado na experiência, afirmou que tudo
é movimento contínuo, tudo é um “vir a ser” ou “devir”. É célebre sua frase: “Tu não podes descer
duas vezes no mesmo rio, porque novas águas correm sempre sobre ti”.

Opondo-se a Parmênides, que havia assegurado a imutabilidade do ser, Heráclito


apresentou a perpétua mutabilidade de todas as coisas. E como, de todos os elementos, o fogo é
o de maior mobilidade, é ele o princípio fundamental de todas as coisas. Para ele, o mundo teve
origem no fogo, que se identifica com a divindade. Por um processo “descendente” esse fogo
passa a água e depois a terra. Depois, por um novo processo “ascendente”, a terra passa a água
e esta a fogo.

Heráclito formula com vigor o problema da unidade permanente do ser diante da


pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma
lei universal e fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da
harmonia feita de tensões.

Proclama Heráclito: “Deus é dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, superabundância-


fome; mas ele assume formas variadas, do mesmo modo que o fogo, quando misturado a
arômatas, é denominado segundo os perfumes de cada um deles, por isso Homero errara em
pedir que cessasse a discórdia entre os deuses e os homens”.

A novidade trazida por Heráclito - e que lhe permite julgar tão duramente seus
antecessores e contemporâneos - está, na verdade, em considerar aquela unidade como uma
unidade de tensões opostas. Esta teria sido sua grande descoberta: existe uma harmonia oculta
das forças opostas. A Razão (Logos) consistiria precisamente na unidade profunda que as
oposições aparentes ocultam e sugerem: os contrários, em todos os níveis da realidade, seriam
aspectos inerentes a essa unidade. Não se trata, pois, de opor o Um ao Múltiplo, como Xenófanes
e o eleatismo: o Um penetra o Múltiplo e a multiplicidade é apenas uma forma da unidade, ou
melhor, a própria unidade.

Proclama Heráclito: “É sábio escutar não a mim, mas a meu discurso (logos), e
confessar que todas as coisas são Um”.

ESCOLA ABDÉRICA OU ATOMISTA

A antinomia Heráclito-Parmênides deixou o pensamento pré-socrático num labirinto


sem saída. Os eleatas pela razão asseguravam a imutabilidade do ser e que Deus e o Universo
eram uno (monismo), Heráclito, pela experiência, mostrava sua mutabilidade contínua.

Os últimos pré-socráticos buscaram uma solução para o problema e conciliaram os


dois modos de pensar, dizendo que o verdadeiro ser não podia mudar, nem reproduzir-se e nem
mesmo deixar de ser, doutrina que concorda com o dos eleatas.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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Na verdade, porém, afirmavam que não havia um só ser, havia, isto sim, muitos e
infinitos seres (visão pluralista), por si imutáveis, mas que, combinando-se entre si de um modo
puramente mecânico, produzem a realidade mutável do Universo, segundo o pensar de Heráclito.
Esses seres minúsculos, que confirmam o conceito eleático do ser, são os átomos.

Daí tais filósofos serem chamados atomistas. Eles abandonaram o conceito hilozoísta
da matéria e buscaram uma “causa eficiente” de todas as coisas.

A principal contribuição da escola atomista ao desenvolvimento do pensamento


científico e filosófico foi à reformulação da noção de espaço. Segundo a tradição, a escola teve
início com Leucipo (de Mileto ou de Eléia), mas conheceu a plena aplicação de seus postulados
com Demócrito de Abdera. Mais tarde, as teses atomistas irão ressurgir com Epicuro e Lucrécio,
no período helenístico da cultura grega.

EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO (490-435 a.C.)

Já na Antiguidade a vida de Empédocles suscitou relatos diversos e, à semelhança da


de Pitágoras, foi envolvida numa atmosfera de lendas. O que se sabe de mais seguro provém de
Diógenes Laércio (século III d.C.), que afirma ter Empédocles nascido em Agrigento, na Magna
Grécia, e vivido cerca de sessenta anos. Mas a tradição conservou também notícia de suas
convicções democráticas e fala de sua intensa participação na vida política de Agrigento. Relatos
fantasiosos apresentam diferentes versões sobre a morte de Empédocles. Um deles diz que o
filósofo ter-se-ia lançado à cratera do vulcão Etna. Mais provável, porém, é que, por motivos
políticos, tenha sido banido de sua cidade, indo acabar seus dias no Peloponeso.

Em dois poemas, Empédocles expôs seu pensamento: em Sobre a Natureza e nas


Purificações. O primeiro apresenta uma visão do processo cosmogônico que constitui um
desenvolvimento e uma modificação da linha de investigação iniciada pelos milesianos; o segundo
é um poema religioso, contendo uma das primeiras exposições da doutrina órfica-pitagórica.

O eleatismo havia identificado a via da verdade com o uso exclusivo da razão, que,
apresentada como deusa soberana e absoluta no poema de Parmênides, afirmava a unidade do
ser, e, conseqüentemente, negava a legitimidade racional da multiplicidade e do movimento.

Empédocles altera essa concepção de verdade (aletheia). Para ele, não é mais a
revelação de uma verdade absoluta, porém uma verdade proporcional à “medida humana”. Isso
significa que a evidência procurada não é a do intelecto puro: é a exigência de clareza racional,
porém aplicada aos dados fornecidos pelos sentidos.

Desaparece a monarquia da razão, todos os recursos de apreensão da realidade são


igualmente legítimos e devem ter sua parte na constituição da verdade.

A conciliação entre razão e sentidos, proposta por Empédocles, conduz à substituição


do monismo pelo pluralismo: o universo pode ser entendido então como o resultado de quatro
raízes - a água, o ar, a terra, o fogo. Essas raízes estão governadas pela isonomia: são “ïguais”,
nenhuma é mais importante, nenhuma mais primitiva, todas eternas e imutáveis. A diversidade
das coisas delas resultantes advém de sua mistura em diferentes proporções.

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Empédocles acrescenta ainda dois princípios cosmogônicos: o Amor (Philia) e o Ódio


(Neikos). O primeiro age como força de atração entre os dessemelhantes (as raízes), enquanto o
Ódio exerce ação contrária, afasta as raízes. Empédocles estabelece paridade entre Amor e Ódio
e as quatro raízes: são também corpóreos (são fluidos-forças) e têm a mesma “idade” das raízes.
Essa concepção de Empédocles contém em si a idéia do equilíbrio relativo entre as
forças do universo e a da conservação perfeita de sua energia. Além disso, a formação do universo
como resultado da progressiva separação das raízes leva Empédocles a formular uma concepção
evolucionista, na qual já aparece a noção de “sobrevivência dos mais aptos”.

ANAXÁGORAS DE CLAZÔMENAS (500-428 a.C.)

Natural de Clazômenas, na Jônia (Ásia Menor), Anaxágoras


levou para Atenas as idéias novas que estavam sendo produzidas na
Jônia. Passou uns trinta anos em Atenas, fundando a primeira escola
filosófica dessa cidade, sob os auspícios de Péricles, seu protetor e
discípulo.

Em 431 foi acusado de impiedade por negar a divindade do Sol (para ele, uma pedra
incandescente) e da Lua (para ele, era uma terra). Segundo parece, Anaxágoras foi encarcerado,
mas conseguiu fugir, refugiando-se em Lâmpsaco (Jônia), onde fundou outra escola. Gozou de
grande reputação como físico, matemático, astrônomo e meteorologista. Mereceu alta estima dos
lampsacenses, que cunharam moedas com sua efígie e puseram religioso epitáfio em seu túmulo.
Anaxágoras foi o pré-socrático que deu origem a maior número de discussões ou a interpretações
as mais variadas.

Reformulando a linha de pensamento jônico, como já o fizera Empédocles, busca


conciliar a doutrina eleática de uma substância corpórea imutável com a existência de um mundo
que apresenta a aparência do nascimento e da destruição. Anaxágoras introduz a noção do
infinitamente pequeno.

Para Anaxágoras, as coisas são aglomerados de uma infinidade de elementos


invisíveis, que podem ser divididos ao infinito. Essas partículas minúsculas que compõem as
coisas são as “homeomerias”, espécies de átomos qualitativos e infinitamente diversos.

A aparência dos seres se explica pela predominância de homeomerias da mesma


espécie e a presença de apenas algumas homeomerias diversas nos seres explica também a
possibilidade de sua transformação. É, pois, maneira contrária a de Empédocles, para explicar a
transformação dos seres. Este filósofo admitia a mistura da água, ar, terra e fogo em proporções
variadas; Anaxágoras admitiu a separação das homeomerias para, juntando-se as da mesma
espécie, formar novos seres.

Para ele, no princípio, as homeomerias estavam totalmente misturadas, formando o


Caos. O Cosmo nasceu pelo processo de separação dessas partículas, para depois juntarem-se
as da mesma espécie. A passagem do Caos para o Cosmos se produziu graças a uma força
exterior a que chamou “Nous” - inteligência ordenadora. O universo constituiu-se, segundo
Anaxágoras, a partir de um todo originário no qual todas as coisas estavam juntas e “nenhuma
delas podia ser distinguida por causa de sua pequenez”.

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O movimento e a diferenciação só surgem nesse conjunto aparentemente homogêneo


devido à interferência do Espírito (Nous). Mas, na verdade, o Nous é uma corporeidade sutil e
sua ação é de natureza mecânica: move e separa os opostos (frio-quente, pesado-leve etc.) que
inicialmente estavam juntos. Devido a essa ação é que surgem os seres diferenciados.

LEUCIPO DE MILETO (500-430 a.C.)

Quase nada se sabe sobre a vida de Leucipo: alguns autores chegaram mesmo a pôr
em dúvida sua existência. Todavia, uma tradição que remonta a Aristóteles atribui a esse
contemporâneo de Empédocles, Anaxágoras, dos sofistas e de Sócrates (meados do século V
a.C.) a criação da teoria atomista.
Leucipo nasceu provavelmente em Mileto (segundo outros, em Eléia ou Abdera).
Segundo uns, teve como mestre a Zenão; segundo outros, a Melisso. É freqüentemente associado
a Demócrito. Aristóteles considera Leucipo o criador da teoria dos átomos, depois desenvolvida e
elaborada por Demócrito.

DEMÓCRITO DE ABDERA (460-370 a.C.)

Demócrito nasceu em Abdera (colônia Jônica da Trácia). Foi


discípulo e sucessor de Leucipo na direção da escola de Abdera. Atribuem-
se-lhe muitas viagens, numa das quais também chegou a Atenas. Vivia
ainda, quando Platão fundou a Academia (387 a.C.). Mas mesmo assim,
nesta cidade, sua filosofia foi ignorada por muito tempo. Demócrito deve
ter sido um dos escritores mais fecundos da Antiguidade. Segundo
Diógenes Laércio, deixou umas noventa obras. Infelizmente, restou-nos
alguns fragmentos de sua obra.

É considerado o sistematizador da doutrina atomista. Sabe-se, que, além de contribuir


para a formulação do atomismo físico, aplicou-se principalmente à solução dos dois problemas
que animavam a filosofia de sua época: o do conhecimento e o da ética.- Proverbial na Antiguidade
era o sorriso contínuo de Demócrito.

OS PRINCÍPIOS DA ESCOLA ABDÉRICA


Átomos, Vazio, Movimento

Partindo de colocações do eleatismo - particularmente de que a afirmação do


movimento pressupõe o não-ser -, Leucipo e Demócrito teriam concluído que exatamente porque
o movimento existe (como mostram os sentidos), o não-ser (corpóreo) existe. Afirma-se, assim,
pela primeira vez, a existência do vazio.

E nesse vazio é que se moveriam os átomos, partículas corpóreas, insecáveis


(indivisíveis fisicamente, embora divisíveis matematicamente). Os átomos apresentam ainda
outras características: seriam plenos (sem vazio interno); em número infinito; indivisíveis (devido
à pequenez); móveis por si mesmos; sem nenhuma distinção qualitativa; apenas distintos por
atributos geométricos - de forma, tamanho, posição (como N se distingue de Z) e, quando
agrupados, distintos pelo arranjo (como NA se distingue de ZA).

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Todo o universo estaria, portanto, constituído por dois princípios: o contínuo incorpóreo
e infinito (o vazio), e o descontínuo corpóreo (os átomos). Rompe-se, desse modo, o monismo
corporalista, que vinha sendo um pressuposto das diversas cosmogonias e cosmologias gregas.
Parece certo que Leucipo e Demócrito admitiam que o movimento primário dos átomos seria em
todas as direções, como o da poeira que se vê flutuar no ar, se uma réstia penetra num ambiente
escuro. E é lógico que assim fosse, já que, dispersos no vazio, os átomos não teriam nenhuma
direção preferencial. A movimentação dos átomos no vazio faria com que os maiores ficassem
mais expostos aos impactos dos demais; além disso, sendo dotados das mais diversas formas,
eles não apenas se chocariam como também poderiam se engatar, produzindo agrupamentos. A
continuação dos impactos poderia então ocasionar o aparecimento, em vários pontos, de vórtices
ou turbilhões, à semelhança de redemoinhos, nos quais os corpos maiores (átomos ou
agrupamentos de átomos) tenderiam para o centro. Seria esse o começo de um universo.

O CONHECIMENTO E A MORAL PARA DEMÓCRITO

Contemporâneo de Sócrates, Demócrito também busca uma resposta para o


relativismo dos sofistas, particularmente para o de seu conterrâneo Protágoras, que afirmava que
“o homem é a medida de todas as coisas”. A defesa de um conhecimento da physis é feita por
Demócrito, mediante a distinção entre dois tipos de conhecimento: o conhecimento sensível e a
compreensão racional da organização interna das coisas, ou seja, a compreensão de que a physis
do universo se fragmentava na multidão de átomos corpóreos que se moviam no vazio infinito. Daí
afirmar: “Por convenção (nomos) existe o doce; por convenção há o quente e o frio. Mas na
verdade há somente átomos e vazio”.

Quanto à ética, Demócrito, do mesmo modo que Sócrates, considerava a “ignorância


do melhor” como a causa do erro. Guiado pelo prazer, o homem deveria saber distinguir o valor
dos diferentes prazeres, buscando em sua conduta a harmonia capaz de lhe conceder a calma do
corpo - que é a saúde - e a da alma - que seria a felicidade.

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QUADRO RESUMO DOS PRÉ-SOCRÁTICOS

ESCOLA JÔNICA OU MILÉSIA


FILÓSOFO PRINCÍPIO (ARCHÉ) SIGNIFICADO
Tales de Mileto Água A água seria a origem de tudo o
(625/4-558 a.C.) que existe.
Anaximandro de Mileto Ápeiron (infinito) Substância etérea, infinita,
(610-547 a.C.) indivisível e indeterminada.
Anaxímenes de Mileto Pneuma Ápeiron O ar condensado transforma-se
(585-528/5 a.C.) (ar infinito) primeiro em água.

ESCOLA PITAGÓRICA
FILÓSOFO PRINCÍPIO (ARCHÉ) SIGNIFICADO
Pitágoras de Samos Matemática O cosmo está representado nos
(580/78-497/6 A .C.) números, a harmonia universal.

FILÓSOFO PRINCÍPIO (ARCHÉ) SIGNIFICADO


Heráclito de Éfeso Logos (Razão) Existe harmonia oculta das forças
(540-470 a.C.) opostas formando uma unidade.

ESCOLA ELEÁTICA
FILÓSOFO PRINCÍPIO (ARCHÉ) SIGNIFICADO
Xenófanes de Colofão O Ser Absoluto A unidade e imutabilidade de Deus.
(570-528 a.C.)
Parmênides de Eléia Ser é O que é, é o que é. E não pode
(530-460 a.C.) deixar de ser.
Zenão de Eléia Aporias (Argumentos Quarenta argumentos para provar a
(504/1-? a.C.) dialéticos) inexistência do movimento.

ESCOLA ABDÉRICA OU ATOMISTA


FILÓSOFO PRINCÍPIO (ARCHÉ) SIGNIFICADO
Empédocles de Agrigento Teoria dos quatros elementos O movimento dos elementos
(490-435 a.C.) (ar, água, terra e fogo) explicando a multiplicidade da vida.
Anaxágoras de Nous Sua ação separa e move os
Clazômenas (Inteligência ordenadora) opostos, surgindo os seres
(500-428 a.C.) diferenciados.
Leucipo de Mileto Teoria dos Átomos
(500-430 a.C.) (indivisíveis) No vazio movem-se partículas
Demócrito de Abdera gr.: a (alfa) - não corpóreas indivisíveis.
(460-370 a.C.) tomos - divisão

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A FILOSOFIA EM ATENAS

“Tão para trás Atenas deixou o resto do mundo que seus


discípulos são agora os mestres da humanidade.” Isócrates

Os filósofos da natureza são freqüentemente chamados


de pré-socráticos, pois viveram antes de Sócrates. É verdade que
Demócrito morreu alguns anos depois de Sócrates, mas todo o
seu pensamento está inserido no universo da filosofia natural pré-
socrática.

Isto porque Sócrates representa um divisor de águas não apenas do ponto de vista
temporal. Nosso ponto de referência geográfico também se altera agora. É que Sócrates foi o
primeiro filósofo nascido em Atenas e tanto ele quanto seus dois sucessores viveram e atuaram
em Atenas.

A partir da época de Sócrates, Atenas passou a constituir o centro da cultura grega.


Mais importante ainda do que isto é observar que, quando passamos dos filósofos da natureza
para Sócrates, verificamos também uma mudança essencial em todo o projeto filosófico.

OS SOFISTAS
“O homem é a medida de todas as coisas” Protágoras

Por volta de 450 a.C., Atenas transformou-se no centro cultural do mundo grego. A
partir dessa época, a filosofia tomou um novo rumo. Os filósofos naturais eram, sobretudo
pesquisadores naturais. Eles ocupam, portanto, um lugar muito importante na história da ciência.
Depois deles, o centro de interesse em Atenas se deslocou para o homem e para sua posição na
sociedade. Em Atenas desenvolvia-se pouco a pouco uma democracia com assembléias
populares e tribunais. Um pressuposto para a democracia era o fato de que as pessoas recebiam
educação suficiente para poder participar dos processos democráticos. Entre os atenienses era
particularmente importante dominar a arte de bem falar, a retórica.

Não demorou para que um grupo de mestres e filósofos itinerantes, vindos das
colônias gregas, se concentrasse em Atenas. Eles se autodenominavam sofista *, eram na
verdade, professores ambulantes, que comercializavam com o saber, ganhavam a vida em Atenas
ensinando os cidadãos. Homens ávidos de riqueza e de glórias perceberam que o êxito da sofística
se fundamentava no êxito de seus discípulos na vida pública. Não lhes interessa a verdade, mas
o triunfo sobre o adversário. Por isso ensinavam principalmente retórica e sobre tudo a oratória
política. Sacrificavam o verdadeiro interesse da filosofia para fins secundários, mercantilistas e
políticos. Dentre os numerosos sofistas, os mais célebres foram Protágoras e Górgias.

Os sofistas tinham um importante elemento comum com os filósofos naturais: eles


também viam com olhos críticos a mitologia tradicional. Ao mesmo tempo, porém, os sofistas
simplesmente rejeitavam tudo o que consideravam especulação filosófica desnecessária.

____________________________________________________________________________
(*) A palavra “sofista” etimologicamente quer dizer “sábio”. Com o tempo, porém, principalmente
depois das críticas de Platão e Aristóteles, ganhou um sentido pejorativo.

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Para os sofistas, ainda que houvesse respostas para muitas questões filosóficas,
ninguém jamais seria capaz de encontrar respostas realmente seguras e definitivas para os
mistérios da natureza e do universo. Este ponto de vista é conhecido na filosofia como ceticismo.

Para Platão, “o sofista era aquele que desviava a dialética (discurso) de seu verdadeiro
fim o “bem” e de seu verdadeiro objeto: a “verdade” para fazer dela um instrumento de poder, de
fortuna e, com freqüência, de engano”. Para Aristóteles, “o sofista era aquele que obtinha lucros
de uma ciência aparente, mas não real”.

Mas ainda que não possamos encontrar uma resposta para todos os mistérios da
natureza sabemos que somos pessoas e que precisamos aprender a conviver umas com as
outras. Os sofistas resolveram, então, dedicar-se à questão do homem e de seu lugar na
sociedade. “O homem é a medida de todas as coisas”, disse o sofista Protágoras (487-420 a.C.).
Com isto ele queria dizer que o certo e o errado, o bem e o mal sempre tinham de ser avaliados
em relação às necessidades do homem.

Via de regra, os sofistas eram homens que tinham feito longas viagens e, por isso
mesmo, tinham conhecido diferentes sistemas de governo. Usos, costumes e leis das cidades-
estados podiam variar enormemente. Sob este pano de fundo, os sofistas iniciaram em Atenas
uma discussão sobre o que seria natural e o que seria criado pela sociedade. Com isto, eles
criaram em Atenas as bases para uma crítica social.

Eles puderam mostrar, por exemplo, que uma expressão como “sentimento natural de
pudor” era algo que não se sustentava. Pois se o pudor e a vergonha fossem uma coisa natural,
então eles tinham de ser características inatas. Ora, para pessoas que já viajaram muito,
concluiriam, que o fato de se ter ou não vergonha, está ligado, sobretudo aos usos e costumes de
uma sociedade, portanto, o sentimento de pudor, é criação da sociedade.

Por este trecho podemos imaginar como foram inflamadas as discussões que os
sofistas incitaram na sociedade de Atenas quando afirmaram que não havia normas absolutas
para o certo e o errado. Ao contrário deles, Sócrates tentou mostrar que algumas normas são
realmente absolutas e de validade universal.

O grande mérito dos sofistas, portanto, foi preparar o terreno para a grande presença
de Sócrates, que veio purificar a atmosfera ateniense de ceticismo. Sem os sofistas não se
compreende Sócrates. A reação dos primeiros preparou a reação do segundo com todas as suas
salutares conseqüências.

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“Homem, conhece-te a ti mesmo”.


Inscrição do Templo de Delfos

Nasceu em Atenas, filho de um escultor e de uma parteira. Na


primeira mocidade dedicou-se à arte de seu pai, mas depois abandonou-a
para entregar-se à Filosofia. É ele, sem dúvida, uma das figuras mais
importantes de toda a humanidade e digno de exaltação pela continência
de suas paixões, pela pureza de vida, por sua mansidão, pelo altruísmo,
por seu amor à verdade e pelo patriotismo. Combateu em Potidéia, onde
salvou a vida de Alcebíades e, segundo consta, socorreu Xenofonte,
gravemente ferido.

Dedicou-se ao ensino e à educação de seus concidadãos, ciente de que “nada sabia”,


determinou consultar aqueles que por seu conhecimento e erudição se notabilizaram. Para saber
o que fosse justiça, perguntaria aos magistrados e legisladores; para conhecer a religião,
interrogaria os sacerdotes; os artistas dir-lhe-iam o que fosse a beleza.

Assim percorria as ruas e as praças de Atenas, dialogando com todos, em busca do


saber. Verificou, porém, que todos os interrogados julgavam saber o que é justiça, religião, beleza,
mas, quando exigia deles uma resposta, eram incapazes de apresentá-la com clareza. Isto fez
que Sócrates compreendesse por que foi chamado, pelo oráculo de Delfos, o “homem mais sábio
de Atenas”.

Exerceu grande influência sobre a juventude, levando-a aos mais altos ideais. Sua
sabedoria e as atitudes elevadas diante de todos os problemas, incitaram contra ele a inveja e o
ódio de muitos.

Alguns, tendo à frente Meleto, Anito e Licon, acusaram-no de corromper a mocidade e


desprezar a religião pública. Aos setentas anos, julgado, foi condenado à morte, devendo beber
cicuta, segundo as leis da época. Uma vez encarcerado, recusou a fuga, que seus discípulos lhe
haviam preparado. A narração de seus últimos momentos encontra-se no diálogo de Platão,
Fédon, em que Sócrates, para consolar seus discípulos e amigos, fala da imortalidade da alma.

Sócrates não nos deixou nada escrito; sua doutrina foi transmitida à posteridade nas
obras de Xenofonte, Platão e Aristóteles.

MÉTODO SOCRÁTICO: A ARTE DO DIÁLOGO

O ponto central de toda a atuação de Sócrates como filósofo estava no fato de que ele
não queria propriamente ensinar as pessoas. Para tanto, em suas conversas, Sócrates dava a
impressão de ele próprio querer aprender com seu interlocutor. Ao “ensinar”, ele não assumia a
posição de um professor tradicional. Ao contrário, ele dialogava. O método próprio para este
conhecimento é o da introspecção estimulada pelo diálogo. O diálogo, para Sócrates, diferia
essencialmente da discussão. Na discussão sofística havia duas opiniões em litígio; no diálogo
socrático só uma - a do interlocutor ou a mensagem da própria coisa - pois Sócrates “só sabia que
nada sabia” e isto não se pode considerar uma opinião.

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Em seu diálogo havia dois momentos: a ironia, que tinha por objeto o exame e a crítica
das opiniões admitidas pelo interlocutor ou discípulo. Assumindo a atitude de quem nada sabe,
Sócrates, através de perguntas, levava o adversário a evidente contradição, constrangindo-o a
humilhante confissão de sua ignorância. Geralmente o interlocutor, tido como autoridade, em
algum ramo de conhecimento ou de atividade, decepciona-o. Esses interlocutores revelam um
conhecimento restrito a suas especializações e embaraçam-se quando levados a opinar sobre
outros assuntos, embora de geral interesse para os homens. Isso parece confirmar a Sócrates o
sentido da superioridade que lhe fora atribuída pelo oráculo: “Homem, conhece-te a ti mesmo”
- inscrição do Templo de Apolo. O reencontro consigo mesmo só pode partir da consciência da
própria ignorância. Mas essa ignorância, que é atributo de Sócrates, não é geralmente assumida
pelas outras pessoas, que se julgam na posse de “verdades”. Torna-se necessário, portanto, levá-
las, de saída, a despojar-se dessas pseudoverdades - única forma de torná-las aptas a
caminharem em direção ao conhecimento de si mesmas. A demolição das falsas idéias que
fundamentam a falsa imagem que as pessoas têm delas próprias é o que pretende a ironia:
momento do diálogo em que Sócrates, reafirmando nada saber, força o interlocutor a expor suas
opiniões, para, com habilidade, emaranhá-lo na teia obscura de suas próprias afirmativas e acabar
reconhecendo a ignorância a respeito do que antes julgava ter certeza. A ironia socrática tem,
assim, a função de propiciar uma catarse: uma purificação da alma por via da expulsão das idéias
turvas, das ilusões e dos equívocos que distanciavam a alma de si mesma.

Orientado por seu “demônio” (daimon), espécie de voz interior que às vezes lhe freava
as iniciativas e impedia-o de dialogar com determinadas pessoas. Sócrates escolhia aqueles com
os quais a conversa poderia assumir caráter de reconstrução, após o exorcismo propiciado pela
ironia. Nessa outra fase do método socrático, o interlocutor - transformado em discípulo - é levado,
progressivamente, pela habilidade das questões propostas, a tentar elaborar ele mesmo suas
próprias idéias. Não mais a repetição automática de fórmulas consagradas ou chavões herdados,
embora ocos de sentido. Agora, de início timidamente, o interlocutor-discípulo é conduzido ao risco
de tentar ser ele mesmo, de ele mesmo conceber idéias. E de ser ele mesmo sua própria alma.

O segundo momento do diálogo era a chamada maiêutica ou parturição das idéias, um


papel semelhante ao de sua mãe parteira, Fenareta. Prosseguindo no diálogo e continuando com
as perguntas, levava o discípulo ao verdadeiro conhecimento da coisa, que podia concretizar-se
numa definição. Sócrates, que se dizia ele mesmo estéril - pois só sabia que nada sabia -
procurava auxiliar as pessoas noutra forma de concepção, a das idéias próprias: forma de se ir ao
encontro de si mesmo - como prescrevia a inscrição do templo de Delfos - e de fazer de si mesmo
seu próprio ponto de partida.

DOUTRINA MORAL DE SÓCRATES

Sócrates foi o criador da ética como doutrina filosófica. O lema “conhece-te a ti mesmo”
traduz sua preocupação filosófica. O núcleo de sua ética está no conceito de virtude, concebida
como um saber necessário à felicidade. Segundo Sócrates, ninguém pratica o mal
conscientemente; o conhecimento do bem nos leva à prática da virtude.

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É a partir de Sócrates - ou pelo menos é na literatura referente a ele e que se seguiu à


sua morte - que surge a concepção de alma como sede da consciência normal e do caráter, a
alma que no cotidiano de cada um é aquela realidade interior que se manifesta mediante palavras
e ações, podendo ter conhecimento ou ignorância, bondade ou maldade. E que, por isso, deveria
ser o objeto principal da preocupação e dos cuidados do homem.

Essa concepção de alma torna compreensível a tese socrática de que virtude é


conhecimento e que, por conseguinte, ninguém erra deliberamente. Só que aquele conhecimento
nada teria a ver com as opiniões flutuantes e geralmente infundadas. O conhecimento que
Sócrates identifica a aretê (virtude) é a episteme (ciência), não a doxa (opinião). E essa episteme
- que não pode ser ensinada - não constitui uma ciência sobre coisas ou informações voltadas
para a obtenção de prestígio ou de riquezas: é o conhecimento de si mesmo, a autoconsciência
despertada e mantida em permanente vigília. Bom é, assim, o homem autoconstruído a partir de
seu próprio centro e que age de acordo com as exigências de sua alma-consciência: seu oráculo
interior finalmente decifrado.

PARALELO ENTRE SÓCRATES E JESUS

Não podemos saber ao certo se o “Jesus histórico” realmente disse o que Mateus ou
Lucas diz que ele disse. Assim, será para sempre um mistério o que o “Sócrates histórico”
realmente disse. Jesus e Sócrates já eram considerados pessoas enigmáticas no tempo em que
viveram. Nenhum dos dois deixou qualquer registro escrito de suas idéias. Assim, não nos resta
outra saída senão confiar na imagem deles que nos foi legada por seus discípulos. Uma coisa,
porém, é certa: ambos eram mestres da retórica. Além disso, ambos tinham tanta autoconfiança
no que diziam que podiam tanto arrebatar quanto irritar seus ouvintes. Para completar, ambos
acreditavam falar em nome de uma coisa que era maior do que eles mesmos. Eles desafiavam os
que detinham o poder na sociedade, porque criticavam todas as formas de injustiça e de abuso
de poder. No fim, esta forma de agir lhes custou à vida. Também há paralelos entre os processos
de acusação de Jesus e de Sócrates. Ambos podiam ter pedido clemência e, com isto, ter salvo
suas vidas. Ma eles acreditavam estar traindo sua missão se não fossem até as últimas
conseqüências. E o fato de terem enfrentado a morte de cabeça erguida lhes garantiu a fidelidade
das pessoas mesmo depois de sua morte. Ambos tinham uma mensagem a transmitir e que esta
mensagem estava indissoluvelmente associada à sua coragem pessoal.

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“A verdade, ó estranho, é uma coisa bela e desejável,


porém, é uma coisa de que é difícil persuadir os homens.” Platão

Nasceu em Atenas, de família aristocrática. Seu verdadeiro nome


era Aristocles, mas segundo contam, na escola, por causa da largura de
seus ombros, passaram a chamá-lo Platão. Na juventude entregou-se às
artes, tendo escrito alguns poemas e parece que escreveu também
algumas tragédias. Pelos vinte anos começou seus estudos de filosofia
com Cratilo, discípulo de Heráclito.

Sob essa influência, aceitou a opinião de Heráclito sobre o “devir” universal. Tinha vinte
e nove anos quando Sócrates teve de beber o cálice de cicuta. Por quase dez anos havia sido
discípulo de Sócrates e acompanhou de perto o processo movido contra seu mestre. O fato de
Atenas ter condenado à morte seu filho mais nobre não só lhe deixou marcas para toda a vida
como também determinou a direção de toda a sua atividade filosófica.

Com a morte de Sócrates, deixou Atenas e por largo tempo viajou, tendo estado em
Megera, Cirene, Egito, Magna Grécia, onde conheceu a filosofia dos eleáticos e pitagóricos. Uns
trinta anos depois da morte de Sócrates voltou a Atenas e, nos jardins de seu amigo Academus
(legendário herói grego), fundou sua escola de filosofia que por isso passou a ser chamada de
Academia. Na academia de Platão ensinava-se filosofia, matemática e ginástica, embora “ensinar”
talvez não seja a melhor palavra nesse contexto. Isto porque também na academia de Platão o
diálogo vivo era o que mais importava. Assim, não é por acaso que o diálogo foi a forma escolhida
por Platão para registrar por escrito sua filosofia. Para o resto de seus dias, entregou-se ao ensino
da filosofia, tendo entre seus discípulos Aristóteles.

Morreu em 347, durante a guerra que Felipe da Macedônia movia contra os atenienses,
a qual acabaria com a independência política de Atenas.

A FILOSOFIA DE PLATÃO

Platão não deixou um conjunto harmônico de teses ordenadas e coerentes. O primeiro


filósofo que procurou ordenar todo o saber foi seu discípulo Aristóteles. Mas foi Platão, o primeiro
pensador que desenvolveu toda a temática filosófica. Dos pré-socráticos (os problemas
cosmológicos) e de Sócrates (os problemas éticos e psicológicos) - Platão penetrou em ambos os
domínios e fez da filosofia a “ciência do sujeito e do objeto”. Além disso, em Platão convergem
todas as correntes anteriores: o “ser” de Parmênides, e o “devir” de Heráclito, o “número” de
Pitágoras e os “conceitos universais” de Sócrates.

A filosofia platônica chegou até nossos dias através de sua obra, verdadeiras jóias da
literatura universal. São conhecidos treze cartas e trinta e cinco diálogos, entre eles: Apologia de
Sócrates, A República, Fedro, Banquete, Fédon, O Sofista e o Político.

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O MUNDO DAS IDÉIAS

Em Platão, tudo se unifica mediante sua original “teoria das idéias” e para compreendê-
lo é preciso que saibamos o que é “idéia”. Platão descobriu que as coisas propriamente “não são”.
Ao considerarmos uma folha branca de papel, vemos que a rigor não é branca, ou seja, tem a
tonalidade amarelada ou creme; é quase branca. O mesmo se dá com sua forma retangular; os
lados da folha não são perfeitos, absolutamente retos, logo é quase retangular.

Quando dizemos que a folha é quase branca e quase retangular, fazemos uma
comparação com algo que deve ter brancura absoluta e absoluta retangularidade. Isso nos leva a
pensar que deve então existir algo que é absolutamente branco e absolutamente retangular. E
essa realidade existe, mas não está nas coisas concretas e mutáveis. Essa realidade é
permanente e é o que Platão chama “idéia”.

Conclui-se, pois, que as coisas do mundo sensível são semelhanças, imitações,


aparências de outras coisas que as condicionam, regem e determinam. Assim, o “ser” verdadeiro
que era procurado desde Parmênides, não está nas coisas, mas fora delas - no mundo das idéias.

As idéias, portanto, são “entes metafísicos que encerram o verdadeiro ser das coisas”,
possuem as propriedades essenciais do “ser” e que as coisas mutáveis não possuem; são unas,
imutáveis, eternas e não estão sujeitas, nem ao movimento, nem à corrupção.

O CONHECIMENTO PARA PLATÃO

Como as idéias não se acham no mundo sensível, elas não podem ser percebidas pelo
homem. Para sua apreensão, apresentou Platão alguns mitos que procuram elucidar o
conhecimento humano. Platão em seus diálogos serviu-se freqüentemente desse recurso, o que
também dá à sua obra valor literário.

Segundo o mito que Sócrates apresentou a Fedro, a alma, em seu estágio originário,
compara-se a um carro puxado por dois cavalos alados, um dócil, que representa a razão e a
inteligência, outro fogoso, que representa as sensações e as paixões. Esse carro, dirigido por um
cocheiro, numa região supraceleste, circula pelo mundo das “idéias”, que são contempladas pela
alma. As dificuldades para guiar os dois cavalos fazem com que eles percam as asas e a alma
caia, encarnado-se num corpo.

O homem encarnado não se lembra das “idéias”, mas vendo as coisas sensíveis, ele se
recorda ou tem reminiscências das “idéias” contempladas, em tempos anteriores, na região
supraceleste. Para Platão, pois, conhecer não é “ver”, mas “recordar”, ter “reminiscências”.
Todavia, como as lembranças são fracas e apagadas, as coisas neste mundo, em que vivemos,
são apenas “sombras das idéias em si”. E isto Platão explicou através de outro mito.

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O MITO DA CAVERNA

Na República, livro VII, Platão imagina que alguns homens se encontram, desde
pequenos, numa caverna que tem uma abertura por onde penetra a luz do sol. Esses homens não
se podem mover e estão voltados de costas para a abertura, de modo que só podem ver a parece
do fundo da caverna. Os homens da caverna só vêem e só conhecem essas sombras. Para eles
essas sombras constituem a única realidade.

Se porventura um desses homens pudesse livrar-se e vir para fora, a luz do sol iria
deslumbrá-lo, provocando até dores nos olhos e nada ele veria. Aos poucos, porém, iria
acostumando os olhos e começaria a ver primeiro à noite e as estrelas, depois as imagens das
coisas refletidas na superfície d’água, finalmente veriam o próprio sol. Com esse mito, Platão quis
representar os dois mundos:

1o.) O mundo sensível, em que vivemos na sombra. Apresentam os nossos sentidos as


coisas, que são apenas de uma realidade aparente e nos leva a conjeturas e a crenças falsas ou
à opinião (Doxa).

2o.) O mundo inteligível, o mundo das idéias propriamente ditas, de uma realidade
verdadeira e que nos leva ao conhecimento intelectual, pela razão ou inteligência (Nous).

Essa explicação simboliza o processo do conhecimento que representa a progressiva


passagem das sombras e imagens turvas ao luminoso universo das idéias, atravessando etapas
intermediárias. Cada fase encontra sua fundamentação e resolução na fase seguinte. O que não
é visto claramente no plano sensível, transforma-se em objeto de crença quando se tem condição
de percepção nítida. Mas essa crença ainda pertence ao domínio da opinião (Doxa), pois a certeza
só pode advir de uma demonstração racional (a matemática, por exemplo) e, portanto, depois que
se penetra na esfera do conhecimento inteligível.

A REPÚBLICA DE PLATÃO
(O Estado Utópico ou Ideal)

A parábola da caverna, de Platão, está contida no diálogo A República. Nele Platão


também descreve o Estado ideal, ou seja, ele imagina um Estado-modelo, ou ainda aquilo que
chamamos de Estado “utópico”. Resumidamente, podemos dizer que Platão achava que o Estado
devia ser dirigido por filósofos. E para fundamentar sua reflexão, Platão se valia da constituição
do corpo humano.

Segundo ele, o corpo humano consistia em três partes: cabeça, peito e baixo-ventre. A
cada uma dessas partes corresponde determinada característica. A razão pertence à cabeça, a
vontade ao peito e o desejo ou o prazer ao baixo-ventre. Cada uma dessas características possui
também um ideal ou uma virtude. A razão deve aspirar à sabedoria, a vontade deve mostrar
coragem e os desejos devem ser controlados, a fim de que o homem possa exercitar a
temperança. Somente quando as três partes do homem agem como um todo é que temos o
indivíduo harmônico ou íntegro.

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28

A partir disso, Platão imagina um Estado constituído exatamente como o ser humano.
Assim como o corpo possui “cabeça”, “peito” e “baixo-ventre”, também o Estado possui
governantes, sentinelas (ou soldados) e trabalhadores (dentre os quais se incluem, além dos
comerciantes, também os artesãos e os camponeses).

Fica claro aqui que Platão adotou como modelo a ciência médica grega. Do mesmo modo
como um indivíduo saudável e harmônico mostra equilíbrio e moderação, um Estado justo se
caracteriza pelo fato de cada um conhecer o seu lugar no todo.

Assim como toda a filosofia de Platão é marcada pelo racionalismo, também o é sua
filosofia do Estado. Decisivo para a criação de um bom Estado é que ele seja dirigido pela razão.
Do mesmo modo como a cabeça comanda o corpo, os filósofos devem indicar à sociedade o
caminho por onde ela deve ir.

Representação esquemática das relações entre as três partes do homem e do Estado:

corpo alma virtude Estado


cabeça razão sabedoria governantes
peito vontade coragem sentinelas
baixo-ventre desejo temperança trabalhadores

O ideal de Estado de Platão pode nos lembrar o antigo sistema de castas da Índia ou do
Egito Antigo, onde cada um em particular tem sua função especial para o bem do todo. Desde a
época de Platão, e muito antes ainda, o sistema de castas hindu e egípcio adota exatamente essa
divisão em três partes entre a classe dirigente (ou a casta dos sacerdotes), a casta de guerreiros
(ou dos militares) e a casta de Trabalhadores.

Em sua República Ideal, Platão queria abolir a vida familiar e a propriedade privada dos
governantes do Estado e de suas sentinelas. A educação infantil era importante demais para ser
deixada a cargo do indivíduo. Ela deveria ser responsabilidade do Estado (Platão foi o primeiro
filósofo a defender a criação de jardins-de-infância e semi-internato públicos).

Depois de passar por várias e pesadas decepções políticas, Platão escreveu o diálogo
As Leis. Nele, Platão descreve o “Estado legal” como o segundo melhor tipo de Estado e
reintroduz as noções de propriedade privada e laços de família.

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“A virtude é um hábito de fazer o bem, dirigido pela razão,


mas adquirido pelo esforço da vontade”. Aristóteles

Aristóteles não nasceu em Atenas. Ele era natural da Macedônia


(Estagira) e veio para a Academia ainda jovem (cerca de dezoito anos)
quando Platão tinha sessenta e um anos. Seu pai era um médico de
renome (Nicômaco, médico do rei da Macedônia). Durante vinte anos
assimilou a doutrina de Platão, submetendo-a constantemente a duras
críticas. Com a morte de Platão, deixou a Academia e se instalou em
Assos, na Ásia Menor, e posteriormente vai para a ilha de Lesbos. Logo
depois, chamado por Felipe, foi para a Macedônia, como preceptor de
Alexandre.

Quando ele subiu ao trono, Aristóteles voltou a Atenas. A Academia era regida então por
Xenócrates, seu condiscípulo e, ao invés de juntar-se a ela, Aristóteles preferiu fundar sua própria
escola, o que fez junto ao templo de Apolo Lício, daí o nome que lhe deram mais tarde, “Liceu”.
Costumava dar suas aulas perambulando pelos jardins que rodeavam o edifício, daí também
chamarem sua escola de “Peripatética”. (que significa “os que passeiam”).

Ao contrário da Academia, voltada fundamentalmente para investigações matemáticas, o


Liceu transformou-se num centro de estudos dedicados principalmente às ciências naturais. De
terras distantes, conquistadas em suas expedições, Alexandre enviava ao ex-preceptor
exemplares da fauna e da flora que iam enriquecer as coleções do Liceu.

Depois da morte de Alexandre, em 323 a.C., Aristóteles passou a ser hostilizado pela
facção antimacedônica (partido de Demóstenes), que o considerava politicamente suspeito.
Acusado de impiedade deixou Atenas e refugiou-se em Cálcis, na Eubéia. Aí morreu no ano de
322 a.C., com sessenta e dois anos de idade.

ARISTÓTELES X PLATÃO

O biologismo era mais que uma perspectiva da escola aristotélica tornou-se marca central
da própria visão científica e filosófica da Aristóteles, já que seu interesse estava justamente na
natureza viva.

Exagerando um pouco, podemos dizer que Platão estava tão mergulhado nas formas
eternas, no mundo das “idéias”, que quase não registrou as mudanças da natureza. Aristóteles,
ao contrário, interessava-se justamente pelas mudanças, por aquilo que hoje chamamos de
processos naturais.

Exagerando mais ainda, podemos dizer que Platão se apartou do mundo dos sentidos e
que só percebia muito superficialmente tudo aquilo que vemos ao nosso redor. (É que ele queria
escapar da Caverna para espiar o eterno mundo das idéias!). Aristóteles fez exatamente o
contrário: ele saiu ao encontro da natureza e estudou peixes e rãs, anêmonas e papoulas.

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Podemos dizer que, enquanto Platão usou sua razão, Aristóteles - ao contrário - usou
seus sentidos. Mas há nítidas diferenças entre eles, até mesmo na forma de escrever. Enquanto
Platão era poeta e criador de mitos, os escritos de Aristóteles são sóbrios e pormenorizados como
os verbetes de uma enciclopédia. Em compensação, muito do que ele escreveu estava baseado
em estudos naturais realizados com extrema diligência.

Registros da Antiguidade dão conta de não menos que cento e setenta títulos assinados
por Aristóteles. Destes, quarenta e sete chegaram até nossos dias. Não se tratava de livros
completos. A maior parte dos escritos de Aristóteles compõe-se de apontamentos feitos para suas
aulas. Também na época de Aristóteles, a filosofia era essencialmente uma atividade oral.

A importância de Aristóteles para a cultura européia está também no fato de ele ter criado
uma linguagem técnica usada ainda hoje pelas mais diversas ciências. Ele foi o grande
sistematizador, o homem que fundou e ordenou as várias ciências.

AS IDÉIAS NÃO SÃO INATAS


(Ontologia Aristotélica)

Assim como os filósofos que antecederam, Platão também queria encontrar algo de
eterno e de imutável em meio a todas as mudanças. Foi assim que ele chegou às idéias perfeitas,
que estão acima do mundo sensorial. Além disso, Platão considerava essas idéias mais reais do
que os próprios fenômenos da natureza. Primeiro vinha a “idéia” cavalo e depois todos os cavalos
do mundo dos sentidos, trotando como sombras projetadas sobre a parede de uma caverna. A
idéia “galinha” vinha, portanto, antes da galinha e do ovo.

Aristóteles achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava
com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo “flui”, passa, e que nenhum cavalo vive para
sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a “idéia”
cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de
eles terem visto um certo número de cavalos. A “idéia” ou a “forma” cavalo não existia, portanto,
antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a “forma” cavalo consiste nas características do
cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie.

Vou explicar melhor: Aristóteles entendia por “forma” aquilo que todos os cavalos têm em
comum. E aqui a imagem da fôrma de fazer broas (exemplo para as idéias inatas de Platão para
explicar a origem comum das coisas) perde sua validade, pois as fôrmas de fazer broas existem
independentemente de cada broa em particular. Aristóteles não acreditava que houvesse na
natureza um armário, por assim dizer, com fôrmas desse tipo. Para ele, as “formas” estavam
dentro das próprias coisas; as “formas” das coisas eram suas características próprias.

Devemos atentar bem para o fato de estarmos falando de uma dramática mudança de
pensamento. Para Platão, o grau máximo de realidade está em pensarmos com a razão. Para
Aristóteles, ao contrário, era evidente que o grau máximo de realidade está em percebermos ou
sentirmos com os sentidos. Platão considera tudo o que vemos ao nosso redor na natureza meros
reflexos de algo que existe no mundo das idéias e, por conseguinte, também na alma humana.
Aristóteles achava exatamente o contrário, o que existe na alma humana nada mais é do que
reflexos dos objetos da natureza.

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Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na consciência que
já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada
na natureza que não tivesse existido antes no mundo das idéias.

Aristóteles achava que todas as nossas idéias e pensamentos tinham entrado em nossa
consciência através do que víamos e ouvíamos. Mas nós também temos uma razão inata. Temos
uma capacidade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas impressões
sensoriais. É assim que surgem conceitos como os de “pedra”, “planta”, “animal” e “homem”. É
assim que surgem os conceitos de “cavalo”, “lagosta” e “canarinho”. Nossa razão permanece
totalmente “vazia” enquanto não percebemos nada. Uma pessoa, portanto, não possui “idéias”
inatas.

A LÓGICA

A primeira grande marca da genialidade de Aristóteles é o fato de que quase sem


predecessores, quase que inteiramente à custa de seu próprio raciocínio, criou uma nova ciência
- a Lógica. Renan fala no “fraco treinamento de toda mente que não esteve, direta ou
indiretamente, sob a disciplina grega”; mas, na verdade, o próprio intelecto grego era indisciplinado
e caótico, até que as fórmulas implacáveis de Aristóteles lhe deram um método rápido para o
exame e a correção do pensamento.

Lógica significa, simplesmente, a arte e o método de pensar corretamente. É o método


de cada ciência, de cada disciplina e de cada arte; e encontra aplicação mesmo na música. É uma
ciência porque em grau considerável os processos do pensamento correto (usamos o termo
“correto” não no sentido moral e sim matemático) podem ser reduzidos a regras como a física e a
geometria e ensinados a qualquer inteligência normal. É uma arte porque através da prática dá ao
pensamento, finalmente, aquela precisão inconsciente e imediata que guia os dedos do pianista
em seu instrumento, permitindo-lhe criar harmonias sem esforço. Não há nada tão árido como a
lógica, mas nada também tão importante.

Havia um indício dessa nova ciência na irritante insistência de Sócrates em definições e


no constante refinamento dos conceitos em Platão. “Se quereis conversar comigo,” disse Voltaire,
“defini vossos termos.” Quantos debates se reduziriam a um parágrafo se os disputantes
ousassem definir seus termos. É isso o alfa e o ômega da lógica, seu coração e sua alma: que
cada termo importante num debate sério seja sujeito à mais severa checagem e rigorosa definição.
Isto é difícil e testa impiedosamente a inteligência; mas uma vez feito implica na metade da
realização de qualquer tarefa. Mas, como devemos proceder para definir um objeto ou um termo?
Aristóteles responde que toda a boa definição tem duas partes, está plantada em duas sólidas
bases: primeiro insere o objeto em questão numa classe ou grupo de objetos cujas características
gerais são também as dele próprio - assim o homem é, antes de tudo, um animal. Segundo
determina a nota característica que distingue o objeto de todos os outros membros de sua classe
- assim o homem, no sistema aristótelico, é um animal racional. Sua “diferença específica” é que,
diversamente de todos os outros animais, ele é racional. Aristóteles deixa cair um objeto no oceano
de sua classe, depois o tira gotejante de sentido genérico, com as marcas de sua espécie e grupo.
Sua individualidade e diferença destacam-se mais claramente graças a essa justaposição com
outros objetos que tanto se assemelham a ele e são tão diferentes.

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Uma forte marca e originalidade contribuição de Aristóteles à filosofia foi à técnica do


silogismo que é uma área da lógica. Para Aristóteles “silogismo é um discurso no qual, sendo
postas certas coisas, delas seguem-se necessariamente outra coisa, e só porque aquelas se
puseram”.

O silogismo é um trio de preposições das quais a terceira (a conclusão) segue-se da


verdade estabelecida nas outras duas (as premissas “maior” e “menor”). Exemplo: o homem é um
animal racional; ora Sócrates é um homem; logo Sócrates é um animal racional. O leitor
matemático verá imediatamente que a estrutura do silogismo assemelha-se ao enunciado de que
duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si. Se A = B e C = A, então C = B. Como na
matemática a conclusão é atingida cancelando-se de ambas as premissas o seu termo comum,
A, assim também no nosso silogismo a conclusão é atingida, cancelando-se de ambas as
premissas o termo comum “homem” e combinando o restante. A rigor, o silogismo não é um
método para a descoberta da verdade, mas um mecanismo para esclarecimento do pensamento.

A FILOSOFIA ARISTOTÉLICA

Em sua evolução filosófica, Aristóteles passou por três fases distintas:

1o. Adere inteiramente às idéias de Platão. É a fase da juventude, em que redigiu diálogos
de caráter platônico, que fala sobre a imortalidade da alma;
2o. É a fase de transição em que começa a se afastar do pensamento platônico. Suas
obras contêm críticas as idéias de Platão, apresenta provas da existência de Deus, imutável,
eterno e primeiro princípio ordenador.
3o. É a fase definitiva do pensamento aristotélico. É o período do “Liceu”, da redação de
suas obras que chegaram até nós.

Teoria do Conhecimento - Para Aristóteles existem três formas de conhecimento: a


experiência (conhecimento das coisas concretas), a ciência (conhecimento demonstrativo que nos
diz o “porque” das coisas) e a inteligência (atribui a filosofia o conhecimento dos primeiros
princípios e das primeiras causas).

Classificação das Ciências - Sua classificação corresponde aos três modos possíveis
da atividade humana (saber, agir e produzir), daí os três grupos de ciências:

1 - Especulativas ou Teóricas - sua finalidade é apenas conhecer a verdade, sem


preocupação prática alguma:

a) Física, b) Matemática; c) Filosofia Primeira ou Metafísica.

2 - Práticas - são as ciências que traçam as regras de nossas ações e nos fazem agir
corretamente:

a) Moral ou Ética; b) Estética; c) Economia; d) Política.

3 - Poéticas - seu fim é apontar os meios de que devemos nos servir para a produção de
uma obra externa:
a) Poética; b) Retórica; c) Dialética.

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A Metafísica - A Metafísica é o coroamento da obra de Aristóteles. Nela estuda o ser


como ser e o primeiro de todos os seres, Deus. As teorias básicas da Metafísica (Filosofia
Primeira) de Aristóteles são:

1 - Ontologia - Não existe o mundo das idéias na natureza, só o indivíduo é real.

2 - Teodicéia - Teoria para provar a existência de Deus.

Aristóteles recorre ao movimento e diz:

1o. Existem seres em movimento;


2o. Todo movimento supõe um motor: assim todo ser que se move é movido por outro;
3o. Não é possível, porém, admitir uma série infinita de seres que se movem, movendo
por sua vez outros seres,
o
4 . Logo é preciso chegar a um motor que mova sem ser movido. Esse motor imóvel é
ato puro - Deus. Portanto, sendo Deus ato puro, imóvel, indivisível, incorpóreo é
perfeição, e perfeição suma é pensamento.
Deus, pois, é inteligência que entende a si mesma e nesse autoconhecimento é
sumamente feliz.

3 - Ética - Deve ser considerada sob três aspectos:

“Ética Monástica” - Estabelece que a virtude é um hábito de fazer o bem, dirigido pela
razão, mas adquirido pelo esforço da vontade.

“Ética Econômica” - Defende a família baseada no matrimônio e no direito à propriedade


privada.

“Ética Política” - No concernente às formas de governo, distinguiu as justas e as


degeneradas. As justas tendem ao bem comum e são: a monarquia, a aristocracia e a democracia;
as degeneradas sacrificam o bem comum e são: a tirania, a oligarquia e a demagogia.

A Psicologia - O princípio da vida é a alma. Assim há três espécies de alma de acordo


com os seres viventes: 1o. - a alma vegetativa das plantas, que realiza as funções de nutrição e
reprodução; 2o. - a alma sensitiva dos animais, que, além das funções da alma vegetativa, realiza
mais as de sensibilidade, de apetibilidade e de locomoção; 3o. - a alma racional do homem, que
além das funções anteriores realiza também o raciocínio e a volição. Afirma ainda, que os nossos
conhecimentos são adquiridos apartir da experiência apreendida pelos sentidos.

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“Forasteiro, aqui te sentirás bem.


Aqui, o bem supremo é o prazer”.
Inscrição sobre o portão de entrada
do jardim da escola dos epicureus.

Aristóteles morreu no ano de 322 a.C., e nesse meio tempo, Atenas tinha perdido a sua
posição de hegemonia. Isto estava relacionado, entre outras coisas, com as grandes
transformações políticas que vieram em decorrência das conquistas de Alexandre Magno (356-
323 a.C.)

Alexandre Magno era rei da Macedônia. Aristóteles também era natural da Macedônia e
por algum tempo chegou mesmo a ser professor do jovem Alexandre. Foi Alexandre quem
conseguiu a derradeira e decisiva vitória sobre os persas. E mais ainda, com suas muitas
campanhas bélicas, ele uniu o Egito e todo o Oriente, até a Índia, á civilização grega.

Começou então uma era completamente nova na história da humanidade. Surgiu uma
comunidade internacional, na qual a cultura e a língua gregas desempenhavam papel
preponderante. Este período, que separa o final do século IV a.C., do começo da Idade Média, por
volta de 400 d.C., é freqüentemente chamado de helenismo. Por helenismo entendemos a cultura
predominantemente grega vigente nos três grandes reinos helênicos, a Macedônia, a Síria e o
Egito.

A partir do ano de 50 a.C., aproximadamente, Roma passou a assumir o predomínio


militar. Esta nova grande potência foi conquistando um a um todos os reinos helênicos, e a cultura
romana, bem como a língua latina, passaram a predominar da Espanha, no Ocidente, até o
extremo da Ásia. Começou então o período romano, também conhecido como o final da
Antiguidade. Mas, antes de os romanos conquistarem o mundo helênico, a própria Roma tinha
sido uma província da cultura grega. Não é de estranhar, portanto, que a cultura grega - e a filosofia
grega - tenha continuado a desempenhar um papel importante, muito tempo depois de a
importância política dos gregos já ter sido esquecida.

RELIGIÃO, FILOSOFIA E CIÊNCIA

O helenismo foi marcado pelo desaparecimento das fronteiras entre os diferentes países
e culturas. Anteriormente, gregos, romanos, egípcios, babilônios, sírios e persas tinham adorado
seus deuses dentro dos limites de suas próprias religiões. Agora, todas essas diferentes culturas
foram misturadas num caldeirão, por assim dizer, de concepções religiosas, filosóficas e
científicas.

Com o tempo, muitas divindades orientais também passaram a ser adoradas em toda a
região do Mediterrâneo. Surgiram várias religiões novas, que tomavam emprestadas de diferentes
culturas antigas suas concepções religiosas, o que atualmente chamaríamos de sincretismo
religioso.

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Também a ciência do helenismo foi marcada pela mistura de diferentes experiências


culturais. Com a perda da liberdade e da independência política dos gregos, a cultura se difunde
e Atenas deixa de ser o centro científico, projetando-se então os florescentes centros de Pérgamo,
Antioquia, Rodes, Alexandria e por fim Roma.

Nesse particular, a cidade de Alexandria, no Egito, desempenhava um papel-chave como


ponto de encontro entre o Oriente e o Ocidente, transformando-se na metrópole da ciência. Com
sua grande biblioteca, esta cidade passou a ser o centro da matemática, astronomia, biologia e
medicina.

Com o início do período helenístico-romano; o espírito grego, preocupado com as ciências


particulares, passa a cuidar das questões teóricas da Filosofia (metafísica) de um modo superficial.
Os problemas da vida prática passam a preocupar o homem e as doutrinas éticas predominam. A
sabedoria consiste então numa “regra de vida”e a filosofia passa a ser a busca dessa sabedoria,
capaz de proporcionar ao homem o remédio para as suas misérias e o bem supremo, a felicidade.
O problema ético, pois, se sobrepõe, e as escolas que surgem, tem nítido aspecto moral.

De modo geral, podemos dizer que a filosofia do helenismo não teve nada de muito
original. Não apareceu outro Sócrates, nem outro Platão, nem outro Aristóteles. Mas os três
grandes filósofos de Atenas se transformaram em fonte de inspiração para diferentes correntes
filosóficas, que continuaram a investigar problemas referentes a ética. A questão era saber em
que consistia a verdadeira felicidade e como ela podia ser alcançada.

OS CÍNICOS

Conta-se que, um dia, Sócrates parou diante de uma tenda do mercado em que estavam
expostas diversas mercadorias. Depois de algum tempo, ele exclamou: “Vejam quantas coisas o
ateniense precisa para viver! “. Naturalmente ele queria dizer com isto que ele próprio não precisa
de nada daquilo. Esta postura de Sócrates foi o ponto de partida para a filosofia cínica, fundada
em Atenas por Antústenes - um discípulo de Sócrates -, por volta de 400 a.C.

Os cínicos diziam que a verdadeira felicidade não depende de fatores externos como o
luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira felicidade consistia em se libertar
dessas coisas casuais e efêmeras. E justamente porque a felicidade não estava nessas coisas ela
podia ser alcançada por todos. E, uma vez alcançada, não podia mais ser perdida.

O cínico mais importante foi Diógenes, discípulo de Antístenes.


Conta-se que ele vivia dentro de um barril e não possuía mais do que uma
túnica, um cajado e um embornal de pão. Um dia, quando estava sentado
ao sol junto ao seu barril, recebeu a visita de Alexandre Magno. Alexandre
aproximou-se do sábio, perguntou-lhe se ele tinha algum desejo e disse-
lhe que, caso tivesse, seu desejo seria imediatamente satisfeito. Ao que
Diógenes respondeu: “Sim, desejo que te afastes de frente ao meu sol”.
Com isso Diógenes mostrou que era mais rico e mais feliz que o grande
conquistador. Ele tinha tudo o que desejava.

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Os cínicos achavam que as pessoas não precisavam se preocupar com a saúde, nem
mesmo com o sofrimento e com a morte. E elas também não deveriam se atormentar com o
sofrimento dos outros. Hoje em dia, quando empregamos as palavras “cínico” e “cinismo” estamos
nos referindo, na maioria das vezes, a apenas este aspecto: o da impudência, da insensibilidade
ao sentir e ao sofrer do outro, ou quando fingimos sentimentos para com terceiros.

OS ESTÓICOS

Os cínicos foram de grande importância para a filosofia estóica,


que surgiu em Atenas por volta de 300 a.C. Seu fundador foi Zenão,
originário da ilha de Chipre, que se transferiu para Atenas depois de ter
sobrevivido a um naufrágio. Ele reunia seus ouvintes debaixo de um
pórtico. O substantivo estóico vem da palavra grega para “pórtico” (stoa).
O estoicismo teria mais tarde grande importância para a cultura romana.

Assim como Heráclito, os estóicos diziam que todas as pessoas eram parte de uma
mesma razão universal, ou “logos”. Eles consideravam cada pessoa um mundo uma miniatura,
um “microcosmo”, que era reflexo do “macrocosmo”. Isto levou à idéia de um direito
universalmente válido, o assim chamado direito natural. O direito natural baseia-se na razão
atemporal do homem e do universo e, por isso mesmo, não se modifica no tempo e no espaço.
Nesse sentido, os estóicos colocam-se ao lado de Sócrates contra os sofistas. O direito natural
vale para todas as pessoas, inclusive para os escravos. Para os estóicos, as legislações dos
diferentes Estados não passavam de imitações imperfeitas de um direito cujas bases estavam na
própria natureza. Assim como apagavam a diferença entre o indivíduo e o universo, os estóicos
também negavam a oposição entre “espírito” e “matéria”. Para eles existia apenas uma natureza.
Chamamos tal concepção de monismo (em oposição, por exemplo, ao dualismo, à bipartição da
realidade, de Platão).

Os estóicos eram marcadamente “cosmopolitas”, o que significava que eram filhos


legítimos de sua época. Sendo cosmopolitas, eram mais abertos para a cultura contemporânea
do que os “filósofos de barril” (os cínicos). Os estóicos chamavam a atenção para a convivência
entre as pessoas, interessavam-se por política, e alguns deles chegaram até mesmo a ser
estadistas atuantes, como o imperador romano Marco Aurélio (121-180), por exemplo. Graças a
esses homens, e, sobretudo ao orador, filósofo e político Cícero (106-43 a.C.), a cultura e a
filosofia gregas conquistaram terreno em Roma. Foi Cícero quem cunhou o conceito de
humanismo enquanto cosmovisão na qual o homem ocupa o ponto central. Alguns anos depois,
o estóico Séneca (4 a.C. - 65 d.C.) escreveu que “para a humanidade, a humanidade é sagrada”.
Esta afirmação ficou para a posteridade como uma espécie de slogan do humanismo.

Além disso, os estóicos diziam que todos os processos naturais - por exemplo, a
enfermidade e a morte - eram regidos pelas constantes leis da natureza. Por esta razão, o homem
deveria aprender a aceitar o seu destino. Nada acontece por acaso, diziam os estóicos. Tudo
acontece porque tem de acontecer e de nada adianta alguém lamentar a sorte quando o destino
bate à sua porta. Também as coisas felizes da vida devem ser aceitas pelo homem com grande
tranqüilidade. Vemos aqui a proximidade dos estóicos com os cínicos, que viam com total
indiferença todos esses eventos exteriores. Ainda hoje falamos de uma “tranqüilidade estóica”
quando queremos nos referir a uma pessoa que não se deixa inflamar por seus sentimentos.

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OS EPICUREUS

Sócrates queria descobrir como o homem podia levar uma boa


vida. Na interpretação de Sócrates feitos pelos cínicos e estóicos, isto
estava na necessidade de o homem se libertar de todo o luxo material. Mas
Sócrates também teve um aluno chamado Aristipo. Para ele, o objetivo da
vida seria obter dos sentidos o máximo possível de satisfação. Aristipo
dizia que o prazer era o bem supremo, e a dor, o mal supremo. Assim, seu
objetivo maior era desenvolver uma filosofia de vida capaz de afastar toda
e qualquer forma de dor e sofrimento. (O objetivo dos cínicos e dos
estóicos era suportar todas as formas de dor, e isto é algo completamente
diferente de fazer todo o esforço para tirar do caminho a dor).
Epicuro
Por volta de 300 a.C. Epicuro (341-270) funda em Atenas uma escola filosófica: a escola
dos epicureus. Ele desenvolveu ainda mais a ética do prazer de Aristipo e a combinou com a
teoria do átomo de Demócrito.

Conta-se que os epicureus reuniam-se num jardim. Por esta razão, também eram
chamados de “filósofos do jardim”. Dizem também que sobre o portão de entrada do jardim havia
a seguinte inscrição: “Forasteiro, aqui te sentirás bem. Aqui, o bem supremo é o prazer”.

Epicuro ensinava que o resultado prazeroso de uma ação sempre deve ser ponderado
em relação a seus eventuais efeitos colaterais. (Exemplifiquemos: Se você já comeu demais,
então você entende o que Epicuro quis dizer. Se não, vou lhe propor uma tarefa: pegue todas as
suas economias e gaste cem reais em alimento). O importante nesta tarefa é que você coma todo
o alimento de uma só vez. Mais ou menos meia hora depois de ter comido tudo, você vai entender
o que Epicuro queria dizer quando falava em “efeitos colaterais”.

Epicuro também achava que o resultado prazeroso de curto prazo devia ser ponderado
em relação a um prazer maior, mais duradouro e mais intenso, a ser obtido a longo prazo.
(podemos imaginar, por exemplo, que durante todo um ano você prefira economizar seu salário
para comprar uma televisão nova, ou então para fazer uma viagem de férias do que fumar várias
carteiras de cigarros por dia). Diferentemente dos animais, o homem tem a possibilidade de
planejar a sua vida. Ele possui a capacidade de “calcular o seu prazer”. Um suculento churrasco,
ou fumar cigarros é, sem dúvida, um valor, mas a televisão nova ou a viagem também o são.

Epicuro fazia questão de enfatizar, porém, que “prazer” não significa necessariamente
satisfação dos sentidos (por exemplo, comer um churrasco). A amizade ou a sensação vivenciada
ao se admirar uma obra de arte também podem ser muito prazerosas. Além disso, outros
pressupostos para o prazer da vida são os velhos ideais gregos do autocontrole, da temperança
e da serenidade. Isto porque o desejo precisa ser controlado. Assim, a serenidade também nos
ajuda a suportar a dor.

Com freqüência pessoas acometidas por temores de origem religiosa procuravam o


jardim de Epicuro. Nesse caso, a teoria do átomo de Demócrito era extremamente útil contra a
religião e a superstição. Para viver uma boa vida também era importante se libertar do medo da
morte. Nesta questão, Epicuro retomava a teoria de Demócrito sobre os “átomos da alma”.
Demócrito não acreditava na vida depois da morte, já que após a morte os “átomos da alma” se
dispersavam para todos os lados.

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“Por que ter medo da morte?”, perguntava Epicuro. “Enquanto somos, a morte não existe,
e quando ela passa a existir, nós deixamos de ser”.

O próprio Epicuro resumia sua filosofia libertadora naquilo que ele chamava de quatro
remédios: “Não precisamos temer os deuses. Não precisamos nos preocupar com a morte. É fácil
alcançar o bem. É fácil suportar o que nos amedronta”.

Contrariamente aos estóicos, os epicureus quase não se interessavam pela política e


pela sociedade. “Vive em reclusão!” Era o conselho de Epicuro. Depois de Epicuro, muitos
picureus evoluíram sua reflexão no sentido de uma busca unilateral do prazer. Sua palavra de
ordem era: “Viver o momento!”. A palavra “epicurista” é freqüentemente usada em nossos dias de
forma pejorativa, para designar alguém que só vive pelo prazer.

O NEOPLATONISMO

Vimos que os cínicos, os estóicos e os epicureus tiveram como ponto de partida os


ensinamentos de Sócrates. Além dele, podemos constatar também uma influência dos Pré-
Socráticos Demócrito e Heráclito. Mas a mais importante corrente filosófica do final da Antigüidade
foi inspirada em Platão. E por isso ela é chamada de neoplatonismo.

O neoplatônico mais importante foi Plotino (205-270), que estudou filosofia em


Alexandria e mais tarde mudou-se para Roma. É interessante notar que ele veio de Alexandria, a
cidade que já havia alguns séculos era o grande ponto de encontro entre a filosofia grega e a
mística oriental. Plotino trouxe para Roma uma doutrina da salvação que viria a se tornar séria
concorrente do cristianismo vigente naquela época. Mas o neoplatonismo também viria a exercer
uma forte influência sobre a teologia cristã.

A teoria das idéias de Platão estabelecia uma diferença entre o mundo das idéias e o
mundo dos sentidos. Assim, Platão distinguia claramente entre a alma do homem e o seu corpo.
Deste ponto de vista, o homem era uma criatura dual: para Platão, nosso corpo se constitui de
terra e pó, como tudo o mais do mundo dos sentidos, mas nós também possuímos uma alma
imortal. Muito antes de Platão essa noção já era bastante difundida na Grécia. Além dela, Plotino
conhecia também concepções asiáticas semelhantes.

Plotino via o mundo como algo distendido entre dois pólos. Numa extremidade estava a
luz divina, que ele chamava de o Uno. Às vezes ele também a chamava de Deus. Na outra
extremidade reinavam trevas absolutas, que não eram banhadas pela luz do Uno. Mas Plotino
achava que essas trevas de fato não tinham uma existência concreta. Para ele, elas nada mais
eram do que a ausência de luz. Ou seja, as trevas não são. A única coisa que existe para ele é
Deus, ou o Uno. Mas assim como uma fonte de luz pouco a pouco se perde na escuridão, também
podemos imaginar um lugar aonde os raios divinos não são capazes de chegar.

De acordo com Plotino, portanto, a luz do Uno ilumina a alma, ao passo que a matéria
são as trevas, que não possuem, segundo ele, um tênue reflexo do Uno. Imaginemos uma enorme
fogueira crepitando no meio da noite. Do meio do fogo saltam centelhas em todas as direções.
Num amplo círculo ao redor do fogo a noite é iluminada, e a alguns quilômetros de distância ainda
é possível ver o leve brilho dessa fogueira. À medida que nos afastamos, a fogueira vai se
transformando num minúsculo ponto de luz, como uma lanterna fraca na noite. E se nos
afastarmos mais ainda, chegaremos a um ponto em que a luz do fogo não mais consegue nos
alcançar.

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Em algum lugar os raios luminosos se perdem na noite e se estiver muito escuro não
vamos enxergar nada. Nesse momento, contornos e sombras deixam de existir. Agora
imaginemos a realidade como sendo esta enorme fogueira. O que arde é Deus - e as trevas lá
fora são a matéria fria, da qual são feitos homens e animais. Junto a Deus estão as idéias eternas,
que são as formas primordiais de todas as criaturas. Sobretudo a alma humana é uma “centelha
de fogo”. Mas por toda a parte na natureza aparece um pouco desta luz divina. Podemos vê-la em
todos os seres vivos; sim, até mesmo uma rosa ou uma campânula possuem um brilho divino. No
ponto mais distante do Deus vivo estão a terra, a água e as pedras.

Para Plotino, tudo o que vemos tem um pouco do mistério divino. Podemos ver o brilho
desta alguma coisa num girassol ou numa papoula. Percebemos um pouco mais deste insondável
mistério numa borboleta que pousou num galho, ou num peixinho dourado que nada no aquário.
Mas o ponto mais próximo em que nos encontramos de Deus é dentro de nossa própria alma. Só
lá é que podemos nos re-unir com o grande mistério da vida. De fato, em alguns raros momentos
podemos sentir que somos, nós mesmos, este mistério divino.

As imagens que Plotino usa lembram a alegoria da caverna de Platão: quanto mais nos
aproximamos da entrada da caverna, mais perto estamos daquilo de onde provém tudo o que
existe. Mas em oposição à nítida divisão da realidade em duas partes estabelecida por Platão, a
doutrina de Plotino nos convida a vivenciar a plenitude. Tudo é um, pois tudo é Deus. Até mesmo
as sombras lá embaixo, na caverna de Platão, têm um tênue reflexo dessa “Unidade”.

Em alguns momentos de sua vida Plotino experimentou a sensação de fundir sua alma
com Deus. Plotino não foi o único a viver tal experiência. Pessoas de todas as culturas, em todos
os tempos têm relatado experiências semelhantes. Uma experiência mística significa sentir-se um
só com Deus ou com a “alma do universo”. Em muitas religiões, diz-se que há um abismo entre
Deus e sua criação. O místico, porém, não conhece este abismo. Os místicos afirmam que o
nosso “eu” em poucos e efêmeros momentos podemos experimentar a sensação de nos
identificarmos com um eu muito maior. Alguns místicos chamam este eu maior de Deus, outros de
“espírito cósmico”, outros de “natureza cósmica”, outros ainda de “universo”. Nessa identificação,
nessa fusão, o místico experimenta a sensação de “perder-se a si mesmo”: ele desaparece - ou
se perde - em Deus, como uma gota d’água “se perde” quando se mistura à água do mar. O místico
cristão Angelus Silesius (1624-1677) disse: “A pequena gota se transforma em mar quando
chega até ele; e assim a alma se transforma em Deus quando é nele acolhida”.

Na mística ocidental - quer dizer, no judaísmo, no cristianismo e no islamismo -, o


místico afirma que seu encontro é com um Deus pessoal. Embora Deus esteja presente na
natureza e na alma humana, ele também está muito além e muito acima deste mundo.

Na Mística Oriental - isto é, no hinduísmo, no budismo e na religião chinesa -, o que se


afirma é que o místico experimenta uma fusão total com um Deus que é o “espírito cósmico”. O
místico pode dizer “Eu sou o espírito cósmico”, ou então “Eu sou Deus”. Pois Deus Não está
apenas presente no mundo; ele não tem outro lugar para estar.

Pessoas de nossa época, que não pertencem à determinada religião, têm relatado
experiências místicas. De repente elas experimentam algo que chamam de “consciência cósmica”
ou “sentimento oceânico”: sentem-se como que arrancadas do tempo e experimentam o mundo
“da perspectiva da eternidade”.

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A FILOSOFIA EM ROMA

A introdução da cultura grega provocou em Roma a manifestação do ecletismo filosófico.


Por isso, a filosofia em Roma não apresentou originalidade alguma, e seus filósofos foram meros
agentes transmissores da filosofia grega, ecléticos todos, com certas tendências dominantes.
Dentre os principais filósofos romanos, encontram-se: Cícero, eclético com alguma tendência para
o neoplatonismo; Sêneca e Marco Aurélio de tendência estóica, e Lucrécio, o principal divulgador
do epicurismo.
Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) - Depois de seus primeiros
estudos em Roma, seguiu para Atenas, onde se iniciou nos estudos
filosóficos, assimilando a doutrina de vários filósofos gregos, formando
assim a base de seu ecletismo. Novamente em Roma, entregou-se à vida
política tendo sido questor, edil, pretor e cônsul. Proclamado “Pai da Pátria”
foi depois exilado pelo mesmo Senado que o proclamou. No ano de 43 a.C.,
por questões políticas, foi assassinado pelos sicários de Marco Antônio. Sua
obra filosófica pode ser considerada em três gêneros:
O Político (que trata sobre a forma de governo ideal, após comparar
a monarquia, a aristocracia e a democracia). O Moral (trata entre outros
temas sobre o bem e a virtude, sustenta a imortalidade da alma, o valor da
velhice e salienta a felicidade de uma vida consagrada ao bem público), O
Metafísico ou Religioso (Combate às idéias ateístas dos epicuristas e se
opõe a admitir que a conquista da felicidade se realiza pela via do prazer).

Lúcio Aneu Sêneca (4-65) - Nascido em Córdova, na Espanha,


completou seus estudos de retórica e filosofia em Roma. Foi questor e,
admirado por sua eloqüência, parece ter despertado o ciúme de Calígula,
tendo sido exilado na Córsega, onde permaneceu oito anos. Escreveu então
alguns diálogos de fundo filosófico, nos quais implora seu regresso. Em 49,
voltou a Roma e encarregou-se da educação de Nero. Quando este se
tornou imperador, Sêneca, como seu ministro, orientou a administração do
Império. Mas aos poucos, Nero, libertou-se de sua influência e iniciou o
governo mais dissoluto e criminoso que a história registra.
Para não perder sua posição, Sêneca, fez várias concessões e chegou mesmo a redigir
a carta com que Nero pretendeu justificar o assassínio de sua mãe Agripina. Depois desse crime,
Sêneca retirou-se da corte e no recolhimento do lar escreveu grande parte de suas obras. Em 65,
envolvido na conspiração de Pisão foi condenado à morte por Nero. Sêneca abriu suas próprias
veias e morreu corajosamente. Sua obra filosófica expõe os princípios da escola Estóica, onde
corrigiu muito dos princípios geral desta doutrina. Um aspecto negativo de sua doutrina é que o
mesmo recomenda o suicídio. Dentre seus conceitos encontramos: “Nada tão enganoso como
a vida humana, nada tão pérfido e, certamente, ninguém a aceitaria se ela não nos fosse
dada sem que o soubéssemos... A maior felicidade é não nascer”. Apesar desses aspectos
negativos de sua doutrina, acha que a virtude é suficiente para a felicidade; e que os demais bens,
como as riquezas e as honras, valem enquanto subordinamos à virtude.

Marco Aurélio (121-180) - O imperador filósofo escreveu em grego


seus famosos “Solilóquios”, coleção de reflexões de caráter pessoal e
fragmentário. Dentro do espírito do estoicismo, suas idéias de profundo
conteúdo humano, estão influenciadas pelo cristianismo nascente. Afirma
que devemos adquirir a plenitude da vida subjetiva, tornando-a depois fonte
de amor a todos os homens. Por isso afirmou: “Minha natureza é racional
e tenho duas pátrias: Roma, enquanto sou Marco Aurélio e o mundo,
enquanto sou homem; e assim o que for útil a essas duas pátrias, Roma
e o mundo, isso será meu único bem”.

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“Os milagres não acontecem em contradição com a natureza, mas


apenas em contradição com o que conhecemos da natureza”.
Santo Agostinho

O advento de Cristo marcou a mais profunda divisão da história do homem, em todos os


seus aspectos e, por isso, separou a história da filosofia em suas duas maiores eras: antes de
Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.).

O Cristianismo, apesar disso, não é uma filosofia, mas uma religião e, como religião,
transformou o pensamento do homem na consideração dos valores metafísicos.

O grande problema da filosofia grega anterior a Cristo era o movimento. A imutabilidade


do “ser” de Parmênides; a perpétua mudança de Heráclito e etc. O Cristianismo apresentou novo
problema - a Criação. E as fontes desse novo pensamento estão na Bíblia, no Antigo e Novo
Testamento. Desse modo, sem ser uma filosofia, o Cristianismo deu novo rumo à filosofia. O
cristão não se preocupou em consagrar nenhuma corrente filosófica, nem se subordinou a
nenhuma filosofia, mas preocupado em difundir a palavra de Cristo criou a filosofia cristã.

E a partir de Cristo, no I século de nossa Era, pouco a pouco, os temas especulativos e


metafísicos vão ganhando corpo no Cristianismo, estimulados principalmente por duas causas de
ordem polêmica: as heresias e a reação intelectual do paganismo.

A filosofia cristã, que no decorrer da Idade Média alcançou a hegemonia do pensamento,


nos quinze primeiros séculos de nossa Era, compreende as duas grandes correntes: a Patrística
e a Escolástica.

A PATRÍSTICA E SEUS PERÍODOS

Seu nome é devido à especulação dos Padres da Igreja nos primeiros séculos do
Cristianismo. É a fase que vai desde o I até o VIII século d.C. e pode dividir-se em três períodos:

1o. - Os Apostólos e os Padres Apostólicos - A doutrina de Cristo ficou com os


Apóstolos e começou a difundir-se. Aparecem então os primeiros escritores eclesiásticos, que
receberam o nome de Padres Apostólicos por terem convivido com os próprios apóstolos e se
estende pelo I século d.C.

Dentre eles, por sua obra, são importantes os apóstolos João e Paulo, que embora não
sendo filósofos no sentido rigoroso do termo, podem ser considerados os fundadores da filosofia
cristã.

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2o. - Os Apologetas - Nos primeiros séculos do Cristianismo, vários movimentos


heréticos se manifestaram, mas o principal deles foi o “Gnosticismo”, movimento contemporâneo
à Apologética pelo que alguns historiadores denominam a este período: “Gnóstico”.
Fundamentam-se na filosofia grega dos últimos tempos, principalmente nas idéias neoplatônicas
e no pensamento do judeu helenizado, Filo, que interpretava a Bíblia alegoramente, na ânsia de
conciliar o “Gênese” com a filosofia grega.

Diante das heresias e da polêmica pagã, os apologetas iniciaram a defesa do


Cristianismo. Entre o II e IV séculos numerosos foram os apologetas gregos e latinos. Dentre os
primeiros são famosos: São Justino, Santo Irineu, São Teófilo e Santo Atenágoras; entre os latinos
revelaram-se Minúcio Félix, Tertuliano, Arnóbio e Lactâncio.

3a. - Apogeu da Patrística - Nos séculos IV e V a Patrística atingiu seu apogeu,


culminando com a obra de Santo Agostinho. Este é o período em que as heresias atingiram maior
intensidade e o grande papel dos Padres da Igraja, Santo Hilário, São Jerônimo, Santo Ambrósio
e principalmente Santo Agostinho, foi o de criar a dogmática cristã, servindo-se da filosofia como
auxiliar da teologia.

FONTES DA FILOSOFIA PATRÍSTICA

Os Padres da Igreja serviram-se do pensamento grego, na medida em que precisavam


explicar a doutrina cristã. São, por isso, ecléticos, mas predominam em sua obra as idéias de
Platão, que eles conheceram através dos neoplatônicos Plotino, Porfírio e mesmo por alguns
trabalhos de Cícero. Assim a filosofia cristã adquiriu clareza e profundidade e a religião ganhou
vigência social no império romano. Era também o período de Constantino, que proclamou a
liberdade religiosa, aboliu o suplício da cruz e os combates dos gladiadores. O paganismo
agonizava e o império romano estava na iminência de ser invadido pelos bárbaros.

Desse modo, a obra de Santo Agostinho marca a passagem do mundo antigo para a
Idade Média, prelúdio do mundo moderno. Do V ao VIII d.C., a Patrística entrou em declínio, por
isso, alguns historiadores consideram esse, um período de transição para a “Escolástica”. Dentre
os grandes representantes desta fase, há Boécio, como filósofo precursor da Escolástica.

AS HERESIAS

O pelagianismo. Doutrina que, professada no século 4 por Pelágio e seus partidários, é


a primeira heresia do Ocidente cristão. O pelagianismo repousa essencialmente na concepção de
acordo com a qual o homem pode sempre escolher igualmente entre o bem e o mal. Para o
exercício dessa escolha, pensam, o homem dispõe livremente de seu corpo e de seus membros.
Sua vontade está sempre pronta a enfrentar a dupla opção e só é plenamente livre enquanto
permanece capaz dessa escolha. Pelágio, que era um asceta (religiosos que renunciavam o
mundo e praticavam mortificação), não deixa de insistir no valor do homem e de sua autonomia.
Desenvolve a idéia de que o homem é a obra-prima de Deus, do qual recebeu, por um privilégio
único, a razão, quer dizer, a consciência de seus atos. Assim, é a razão que permite ao homem
dominar as outras criaturas e os seres que lhe podem ser superiores pela força. É a razão que lhe
permite conhecer Deus. Os pelagianos só admitem o pecado pessoal, negando a existência do
pecado original. A natureza humana, segundo eles, não pecou. Pecou apenas o indivíduo.

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Não é possível que alguém peque para com outrem, assim como não é possível que um
redima o outro. O homem, único autor de sua queda, é também único autor de sua regeneração.
A redenção de Cristo não teve por objetivo cancelar um pecado coletivo e hereditário do gênero
humano. A finalidade da redenção seria apenas a de neutralizar, pelo bom exemplo do segundo
Adão, o mau exemplo do primeiro Adão. Assim como este arrastou o homem para a morte, pela
sua desobediência orgulhosa, assim também Jesus Cristo mostrou, com sua obediência humilde,
o caminho da ascensão espiritual ao Deus que tudo perdoa.Naturalista e racionalizante, mas
sempre profundamente religiosa, a doutrina pelagiana recusa ferozmente toda concepção do
pecado como causa da morte, bem como a de uma fraqueza moral herdada de uma falta primeira.
Concebe dessa forma a redenção, ensinando que o homem pode, em virtude tão-somente de seu
esforço pessoal, atingir a santidade perfeita.

O maniqueísmo. O maniqueísmo é uma gnose. Como toda gnose, é essencialmente


fundada em um “conhecimento” que traz com ele próprio a salvação, salva por si mesmo, pelo fato
de que, revelando ao homem sua origem, o que era e onde estava antes de ser “jogado” no mundo,
o torna consciente do que é em sua realidade própria, explica-lhe sua condição presente e o modo
de libertar-se dela, garantindo-lhe o que virá a ser, o que é chamado a tornar-se: conhecimento
que é, antes de tudo, conhecimento simultâneo de si mesmo e de Deus em si e que pretende ser
um saber absoluto. Essa gnose se exprime em forma mítica. O mito se desenvolve, pois em três
fases: um “momento anterior” ou “passado”, no qual havia distinção, dualidade perfeita das duas
substâncias (espírito e matéria, o bem e o mal, a luz e as trevas); um “momento médio” ou
“presente”, no qual a mistura se produziu e continua a durar; um “momento futuro” ou “final”, em
que a divisão primordial será restabelecida. Aderir ao maniqueísmo consiste, pois em professar
essa dupla doutrina dos “dois princípios”ou das “duas raízes” e dos “três tempos” ou dos “três
momentos”

O donatismo. O donatismo é um cisma que dividiu a Igreja, na África, durante três


séculos e meio, do fim da perseguição de Diocleciano à invasão árabe. Divergências inconciliáveis
estabeleceram-se entre os cristãos a respeito da atitude a assumir em face dos crentes e mesmo
dos bispos que haviam falhado durante a perseguição. O bispo Donato organizou o partido dos
intransigentes, para os quais a validade dos sacramentos dependia da santidade dos ministros.
Do lado católico, estavam os partidários de Roma, liderados por Ceciliano, que formou seu partido
e que disputava com Donato pela sede de Cartago. Sobre os sacramentos e a teologia da Igreja,
reflexão da qual Santo Agostinho participou amplamente, estabeleceu que o Cristo é o verdadeiro
autor dos sacramentos, e que o papel dos clérigos era intermediar os ritos (o batismo como
exemplo), pois a santidade dos sacramentos é do Cristo.

O arianismo. O arianismo - do nome de Arios, padre de Alexandria, do começo do século


4, tradicionalmente considerado o pai dessa heresia - é uma reflexão doutrinária visando a
aprofundar o dogma cristão da Trindade e a esclarecer o problema das relações, no interior do
Ser de Deus, das três pessoas: Padre, Filho e Espírito. Essa corrente de pensamento, declarada
herética a partir do Concílio de Nicéia (325) surgiu em reação a pretensão da Igreja Romana de
absorver a pessoa do Filho na pessoa do Pai, enquanto os arianos viam um sinal de inferioridade
do Filho em relação ao Pai. Quer dizer, era preciso uma ampla discussão sobre o problema da
união, na pessoa do Filho de Deus encarnado, de uma natureza divina e de uma natureza humana.
De uma pura especulação doutrinária proposta pelo arianismo, passa-se, rapidamente, para uma
crise generalizada em toda a Igreja, crise que durará mais de 60 anos (antes 320-381). O resultado
foi inicialmente à introdução, nas relações entre a Igreja e o Estado, de um cesaro-papismo, e a
declaração no Concílio de Constantinopla (381) do dogma trinitário.

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“Não aprendemos pelas palavras que repercutem exteriormente,


mas pela verdade que ensina interiormente”. Santo Agostinho

Aurelius Augustinus nasceu no dia 13 de novembro de 354 em


Tagaste, na província romana da Numídia, na África. Seu pai, magistrado
pagão, de vida irregular, só foi batizado ao morrer; sua mãe, Mônica,
canonizada pela Igreja, buscaria em toda a sua vida, influenciar e converter
o filho ao cristianismo.

Agostinho iniciou seus estudos na terra natal, mas com dezessete anos enviaram-no para
Cartago, onde completou os estudos superiores. Levado por sua índole impetuosa e pela
corrupção dos costumes, teve uma vida um tanto livre, que seria depois contada em suas
“Confissões”.

Com a leitura do “Hortênsius”, um diálogo escrito de Cícero hoje perdido, era um elogio
da filosofia, que lhe abrira as portas do saber e foi arrastado à filosofia, iniciando assim sua longa
peregrinação intelectual em busca da verdade. Recusava a ler a Bíblia, oferecida insistentemente
pela mãe, pois as escrituras sagradas pareciam-lhe vulgares e indignas de um homem culto.
Professou primeiro o Maniqueísmo, que afirmava a existência de dois princípios absolutos: o bem
e o mal, a luz e as trevas. Logo depois, decepcionado com essa doutrina, por não lhe responder
as indagações intelectuais, referentes aos problemas da existência, viajou para Roma para
lecionar retórica. Conheceu logo depois os discípulos de Plotino (205-270), adeptos do platonismo,
mas na sua versão mística. O neoplatonismo viria a ser a ponte que permitiria a Agostinho dar o
grande passo para auxiliar a fé cristã, defendendo-a com argumentos racionais, estabelecendo a
estrutura da filosofia e teologia cristã.

Estando em Milão no ano de 386, ouviu os sermões de Santo Ambrósio (340?-397), bispo
de Milão, que lhe respondeu a todos os problemas que o inquietavam. Neste mesmo ano, estando
no jardim de sua residência, ouviu uma voz que o penetraria definitivamente na nova fé, era um
canto infantil que repetia diversas vezes: “Tolle, lege, Toma e Lê”, que o levou ao encontro da
palavra de Paulo de Tarso escrita nos manuscritos dos Atos dos Apóstolos (Romanos 13, 13-14),
que assim exortava: “Não caminheis em glutonarias e em embriaguez, não nos prazeres impuros
do leito e em leviandades, não em contendas e emulações, mas revesti-vos de Nosso Senhor
Jesus Cristo, e não cuideis da carne com demasiados desejos”.

Estava Agostinho com 32 anos de idade quando se converteu ao Cristianismo. Renunciou


ao ensino da retórica e entregou-se totalmente à prática e à defesa da verdade cristã. Voltou à
África; em Hipona foi ordenado sacerdote e mais tarde consagrado bispo dessa mesma cidade.
Dedicou-se então à organização de sua igreja e à luta contra as heresias dominantes tais como
os maniqueus, donatistas, pelagianos, arianos e apolinaristas.

O fim de sua vida chegaria junto com a invasão dos vândalos, que, depois da devastação
da Espanha, penetraram na África e sitiaram Hipona. Pouco depois de a cidade ser incendiada
pelos bárbaros, Agostinho adoeceu. Morreu no dia 23 de agosto de 430. Despedia-se assim da
“cidade dos homens”, que considerava pecaminosa e em trevas, e penetrava na “Cidade de Deus”.

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Deixava, no entanto, uma obra de pensamento que reinaria no Ocidente cristão durante
pelo menos sete séculos, até que outras cabeças pensassem a nova fé em termos filosóficos
diferentes.

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO PENSAMENTO DE SANTO AGOSTINHO

Nos primeiros séculos da era cristã, a Igreja católica, jovem em termos históricos, procura,
se assim podemos exprimir, a sua identidade filosófica, a ser sobreposta ao ensinamento antes
moral e social dos Evangelhos. É o tempo, também, da propagação algo desordenada da nova fé,
a partir de numerosos focos de irradiação, nem sempre ideologicamente concordante.
Esquematizando e simplificando o quadro, é o tempo, ainda, da valorização das conversões, da
descoberta da nova verdade, depois do da valorização dos mártires, na dura luta inicial pela
sobrevivência e pelo reconhecimento. Em fase de expansão e de consolidação, a Igreja, na sua
ação exterior, prega; e no interior dos seus quadros busca preencher um certo vazio teórico,
filosófico, deixado pelos primeiros apóstolos - cujas preocupações eram mais práticas, mais
diretas e intelectualmente menos sofisticadas - definindo, aprofundando e unificando uma doutrina
universal.

Era emergente, o surgimento de um teórico da Igreja, que se dedicasse à missão de


equacionar os princípios apenas esboçados no Novo Testamento dentro da moldura filosófica
grega, única com credibilidade intelectual na cultura romana, esta moldura estava reservada para
a filosofia platônica. Era uma tarefa que, de certa forma, se impunha. Quem lê os Evangelhos -
matéria-prima do pensamento cristão - logo percebe que eles não foram escritos por ideólogos da
nova fé e sim por homens, sobretudo empenhados em registrar e transmitir as ações e a pregação
do Cristo, o mais das vezes quase ao nível de reportagem. Não há formulações elaboradas de
doutrina, ou seja, não apresentava um conjunto de idéias produzidas e sistematizadas pela razão
em um todo lógico, mas a enumeração de milagres, de exemplos, de máximas concisas, aplicadas
aos casos específicos que se iam sucedendo ao longo das peregrinações de Jesus. E estas
máximas, como é claro, estavam condicionadas aos problemas concretos que se apresentavam,
tanto de ordem moral, quanto social e até política.

Salvo o Sermão da Montanha, em Mateus, e em outras poucas passagens, os


Evangelhos não aprofundam posições doutrinárias. E nem sequer afloram as complexas questões
teológicas e filosóficas que formam, para usar um termo moderno, a superestrutura ideológica de
um grande edifício de projeção universal, como a Igreja ambicionava ser.

A nova fé era uma religião revelada, e não uma filosofia. Cumpria, pois, criar esse corpo
de doutrina, e o instrumento disponível para tanto - maravilhosamente sofisticado, aliás - era a
tradição filosófica herdada da Grécia dos séculos 5 e 4 antes de Cristo, muito particularmente o
sistema de Platão, cuja natureza se adaptava ao estágio de evolução em que se encontrava o
cristianismo e à concretização dos seus objetivos. Nesse esforço de conciliação das verdades
reveladas com idéias filosóficas, empreendida pelos primeiros pensadores cristãos, Padres da
Igreja, produziu a chamada filosofia Patrística, que não chegou a formular sistemas completos de
filosofia cristã. Os primeiros Padres da Igreja limitaram-se a elaborações parciais de alguns
problemas apologéticos e teológicos. Em outros termos, o que se encontra na Patrística são
escritos de elogio ao cristianismo e tentativas de mostrá-lo como doutrina não-oposta às verdades
racionais do pensamento helênico, tão respeitado pelas autoridades romanas.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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FÉ E RAZÃO

A Síntese que realizou, ele mesmo, Agostinho, denominou de


“filosofia cristã”. O núcleo em torno do qual gravitam todas as suas idéias
é o conceito de beatitude. Sua indagação principal era: “Como obter a
felicidade?”. O problema da felicidade constitui, para Agostinho, toda a
motivação do pensar filosófico.

A filosofia é, assim, entendida não como disciplina teórica que coloca problemas à
estrutura do universo físico ou à natureza dos deuses, mas como uma indagação sobre a condição
humana à procura da beatitude, ou felicidade. A beatitude, no entanto, não foi encontrada por
Agostinho nos filósofos clássicos que conhecera na juventude, mas nas Sagradas Escrituras,
quando iluminado pelas palavras de Paulo de Tarso. Não foi fruto de procedimento intelectual,
mas ato de intuição e de fé.

Impunha-se, portanto, conciliar as duas ordens de coisas e com isso Agostinho retorna à
questão principal da Patrística, ou seja, ao problema das relações entre a razão e a fé, entre o que
se sabe pela convicção interior e o que se demonstra racionalmente, entre a verdade revelada e
a verdade lógica, entre a religiosidade cristã e a filosofia pagã.

Desde a conversão, Agostinho se propôs a atingir, pela fé nas Escrituras, o entendimento


daquilo que elas ensinam, colocando a fé como via de acesso à verdade eterna. Mas, por outro
lado, sustentou que a fé é precedida por certo trabalho da razão. Ainda que as verdades da fé não
sejam demonstráveis, isto é, passíveis de prova, é possível demonstrar o acerto de se crer nelas,
e essa tarefa cabe à razão. A filosofia é, para Agostinho, apenas um instrumento auxiliar a teologia,
destinada a sistematizar a doutrina fundamental da Igreja Católica.

A TEORIA DO CONHECIMENTO

O primeiro problema filosófico, focalizado por Agostinho logo após a conversão, foi o dos
fundamentos do conhecimento, para o qual necessitava urgente de uma resposta racional. Para
os céticos da Nova Academia Platônica, o qual tivera rápido estágio, afirmavam que a fonte de
todo o conhecimento era a percepção sensível, na qual não se poderia encontrar qualquer
fundamento para a certeza, já que os sentidos forneciam dados variáveis e, portanto, imperfeitos.
Agostinho através de engenhosa argumentação reabilitaria os sentidos como fonte de verdade. O
erro - diz ele - provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A
sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a expressão de uma verdade externa
ao próprio sujeito. Essa concepção de homem provinha de Platão (428-348 a.C.) e foi conhecida
por Agostinho, através de Plotino. A ideia principal é a da transcendência hierárquica da alma
sobre o corpo. Presente em sua morada terrena, a alma teria funções ativas em relação ao corpo:
atenta a tudo o que se passa ao redor, nada deixa escapar à sua ação. Os órgãos sensoriais
sofreriam as ações dos objetos exteriores, mas com a alma isso não poderia acontecer, pois o
inferior não pode agir sobre o superior. Ela, no entanto, não deixaria passar despercebida as
modificações do corpo e, sem nada sofrer, tiraria de sua própria substância uma imagem
semelhante ao objeto. Entre as sensações, algumas se referem às necessidades e estados do
corpo, outras dizem respeito a coisas exteriores. Agostinho conclui, que existem dois tipos
inteiramente diferentes de conhecimento: o primeiro, limitado aos sentidos e referente aos objetos
exteriores ou suas imagens; o segundo, imutável e eterno, que é o conhecimento verdadeiro
recebido pelo homem pela iluminação divina.

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A DOUTRINA DA ILUMINAÇÃO DIVINA

Para explicar como é possível ao homem receber de Deus o conhecimento das verdades
eternas, Agostinho elabora a doutrina da iluminação divina. Trata-se de uma metáfora recebida de
Platão, que na célebre alegoria da caverna mostra ser o conhecimento, em última instância, o
resultado do bem, considerado como um sol que ilumina o mundo inteligível. Não obstante as
evidentes ligações entre os dois pensadores, Agostinho afasta-se, porém, de Platão ao entender
a percepção da alma não como descoberta de uma reminiscência de um conteúdo passado, mas
como irradiação divina no presente.
A alma não passaria por uma existência anterior, na qual contempla as ideias: ao
contrário, existiria uma luz eterna da razão que procede de Deus e atuaria a todo o momento,
possibilitando o conhecimento das verdades eternas. Assim como os objetos exteriores só podem
ser vistos quando iluminados pela luz do Sol, também as verdades da sabedoria precisariam ser
iluminadas pela luz divina para se tornarem inteligíveis. A teoria agostiniana estabelece, assim,
que todo conhecimento verdadeiro é o resultado de um processo de iluminação divina, que
possibilita ao homem contemplar as ideias, arquétipos eternos de toda a realidade.

A UNIDADE DIVINA E A TEORIA DA CRIAÇÃO

Agostinho concebe a unidade divina não como vazia e inerte, mas como plena, viva e
guardando dentro de si a multiplicidade. Deus compreende três pessoas iguais e consubstanciais:
Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai é a essência divina em sua insondável profundidade; o Filho é o
verbo, a razão ou a verdade, através da qual Deus se manifesta; o Espírito Santo é o amor,
mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres.
A teoria da criação do mundo manifesta claramente a originalidade do pensamento cristão
diante da filosofia helênica. Os gregos sempre conceberam o mundo como eterno e Deus, para
eles, seria o artífice que trabalha um material incriado e é capaz de dar forma ao que sempre
existiu e sempre existirá. Deus criaria apenas a ordem, transformando em cosmo o caos originário.
Muito diferente é a concepção cristã formulada por Agostinho, para quem Deus, por sua própria
essência trina, é criador de todos os seres, a partir de nada além dele e como consequência
apenas de seu amor infinito. Deus Não seria um artista que dá forma a uma certa matéria; seria o
criador de todas as formas e todas as matérias.

O HOMEM E A ESSÊNCIA DO PECADO

Deus é a bondade absoluta e o homem é o réprobo miserável condenado à danação


eterna e só recuperável mediante a graça divina. O pecado é, segundo Agostinho, uma
transgressão da lei divina, na medida em que a alma foi criada por Deus para reger o corpo, e o
homem, fazendo mau uso do livre-arbítrio, inverte essa relação, subordinando a alma ao corpo e
caindo na concupiscência e na ignorância. No estado de decadência em que se encontra, a alma
não pode salvar-se por suas próprias forças. A queda do homem é de inteira responsabilidade do
livre-arbítrio humano, mas este não é suficiente para fazê-lo retornar às origens divinas. A salvação
não é apenas uma questão de querer, mas de poder. E esse poder é privilégio de Deus. Chega-
se, assim, à doutrina da predestinação e da graça, uma das pedras de toque do agostinismo. Mas,
segundo Agostinho, nem todos os homens recebem a graça das mãos de Deus. Apenas alguns
eleitos, que estão, portanto, predestinados à salvação. Depois do pecado original de Adão e Eva,
o homem está totalmente corrompido e depende exclusiva e absolutamente da vontade divina e
concessão da graça para a salvação.

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“A suprema bondade de Deus não permite jamais que nada aconteça


desordenadamente, e que todas as coisas que se fazem de mal Ele próprio se
encarrega de levar a um ótimo fim...” Abelardo

A invasão dos bárbaros, no século V, destruiu no Ocidente a


civilização romana e iniciou a Idade Média. Os bárbaros, que irromperam
de todos os lados, provocaram novas condições políticas e sociais
adversas à conservação e ao desenvolvimento da cultura intelectual.

Por isso, os quatro primeiros séculos da Idade Média são obscuros e ambíguos e
historiadores há que julgam esse período como a fase de decadência da Patrística, outros
consideram-no, o período de transição da Escolástica.

De qualquer modo este foi um período em que não houve filosofia propriamente dita, mas
houve a preocupação de salvar os restos da cultura que estava sendo arruinada pelas hordas dos
visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente pelos vândalos.

O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, portanto, não foi
criador, mas compilador. E este trabalho se deve principalmente aos monges, que recolheram em
seus conventos muitos manuscritos antigos, que encerravam as sabedorias dos séculos
anteriores.

Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, se acomodaram à nova situação política e


passaram a aceitar os usos e costumes dos povos vencidos, convertendo-se ainda ao
Cristianismo. Com isso houve um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações
científicas e filosóficas apareceram, predominando então a “Escolástica”, como principal corrente
da filosofia.

OS PERÍODOS E SEUS PRINCIPAIS PENSADORES

A grande Era Medieval, pois, no que concerne à filosofia, pode ser considerada em quatro
períodos:

1O. PERÍODO - TRANSIÇÃO: Como já vimos, é um período ambíguo que vai desde o fim
da Patrística até o século IX. Apesar de não ter havido filosofia na expressão do termo, este
período se caracteriza pelo recolhimento e compilação da doutrina filosófica anterior.

REPRESENTANTE - BOÉCIO (480-526) - Em sua juventude esteve em Atenas, onde


estudou o aristotelismo, o neoplatonismo e o estoicismo. Era católico convicto. Pensador
consumado em todas as ciências humanas é um herdeiro da cultura da antiguidade grega e
helenista. Por ele essa herança foi transmitida à Idade Média. Situado no marco divisor de uma
civilização que fenecia e outra que despontava, Bóecio foi chamado com justiça “o último romano
e o primeiro escolástico”.

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2o. PERÍODO - FORMAÇÃO: Inicia-se no século IX d.C. e se estende até o século XII,
compreendendo duas correntes filosóficas: a cristã e a dos filósofos orientais, árabes e judeus. É
nesse período que se inicia propriamente a Filosofia Escolástica, pois seu nome provém da
doutrina ensinada nas escolas e estas se difundiram com a renascença carolíngia.

A CORRENTE CRISTÃ - Com ela a filosofia começou a ressurgir, penosamente, com o


ensinamento nas escolas, pelo incentivo de Carlos Magno. Eram de três classes: “monarcais”,
junto aos conventos e administravam ensino a religiosos e a leigos; “catedrais”, junto às igrejas
catedrais das dioceses, com a mesma função das anteriores e “palatinas”, junto à corte e aos
palácios, e ensinavam a todos, sem distinção.
Nessas escolas ensinavam-se as artes liberais (gramática, retórica, dialética, aritmética,
geometria, astronomia e música) e no campo da filosofia, os principais problemas eram: o das
provas da existência de Deus; das relações entre Deus e o mundo; das relações entre a graça
divina e a liberdade humana; e o principal deles, o problema dos Universais (mundo das idéias).
Seriam eles, os “conceitos universais”, as únicas realidades, como sustentava Platão? Seriam
concepções do espírito, segundo Aristóteles? Ou simples palavras, como asseguravam os
epicureus e estóicos? Representantes:
JOÃO ESCOTO (815-877) - Introduziu na filosofia escolástica, o neoplatonismo,
adaptado às teses cristãs.
PEDRO ABELARDO (1079-1142) - Um dos problemas que mais o ocuparam foi o das
relações entre a razão e a fé. Por temperamento e formação intelectual, Abelardo tende a
supervalorizar as forças da razão na solução dos problemas teológicos.
SANTO ANSELMO (1033-1109) - Para responder às objeções dos infiéis, recorreu
apenas à razão, para demonstrar a existência de Deus. No problema dos “Universais”, opinou pelo
realismo de Platão.

A CORRENTE ORIENTAL - Do período de formação da Escolástica; abrange a filosofia


dos árabes e a dos judeus.

FILÓSOFOS ÁRABES - De meados do século VII, em diante, os árabes conquistaram


grande parte do mundo civilizado e, em muitas regiões dominadas, a vida intelectual era intensa.
Com suas conquistas na Ásia Menor e na Pérsia, começaram eles a conhecer muitos autores
gregos, cujas obras logo foram traduzidas para o árabe. No século IX, foram traduzidas as de
Aristóteles e alguns tratados neoplatônicos. Com isso a escolástica árabe adaptou a filosofia
aristotélica ao islamismo. Representante:
AVERRÓIS (1126-1198) - Admirador de Aristóteles, procurou restabelecer-lhe o
verdadeiro pensamento, muito deturpado pelos intérpretes anteriores. Embora discutido pelos
escolásticos cristãos, a ele devemos a conservação de grande parte da obra de Aristóteles.

FILÓSOFOS JUDEUS - Os judeus aceitaram a conquista dos árabes e sofreram a


influência intelectual de seus dominadores. Também eles adaptaram o aristotelismo às teses
essenciais de sua religião. Representante:
MAIMÔNIDES (1135-1204) - Com ele, a filosofia judaica atingiu o apogeu. Partidário de
Aristóteles exerceu grande influência na filosofia cristã da Idade Média. Um dos principais objetivos
de sua filosofia é o da explicação racional da lei mosaica.

3o. PERÍODO - APOGEU: Corresponde ao século XIII, o século clássico da Idade Média
e um dos mais importantes da história da filosofia. A filosofia escolástica cristã, a filosofia árabe e
a judaica, mais o aristotelismo passaram a ser as grandes fontes da Escolástica no período de
Apogeu. É um período de esplendor em todas as manifestações humanas: na arquitetura, erigem-
se as grandes catedrais góticas.

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Na pintura, é o século de Guido de Siena e Giotto; na literatura surge a notável figura de


Dante; nas ciências é o século da introdução da álgebra e dos algarismos arábicos no Ocidente e
do emprego da bússola. É também este o período de esplendor da Escolástica. Para isso, três
foram os fatores fundamentais: a fundação das Universidades, o estabelecimento das ordens
mendicantes dos dominicanos e dos franciscanos e o conhecimento da obra filosófica de
Aristóteles.

FUNDAÇÃO DAS UNIVERSIDADES

No início do século XIII, surgiu a Universidade de Paris, resultado do agrupamento de


todos os mestres e discípulos de Paris, sob a autoridade do chanceler de quatro faculdades: de
teologia, de artes (filosofia), de direito e de medicina. O decano dos professores era o reitor, que
acabou por suplantar o chanceler na direção da Universidade. Estava sob a proteção e influências
do rei de França e do Papa e se tornou com o tempo o maior centro de cultura e de vida intelectual
da Europa.

Pouco depois, mais ou menos modeladas na de Paris, surgem as Universidades de


Oxford e Cambridge, na Inglaterra; Bolonha e Pádua, na Itália; Salamanca, na Espanha, Colônia
e Heidelberg na Alemanha, Coimbra, em Portugal.
Nessas universidades, grandes centros intelectuais que perduram até hoje, mantinham-
se vivas as tradições platônicas e agostinianas e cultivava-se o aristotelismo.

AS ORDENS MENDICANTES

Em princípios do século XIII, fundaram-se as duas grandes ordens mendicantes dos


franciscanos e dominicanos. São Francisco de Assis fundou a ordem dos Irmãos Menores, São
Domingos de Gusmão a ordem dos Pregadores.

Após grandes polêmicas com os seculares, conseguem estes padres algumas cátedras
na Universidade de Paris e acabam depois dominando o ambiente universitário.

Dentre os maiores filósofos franciscanos apareceram: Alexandre de Hales, o primeiro


mestre franciscano; São Boaventura, Rogério Bacon, Duns Scoto e Guilherme de Ockam.

Dentre os dominicanos: S. Alberto Magno, S. Tomás de Aquino e o mestre Eckehart.

O ARISTOTELISMO

O conhecimento de Aristóteles foi o fator mais importante para o Apogeu da Escolástica


do século XIII. Nos séculos anteriores, a única obra conhecida do estagirita era o “Organon”. Em
princípios do século XIII toda a enciclopédia aristotélica foi divulgada. A princípio, passando por
traduções imperfeitas, oriundas do árabe ou hebraica, foram proibidas pelas autoridades
eclesiásticas em 1215, sendo mais tarde, por volta de 1254, traduzidas diretamente do grego,
sendo incorporadas pela Universidade de Paris.

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4o. PERÍODO - DECADÊNCIA: Os séculos XIV e XV, que sucederam ao período clássico
da filosofia medieval, representam a decadência da Escolástica. Muitas são as causas que
contribuíram para essa dissolução: as guerras entre franceses e ingleses, a terrível peste de
meados do século XIV; as dissensões entre os reis e a Igreja, tudo isso perturbou a paz, não
havendo condições sociais favoráveis para os estudos.

Assim, no campo da filosofia o século XIII se nos apresenta como uma época de geniais
sínteses filosóficas, os dois séculos seguintes apresentam a caráter fundamental do criticismo. E
como resultado desse espírito crítico, começou a manifestar-se a separação da filosofia e da
teologia.

Apesar dessa decadência, não se deve crer que a Escolástica terminou no século XIV ou
XV, ela perdura até hoje, como no Brasil, através de neotomistas como Leonel França e Tristão
de Ataíde.

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“Tudo está sujeito à lei de causa e efeito. Há, pois, uma série de causas
eficientes, mas deve haver uma primeira causa, porque se não houvesse, não
haveria nenhum efeito. Essa “causa primeira” é Deus.” São Tomás de
Aquino

Descendente de nobre família dos Condes de Aquino nasceu no


castelo de Rocasseca, em 1225. Iniciou seus estudos no mosteiro dos
beneditinos de Monte Cassino e depois segiui para Nápoles, onde cursou
as sete artes liberais, com Pedro Martin estudou o “trivium” (gramática,
retórica e dialética) e com Pedro de Ibernia fez o “quadrivium” (aritmética,
geometria, astronomia e música).

Nessa mesma cidade, em 1243, apesar da oposição da família ingressou na ordem dos
domicanos. No ano seguinte transferiu-se para Paris, onde foi discípulo de Alberto Magno.
Estudou teologia, recebendo juntamente com São Boaventura o título de Mestre. Durante alguns
anos lecionou em Paris, mas sua fama espalhou-se pela Europa e teve que lecionar em outros
grandes centros de cultura. Passados alguns anos, foi residir em Nápoles. Em 1274, convocado
pelo Papa Gregório X, para assistir ao segundo concílio de Lião, adoeceu em viagem, vindo a
falecer em Fossanova, com 49 anos. Por sua vida espiritual imaculada, e pela profunda bondade,
conferiram-lhe o título de Doutor Angélico ou o Anjo das Escolas.

O TOMISMO

Tomás de Aquino realizou a adaptação da filosofia de Aristóteles ao pensamento cristão


da Escolástica. Rompendo com todas as doutrinas que não se harmonizavam com os princípios
da filosofia aristotélica, introduziu na Escolástica novo pensamento - o Tomismo.
Dentre os grandes problemas que preocupam Tomás de Aquino, encontram-se: a
demonstração da existência de Deus e a explicação de sua essência, na medida do possível, a
interpretação racional dos dogmas cristãos, abstraindo-se a parte suprarracional, mas não
antirracional; a Trindade; a Eucaristia; a Criação do Mundo; a essência da alma humana, espiritual
e imortal; o problema dos “Universais” e vários outros.

FILOSOFIA E TEOLOGIA

Tomás de Aquino apresentou a solução definitiva do problema das relações entre a razão
e a fé. Trata-se de duas ciências, a filosofia e a teologia; a primeira funda-se no exercício da razão
humana; a segunda na revelação divina. São duas ciências independentes, mas que apresentam
às vezes o objeto material comum; a existência de Deus; a essência da alma, etc. A distinção
entre essas ciências deriva mais do objeto formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método de
autoridade ou revelação, ao passo que a filosofia o considera por demonstração científica ou pela
razão.
Teologia e filosofia não se contradizem, ambas procuram a verdade e esta é uma só. A
revelação é critério da verdade. No caso de uma contradição entre a razão e a revelação, o erro
não será nunca da teologia, mas deve ser atribuído à filosofia, pois nossas limitações cognoscitivas
racionais se extraviaram e não conseguiram chegar à verdade.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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TEODICÉIA

A Teodicéia é a especulação filosófica para provar a Existência de Deus. Para Santo


Tomás, a fé e a razão não se conflitam: não lhes é impossível demonstrar a existência de Deus.
Mas ele recusa a solução apressada de Santo Anselmo, para quem Deus, sendo perfeito, deveria
ter como um de seus atributos perfeitos o da existência.

Segundo Tomás de Aquino, definir Deus como ser perfeito ainda não implica a sua
existência: a definição é uma ideia, e nada assegura que uma ideia possa existir, de fato, na
realidade.

O ponto de partida, então, é o mundo sensível, cuja existência é dada pelos sentidos.
Estes indicam que o mundo é dotado de movimento. Mas, segundo Aristóteles, nada se move por
si. A causa do movimento deve ser causada e, se não se quiser estender a série das causas ao
infinito (o que não explicaria o movimento presente), é preciso admitir uma causa absolutamente
imóvel e primeira: Deus. O mesmo raciocínio vale para a causa em geral: as coisas são ou causa
ou efeito de outras, não sendo possível serem causa e efeito ao mesmo tempo. Deve haver, então,
ou uma sucessão infinita de causas - o que é absurdo -, ou uma causa absolutamente primeira e
não causada. Os dados dos sentidos também mostram que as coisas existem e perecem. Isto
significa que a sua existência não lhes é necessária, essencial, mas apenas uma possibilidade
contingente. Por isso, a existência depende de uma causa, exatamente aquela que tenha a
existência como sua essência, uma existência necessária.

Além disso, o mundo apresenta uma série de seres mais ou menos perfeitos e que são
comparados entre si de maneira relativa. Mas, como saber o que é mais perfeito do que outro, se
não houvesse um padrão a partir do qual se pudesse medir os graus de perfeição? A hierarquia
das coisas relativas depende então de um ser que seja a medida absoluta e eterna da perfeição.
Por fim, essa hierarquia apresenta-se como uma ordem, em que cada ser cumpre sua finalidade:
e os seres vivos reproduzem-se constantemente, e os corpos sempre buscam o seu lugar natural,
mesmo que disso não tenha conhecimento. Se a finalidade de cada ser é assim atingida, mesmo
que inconscientemente, deve haver uma Inteligência, que conheça e organize o mundo de acordo
com a sua finalidade.

Desse modo, a razão, por vários meios, atinge o conhecimento da existência de Deus. A
razão que demonstra e a fé que revela estão, por isso, em acordo, sem que entre elas haja
contradição: ambos são modos diferentes pelos quais se manifesta a mesma e a única Verdade.

Nesta parte de seu sistema, Tomás de Aquino revela seu gênio sintético ao demonstrar
a existência de Deus, de cinco modos, que são as famosas cinco vias, que assim resumimos:

1a. - A do “Movimento” - É o argumento aristotélico do primeiro motor. (“não é possível,


admitir uma série infinita de seres que se movem, movendo por sua vez outros seres, logo, é
preciso chegar a um motor que mova sem ser movido”).

2o. - A da “Concatenação das Causas” - Tudo está sujeito à lei de causa e efeito. Há, pois,
uma série de causas eficientes, mas deve haver uma primeira causa, porque se não houvesse,
não haveria nenhum efeito. Essa “causa primeira” é Deus.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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3a. - A da “Contingência” - há entes que podem ser ou não ser; houve um tempo em que
esses entes não foram, e terá havido um tempo em que não havia nada e “nada” não poderia ter
chegado a ser. Portanto, há um ser necessário, eterno, não contingente - é Deus.

4o. - A dos “Graus de Perfeição” - Todas as perfeições admitem graus, que se aproximam
mais ou menos das perfeições absolutas. Deve, pois, haver um ente sumamente perfeito, é o ente
supremo - Deus.

5a. - A da “Ordem Universal” - Todos os entes tendem para uma ordem, não por acaso,
mas por uma inteligência que os dirige; há, pois, um ente inteligente que ordena a natureza e a
impele para o seu fim. Esse ente inteligente é Deus.
Desses conceitos, Tomas de Aquino conclui quanto podemos conhecer sobre a natureza
e os atributos de Deus. Observa, porém, que esse conhecimento é imperfeito; sabemos que “Deus
é”, mas não “o que é”. Apesar disso, podemos compreender que Deus é eterno, infinito, onisciente,
onipotente e em suas relações com o mundo é Criador e Providência.

A ALMA

A doutrina tomista admite que a alma, princípio espiritual, junta-se ao corpo, princípio
material, constituindo um composto substancial. Assim, tem uma alma as plantas, é a “alma
vegetativa”, com as funções de alimentação e reprodução; os animais, é a “alma sensitiva”, com
as funções anteriores, mais a sensação e mobilidade; finalmente o homem com todas as funções
anteriores, mais a racional.
No concernente às propriedades da alma humana, admite o livre arbítrio, que é estudado
sob todos os seus aspectos e todos os problemas dele derivados são resolvidos com firmeza e
profundidade. Tomás de Aquino considera ainda a inteligência como a faculdade mais perfeita de
nossa alma. Com essa doutrina se afasta da tradição escolástica, emanada de S. Agostinho.

MORAL

Com sua ética também harmoniza a doutrina de Aristóteles aos princípios cristãos. Assim,
a ética é o “movimento da criatura racional para Deus”. Esse movimento visa a uma bem-
aventurança, que consiste na contemplação imediata de Deus.

TEORIA DO CONHECIMENTO

Diverge da teoria agostiniana e se harmoniza com a aristotélica. O conhecimento tem


dois momentos: o sensitivo e o intelectual. O conhecimento sensitivo do objeto, que está fora de
nós, dá-se mediante a sensação. Esta é a impressão do objeto material em nossa consciência.
Processa-se pela assimilação das sensações do sujeito cognoscente com o objeto conhecido. O
conhecimento intelectual depende do conhecimento sensitivo, mas ultrapassa-o, pela abstração e
generalização, formulando os conceitos.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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A IMPORTÂNCIA DE TOMAS DE AQUINO

O Santo Tomás de Aquino foi o maior gênio da Escolástica. Criou um sistema filosófico
sintético, coerente, fundamentado em Aristóteles, que reformulou todo o pensamento cristão, e
que pode ser considerado precursor de toda a filosofia moderna.

Logo depois da morte de Tomás de Aquino, sua doutrina foi criticada e algumas de suas
preposições foram condenadas oficialmente. Mas o Tomismo ainda hoje, está florescente. A
“Summa Theologica”, obra-prima de Tomás, grande exposição sistemática do seu pensamento e
que constitui o coroamento de toda a Escolástica, deu à teologia uma estrutura sistemática, precisa
e rigorosa. Infelizmente se acha incompleta, pois, a morte o surpreendeu quando redigia ainda a
terceira e última parte da Suma. Foi traduzida para o português em 30 volumes.

Tomás de Aquino foi canonizado em 1323, e até hoje, todos, leigos e religiosos,
reconhecem a genialidade do Doutor Angélico.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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“A natureza não se vence, se não quando se lhe obedece”.


Francis Bacon

A partir da segunda metade do século XV e durante todo o século


XVI, houve uma transformação universal de todas as condições:

Religiosa

Científica Política

HUMANISMO E
Tecnológica RENASCIMENTO Econômica

Cultural Social

Filosófica

A data de 1453, tomada de Constantinopla pelos turcos, geralmente costuma assinalar o


fim da Idade Média. Essa data, porém, não marca apenas a passagem de uma era para outra,
mas envolve profundas mudanças.

No campo político terminava o Império Cristão e surgiam novos estados e diversas


nações, caracterizados pela centralização do poder nas monarquias absolutistas e no
nacionalismo.

O aspecto econômico do mundo civilizado se alterava: a estrutura do feudalismo medieval


caracterizado por um modo de produção agrário autossuficiente e baseado na relação senhores
e servos se desmorona, e em seu lugar, o mercantilismo (uma forma de pré-capitalismo), abre o
caminho marítimo para as Índias com o surgimento de polos comerciais e a consolidação da
burguesia como nova elite do capital.

Na área social ocorre um florescimento urbano ao fundarem-se cidades e vilas e o


revigoramento de antigas cidades através do aumento populacional através do êxodo rural
provocado pelo fim do feudalismo.

A vida cultural foi marcada pelo despertar da literatura clássica e pela manifestação
artística da beleza, da harmonia, e do equilíbrio de linhas das obras de arte dos gregos e romanos.
É adotada e valorizada a língua natal de cada região em detrimento do latim.

A descoberta da imprensa e as maiores facilidades de comunicação contribuíram muito


para a divulgação dos novos conhecimentos por todas as nações.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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O declínio da Igreja Católica que monopolizava a vida cultural e religiosa medieval, deu-
se pela degeneração do alto clero, que vivia num ambiente de luxo divorciados da doutrina original
do Cristo, acrescidos ainda, pela vergonhosa venda de indulgências e de cargos religiosos, o que
provocou o surgimento da Reforma Protestante.

Essa efervescência, nos mais variados campos da atividade humana, deu origem ao
“Humanismo” e a “Renascença”.

HUMANISMO

Schiller afirma que: “O humanismo é simplesmente a percepção, segundo a qual o


problema filosófico se refere a seres humanos, que se esforçam para compreender um mundo de
experiência humana, com os recursos do espírito humano”.

Segundo Philippe Monnier, “O Humanismo não é somente o gosto pela antiguidade, é


seu culto, levado ao extremo, que não se limita apenas a adorar, mas que se esforça por
reproduzir. E o “humanista” não é somente o homem que conhece os antigos e que se inspira
neles, é aquele que está tão fascinado pelo prestígio dos antigos, que os copia, imita-os, repete-
os, adota seus modelos e suas modas, seus exemplos e seus deuses, seu espírito e sua língua.
Semelhante movimento, levado a seus extremos lógicos, inclinava-se nada menos a suprimir o
fenômeno cristão”.

Segundo outra concepção, o humanismo é: “Movimento espiritual representado pelos


humanistas do Renascimento, caracterizado por um esforço para elevar a dignidade do espírito
humano, valorizá-lo e, sobrepondo-se à Idade Média e à Escolástica, restabelecer os laços entre
a cultura antiga e a moderna”.

RENASCIMENTO

O Renascimento é uma verdadeira revolução cultural que corresponde à transição da


época medieval ao mundo moderno. Expressa os ideais, a visão de mundo da nova sociedade
emergente com a crise do feudalismo e o desenvolvimento da economia mercantil. A denominação
Renascimento é decorrência da preocupação dos homens que viveram esse momento histórico
em se inspirarem nos valores e ideais da Antiguidade Clássica (greco-romana), por oposição aos
valores medievais que desprezavam. A Itália foi o berço e o centro do Renascimento, pois a
mesma era o centro do pré-capitalismo (mercantilismo), do desenvolvimento comercial e urbano,
que gerava os excedentes de capital mercantil para investimento em obras de arte.

Os homens do Renascimento tiveram profunda consciência de que viviam uma época


muito diferente da medieval. Consideravam o seu tempo um tempo novo, identificando-o com a
Antiguidade e opondo-se à Idade Média, que repudiavam, considerando-a a “Idade das Trevas”.
Assim sendo opunham-se ao misticismo, ao coletivismo, ao antinaturalíssimo, ao
teocentrismo e ao geocentrismo, característicos da cultura medieval.

O traço mais marcante do Renascimento foi seu profundo racionalismo. Tal perspectiva
somente poderia ter surgido no quadro da sociedade burguesa, cujo objetivo era o domínio mais
completo possível da natureza, numa atitude que seria mais tarde chamada de científica, a fim de
ampliar seus lucros de mercado.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
58

O elemento chave para dominar a natureza era a matemática, decorrência imediata do


desenvolvimento da mentalidade calculadora que se expressava nos livros de contabilidade e no
uso dos algarismos arábicos. Disto resultou a convicção de que tudo podia ser explicado pela
razão e pela ciência, a recusa a acreditar em qualquer coisa que não tivesse sido provada. Os
métodos experimentais, a observação científica e a organização racional do Estado são exemplos
desse racionalismo.

A racionalização envolve a capacidade de perceber as diferenças, de individualizar as


coisas. Daí emergiu a segunda característica do Renascimento, o individualismo, que se
transformou em otimismo na medida em que ampliou a crença nas próprias potencialidades do
homem. A capacidade de individualizar, de decompor as partes levou à aguda análise e percepção
da natureza, à própria descoberta da natureza: o naturalismo.

É óbvio, porém, que entre as maravilhas da natureza criada por Deus, o homem é a obra-
prima da criação. Por isso é preciso colocá-lo no centro das preocupações, com suas
necessidades sociais, políticas, religiosas e angústias existenciais. Nasce assim o
antropocentrismo, que nada tem a ver com ateísmo, pois considera o homem a manifestação
mais perfeita da obra de Deus.

Finalmente, se o desenvolvimento do racionalismo tinha levado à descoberta da natureza


e do homem, a concentração mais sistemática na tentativa de compreender o mundo, o universo,
de uma forma calculada e matemática, daria origem ao heliocentrismo - concepção de que o Sol
é o centro do universo, e não a Terra.

AS CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS NO RENASCIMENTO

Ao lado das influências nas artes e na literatura, renasceu a influência das “Ideias” no
campo filosófico e muitos sistemas da filosofia antiga reapareceram.

Da crise da Escolástica dos séculos XIV e XV renasciam antigas concepções filosóficas,


que, embora não fossem antirreligiosas, reagiram contra a escolástica decadente. Por essas
razões, Sciacca afirmou: “O Humanismo e o Renascimento que, no fundo, são dois momentos de
um único movimento, tem em comum os caracteres fundamentais: afirmação do valor e da
dignidade da natureza humana; livre indagação da natureza física sem os limites impostos pela
autoridade de Aristóteles e sem a interferência da autoridade religiosa no campo da razão e da
experiência. Neste sentido, pode-se dizer perfeitamente que o “naturalismo” constitui a alma do
Humanismo e do Renascimento: “naturalismo” do Humanismo que tem como objeto a natureza
(integral) humana; “naturalismo” do Renascimento que tem como objeto a natureza física”.

O humanista da Renascença, sem negar a verdade cristã, serviu-se da razão e da


experiência e aos poucos transformou o estado de espírito do homem. Na verdade, o homem
medieval, preocupado com os aspectos sobrenaturais da vida, era o “homem teológico”, que tinha
Deus e sua natureza como centro de interesse de suas investigações. O homem renascentista
passou a preocupar-se com ele mesmo, passou a ser o “homem-humanista”, tendo como centro
de interesse em suas investigações a natureza física.

No estudo das principais tendências filosóficas desta época, notam-se: os humanistas,


os naturalistas, os filósofos sociais e os céticos.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Os Humanistas. Dentre eles o mais famoso é:

Erasmo, nascido em Roterdã, na Holanda (1466-1536), é talvez


o maior dos humanistas europeus. Escreveu O Elogio da Loucura, sua
obra-prima, na qual, com muita ironia, satiriza a Escolástica. Ele afirma que
o homem mais sábio é o que está mais distante da felicidade. Pois é
loucura ter como objetivo de vida a busca da felicidade, pois para sermos
felizes precisamos nos iludir com conceitos exagerados, adulações e
demasiado amor por nós mesmos. Até a felicidade na amizade baseia-se
na loucura: “Fingir que não vemos os defeitos dos amigos, passando por
cima deles, fazer-se de desentendido, construir ilusões, tratar defeitos
evidentes como virtudes, tudo isso não é loucura?”.
Erasmo não era um defensor da reforma. Ele estava preocupado com uma educação e
um ensino de melhor qualidade, promovida pela Igreja católica. A Valorização a precisão,
elegância e eloquência gramatical e retórica constituem ainda hoje a base da educação no
Ocidente.

Os Naturalistas - Filósofos renascentistas precursores da ciência moderna, orientados


no sentido da observação da natureza e que todo o conhecimento tem que ser demonstrado
através de experiências. Destacamos: Giordano Bruno, Leonardo da Vinci, Francis Bacon,
Galileu Galilei, Copérnico, Kepler e Isaac Newton, que serão estudados no capítulo seguinte.

Filosofia Social - A transformação das instituições políticas dos estados europeus e o


conhecimento mais preciso da política de Platão, Aristóteles e outros filósofos da antiguidade,
estimulou alguns pensadores da Renascença e os estudos de filosofia social foram enriquecidos
com algumas obras clássicas, que se tornaram famosas:

O Príncipe (1513), de Maquiavel (1469-1527), é a teoria de um


Estado que não se subordina a nenhuma instância superior, quer religiosa,
quer moral. Baseia-se em suas experiências como diplomata e foi escrito
na forma de recomendação sobre a arte de governar para Lorenzo II, de
Florença. Maquiavel foi o primeiro filósofo a estudar os mecanismos da
política, encarando-a como um tema que está além das doutrinas morais.
No livro, Maquiavel afirma estar escrevendo uma nova forma de teoria
política apoiada na experiência histórica e não em princípios morais ou
abstratos.

Ele queria persuadir seus contemporâneos de que a prática de governar só pode ser
julgada em relação à finalidade buscada por seus praticantes. Esta é na verdade o sentido da
famosa frase, mal compreendida até hoje. “Os fins justificam os meios”. O primeiro princípio do
governo é a consolidação do poder e, por isso, o bom desempenho dos governantes só pode ser
avaliado por sua força política. Maquiavel não diz que os governantes devam ser tirânicos. Ao
contrário, recomenda que devem evitar tudo que os tornassem odiado ou desprezado, e que
mantivessem a disposição de fazer todo o necessário pela “busca da glória civil”. As
recomendações de Maquiavel na verdade, demonstram que seu pensamento é precursor do
liberalismo moderno e que escreve com paixão sobre a constituição e a liberdade.

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A Utopia, de Thomas More (1480-1535). Era chanceler de


Henrique VIII e foi decapitado por se opor às medidas anglicanas do rei.
Sua obra conhecida como Utopia, apresenta um plano ideal de uma
república do tipo socialista, baseada na República de Platão. De tal modo
seu plano era ideal e irrealizável, que hoje a palavra “utopia” significa
quimera, ilusão.

A Cidade do Sol, de Tomás Campanella (1568-1639). Esta obra


é também uma utopia de tendência socialista. Seu estado é uma
monarquia universal de caráter teocrático, com a suprema autoridade
papal.

O livro Leviatã, de Thomas Hobbes (1588-1679), continua a


levantar questões polêmicas para os pensadores de teoria política. Hobbes
inicia sua teoria política explicando a verdadeira natureza dos seres
humanos. Ou seja, o homem é naturalmente mau, egoísta e ambicioso. “O
homem é o lobo do homem”. Hobbes oferece às comunidades humanas
uma triste escolha diante do fundamento eternamente egoísta de nossa
natureza: viver sob sua sombra violenta ou aceitar a necessidade de um
Estado com poder ilimitado e absoluto que possa proporcionar harmonia e
conforto. Para não viver sob o medo, o indivíduo precisa de um contrato
com os governantes. O preço a ser pago por essa escolha é alto: o poder
dos que comandam os instrumentos do controle estatal deve ser ilimitado.

Ceticismo - O ceticismo se pronunciou principalmente no Renascimento francês e


marcou, a bem dizer, a falência da Filosofia da Renascença. Entretanto, a filosofia renascentista
constitui o preâmbulo da filosofia moderna, assim como a sofística foi o prelúdio da filosofia grega
do período áureo. Dentre os célebres filósofos céticos encontramos:

Montaigne (1533 -1592), autor da obra Ensaio, jamais se


considerou um filósofo. Escrevia como quem conversava com os amigos
ao pé da lareira, saboreando um excelente vinho francês. Seu livro trata
dos limites da razão humana. Considera o homem limitado, e critica
aqueles que se consideram o centro do universo, onde tudo foi criado para
seu benefício e convergência. Seremos mais livres e felizes se
dispensarmos as opiniões daqueles que nos impõem “verdades” que não
temos acesso e nem somos capazes de saber se existem.

Pascal (1623-1662), muitos anos depois de seus antecessores,


revelava ainda ceticismo quanto ao poder natural da razão, levantando a
fé como a fonte única de certeza. “O coração tem razões que a razão
desconhece”. De vida isolada e meditativa, para Pascal apenas a religião
podia dar respostas sobre o mistério do homem. Sem o uso da razão, mas
com o conhecimento imediato e intuitivo proporcionando por um tipo de
inteligência a que chamou de “coração”. A razão trata daquilo que pode ser
demonstrado; ao coração compete tudo o que é indemonstrável.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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“Um dia naves celestiais irão viajar adaptadas aos ventos dos céus,
navegando no céu, cheias de exploradores
que não temerão a vastidão do espaço”
Johannes Kepler

A partir do século XVI, as novas descobertas científicas haviam provocado o desprezo à


física de Aristóteles e iniciado os novos métodos das Ciências Naturais.

Com maior frequência os pesquisadores passaram a usar instrumentos científicos, como


cronômetros, telescópios; as experiências se multiplicaram e a matemática passou a informar as
ciências da natureza, pelo que as apreciações qualitativas, até então usadas, foram substituídas
pelas quantitativas e mecânicas.

Estudiosos dos séculos XVI e XVII, como os astrônomos Galileu e Kepler, não
esperaram que os métodos de suas ciências fossem estabelecidos, para chegar a surpreendentes
descobertas. A prática se antecipou à teoria e a ciência precedeu à própria metodologia científica,
assim, a Ciência Moderna foi inaugurada.

Desse modo podemos dizer que desde Copérnico até Newton elaborou-se a nova física,
que chegou como um admirável corpo de doutrina até os nossos dias, em que sofreu outra radical
transformação às mãos de Einstein, que formulou a sua teoria da relatividade; de Planck,
fundador da mecânica quântica e dos físicos que estabeleceram as bases da mecânica ondulatória
(Heisenberg, Schrödinger, Broglie, Dirac) e a física nuclear (Hahn, Fermi, Oppernheimer).

Esse estado de coisas passou a sugerir a necessidade de se procurar os métodos de


pesquisa, os quais poderiam facilitar o desenvolvimento científico. Na busca de novos métodos,
surgiram dois caminhos opostos, entre os quais havia muitos pontos conciliatórios: o empirismo,
sustentando que todos os nossos conhecimentos têm que ser adquiridos pela demonstração
experimental, portanto, vem da experiência, e o racionalismo afirmando que todo o conhecimento
tem que ser demonstrado pela razão humana. Os filósofos empiristas elaboraram a metodologia
científica, enquanto os filósofos racionalistas, elaboraram a metodologia filosófica.

OS GRANDES NATURALISTAS DO RENASCIMENTO

Copérnico (1473-1543) - Em 1543 era publicada o livro “Sobre a


revolução dos globos celestes” que mudaria radicalmente a visão
tradicional do mundo, vindo o astrônomo polonês a falecer no mesmo dia
da publicação de sua obra pioneira. Copérnico afirmava em sua obra, que
a Terra e os outros planetas, na sua forma esférica, giravam em torno de
si mesmos, em torno de seu próprio eixo, e em torno do Sol descrevendo
órbitas circulares, e que o Sol permanecia imóvel no centro do universo.
Chamamos isto de visão heliocêntrica do mundo, ou seja, tudo gira em
torno do Sol.

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Giordano Bruno (1548-1600) - Frade dominicano que por suas


ideias foi delatado à Inquisição, condenado e executado na fogueira no
mercado de flores de Roma. Afirmou que a natureza podia ser vista como
algo divino, ou mesmo como um “desdobramento de Deus”, que Deus
estava presente na sua criação; e que sendo Ele infinito, também o era
onipresente, admitindo assim, a concepção panteísta. Ele também
considerava o universo infinito afirmando que a Terra era apenas um
dentre a infinidade de mundos habitados. Os pensamentos novos não
foram bem recebidos pela Igreja e por isso foi severamente punido,
morrendo queimado em 1600 pela Inquisição.

Johannes Kepler (1571-1630) - Em inícios do século XVII, o


astrônomo Kepler apresentou os resultados de exaustivas observações,
que provavam que os planetas se moviam em trajetórias elípticas, ou
ovais, em torno de um foco, o Sol. Ele também comprovou que os planetas
se movimentavam tanto mais rapidamente quanto maior é a sua
proximidade do Sol. Por fim, provou ainda que um planeta se movimenta
tanto mais lentamente quanto maior é a distância que o separa do Sol.
Somente com os estudos de Kepler ficou claro que a Terra é um planeta
como todos os outros. Kepler afirmou também que essas mesmas leis
físicas valem para todo o universo.

Galileu Galilei (1564-1642) - Este famoso cientista italiano,


nascido em Pisa, inventou a balança hidrostática e com a ajuda de um
telescópio, construído por ele mesmo, observou os corpos celestes,
estudou as crateras da Lua e constatou que, como na Terra, também lá
havia montanhas e vales. Também descobriu que o planeta júpiter tem
quatro luas. A Terra não era, portanto, o único planeta que tinha uma lua.
O mais importante, porém, é que Galileu descobriu a chamada lei da
inércia, sendo seu conceito formulado por Isaac Newton, muitos anos
mais tarde, nos seguintes termos: “Todo corpo permanece no estado de
repouso ou de movimento uniforme em linha reta enquanto não é obrigado
a alterar este estado pela ação de forças que atuam de fora.”. Em 1616 a
Inquisição condenou a doutrina heliocêntrica e proibiu Galileu de professá-
la. Em 1633 foi novamente condenado e obrigado a abjurar. Segundo a
tradição, logo depois da famosa abjuração, proferiu a não menos famosa
frase: “e na verdade a Terra se move”.

Isaac Newton (1642-1727) - A este físico inglês devemos a


descrição definitiva do sistema solar e dos movimentos dos planetas. Ele
não apenas conseguiu descrever como os planetas se movimentam ao
redor do Sol como também explicar exatamente por que o seu movimento
é como é. E ele conseguiu isto por várias razões, inclusive pela referência
a Galileu e à sua lei da inércia, à qual Newton deu uma formulação final, e
graças aos estudos de Kepler que apontava para a existência de uma força
que provocava a atração entre os planetas. Newton formulou então a
chamada lei da atração universal. Segundo esta lei, todo objeto atrai outro
objeto com uma força que cresce proporcionalmente ao aumento do
tamanho dos objetos e diminui proporcionalmente ao aumento da distância
que separa os objetos.

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Newton afirmaria que a atração ou gravitação é universal. Isto


significa que ela vale para o universo inteiro, inclusive para o espaço entre
os corpos celestes. Newton demonstrou que com algumas poucas leis
físicas era possível explicar o movimento dos planetas. Ou seja, todos os
planetas descrevem órbitas elípticas ao redor do Sol e o fazem por causa
de dois movimentos diferentes: em primeiro lugar, o movimento em linha
reta que eles tomaram quando da criação do sistema solar (lei da inércia)
e em segundo, um movimento em direção ao Sol, devido à gravitação. As
trajetórias dos planetas são a resultantes destas duas forças que
continuarão a atuar por toda a eternidade, pois os mesmos se movimentam
num vácuo em que não há qualquer resistência.

Leonardo da Vinci (1452-1519) - Grande gênio do Renascimento


foi excelente pintor, arquiteto, escultor, poeta, músico e grande precursor
da ciência moderna. Para manter o segredo de seus textos escrevia
invertido, como se as palavras fossem vistas ao espelho. Matemático e
físico, foi o fundador da Mecânica. Estudou Geologia, Botânica e Zoologia;
dissecando cadáveres fez notáveis estudos de anatomia humana.
Construiu canais imaginando máquinas acionadas por energia hidráulica.
Desenhou aparelhos irrealizáveis para seu tempo, como morteiros,
submarinos, escafandros, carros de assalto. Chegou a imaginar uma
máquina voadora acionada por hélices.

Francis Bacon (1561-1626) - Menosprezando o silogismo


dedutivo aristotélico, considerando-o inútil a aquisição da verdade, mostrou
o valor da indução nas ciências naturais, ensinando o empirismo através
da observação e da experimentação e apresentou um novo método
experimental. O teorizador do método indutivo considerava que a causa de
um fenômeno é o antecedente que a ele está sempre unido por uma
relação constante e invariável, e que determinar a causa eficiente de um
fenômeno consiste em descobrir, entre todos os antecedentes, aquele a
que o fenômeno está invariavelmente ligado. E assim formulou as regras
do método experimental: “Posta a causa, segue-se o efeito; suprimida a
causa, desaparece o efeito; Variando a causa, varia o efeito.”. Para a
aplicação dessas regras, aconselhou ao experimentador o uso de três
tábuas: a de presença, a de ausência e a de graduação, em que, segundo
as regras, respectivamente deve anotar todas as circunstâncias do
fenômeno. Assim, Bacon contribuiu para o desenvolvimento científico, ao
ter dado um anteparo metodológico que teria validade universal para
qualquer observação e experimentação nas investigações dos fenômenos
naturais.

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“Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma coisa que
duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que imagina também e que sente”.
DESCARTES: Meditações

A ORIGEM DO CONHECIMENTO

Se formularmos o juízo “o sol aquece a pedra”, fazemo-lo fundando-nos em determinadas


percepções. Vemos como o sol ilumina a pedra e comprovamos ao taca-la que a aquece
paulatinamente. Para formular este juízo apoiamo-nos, pois, nos dados dos nossos sentidos - a
vista e o tato - ou, em suma, na experiência.

Mas o nosso juízo apresenta um elemento que não está contido na experiência. O nosso
juízo não diz somente que o sol ilumina a pedra e que esta se aquece mas também afirma que
entre estes dois processos existe uma relação íntima, uma relação causal. A experiência revela-
nos que um processo segue o outro. Nós acrescentamos a ideia de que um processo resulta de
outro, é causado por outro. O juízo “o sol aquece a pedra” apresenta deste modo dois elementos,
dos quais um procede da experiência e o outro do pensamento. Agora cabe perguntar: qual destes
dois fatores é decisivo? A consciência cognoscente apoia-se de preferência, ou mesmo
exclusivamente, na experiência ou no pensamento? De qual das duas fontes de conhecimento tira
ela os seus conteúdos? Onde reside a origem do conhecimento? Estas questões têm separado
pensadores na maior parte das vezes na história da filosofia. Quem, por exemplo, veja no
pensamento humano, na razão, a única base do conhecimento, estará convencido da
especificidade e autonomia do pensamento. Inversamente, aquele que fundamenta todo o
conhecimento na experiência, negará a autonomia do pensamento.

O RACIONALISMO

A posição epistemológica ou teoria do conhecimento que vê no pensamento, na razão, a


fonte principal do conhecimento humano, chama-se racionalismo (de ratio = razão). Segundo ele,
um conhecimento só merece na realidade este nome quando é logicamente necessário e
universalmente válido. Quando a nossa razão julga que uma coisa tem que ser assim e que não
pode ser de outro modo, que tem de ser assim, portanto, sempre e em todas as partes, então, e
só então, nos encontramos ante um verdadeiro conhecimento, na opinião do racionalismo. Um
conhecimento desse tipo apresentasse-nos, por exemplo, quando formulamos o juízo “o todo é
maior do que a parte”, ou o juízo “todos os corpos são extensos”. Em ambos os casos vemos com
evidência que tem de ser assim e que a razão se contradizia a si mesma se quisesse sustentar o
contrário. E porque tem de ser assim, é também sempre e em todas as partes assim. Estes juízos
possuem, pois, uma necessidade lógica e uma validade universal rigorosa.

Pelo contrário, sucede uma coisa muito diferente com o juízo “todos os corpos são
pesados”, ou no juízo “a água ferve a 100 graus”. Neste caso só podemos ajuizar que é assim,
mas não que tem de ser assim. É perfeitamente concebível que a água ferva a uma temperatura
inferior ou superior; e também não significa uma contradição interna representar-se um corpo que
não possua peso, pois a nota do peso não está contida no conceito de corpo.

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Estes juízos não têm, pois, necessidade lógica. E mesmo assim falta-lhes a rigorosa
validade universal.

Podemos julgar unicamente que a água ferve a 100 graus e que os corpos são pesados,
até onde podemos comprová-lo. Estes juízos só são válidos, pois, dentro de limites determinados.
A razão disto é que, nestes juízos, encontramo-nos limitados à experiência. Isto não acontece nos
juízos primeiramente citados. Formulamos o juízo “todos os corpos são extensos” representando
o conceito de corpo e descobrindo nele a nota de extensão.

Este juízo não se funda, pois, em qualquer experiência, mas sim no pensamento. Daqui
resulta, portanto, que os juízos fundados no pensamento, os juízos que procedem da razão,
possuem necessidade lógica e validade universal; os outros, pelo contrário, não a possuem. Todo
o verdadeiro conhecimento se funda deste modo - assim conclui o racionalismo -, no pensamento.
Este é, por conseguinte, a verdadeira fonte e base do conhecimento humano.

Uma forma determinada do conhecimento serviu evidentemente de modelo à


interpretação racionalista do conhecimento. Não é difícil dizer qual é: é o conhecimento
matemático. Este é, com efeito, um conhecimento predominantemente conceitual e dedutivo. Na
geometria, por exemplo, todos os conhecimentos derivam de alguns conceitos e axiomas
supremos. O pensamento impera com absoluta independência de toda a experiência, seguindo
somente as suas próprias leis. Todos os juízos que formula, distinguem-se, além disso, pelas
características da necessidade lógica e da validade universal. Pois bem; quando se interpreta e
concebe todo o conhecimento humano em relação a esta forma de conhecimento, chega-se ao
racionalismo. É esta, com efeito, uma importante razão explicativa da origem do racionalismo,
como veremos logo que considerarmos de perto a história do mesmo. Ela mostra que quase todos
os representantes do racionalismo procedem da matemática.

A forma mais antiga do racionalismo encontra-se em Platão. Este está convencido de


que todo o verdadeiro saber se distingue pelas notas da necessidade lógica e da validade
universal. Pois bem; o mundo da experiência encontra-se em contínua alteração e mudança. Por
conseguinte, não pode procurar-se um verdadeiro saber. Como os eleáticos, Platão está
profundamente penetrado da ideia de que os sentidos não podem nunca nos conduzir a um
verdadeiro saber. Por conseguinte, tem que haver, além do mundo sensível, outro suprassensível,
do qual tire a nossa consciência cognoscente os seus conteúdos. Platão chama a este mundo
suprassensível o mundo das ideias. Podemos chamar a esta forma de racionalismo de
racionalismo transcendente.

Uma forma um pouco diferente encontra-se em Plotino e Santo Agostinho. O primeiro


coloca o mundo das ideias do Uno Cósmico, ou seja, Espírito do Universo. As ideias já não são
um reino de essências existentes por si, mas a viva automanifestação do Uno. O nosso espírito é
uma emanação deste Espírito cósmico. O conhecimento tem lugar simplesmente recebendo o
espírito humano as Ideias do Uno, origem metafísica daquele. Esta recepção é caracterizada por
Plotino como uma iluminação. “A parte racional da nossa alma é alimentada e iluminada
continuadamente de cima”. Esta ideia é recolhida e modificada no sentido cristão por Santo
Agostinho. O Deus pessoal do cristianismo ocupa o lugar do Uno. As ideias convertem-se nas
ideias criadoras de Deus. O conhecimento tem lugar sendo o espírito humano iluminado por Deus.
As verdades e os conceitos supremos são irradiados por Deus para o nosso espírito. Podemos
caracterizar com razão esta forma plotino-agostiniana do racionalismo como racionalismo
teológico.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Alcançou muito maior importância na Idade Moderna uma outra forma de racionalismo.
Encontramo-la no fundador da filosofia moderna, Descartes, e no seu continuador Leibniz. É a
teoria das ideias inatas. Segundo ela, são-nos inatos certos números de conceitos, justamente os
mais importantes, os conceitos fundamentais do conhecimento.

Estes conceitos não procedem da experiência, mas representam um patrimônio originário


da razão. Segundo Descartes trata-se de conceitos mais ou menos acabados. Leibniz é da opinião
que só existem em nós em gérmen, potencialmente. Segundo ele, há ideias inatas enquanto é
inata do nosso espírito a faculdade de formar certos conceitos independentes da experiência.
Pode-se designar esta forma do racionalismo com o nome de racionalismo imanente, em
oposição ao teológico e ao transcendente.

O EMPIRISMO

O empirismo opõe à tese do racionalismo (segundo a qual o pensamento, a razão, é a


verdadeira fonte de conhecimento), a antítese que diz: a única fonte do conhecimento humano é
a experiência. Na opinião do empirismo, não há qualquer patrimônio a priori da razão. A
consciência cognoscente não tira os seus conteúdos da razão; tira-os exclusivamente da
experiência. O espírito humano está por natureza vazio; é uma tábua rasa, uma folha em branco
onde a experiência escreve. Todos os nossos conceitos, incluindo os mais gerais e abstratos,
procedem da experiência.

Enquanto que o racionalismo se deixa levar por uma ideia determinada, por uma ideia de
conhecimento, o empirismo parte dos fatos concretos. Para justificar a sua posição, recorre à
evolução do pensamento e do conhecimento humanos. Esta evolução prova, na opinião do
empirismo, a alta importância da experiência na produção do conhecimento. A criança começa
por ter percepções concretas. Com base nessas percepções chega, paulatinamente, a formar
representações gerais e concretas. Estes nascem, por conseguinte, organicamente da
experiência. Não se encontra nada semelhante a esses conceitos que existem completos no
espírito ou se formam com total independência da experiência. A experiência apresenta-se, pois,
como a única fonte do conhecimento.

Enquanto que os racionalistas procedem da matemática a maior parte das vezes, a


história do empirismo revela que os seus defensores procedem quase sempre das ciências
naturais. Isto é compreensível. Nas ciências naturais a experiência representa o papel decisivo.
Nelas trata-se, sobretudo de comprovar exatamente os fatos mediante uma cuidadosa
observação. O investigador está completamente entregue à experiência. É muito natural que quem
trabalha de preferência ou exclusivamente com este método das ciências naturais, tenha
tendência para de antemão colocar o fator empírico sobre o racional. Enquanto que o filósofo de
orientação matemática chega facilmente a considerar o pensamento como fonte única do
conhecimento. O filósofo que vem das ciências naturais tenderá para considerar a experiência
como fonte e base de todo o conhecimento humano. É uso distinguir-se uma dupla experiência: a
interna e a externa. Aquela consiste na percepção de si próprio, esta na percepção dos sentidos.
Há uma forma de empirismo que só admite esta última. Esta forma de empirismo chama-se
sensualismo (de sensus = sentido).

Já na Antiguidade encontramos ideias empiristas. Encontram-se, primeiro, nos sofistas e,


mais tarde, especialmente entre os estóicos e os epicuristas. Nos estóicos encontramos pela
primeira vez a comparação da alma como uma tábua por escrever, imagem que desde então se
repete continuamente.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Mas o desenvolvimento sistemático do empirismo é obra da Idade Moderna, e em


especial da filosofia inglesa dos séculos XVII e XVIII. O seu verdadeiro fundador é Francis Bacon
(1561-1626).

CONCLUSÃO CRÍTICA

O mérito do racionalismo consiste em ter visto e feito sobressair com energia o significado
do fator racional no conhecimento humano. Mas é exclusivista ao fazer do pensamento a fonte
única ou própria do conhecimento. Este ideal é exclusivista, pois é tirado de uma forma
determinada do conhecimento, do conhecimento matemático. Outra crítica ao racionalismo
consiste em respirar o espírito do dogmatismo (doutrina fixada). Julga poder penetrar na esfera
metafísica pelo caminho do pensamento puramente conceitual. Deriva de princípios formais,
proposições materiais; deduz, de meros conceitos, conhecimentos. (pense-se na intenção de
derivar do conceito de Deus a sua existência; ou de definir, partindo do conceito de substância, a
essência da alma). Justamente este espírito dogmático do racionalismo provocou mais do que
uma vez o seu antípoda, o empirismo.

Assim como os racionalistas tendem para um dogmatismo metafísico, os empiristas


tendem para um ceticismo metafísico. Isto tem uma relação imediata com a essência do
empirismo. Se todos os conteúdos do conhecimento procedem da experiência, o conhecimento
humano fica encerrado de antemão dentro dos limites do mundo empírico. A superação da
experiência, o conhecimento do suprassensível, é uma coisa impossível. Compreende-se, pois, a
atitude cética dos empiristas perante todas as especulações metafísicas.

O significado do empirismo para a história do problema do conhecimento consiste em ter


assinalado com energia a importância da experiência perante o desdém do racionalismo por este
fator do conhecimento. Mas o empirismo substitui um extremo pelo outro, fazendo da experiência
a única fonte do conhecimento.

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“Cogito, ergo Sum” (Penso, logo Existo). René Descartes

RENÉ DESCARTES (1596 - 1650)

VIDA. Nasceu em 1596 em La Haye (Turenne), França, e foi


educado no célebre colégio de La Flêche dos padres jesuítas com métodos
que ele critica no Discurso sobre o método (sua obra prima, publicada
em 1637, e que se pode considerar como a introdução de sua doutrina).

Formando-se em Direito na Universidade de Pitiers, viajou pela Europa e, durante a


Guerra dos Trinta Anos (luta entre Católicos e Protestantes), fez parte do exército de Maurício de
Nassau primeiro, e, depois, do Duque de Baviera. A 19 de novembro de 1619, num acampamento
de inverno, como ele diz, teve a intuição da “admirável descoberta” de estabelecer a todas as
ciências o método matemático de modo que todos pudessem atingir o grau de certeza das
matemáticas. Com a aplicação da álgebra à geometria criou a geometria analítica. De 1629 a 1649
residiu na Holanda, seja para subtrair-se das distrações de Paris, seja porque aquele país lhe
oferecia uma maior tranquilidade. Em 1649, convidado pela Rainha Cristina da Suécia, que queria
aprender a sua filosofia, atingido pelos rigores do clima nórdico, morreu de pneumonia em
Estocolmo em 1650.

DOUTRINA. Dentre outros, destacamos os seguintes pontos fundamentais da doutrina


de Descartes, que são: 1o.- A dúvida Metódica; 2o.- As regras do Método Cartesiano; e 3o.- O
princípio: “Cogito, ergo Sum” (Penso, logo Existo).

A DÚVIDA METÓDICA

A dúvida de Descartes originou-se do método sistemático que dominava nas escolas de


sua época (Ensino das humanidades, cuja base eram os autores antigos, teologia, línguas antigas
como o grego e o latim, a lógica aristotélica e outros temas) foi um brado de rebeldia contra o
absolutismo do ensino, que lhe inspirou o desdém pelos métodos das escolas.
Na IV parte do Discurso sobre o Método, Descartes explica as razões de sua dúvida:
“Como os sentidos nos enganam algumas vezes, quis supor que nada era parecido ao que eles
nos fazem imaginar. Como há homens que se enganam até racionando sobre as matérias mais
simples da geometria e fazem paralogismo (falso raciocínio), julguei que eu estava tão sujeito a
errar como eles, abandonei como falsas todas as razões que dantes tinha tomado por
demonstrações e, considerando enfim que até os mesmos pensamentos que temos durante a
vigília, podem acudir-nos em sonhos, sem que então nenhum deles seja verdadeiro, resolvi-me
fingir que todas as coisas que tinham entrado no meu espírito não encerravam mais verdade que
as ilusões dos sonhos”.

Essa declaração revela que a dúvida cartesiana era metódica, isto é, uma suposição,
mera ficção, que tinha em mira a busca da verdade, e não uma dúvida verdadeira, universal, que
nos leva ao ceticismo. Para chegar à verdade, porém, era preciso partir de uma evidência
irrefutável, de acordo com as regras do método que Descartes estabeleceu para sua filosofia.

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AS REGRAS DO MÉTODO

Descartes, depois de criticar a lógica, a análise dos antigos e a álgebra dos modernos,
pensou que “era preciso buscar qualquer outro método que, compreendendo as vantagens desses
três, fosse isento de seus defeitos”. E assim estabeleceu os quatro famosos princípios cartesianos:

Princípio da Evidência. “O primeiro era não receber nunca coisa alguma como
verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, evitar cuidadosamente a
precipitação e a prevenção e não compreender nada em meus juízos além do que se patenteasse
tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida”.

Princípio da Análise. “O segundo, dividir cada uma das dificuldades que eu houvesse
de examinar em tantas parcelas, quantas pudessem ser e fossem exigidas para resolvê-las
melhor”.

Princípio da Síntese. “O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando


pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir pouco a pouco como
por degraus até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os
que não precedem naturalmente um dos outros”.

Princípio da Enumeração. “E o último, fazer por toda parte enumerações tão completas
e revisões tão geniais, que eu ficasse certo de nada omitir”.

PENSO, LOGO EXISTO

É o princípio fundamental de Descartes, com o qual ele construiu a filosofia moderna.


Esse princípio nasceu de sua dúvida metódica. Na verdade, passando a duvidar de todos os
conhecimentos, deveria chegar a alguma evid6encia para fundamentar seu sistema. Ele mesmo
diz: “enquanto eu queria assim pensar que tudo era falso, cumpria necessariamente que eu, que
pensava, fosse alguma coisa; e notando que esta verdade ‘”eu penso, logo existo” (cogito, ergo
sum) - era tão firme e segura que as mais extravagantes suposições dos cépticos não eram
capazes de a abalar, julguei que sem escrúpulo podia aceitá-la como o primeiro princípio da
filosofia que eu buscava”.

Descartes não limitava a palavra “pensamento” à ordem intelectual pura, mas com ela
procura manifestar todos os fenômenos subjetivos de que temos consciência, quer se refiram à
inteligência, à vontade ou à sensibilidade. Pela palavra “pensar”, diz ele, “entendo tudo aquilo que
se faz em nós, de tal sorte que o percebemos imediatamente por nós mesmos”.

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ESPINOSA (1632 - 1677)

VIDA. Baruch Espinosa nasceu em Amsterdã, filho único de nobre


família de judeus portugueses, emigrados para a Holanda em
consequência da perseguição aos judeus, que então se movia na
península ibérica. Educado na academia israelita foi iniciado na filosofia
hebraica para ser rabino.

Refletindo, porém, sobre os ensinamentos do Antigo Testamento e do Talmude, viu-se


enredado em dúvidas, que nem rabinos podiam dissipá-las. Logo depois leu o Discurso sobre o
Método e as demais obras de Descartes. Impressionou-o, sobretudo o primeiro princípio do
método: “Não aceitar nada como verdadeiro, enquanto não estivesse evidentemente provado
como tal”. Manifestando-se pelo Racionalismo filosófico e, abandonando o judaísmo, foi obrigado
a retratar-se. Recusando-se a abjurar suas convicções, em 1656, foi excomungado pela Sinagoga.
Exilado, refugiou-se em Haia, passando a viver isolado, entregue às suas especulações filosóficas.
Sem pátria, sem família, com saúde precária, para sustentar-se, polia lentes óticas, arte que
aprendeu durante sua formação na academia israelita. Aos quarenta e quatro anos de idade, a
tuberculose minou seu organismo e, depois de alguns meses de cama, faleceu em Haia. A Ética
foi sua obra mais importante e complexa, nela expôs sua metafísica, teodiceia e moral.

DOUTRINA. A filosofia de Espinosa é uma crítica da superstição em todas as suas


formas: religiosa, política e filosófica. Para melhor compreendermos as ideias de Espinosa,
resumiremos três livros na ordem em que ele os escreveu.

O TRATADO SOBRE RELIGIÃO E ESTADO

O princípio essencial deste livro é o de que a linguagem da Bíblia é deliberadamente


metafórica ou alegórica, porque os profetas e os apóstolos, a fim de transmitirem sua doutrina,
viam-se obrigados a se adaptar à capacidade e à predisposição da mente popular, conforme
asseverou: “Toda a Sagrada Escritura (Spinoza não faz separação entre o Antigo e o Novo
Testamento e considera ser uma só a religião judaica e a cristã) foi escrita primordialmente para
um povo inteiro e, em segundo lugar, para toda a raça humana; em consequência, o seu conteúdo
tem, necessariamente, que ser adaptado, tanto quanto possível, à compreensão das massas”
Segundo Espinosa, a Bíblia não explica as coisas por suas causas, mas apenas narra na ordem
e no estilo que tenham o máximo de poder para levar os homens, e em especial homens sem
cultura, à devoção. Seu objetivo (as Escrituras) não é convencer a razão, mas atrair e prender a
imaginação. Daí os abundantes milagres e as repetidas aparições de Deus. As massas pensam
que o poder e a providência de Deus estão mais nitidamente demonstrados por eventos que sejam
extraordinários e contrários à concepção que elas formaram em relação à natureza. Supõem,
mesmo, que Deus esteja inativo desde que a natureza aja em sua ordem costumeira, e vice-versa,
que o poder da natureza, e as causas naturais, ficam inativas desde que Deus esteja agindo;
assim, elas imaginam dois poderes distintos um do outro, o poder de Deus e o poder da natureza.
Entra, aqui, a ideia básica da filosofia de Spinoza - a de que Deus e os processos da natureza são
uma coisa só.

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O PROGRESSO DO INTELECTO

Abrindo o livro seguinte de Espinoza, este explica por que abandonou tudo pela filosofia
e reconhece que só o conhecimento, é poder e liberdade; e a única felicidade permanente é a
busca do conhecimento e a alegria da compreensão, enquanto isso, no entanto, o filósofo deve
continuar sendo um homem e um cidadão. Espinoza expõe uma simples regra de conduta para o
modo de vida durante a busca da verdade, que, ao que sabemos, seguiu meticulosamente:

1. Falar de maneira compreensível ao povo e fazer por ele tudo aquilo que não nos
impeça de atingir os nossos fins(...).
2. Gozar apenas daqueles prazeres que sejam necessários à preservação da saúde.
3. Por fim, procurar apenas dinheiro (...) necessário à manutenção de nossa vida e de
nossa saúde, e agir de acordo com costumes que sejam contrários àquilo que
procuramos.

Nesta obra - que se apresenta no subtítulo como “caminho pelo qual melhor se dirige ao
verdadeiro conhecimento das coisas” - aponta o verdadeiro conhecimento, o conhecimento pela
causa. Espinosa mostra que conhecer pela causa significa descobrir o modo pelo qual algo é
produzido, sendo, portanto, um processo genético.

A ÉTICA

A mais preciosa produção da moderna filosofia é disposta em forma geométrica. Os


escolásticos haviam formulado seus pensamentos dessa maneira, mas não com tamanha
profundidade. Descartes havia sugerido que a filosofia não poderia ser exata enquanto não se
expressasse nas formas da matemática; embora, ele nunca tenha lidado com o seu ideal.
Entretanto, assim se expressou Espinosa, nesta obra. Escreveu uma geometria filosófica
utilizando axiomas, definições, teoremas e provas utilizando-se do latim, expressando seu
pensamento essencialmente moderno em termos medievais e escolásticos. Assim, ele usa o
termo substância quando deveríamos escrever realidade ou essência; perfeita, quando
deveríamos escrever completo. Esta obra fundamental de Espinosa propõe uma nova concepção
de verdade demonstrada à maneira dos geômetras. A Ética expõe e aplica o racionalismo
espinosiano, que combate à ideia tradicional de criação das coisas por Deus e afirma que a
autoprodução de Deus é o modo de produção do real.

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LEIBNIZ (1646-1716)

VIDA. Nasceu em Leipzig, de família protestante. Muito jovem


ainda iniciou sua formação na Universidade. Aos quinze anos já estudava
a língua clássica, grega e latim, as literaturas da antiguidade e medieval,
principalmente Aristóteles e a Escolástica.

Depois estudou a filosofia moderna de Bacon, John Locke, Campanella, Descartes,


Hobbes e os tratados científicos de Kepler e Galileu, se interessou ainda pela matemática e pela
física. Com dezenove anos obteve o doutorado em Direito e passou a intervir na vida de seu
tempo. Nos anos que se seguiram, enviou vários trabalhos às sociedades científicas da Europa,
fez viagens pela França e Inglaterra, onde conheceu as maiores inteligências desses centros
culturais, com as quais trocou intensa correspondência. Em 1676, descobriu o cálculo diferencial
ou cálculo infinitesimal, ao mesmo tempo em que Newton também criara o mesmo cálculo. Travou-
se, então, grande polêmica para esclarecer a quem se devia prioridade na criação do cálculo
infinitesimal.

Hoje, dando crédito a grandes matemáticos, dentre eles: Laplace e Biot, podemos afirmar
que Newton o precedeu no idear o cálculo, mas Leibniz se adiantou não só em torná-lo público,
mas também deu-lhe maior perfeição e adaptou-o as aplicações práticas. Em 1700 funda em
Berlim, a Academia de Ciências Prussianas. Empenhou-se ativamente para a unificação das
igrejas cristãs, mas seu plano fracassou. Apesar de sua grande projeção internacional, morreu
obscuramente, quando vivia em solidão e quase esquecido em sua própria pátria.

DOUTRINA. Leibniz começou a filosofar em meio a problemática levantada por Descartes


e Espinosa e, através da crítica ao pensamento desses filósofos, principalmente por Locke,
apresentou seus conceitos.

A METAFÍSICA LEIBNIZIANA

Em Descartes, o ser era res cogitans ou res extensa. A res extensa era representada pelo
mundo, pela natureza, em sua aparente quietude. A idéia de força não ocupava o pensamento de
Descartes; era uma idéia que lhe parecia obscura, confusa, que não se poderia traduzir em
conceitos geométricos. O movimento consistia na mudança de posição de um móvel, em relação
a um ponto de referência. Os dois pontos eram intermutáveis: Tanto valia dizer que A se movia
em relação a B, como este em relação àquele. O que interessava à física era simplesmente a
mudança de posição. Descartes tem a convicção de que a quantidade de movimento permanece
constante (Descartes representava pela fórmula m.v (massa multiplicada pela velocidade). Mas
Leibniz demonstra que a constante é a força viva, e parece-lhe absurda a física estática,
geométrica. Um movimento não é simplesmente uma mudança de posição, tem que ser algo real,
produzido por uma força. Leibniz estabeleceu que a constante universal é 1/2 m.v² (metade da
massa multiplicada pelo quadrado da velocidade).Um objeto ao chocar-se com um outro força-o
a movimentar-se, revelando-se nesse choque uma força que produz o movimento. Este conceito
de força, impetus, conatus, vis, palavras latinas que significam: Choque, ímpeto, força,
respectivamente, é o que há de fundamental na física, e também na metafísica de Leibniz.

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A ideia de natureza estática e inerte é substituída pela ideia dinâmica; de uma física da
energia; não geométrica. Não nos esqueçamos que desde a Grécia antiga, a natureza era o
princípio do Movimento.

O CÁLCULO INFINITESIMAL

Logo depois de seus ensaios primeiros para a definição mecânica do conatus (força),
Leibniz entrega-se à busca desses instrumentos matemáticos capazes de definir o infinitamente
pequeno, e assim chega à descoberta do seu cálculo, ao qual deu a forma que ainda hoje tem -
em essência - nas escolas, que é a divisão em cálculo integral e cálculo diferencial: O cálculo
diferencial é o que procura a formula exata do que distingue o ponto da reta do da curva; e o
cálculo integral é a formulação matemática que permite, na definição do ponto, ver já incluída a
direção que vai tomar; se reta, ou curva, ou elipse, ou outra qualquer. Finalmente, Leibniz
consegue estruturar esse novo ramo da matemática, que permite definir um ponto qualquer
determinado, não apenas enquanto cruzamento de duas retas, ou de duas curvas ou como
tangência - como na geometria de Descartes -, mas também, enquanto função de uma, duas ou
três variáveis, que faz com que o resultado matemático da função mostre previamente, isto é, a
priori, o percurso que o ponto vai seguir.

AS MÔNADAS

Com o cálculo infinitesimal, a força viva como definição de matéria, em perfeita união,
Leibniz constrói a sua metafísica, que dá como resultado a sua monadologia ou “Teoria das
Mônadas”. Os princípios do conhecimento formulados por Leibniz levaram-no a uma concepção
do mundo oposta à cartesiana. Enquanto Descartes formula uma concepção geométrica e
mecânica dos corpos, Leibniz constrói uma concepção dinâmica. A partir da noção de matéria
como essencialmente atividade, Leibniz chega à idéia de que o universo é composto por unidades
de força, as mônadas, noção fundamental de sua metafísica. Leibniz chega também à noção de
mônadas mediante a experiência interior que cada indivíduo tem de si mesmo e que o revela como
uma substância ao mesmo tempo una e indivisível.

Para Leibniz a estrutura metafísica do mundo é a estrutura das mônadas. A palavra


mônada quer dizer unidade. As mônadas são substâncias simples, sem partes, que formam os
compostos; são os elementos constitutivos das coisas metafísicas. São indivisíveis, cada uma é
em si mesmo sem igual. São incomunicáveis; nada recebem de fora, nem entre si, estreitam-se
ou combinam-se. As mônadas contém em si mesmas toda a sua estrutura já arquitetada, todos os
conteúdos da realização em estado de potencialidade que se atualiza, na existência. A mônada
consiste em energia ou força de ação, ou seja, na capacidade de agir, de fazer, de realizar; mas
tudo o que lhe compete fazer está já em sua própria natureza em estado de potencialidade, e isso
significa que nada lhe vem de fora. As mônadas agem sob o impulso de uma lei que lhes determina
uma perfeita harmonia, sem que, contudo, haja entre elas comunicação.

Para Leibniz, os atos de cada mônada foram antecipadamente regulados de modo a


estarem adequados aos atos de todas as outras; isso constituiria a harmonia preestabelecida. A
doutrina leibzniziana da harmonia preestabelecida sustenta que Deus cria as mônadas como se
fossem relógios, organiza-os com perfeição de maneira a marcarem sempre a mesma hora e dá-
lhes corda a partir do mesmo instante, deixando em seguida que seus mecanismos operem
sozinhos.

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Assim, Deus (O monadismo leibniziano culmina na Mônada-Deus ou Res Infinita, de cuja


existência não se pode duvidar) teria colocado em cada mônada, no instante da criação, todas as
suas percepções, criando-as de tal modo que cada uma se desenvolve como se estivesse só; seu
desenvolvimento, todavia, corresponde, a cada instante, exatamente ao de todas as outras.
Graças a essa harmonia preestabelecida, os pontos de vista de cada mônada sobre o universo
concordariam entre si.

A TEORIA DO CONHECIMENTO

O problema principal é o da origem das ideias. Leibniz toma posição entre as ideias inatas
de Descartes e o empirismo de Locke. Descartes sustentava que algumas ideias (de Deus,
princípios lógicos, princípios morais etc.) foram impressas em nós por Deus; Locke, ao contrário,
que todas as nossas ideias derivam da experiência externa (sensação) e da interna (reflexão).
Assumindo uma posição crítica com referência às duas teses extremas, Leibniz seleciona e
acomoda o conhecimento em dois grupos assim postos: Verdades de Fato e Verdades de Razão.
As Verdades de Fato são as que se referem a um acontecimento, a um fato. São incertas, por
isso são contingentes. As Verdades de Razão são as que afirmam que algo é de um certo modo,
e não pode ser senão desse modo, são Verdades Universais. As verdades matemáticas, as da
lógica pura, as de causalidade são verdades de razão. As verdades da experiência física, as
verdades históricas são verdades de fato.

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“Nada existe na mente a não ser o que existiu primeiro nos sentidos”. John Locke

No século XVIII, a filosofia racionalista passou a ser exposto a uma crítica cada vez, mas
severa e mais profunda. Muitos filósofos passaram a defender, então, a opinião de que nossa
mente é totalmente vazia de conteúdo, enquanto não vivemos uma experiência sensorial. Esta
visão é chamada de empirismo. Os empíricos, ou filósofos da experiência, mais importantes foram
Locke, Berkeley e Hume, todos ingleses.

JOHN LOCKE (1632-1704)

Como surge o conhecimento? Temos nós, como supõem algumas


pessoas, idéias inatas, por exemplo, de certo e errado, de Deus, - idéias
inerentes à mente desde o nascimento, anteriores a toda experiência?
Teólogos aflitos, temerosos de que a crença na Divindade desaparecesse,
por Deus não haver ainda aparecido em nenhum telescópio, pensaram que
a fé e os costumes morais poderiam ser fortalecidos se fosse demonstrado
que as idéias centrais e básicas eram inatas em todas as almas normais.

Mas Locke, ainda que fosse bom cristão, pronto a defender eloquentemente a
“Razoabilidade do Cristianismo”, não podia aceitar essas suposições. Proclamou, tranquilamente,
que todos os nossos conhecimentos vêm da experiência e através de nossos sentidos - que “nada
existe na mente a não ser o que existiu primeiro nos sentidos”. A mente é no nascimento uma folha
limpa, uma tabula rasa (uma lousa vazia), e as experiências sensoriais escrevem nela de mil
maneiras, até que as sensações produzem memória e a memória produz as ideias. Suas ideias
contêm uma severa crítica as ideias inatas de Descartes.

Em 1690, Lohn Locke, publica o seu livro mais importante chamado Um ensaio sobre o
entendimento humano, nele, Locke tenta explicar duas questões. Em primeiro lugar, ele pergunta
de onde os homens tiram os seus pensamentos e as suas noções. Em segundo, pergunta se
podemos confiar no que nossos sentidos nos dizem.

Locke está convencido de que todos os nossos pensamentos e todas as nossas noções
nada mais são do que um reflexo daquilo que um dia já sentimos ou percebemos através de
nossos sentidos. Locke compara a mente com uma sala em que não há um móvel sequer. Mas
então é a vez de os nossos sentidos entrarem em ação: podemos ver o mundo à nossa volta,
sentir o cheiro das coisas, seu gosto, podemos tocá-las e ouvi-las. E ninguém faz isto de forma
mais intensa do que as crianças. Surgem, assim, as ideias sensoriais simples. Só que a mente
não recebe passivamente essas impressões exteriores. Dentro da nossa mente também acontece
alguma coisa. As ideias sensoriais simples são retrabalhadas pela reflexão, pela crença e pela
dúvida. E os resultados disso segundo Locke são as ideias da reflexão. Isto porque a mente, a
consciência, não é um mero receptor passivo.

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Podemos ter certeza de que aquilo que vemos e ouvimos, de que sentimos o cheiro e o
gosto, corresponde exatamente ao que sentimos? Esta é a segunda questão que Locke se propõe
a discutir. Primeiro ele explica de onde retiramos nossas ideias e noções. Em seguida ele pergunta
se o mundo é realmente do jeito que nós o percebemos.

Locke estabelece a diferença entre aquilo que chama de qualidade sensoriais “primarias”
e “secundárias”. Por qualidades sensoriais primárias Locke entende a extensão, peso, forma,
movimento e número das coisas. Com relação a essas propriedades, podemos estar certos de
que nossos sentidos reproduzem as verdadeiras propriedades das coisas.

Mas nós também percebemos outras características das coisas. Dizemos que uma coisa
é doce ou azeda, verde ou vermelha, quente ou fria. Locke chama isto de qualidades sensoriais
secundárias.

Tais impressões sensoriais, como as cores, o cheiro, o gosto ou os sons, por exemplo,
não reproduzem as características verdadeiras, presentes na coisa em si. Elas reproduzem
apenas o efeito que essas características exteriores exercem sobre os nossos sentidos. Podemos
estar de acordo sobre as propriedades primárias, como tamanho e peso, por exemplo, pois elas
são inerentes às coisas em si. Mas as propriedades secundárias, como cor e gosto, por exemplo,
podem variar de pessoa para pessoa, dependendo de como são constituídos os órgãos de
sentidos de cada indivíduo.

Locke afirma que, através dos sentidos, não conseguimos senão impressões simples.
Quando como uma maçã, por exemplo, posso “sentir” a maça inteira numa única e simples
sensação. Na verdade, estou recebendo toda uma série de impressões simples: uma coisa verde
ou vermelha, fresca, cheirosa, suculenta e de sabor levemente ácido. Só depois de já ter comido
muitas maças é que posso pensar que estou comendo “uma maça”. Locke diz que, neste
momento, conseguimos formar a noção complexa de uma maçã. Quando éramos pequenos e
comemos maça pela primeira vez, não possuíamos essa noção complexa. Mas víamos uma coisa
verde, sentíamos o gosto de uma coisa fresca, suculenta e também um pouco ácida. Aos poucos
vamos “amarrando” automaticamente muitas impressões sensoriais e formando conceitos como
“maça”, “pêra” e “laranja”.

No campo político, Locke expressou muito cedo pensamentos liberais que só floresceram
em sua plenitude durante o Iluminismo francês do século XVIII. Por exemplo, ele foi o primeiro a
propagar o princípio da divisão dos poderes. Locke chamou a atenção, sobretudo para o fato de
termos de separar o Poder Legislativo do Poder Executivo, se quisermos evitar a tirania. E ele foi
contemporâneo de Luís XIV (Rei da França), que reunia em suas mãos todo o poder e costumava
dizer “O Estado sou eu”. Dizemos que Luís XIV foi um governante “absoluto” e que “seu” Estado
era mais arbitrário do que de direito. Contrariando esta ideia, Locke achava que para se assegurar
um Estado de direito os representantes do povo tinham que promulgar leis que seriam depois
executadas pelo rei e pelo governo.

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GEORGE BERKELEY (1684-1753)

Berkeley foi um bispo irlandês para quem a filosofia e a ciência de


seu tempo constituía uma ameaça para a visão cristã do mundo. Além
disso, Berkeley achava que o materialismo, cada vez mais consistente e
difundido, colocava em risco a crença cristã de que Deus criou e mantém
vivo tudo o que existe na natureza.

As ideias de Locke pareciam levar à surpreendente conclusão de que, desde que


somente as coisas materiais podem afetar nossos sentidos, nada conhecemos a não ser a matéria
e temos de aceitar uma filosofia materialista. Se as sensações são o estofo do pensamento,
argumentavam os apressados, a matéria tem de ser o alimento da mente.
De forma nenhuma, disse o Bispo George Berkeley, essa análise lockeana do
conhecimento prova antes que a matéria não existe a não ser como forma da mente. A ideia era
brilhante - refutar o materialismo com o simples expediente de mostrar que não temos
conhecimento de coisa alguma que seja material. Vejamos como é obvio, disse o Bispo: não nos
disse Locke que todos os nossos conhecimentos são derivados de sensações?
Consequentemente todos os nossos conhecimentos de qualquer coisa são meramente a
sensação que temos dela e as ideias derivadas dessas sensações. Uma “coisa” é meramente um
aglomerado de percepções - isto é, sensações classificadas e interpretadas. Protestas que teu
café é muito mais substancial que um aglomerado de percepções e que o martelo que te esmagou
o polegar tem uma grandiosa materialidade.

Mas teu café, a princípio, não é nada a não ser um conjunto de sensações de visão, olfato
e tato, depois, paladar e, em seguida, conforto e calor interno. Da mesma forma, o martelo é um
aglomerado de sensações de cor, tamanho, forma, peso, etc.; sua realidade não está para ti em
sua materialidade, mas sim nas sensações que vêm de teu polegar.

Se não tivesses sentidos, o martelo não existiria para ti; ele poderia martelar teu polegar
incessantemente e, no entanto, não receber de ti a menor atenção. Ele é apenas um amontoado
de sensações ou um amontoado de lembranças; é uma condição da mente. Toda a matéria, ao
que saibamos, é uma condição mental e a única realidade que conhecemos de imediato é a mente.
Isso é tudo sobre o materialismo.

Se para Berkeley, as coisas do mundo são exatamente da forma como nós as


percebemos, ele coloca que estas “coisas” não possuem uma realidade exterior, aquilo que
percebemos não é “matéria” ou “substância”. Podemos experimentar, por exemplo, a sensação
de bater em alguma coisa dura como uma mesa, mas na realidade, não sentimos a verdadeira
matéria da mesa. Afinal, podemos sonhar que estamos batendo em alguma coisa dura, embora
essa coisa seja apenas um sonho. Ou, induzirmos alguém a achar que é capaz de “sentir” qualquer
tipo de coisa. Uma pessoa pode ser hipnotizada e achar que sente calor e frio, ou então outra
sensação qualquer. Portanto, para Berkeley a causa da sensação não era de natureza material,
mas sim espiritual. Tudo o que vemos e sentimos é um efeito da força de Deus, pois Deus está
presente no fundo de nossa consciência e é a causa de toda a multiplicidade de ideias e sensações
a que estamos constantemente sujeitos. Com esses argumentos, Berkeley acreditou ter destruído
a matéria e consequentemente o materialismo.

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DAVID HUME (1711-1776)

Mas o Bispo irlandês não contara com o cético escocês, David


Hume (1711-1776), que com a idade de vinte e seis anos, escandalizou
toda a cristandade com o seu altamente herético Tratado sobre a
Natureza Humana, um dos clássicos e uma das maravilhas da filosofia
moderna.

Conhecemos a mente, disse Hume, somente como conhecemos a matéria: através da


percepção, embora esta, neste caso, seja interna. Nunca percebemos a mente como uma
“entidade”; percebemos apenas ideias separadas, lembranças, sentimentos, etc. A mente não é
uma substância, um órgão que produz ideias; ela é apenas um nome abstrato para a série de
ideias; as percepções, lembranças e sentimentos são a mente. Não há uma alma que se possa
observar por trás dos processos do pensamento. O resultado foi que Hume destruiu a mente tão
eficazmente, quanto Berkeley havia destruído a matéria. Mas Hume não se satisfez em destruir a
religião ortodoxa pelo arrasamento da alma; propunha-se também destruir a ciência pela
dissolução do conceito de lei. Tanto a ciência como a filosofia, desde os tempos de Bruno e
Galileu, davam grande importância, à “necessidade” de sequência do efeito após a causa.
Espinosa criara sua majestosa metafísica com base nessa esplêndida concepção. Mas observai,
disse Hume, que nunca percebemos causas ou leis; percebemos acontecimentos e sequências e
inferimos causação e necessidade. Uma lei não é um decreto eterno e necessário, ao qual os
acontecimentos estão sujeitos, mas apenas um sumário e abreviação mental de nossa experiência
caleidoscópica (sucessão rápida de impressões e sensações). Não temos garantia de que as
sequências, até aqui observadas, reaparecerão sem alteração nas experiências futuras. “Lei” é
um hábito observado na sequência de acontecimentos; mas não existe “necessidade” num hábito.
Somente as fórmulas matemáticas possuem necessidade, apenas elas são inerentes e
inalteravelmente verdadeiras.
E isso somente porque em tais fórmulas, o predicado já está contido no sujeito; “3 x 3 =
9” é uma verdade eterna e necessária apenas porque “3 x 3” e “9” são uma única e a mesma
coisa, expressa de forma diferente; o predicado não acrescenta nada ao sujeito. A ciência, então,
terá que se limitar estritamente à matemática e às experiências diretas; não poderá confiar em
deduções não verificadas das “leis”. “Quando percorremos bibliotecas, convencidos desses
princípios”, escreve o cético Hume, “que destruição teremos de fazer! Se, por exemplo, tomarmos
em nossas mãos qualquer livro sobre a doutrina divina ou de metafísica, devemos perguntar o
seguinte: ‘ele contém qualquer raciocínio abstrato referente à quantidade ou número? Não.
Contém qualquer raciocínio experimental tratando sobre fatos e sobre a vida, da realidade e da
existência? Não. Atira-o, então, nas chamas, pois não pode conter nada a não ser sofismas,
quimeras e ilusões”.
O empírico Hume considerava sua tarefa eliminar todos os conceitos obscuros e os
raciocínios intrincados criados até então pelas concepções medievais e conceitos das filosofias
racionalistas. Hume queria retornar à forma original pela qual o homem experimentava o mundo.
Para Hume, por exemplo, a “existência de anjo”, que era uma ideia amplamente acreditada no
meio religioso de sua época, era uma noção complexa. Ela se constitui de duas experiências
diferentes, que ocorrem simultaneamente na imaginação humana, já que na realidade estão
dissociadas. Ou seja, por anjo entendemos uma forma humana alada. As pessoas, portanto, tem
a experiência de ver a forma humana e ver a forma alada através das asas de uma ave. Em outras
palavras, esta noção de anjo é falsa e como tal deve ser rejeitada. Do mesmo modo, temos de
proceder a uma verdadeira limpeza em nossos pensamentos e ideias. Hume queria retornar ao
modo como a criança experimenta o mundo, antes de o espaço de sua mente ser tomado por
pensamentos e reflexões.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
79

LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE.


Lema dos filósofos iluministas franceses e da Revolução Francesa de 1789.

O novo pensamento, divulgado durante o Humanismo e a


Reforma e sistematizado por Bacon e Descartes - o empirismo e o
racionalismo, penetrava insensivelmente em toda a Europa e em
todos os ramos da ciência, na vida prática, nas artes e nas letras.

Em lugar da autoridade e da tradição, impunha-se a Razão individual; em lugar da


Religião Cristã sobrenatural, cultiva-se a “religião natural”. Dominava, então, o desejo de chegar
as ideias claras e distintas sobre a natureza, sobre a origem e o valor de seus fenômenos, quer
na ordem física, na intelectual, social, política ou religiosa. Desejava-se atingir o conhecimento
certo, fundamentado em princípios imediatamente evidentes ou nos fatos indubitáveis da
experiência.

Assim se formou a mentalidade dos “livres pensadores” do século XVIII, que surgiu na
Inglaterra e depois a França, a Alemanha e outros países da Europa. Essa mentalidade passou a
ser chamada “Iluminismo” por seu intento de iluminar, com as luzes da razão, o obscurantismo da
tradição. Cronologicamente costumam limitar o “Século das Luzes” entre a revolução inglesa de
1688 e a revolução francesa de 1789.

O conceito fundamental do século XVIII, configurador da época, e o da “Razão”. Assim


se expressavam à época: “A razão humana ilumina as coisas, ilustra os homens, aclara os fatos,
resolve os problemas, melhora a vida, efetua o progresso, cria a filosofia”. Era essa a mentalidade
dos iluministas e o “Iluminismo” passou a representar a conjugação do racionalismo e do
empirismo, como um movimento filosófico de secularização do pensamento e de naturalização de
todas as suas formas. O âmbito da filosofia coincidia com o da ciência, de tal modo que estas
palavras se tornaram sinônimas.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Não há talvez movimento mais vasto e complexo que aquele que recebeu o nome de
Iluminismo, assim chamado em antítese ao pretendido obscurantismo da Idade Média:
movimento cultural de propaganda e divulgação, de polêmica e crítica, impregnado de ardor
missionário de renovação. A estrutura política de toda a Europa é abalada; pressupostos
filosóficos e religiosos são destruídos; institutos medievais e ordenamentos eclesiásticos
demolidos. O Iluminismo colocou as bases da cultura e da sociedade contemporânea. O
Iluminismo é ao mesmo tempo, filho da nova ciência experimental - da qual são artífices, para as
doutrinas metodológicas, Galileu, Kepler e Newton - e do racionalismo cartesiano. A sua
concepção é que a ordem do mundo humano e a ordem do mundo natural se correspondem:
obedecem a leis mecânicas e fixas, que a razão tem o dever de descobrir com o fim de dominar o
mecanismo universal para o progresso e para o bem-estar da humanidade.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
80

O rápido difundir-se do Iluminismo não se pode explicar sem levar em conta, por um lado,
a grande influência das ciências naturais, e, por outro, do cepticismo que, desde o fim do século
XVII, colocava em dúvida as verdades religiosas (católicas e protestantes) e morais da época. Os
Livres pensadores não acreditavam mais na verdade absoluta dos dogmas.

Destituídos dos princípios morais e religiosos da época, iam em busca de novas


verdades. Precisamente as ciências lhes ofereciam uma: a grande lei da gravitação universal de
Newton, capaz de governar, na sua imutabilidade, todas as coisas, terra e céu.

Sobre a base desta lei, os Iluministas estão certos em encontrar um princípio universal,
imutável e infalível, capaz de explicar e dominar qualquer forma de atividade humana. Galilei,
Descartes e Newton encontraram o método das ciências matemáticas e físicas. É preciso
encontrar um novo método das ciências econômicas, morais, religiosas etc.

O iluminismo, que é decisivamente pelo progresso e pela civilização, saneador dos males
que afligem a sociedade. O estado natural não é o estado de guerra (“O Homem é o lobo do
homem” - Hobbes), mas a condição de uma humanidade irmanada, reino da igualdade e da justiça
perfeita. O homem não é “caído” pelo pecado, consoante ensina a dogmática católica, mas é
decaído devido às más leis, à superstição religiosa, à astúcia dos frades, à rapacidade dos
príncipes. A sua decadência, portanto, é devida a causas humanas e históricas. O sobrenatural
não existe. A religião e a igreja, mas que serem vias da salvação, eram causa principal da passada
e presente miséria. Negada à Igreja a sua função de guia e salvadora das almas, de depositária
da Verdade que redime, salva e glorifica, conclui que a própria Igreja não tem mais razão de ser:
estorvo do passado, resto de uma superstição desmascarada.

Experiência e razão foram para os Iluministas, os instrumentos da investigação científica;


de transformação da realidade teológica em realidade humana, da construção do novo mundo,
portanto o homem é o construtor do seu reino de felicidade, a medida de todas as coisas,
consoante ensinara Protágoras.

ILUMINISMO NA INGLATERRA

A Inglaterra preparou o terreno para o desenvolvimento do iluminismo. Locke, que foi o


teórico do liberalismo da monarquia inglesa de 1688, com suas ideias liberais em política (Para
ele a lei civil se deriva da lei natural, segundo a qual todos os homens são livres e tem os mesmos
direitos à vida e à propriedade. Segundo sua teoria, o soberano não tem autoridade absoluta, mas
apenas aquela que lhe confere o povo e a melhor forma de governo será a monarquia
constitucional e representativa), na moral (seu fundamento é utilitarista, sua finalidade é o bem-
estar, pois a fonte de toda moralidade é uma vontade livre em que o homem tende ao prazer, disso
resulta, que todas as ações morais devem conformar-se e submeter-se às opiniões dos homens
que se constituirá em lei civil), e com sua tolerância religiosa (ou seja, o respeito a todas as
religiões), pode ser considerado o precursor de todo o Iluminismo. A influência de sua doutrina
determinou a origem de algumas correntes filosóficas, como o deísmo, a moral natural e o
materialismo psicológico.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
81

a) Deísmo - O “Deísmo” afirma a existência de Deus como autor da natureza, mas nega
sua interferência posterior sobre o mundo, opondo-se ao “Teísmo”, que afirma a interferência
divina, a conservação e a providência. O homem com a supressão da revelação e da ordem
sobrenatural, devia procurar resolver seus problemas com sua própria razão natural. Os filósofos,
que se chamavam a si próprios “livres pensadores”, fugiam do ateísmo e do teísmo e acreditavam
na existência de uma “religião natural”.

b) Moral Natural - Consideravam que a moral fundamentava-se na personalidade


humana, independentemente de qualquer princípio externo, ou seja, nem a Igreja, nem o Estado
tinham competência para decidir em questões de moral, mas sim, o próprio indivíduo, que deveria
procurar “a felicidade do maior número de homens”. Eles achavam, por exemplo, que a crença em
Deus e em certas normas morais era parte integrante da consciência humana.

c) Materialismo Psicológico - Era no campo da psicologia que o Iluminismo inglês


manifestava mais claramente seu materialismo, pois identificavam o fenômeno psíquico com o
fisiológico.

O ILUMINISMO NA FRANÇA

Podemos destacar as ideias do Iluminismo francês em sete pontos:

O primeiro conceito-chave, a revolta contra a autoridade.


Muitos dos filósofos do Iluminismo francês tinham visitado a Inglaterra, que em certo
sentido era mais liberal do que a própria França. A ciência natural inglesa, sobretudo Newton e
sua física universal, fascinou esses filósofos franceses. Mas também os filósofos ingleses foram
fonte de inspiração para eles, principalmente Locke e sua filosofia política. De volta à sua pátria,
a França, eles começaram pouco a pouco a se rebelar contra o velho autoritarismo (Absolutismo
dos reis). Eles achavam que era muito importante permanecer céticos a todas as verdades
herdadas e acreditavam que o próprio indivíduo deveria encontrar respostas às suas perguntas.
Nesse ponto, a fonte de inspiração era a tradição de Descartes. A revolta contra o velho
autoritarismo não tardou a se voltar também contra o poder da Igreja, do rei e da aristocracia. No
século XVIII, essas instituições eram muito mais poderosas na França do que na Inglaterra.

Segundo conceito. O racionalismo.


À semelhança dos humanistas da Antiguidade, como Sócrates e os estoicos, a maioria
dos filósofos do Iluminismo tinham uma crença inabalável na razão humana. Isto era algo tão
evidente que muitos chamam o período do Iluminismo francês simplesmente de “racionalismo”. A
nova ciência natural deixara claro que tudo na natureza era racional. Assim, os filósofos iluministas
consideravam sua tarefa criar um alicerce para a moral, a ética e a religião que estivesse em
sintonia com a razão imutável do homem.

Terceiro conceito. O pensamento do Iluminismo.


Dizia-se, então, que era chegado o momento de “iluminar” as amplas camadas da
população, ou seja, de esclarecê-las. Esta seria a condição “sine qua non” de uma sociedade
melhor. Entre o povo, porém, imperavam a incerteza e a superstição. Por isso, dedicou-se especial
atenção à educação. Não é por acaso que a pedagogia, como ciência, foi fundada nesta época.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
82

Quarto conceito. O otimismo cultural.


Os filósofos iluministas diziam que somente quando a razão e o conhecimento se
tivessem difundido entre todos é que a humanidade faria grandes progressos. Era apenas uma
questão de tempo para que desaparecessem a irracionalidade e a ignorância e surgisse uma
humanidade iluminada, esclarecida. Este pensamento dominou a Europa ocidental até há poucas
décadas. Hoje não estamos assim tão convencidos de que o progresso do conhecimento leva
necessariamente a melhores condições de vida. Mas esta crítica da “civilização” já tinha sido feita
pelos próprios filósofos do Iluminismo.

Quinto conceito. O retorno à natureza.


“De volta à natureza”: esta era a palavra de ordem da crítica à civilização. Só que para os
filósofos do Iluminismo a natureza era quase a mesma coisa que razão. Isto porque, para eles, a
razão era uma dádiva da natureza ao homem, em oposição, por exemplo, à igreja ou à civilização.
Enfatizava-se que os “povos naturais” eram frequentemente mais sadios e mais felizes do que os
europeus, exatamente porque não possuíam uma civilização. A palavra de ordem “De volta à
natureza” é de Jean Jacques Rousseau. Ele dizia que a natureza era boa e que o homem,
portanto, era “naturalmente bom”. Todo o mal estaria na sociedade civilizada, que afasta o homem
de sua natureza. Por isso Rousseau também queria que as crianças vivessem por mais tempo
possível em seu estado “natural” de inocência. Podemos dizer que a noção de um valor próprio
da infância vem do Iluminismo. Até então, a infância tinha sido vista como uma preparação para a
vida adulta.

Sexto conceito. O cristianismo humanista ou a religião natural.


Com este conceito os filósofos iluministas queriam dizer que a religião também devia
estar em consonância com a “razão humana” do homem. Muitos lutaram por aquilo que podemos
chamar de cristianismo humanista. É claro que também houve os materialistas convictos, que não
acreditavam em Deus e professavam o ateísmo. Mas a maioria dos filósofos iluministas achava
irracional imaginar um mundo sem Deus. Para eles, o mundo era racional demais para ser
encarado de outra forma. Newton, por exemplo, defendera o mesmo ponto de vista. Da mesma
forma, a crença na imortalidade da alma era vista como algo racional. À semelhança de Descartes,
para os filósofos do Iluminismo a questão de saber se o homem possuía uma alma imortal era
mais uma questão da razão do que da fé. Os filósofos iluministas queriam libertar o cristianismo
dos muitos dogmas e princípios religiosos irracionais que, ao longo da história da Igreja, tinham
sido amalgamados à simplicidade dos ensinamentos de Jesus Cristo. Muitos filósofos
professavam o chamado deísmo. Por deísmo entende-se uma concepção segundo a qual Deus
criou o mundo em tempos há muito passado, mas nunca se revelou a ele desde então. Desse
modo, Deus é visto como um ser superior, que só se revela ao homem através da natureza e de
suas leis, mas nunca através de uma forma “sobrenatural”. Tal “Deus filosófico”, nós o
encontramos já em Aristóteles. Para ele, Deus era a causa primeira, o impulsor do universo.

Sétimo conceito. Os direitos humanos.


Talvez, este, seja o ponto mais importante da filosofia iluminista, e podemos dizer com
segurança que o iluminismo francês era mais prático do que a inglesa. Os filósofos iluministas
franceses não se contentaram apenas com concepções teóricas sobre o lugar do homem na
sociedade. Eles lutaram ativamente por aquilo que chamaram de “direitos naturais” dos cidadãos.
Tratava-se, sobretudo de uma luta contra a censura, ou seja, pela liberdade de imprensa. No que
respeita à religião, à moral e à política, o indivíduo precisava ter assegurado o seu direito à
liberdade de pensamento e de expressão de seus pontos vistas. Além disso, lutou contra a
escravidão e por um tratamento mais humano dos infratores das leis.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
83

O princípio da “inviolabilidade do indivíduo” acabou resultando na “Declaração dos


direitos do homem e do cidadão”, promulgada pela Assembleia Nacional Francesa em 1789. Os
filósofos do Iluminismo queriam estabelecer determinados direitos de que todas as pessoas seriam
titulares, simplesmente por terem nascido como seres humanos. É isto que eles chamam de
“direito natural”.

VOLTAIRE (1694-1778)

Escritor brilhante e ferozmente sarcástico, Voltaire divulgou em


França a filosofia de Locke e a ciência de Newton. Voltaire foi o maior
teórico e apologista do chamado Despotismo Esclarecido ou Absolutismo
Ilustrado, regime político que apareceu em vários países da Europa do
século XVIII, que se mostrava amigo da “Filosofia das Luzes” e protetor da
burguesia contra os desmandos da nobreza. Voltaire, como outros filósofos
iluministas, estava disposto a aceitar o absolutismo desde que este fosse
esclarecido, isto é, desde que o rei governasse de acordo com as ideias
da ilustração. Voltaire foi o mais radical dos iluministas franceses.
Ridicularizou o panteísmo de Leibniz e a tradição religiosa alimentando
grande ódio à religião católica. Apesar disso, combatia também o ateísmo,
admitindo a existência de Deus, segundo o deísmo.

MONTESQUIEU (1689-1755)

Principal crítico da política de seu tempo, abominando o


despotismo corruptor, não admitia qualquer forma de absolutismo.
Defendia a tese de que “um país deve ser governado por leis e não por
homens” e que todo governo deveria estar baseado numa constituição.
Montesquieu desenvolveu a “Doutrina dos Três Poderes”, pela qual o
governo deveria ser exercido pela divisão dos três poderes em legislativo,
executivo e judiciário, consoante a Constituição inglesa, sem enfraquecer
a unidade do Estado. Ainda jovens, Montesquieu e Voltaire, viajaram para
a Inglaterra, e lá assimilaram as novas doutrinas referentes à religião, à
Igreja, à filosofia e a política. De volta à França, com suas obras,
divulgaram as novas ideias, dando início ao Iluminismo Francês. Suas
ideias foram levadas à prática pela maioria dos países que consolidaram
suas independências políticas.

JEAN JACQUES ROUSSEAU (1712-1778)

Crítico quanto ao mito do progresso, apontou o progresso da


civilização como a causa primeira dos males que afligem a humanidade.
Sugere o retorno ao estado natural como um ideal e aponta para a
educação como o único meio para o desenvolvimento das potencialidades
humanas, reservando para a infância todo um tratado específico
inaugurando a pedagogia como ciência da educação. Rousseau advogava
o sufrágio universal em rejeição ao sufrágio censitário (baseado na coleta
de impostos pretendidos pelos liberais). Empreendeu um ataque severo ao
fundamento da sociedade capitalista: a propriedade privada dos meios de
produção (terras e máquinas).

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
84

Tanto com suas obras de filosofia social (Considerado precursor das doutrinas
socialistas), como pedagógica, Rousseau revelou uma profunda reação sentimental contra a frieza
racional do Iluminismo e com esse modo de pensar e sentir muito contribuiu para o evanescimento
da filosofia do século XVIII, podendo ser considerado por isso mesmo precursor do Romantismo
e do Idealismo filosófico posterior.

OS ENCICLOPEDISTAS

Em 1745, o editor Le Breton teve a ideia de publicar uma tradução


da Cyclopaedia do inglês Chambers, dicionário de verbetes sobre as artes
mecânicas e fartamente ilustradas, pois faltava à França uma obra no
gênero, uma vez que o Dicionário histórico e crítico de Pierre Bayle
perdia aos poucos sua atualidade, em consequência do rápido progresso
das ciências da natureza.

Diderot foi encarregado da tradução, mas entusiasmado pela ideia, ampliou o projeto e
em vez de cuidar da tradução, organizou a Enciclopédia, exposição de todos os conhecimentos
contemporâneos. Para a parte científica, contou com a colaboração de D’Alembert. Ambos, por
sua vez, convidaram inúmeros outros colaboradores especializados nos diversos campos do
saber, filosofia, teologia, matemática, medicina, política, religião, artes, enfim, na universalidade
dos conhecimentos humanos. Desse modo, em 1751, aparecia o primeiro volume. A obra,
aplaudida pelos filósofos iluministas foi logo, porém criticada pelos jesuítas que descobriram o que
consideraram “as dez proposições heréticas, por isso condenaram o trabalho. Após a publicação
do segundo volume, o Conselho de Estado proibiu a venda e determinou ainda sua apreensão.
Entretanto, o empreendimento continuou, e de 1753 a 57 foram publicados cinco outros volumes.
Apesar da grande polêmica, até 1772 a Enciclopédia foi totalmente publicada abrangendo mais
de trinta volumes. Além de Diderot e D’Alembert, dentre seus principais colaboradores estavam
Voltaire, Rousseau, Montesquie, Condillac e vários outros”.

Por secularizar todos os ramos do conhecimento humano, romper preconceitos, opor-se


à ideia de humanidade decaída, e propiciar uma visão otimista do homem e do progresso, se
revestir de um espírito reformador e saneador da sociedade com as luzes da razão e do avanço
científico, A Enciclopédia é a obra mais representativa do século XVIII e obra capital do movimento
Iluminista.

AUFKLÄRUNG

No século XVIII, a Alemanha, propriamente, não existe ainda: ela é um aglomerado de


Estados. Mesmo a Prússia de Frederico II (Rei e Déspota Esclarecido, fez de seu reino um grande
centro cultural e político da Europa. Cercou-se de iluministas franceses, entre eles Voltaire,
protegeu artistas como Bach, patrocinou as ciências e promoveu uma série de medidas para o
desenvolvimento econômico), embora tenha se tornada uma das principais potências, é um entre
esses estados. A realidade cultural alemã, entretanto, particularmente a língua alemã é
desprezada nos meios cultos, que preferem o latim ou o francês. Trata-se então de formar e
emancipar a cultura alemã, a começar pela promoção da língua. A reivindicação iluminista da
liberdade de pensamento passa, na Alemanha, pela liberdade de pensar e de se expressar em
alemão. Nesta língua, Iluminismo se diz Aufklärung, isto é, esclarecimento, elucidação - e como
esclarecer e elucidar os homens a não ser na língua da grande maioria?

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Na Alemanha, este movimento filosófico não foi tão revolucionário e antieclesiástico como
o francês. O Iluminismo na França havia tomado uma direção contrária à religião, fiel ao seu
princípio de não aceitar nenhuma autoridade que pusesse em risco a soberania da razão. Na
Alemanha, o protestantismo não apresentava a mesma tradição e intolerância que nos países
essencialmente católicos. A Reforma protestante, com Lutero, havia aberto uma brecha para a
liberdade de espírito e desvencilhara os protestantes de abusos e imposições de ordem temporal.
Desse modo, o racionalismo de Leibniz e o empirismo de Locke e Hume informaram a filosofia de
Wolff e Lessing, os dois maiores filósofos do iluminismo alemão ou Aufklärung.

Christian Wolff (1679-1754) - Professor de Halle e autor de obras em alemão, que seriam
adotadas no ensino de Filosofia. Ele também fixa a linguagem filosófica em alemão e propõe uma
classificação dos diversos ramos que compõem a Filosofia. Wolff define a Filosofia como “ciência
de todas as coisas possíveis”, isto é, de tudo o que não for contraditório. Wolff e toda a Aufklärung
que o seguiu aproximam-se mais do racionalismo do século XVII do que do empirismo que animou
as Luzes na França. De fato, para Wolff, o conhecimento empírico, apesar de indispensável, ocupa
um lugar inferior ao conhecimento teórico puro, a verdade dos dados empíricos é apenas provável.

Lessing (1729-1781) - É para muitos historiadores é a maior figura da Aufklärung e o


maior crítico do século XVIII. A agitação intelectual da época em que viveu e seu espírito polêmico
o levou a atuar em diferentes frentes, sempre procurando pelo que entendia ser uma contribuição
para a cultura. Foi poeta, filósofo, dramaturgo e crítico de arte. Mas em todas essas atividades
perpassava um intuito pedagógico. Para Lessing, a razão corresponde à fase atual, em que o
homem, de modo autônomo, procura a verdade. Não importa se tal busca nunca se realize
plenamente. Vale mais esse esforço em pensar livremente e tornar públicas as ideias, sem recorrer
às autoridades. Essa é a atitude do autêntico Aufklärer, o homem esclarecido. Assim Lessing
escreveu: “Talvez minhas ideias sejam sempre uns tanto díspares, ou que até pareçam se
contradizer entre si, (...) basta que sejam ideias em que os leitores encontrem material que os
incite a pensar por eles mesmos”.
Noutra passagem dirá: “Não é a pose da verdade, que nenhum homem alcança ou poderá
alcançar, mas o esforço sincero por alcançá-la que lhe dá valor; porque não é pela posse, mas
pela busca da verdade que suas forças se desenvolvem”. Pretendendo impor a hegemonia da
razão e, ao mesmo tempo, preservar um lugar para a fé revelada, Lessing afasta-se resolutamente
da verdade revelada, mas não a perde de vista - afinal, Lessing dissera que para o homem a
verdade é busca, e não posse. Assim sendo, a perfeição do homem decorre de sua proximidade
em relação à verdade; e seu valor consiste em atingir essa proximidade. Pelo menos foi
interpretada assim uma das suas passagens mais famosas: “Se Deus segurasse em sua mão
direita toda a verdade e em sua mão esquerda unicamente o eterno esforço pela verdade, e ele
me dissesse “escolhe”, com humildade eu me precipitaria, ainda que possa errar sempre e
eternamente, à sua esquerda diria Pai, dai-me esta. A verdade absoluta é reservada somente para
ti.”

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“Duas coisas enchem o ânimo de admiração e respeito, sempre novos e


crescentes, quanto mais reiterada e persistentemente se ocupa delas a reflexão:
O CÉU ESTRELADO SOBRE MIM E A LEI MORAL EM MIM”. Immanuel Kant

À exceção de suas obras, a vida de Immanuel Kant não registra


nenhum acontecimento relevante. Ele nasceu na cidade prussiana de
Königsberg (hoje Kaliningrado, na Lituânia, ex-República da União
Soviética), em 1724.

Foi educado segundo a seita religiosa Pietista, muito difundido entre os protestantes da
Alemanha, que como os Metodistas da Inglaterra, fazia questão de um rigor e severidade
absolutos nas práticas e na crença religiosas. Estudou na Universidade local e ali lecionou,
chegando a assumir o cargo de reitor. Lecionou diversas disciplinas: Matemática, Física, Lógica,
Metafísica, Filosofia Moral, Direito Natural, Antropologia, Geografia Física, Teologia Natural e
Pedagogia. Conta-se que foi excelente e sossegado professor, que gostava de discorrer sobre
geografia e etnologia de terras distantes, embora, jamais tenha deixado a cidade natal. Morreu em
1804, aos oitenta anos de idade,

Divergem os historiadores no considerar a evolução do pensamento Kantiano. Alguns


aceitam três períodos: O primeiro, que estende até cerca de 1755, compreende
predominantemente estudos das ciências naturais, ainda que mesclados de questões filosóficas.
O segundo período, que vai até 1781, abrange questões filosóficas relativas à Teologia Natural,
Metafísica e Estética. O terceiro período começa com a publicação da Crítica da Razão Pura
(1781); é a fase mais importante da filosofia de Kant; o período “crítico”, em que publicou suas
obras fundamentais.

Outros historiadores, em maior número, consideram na evolução de seu pensamento,


apenas dois períodos: o “pré-crítico” que vai até a publicação da Crítica da Razão Pura, e o
segundo período, o “crítico”, a partir do aparecimento desta última obra.

Das obras mais importantes do segundo período, o “crítico”, temos: Crítica da Razão
Pura, de 1781, que seis anos depois seria reeditada com notáveis alterações. Em 1788, apareceu
a Crítica da Razão Prática, em 1790, a Crítica do Juízo e, em 1800, quando Kant já se achava
afastado da cátedra, surgiu a Lógica, que havia sido escrita muitos anos antes. A obra Kantiana
é múltipla e variada e estamos citando apenas os trabalhos fundamentais para uma compreensão
sintética de sua filosofia.

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO KANTIANO OU CRITICISMO

Nunca sistema algum de pensamento dominou tanto uma época, como a filosofia de
Immanuel Kant, dominou o pensamento do século dezenove. Após quase sessenta anos de
meditação quieta e retirada, o misterioso filósofo de Königsberg, despertou o mundo ao publicar
em 1781 sua famosa Crítica da Razão Pura. E daquele ano em diante a “filosofia crítica” tem
dominado o campo especulativo da Europa.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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87

As filosofias posteriores, tais como de Schopenhauer ascendeu a um breve período de


prestígio com a onda de romantismo que veio em 1848; a teoria da evolução varreu tudo o que
existia até 1859; e Nietzsche ocupou o centro do palco filosófico, quando o século ia atingindo o
fim. Mas essas manifestações eram secundárias e de superfície. Por baixo delas a corrente forte
e segura do movimento Kantista continuava a correr, sempre mais profunda e ampla; até hoje
seus princípios essenciais são os axiomas de toda a filosofia madura.

Nietzsche aceita Kant como fato comprovado e segue em frente; Schopenhauer classifica
a Crítica como “o trabalho mais importante da literatura alemã” e considera qualquer homem como
criança até que tenha compreendido Kant.

Portanto tornemo-nos imediatamente Kantistas. Mas isso não pode ser feito de imediato,
pois na filosofia, como na política, a distância mais longa entre dois pontos é uma linha reta. Kant
é o último autor no mundo que devemos ler sobre Kant. Este filósofo assemelha-se e difere de
Jeová: fala através de nuvens, mas sem a iluminação das centelhas dos raios. Despreza exemplos
e as coisas concretas; teriam alongado muito seu livro, explica ele (Assim mesmo abreviado,
contém oitocentas páginas). Sua leitura era destinada apenas a filósofos profissionais e estes não
precisariam de ilustrações.

No entanto quando Kant deu o manuscrito da Crítica ao seu amigo Herz, homem muito
versado em especulação, Herz devolveu-o lido pela metade, dizendo que receava a insanidade
se prosseguisse. Como estudar um filósofo assim? Aproximemo-nos dele indireta e
cautelosamente, começando de distância segura e respeitosa; partindo de vários pontos na
circunferência do assunto e depois sigamos apalpando nosso caminho na direção do centro sutil,
onde a mais difícil de todas as filosofias guarda seu segredo e seu tesouro.

OS CAMINHOS ATÉ KANT

Antes de Kant poderíamos dizer que o caminho para chegar até Kant passou pela fé
religiosa sem razão teorética à razão teorética sem fé religiosa. Do Renascimento ao Iluminismo,
de Francis Bacon, que havia inspirado em toda a Europa (exceto Rousseau) uma fé inabalável no
poder da ciência e da lógica, para solucionar todos os problemas da humanidade, e realçar a
“perfectibilidade infinita” do homem, a Voltaire, que significava a Idade da Razão, fala-se
exclusivamente na sublime confiança no saber e na razão.

Em Espinosa esta fé na razão produzira uma magnificente estrutura de geometria e


lógica: o universo era um sistema e podia ser descrito a priori por pura dedução de axiomas
aceitos. Em Hobbes o racionalismo de Bacon transformara-se num intransigente ateísmo e
materialismo. De Espinosa a Diderot os destroços da fé iam ficando na esteira da razão que
avançava; um a um, os velhos dogmas desapareciam; a catedral gótica da crença medieval, com
seus encantadores detalhes, desmoronou. O antigo Deus caiu de seu trono, o céu transformou-
se em mero firmamento e inferno passou a ser apenas uma expressão emotiva.

David Hume, que teve papel tão importante no ataque do Iluminismo à crença
sobrenatural, disse que quando a razão está contra o homem, ele depressa se voltará contra a
razão. A fé e a esperança religiosas expressas nos milhares de torres que se elevavam do solo
em todas as partes da Europa, tinham raízes profundas demais nas instituições da sociedade e
no coração do homem, para permitirem uma rendição fácil ao veredicto hostil da razão. Era
inevitável que essa fé e essa esperança, assim condenadas, iriam levantar dúvidas quanto à
competência daquele juiz e pediram um reexame tanto da razão quanto da religião.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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O que era esse intelecto que se propunha destruir, com um silogismo, as crenças de
milhares de anos e de bilhões de homens? Seria ele infalível? Ou seria um órgão humano como
qualquer outro, com suas funções e poderes rigorosamente delimitados? Era chegada a hora de
investigar e julgar esse juiz. Era chegada a hora para a crítica da razão.

O caminho para um tal exame havia sido preparado pelos trabalhos de Locke, Berkeley
e Hume; e, no entanto, aparentemente, seus resultados eram também hostis à religião. Mas é em
Kant, que a razão, pela primeira vez no pensamento moderno, voltara-se para si mesma, e a
filosofia começara a investigar o instrumento em que por tanto tempo confiara.

Este movimento introspectivo na filosofia vinha crescendo, passo a passo, desde


Rousseau, que punha ênfase na exaltação filosófica do instinto e do sentimento, acima do intelecto
e da razão.

Que quase sozinho, na França, combateu o materialismo e o ateísmo do Iluminismo já


afirmara que, sem dúvida há ocasiões, e muito particularmente nas novas complexidades e
artificialismos da vida urbana, em que a razão é o melhor guia; mas nas grandes crises da vida e
nos grandes problemas de conduta e de crença, confiamos mais em nossos sentimentos do que
em diagramas.

O sentimentalismo tornou-se moda entre as senhoras da aristocracia e entre alguns dos


cavalheiros nobres. A França durante um século foi regada com lágrimas, a princípio literárias,
depois reais, e o grande movimento da inteligência europeia do século dezoito deu passagem à
literatura romântico-emotiva de 1789-1848.

A corrente carregava consigo um poderoso renascimento de sentimentos religiosos. Em


seu ensaio Émile (1762), Rousseau diria: ainda que a razão possa estar contra a crença em Deus
e na imortalidade, os sentimentos estão avassaladoramente a seu favor. Por que, então, não
deveríamos confiar no instinto de preferência a nos entregarmos ao desespero de um ceticismo
árido?

Quando Kant começou a ler Émile, foi um acontecimento em sua vida. Encontrar um
outro homem que estava procurando uma saída para fora da escuridão do ateísmo e que,
bravamente, afirmara a prioridade do sentimento sobre a razão teórica, causou-lhe forte
impressão. Finalmente, Kant, encontrara a segunda metade da resposta à irreligião. Agora todos
os zombadores e céticos seriam dispersados. Unir esses fios de argumentação, juntar as ideias
de Berkeley e Hume com os sentimentos de Rousseau, salvar a religião da razão e ao mesmo
tempo salvar a ciência do ceticismo - esta foi à missão de Immanuel Kant.

A CRÍTICA DA RAZÃO PURA

Qual o significado desse título?

Crítica é empregada neste caso como análise crítica. Kant não está propriamente
atacando a “razão pura”, exceto no final, para mostrar suas limitações. Pelo contrário, tem
esperança de mostrar suas possibilidades e colocá-la acima do conhecimento impuro, que nos
vem através dos canais deformantes dos sentidos. Pois razão “pura” significa o conhecimento que
não vem através dos sentidos e é independente de toda a experiência sensorial; o conhecimento
que nos pertence pela natureza e estrutura da mente.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Logo de início, Kant lança um desafio a Locke e à Escola Inglesa: o conhecimento não é
todo derivado dos sentidos. Hume achava que havia demonstrado não haver alma e não haver
ciência; que nossas mentes não são senão nossas ideias concatenadas e associadas e que
nossas certezas são apenas probabilidades. Mas, se possuíssemos conhecimento independente
da experiência sensorial, conhecimento cuja verdade é certa para nós, antes mesmo da
experiência - a priori?

Nesse caso a verdade e a ciência absoluta, seriam possíveis, não seriam? Esse,
conforme acredita Kant, é todo o problema da metafísica. Eis o problema da primeira Crítica.

“Minha indagação é o que podemos esperar alcançar com a razão, quando todo o material
e assistência da experiência são excluídos”. A Crítica torna-se uma biologia da origem e evolução
dos conceitos, uma análise da estrutura congênita da mente.

Até que ponto podemos avançar independentemente de toda experiência, num


conhecimento a priori, é demonstrado pelo brilhante exemplo da matemática. O conhecimento
matemático é necessário e certo; não podemos conceber que seja alterado por uma experiência
futura. Podemos acreditar que o sol “se levantará” no oeste amanhã ou que algum dia, em algum
mundo distante, o fogo não queimará; mas não podemos acreditar que duas vezes dois, em
qualquer tempo, deixe de ser quatro. Essas verdades são verdadeiras antes da experiência; não
dependem de experiência passada, presente ou por vir.

São consequentemente verdades independentes e necessárias; é inconcebível que


algum dia deixem de ser verdadeiras. Mas de onde tiramos esse caráter de independência e
necessidade? Não da experiência, pois a experiência não nos oferece nada a não ser sensações
e fenômenos separados, que podem alterar sua sequência no futuro. Essas verdades derivam seu
caráter necessário da estrutura de nossas mentes, da maneira natural e inevitável pela qual
nossas mentes têm de funcionar. Pois a mente do homem (e aqui está a grande tese de Kant) não
é uma cera passiva sobre a qual a experiência e as sensações escrevem sua vontade absoluta e
caprichosa; nem é um mero nome abstrato para a série ou grupo de estados mentais; ela é um
órgão ativo que molda e coordena as sensações em ideias, um órgão que transforma a
multiplicidade caótica da experiência na unidade ordenada do pensamento.

Mas como isso é possível?

ESTÉTICA TRANSCENDENTAL

O esforço para responder a essa pergunta, para estudar a estrutura ontológica da mente
e as leis inatas do pensamento, é o que Kant chama de “filosofia transcendental”, porque trata-se
de um problema que transcende a experiência sensorial. “Chamo transcendental (...) as formas
de correlacionar nossas experiências em conhecimento”. Há dois graus ou estágios nesse
processo de transformação da matéria-prima da sensação no produto acabado do pensamento.
O primeiro estágio é a coordenação das sensações, aplicando-se a elas as formas de percepção
- espaço e tempo. O segundo estágio é a coordenação das percepções pela aplicação das formas
de concepção - as “categorias” de pensamento. Kant, empregando a palavra estética em seu
sentido original e etimológico de sensação, denomina o estudo do primeiro desses estágios de
“Estética Transcendental”. E empregando a palavra lógica no sentido de ciência das formas do
pensamento, denomina o estudo do segundo estágio de “Lógica Transcendental”.

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90

Essas palavras terríveis irão tomando sentido à medida que avança a argumentação; uma
vez ultrapassada esse obstáculo, o caminho até Kant ficará relativamente claro.

Mas o que se quer dizer exatamente com sensações e percepções? E como age a mente
para transformar as primeiras nas segundas? Uma sensação em si mesma é apenas a consciência
de um estímulo. Temos um gosto na língua, um cheiro nas narinas, um som nos ouvidos, uma
temperatura na pele, um clarão de luz na retina, uma pressão nos dedos; e o começo rude, cru da
experiência. É o que a criança sente nos princípios de sua tateante vida mental; ainda não é o
conhecimento.

Mas quando essas várias sensações se agrupam em torno de um objeto no espaço e no


tempo; quando o cheiro das narinas, o gosto na língua, a luz na retina e a pressão dos dedos e na
mão unem-se e se agrupam em torno da “coisa”, temos então consciência não apenas de um
estímulo, mas de um objeto específico: há uma percepção. A sensação passou a conhecimento.

Mas, essa passagem, esse agrupamento, foi automática? Colocaram-se as sensações


por si próprias, espontânea e naturalmente, nesse conjunto e em determinada ordem e assim
passaram à percepção? Sim, afirmaram Locke e Hume. De forma alguma, diz Kant. Pois essas
várias sensações chegam a nós através dos diversos canais dos sentidos, através de mil “nervos
aferentes” que passam da pele, olhos, ouvidos e língua para o cérebro. Que multidões de
mensageiros devem constituir, ao abrirem caminho para as câmaras da mente, pedindo atenção!
Não é de se admirar que Platão tenha falado na “tumultuada multidão dos sentidos”. E entregues
a si mesmas, elas permanecem uma multidão tumultuada, um aglomerado caótico e impotente,
esperando ser ordenado para adquirir sentido, finalidade e poder. Mas há um legislador para essa
multidão, um poder diretor e coordenador que não recebe apenas, mas assume esses átomos de
sensações e os modela num significado.

Observemos, primeiro, que nem todas as mensagens são acolhidas. Miríades de forças
cercam nosso corpo neste momento; uma tempestade de estímulos martela as extremidades dos
nossos nervos que se estendem para atingirem o mundo exterior. Mas nem todos os chamados
são escolhidos; são selecionadas somente aquelas sensações que podem ser modeladas em
percepções apropriadas à finalidade do momento ou que trazem mensagens imperiosas de perigo
e que são sempre relevantes. O relógio está andando e não se ouve; mas nesse mesmo ruído,
sem aumentar de intensidade, será imediatamente ouvido se o desejarmos. A mãe que dorme
junto ao berço do filho, está surda ao turbilhão da vida; mas se o pequenino se mexe, a mãe logo
desperta de seu sono, tal como um mergulhador que sobe apressadamente à superfície do mar.
Se o objetivo for a soma, o estímulo, as mesmas sensações auditivas, “dois” e “três” produzem a
resposta “seis”. A associação de sensações é determinada pelo objetivo da mente. As sensações
e os pensamentos são como servos, ficam à espera de nosso chamado, elas não vêm, a menos
que necessitemos delas. A mente, pois, é o agente de seleção e direção que as utiliza.

Esse agente de seleção e coordenação, segundo a opinião de Kant, utiliza antes de tudo
dois simples métodos para a classificação do material que lhe é apresentado: o sentido de espaço
e o sentido de tempo. Assim como o general dispõe as mensagens que lhe são trazidas conforme
o lugar de onde vieram e a hora em que foram escritas, assim também a mente distribui suas
sensações no espaço e no tempo, atribui-as a este ou àquele objeto, ao tempo presente ou ao
passado. Espaço e tempo não são coisas percebidas, mas modo de percepção, maneiras de dar
sentido à sensação; espaço e tempo são órgãos de percepção.

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Eles são a priori porque toda a experiência ordenada os encerra e os pressupõe. Sem
eles, as sensações nunca poderiam chegar a percepções. Eles são a priori porque é inconcebível
que jamais venhamos a ter alguma experiência futura, em que não estejam envolvidos.

E por serem a priori, suas leis, que são as leis da matemática, são a priori, absolutas e
necessárias, para o todo e sempre. A matemática, ao menos, está a salvo do ceticismo destruidor
de David Hume.

Poderão todas as ciências ser igualmente salvas?

Sim, se se puder demonstrar ser o seu princípio básico a lei de causalidade - uma causa
determinada tem sempre que ser seguida de um efeito determinado - lei esta, tal como o espaço
e o tempo, tão inerente a todos os processos do entendimento, que não se pode conceber
nenhuma experiência futura que a ignore ou dela escape. É a causalidade, também, a priori, um
pré-requisito e condição indispensável a todo o pensamento?

ANALÍTICA TRANSCENDENTAL

Passamos então do largo campo da sensação e da percepção à estreita e escura câmara


do pensamento; da “estética transcendental” à “lógica transcendental”. E em primeiro lugar,
dediquemo-nos a denominação e à análise daqueles elementos do nosso pensamento, que são
as alavancas que elevam o conhecimento de percepção a conceito. São os instrumentos da mente
que depuram a experiência e a transformam em ciência. Tal como as percepções distribuíram as
sensações ao redor dos objetos no espaço e no tempo, assim a concepção ordena as percepções
ao redor das ideias de causa, unidade, relação recíproca, necessidade, contingência, etc. Essas
e outras “categorias” são a estrutura na qual as percepções são recebidas e mediante a qual são
classificadas e moldadas nos conceitos ordenados do pensamento. São eles a própria essência e
o caráter da mente; é a coordenação da experiência.

E observemos novamente aqui a atividade dessa mente que para Locke e Hume era
apenas “cera passiva” sob os impactos da experiência sensorial. Será concebível que a ordenação
de dedos poderia surgir de modo espontâneo e automático dos próprios dados?

Vejamos esse formidável catálogo de fichas de biblioteca, ordenadas inteligentemente


numa sequência para a finalidade estabelecida. Depois imaginemos todas essas fichas jogadas
ao chão, todas essas fichas espalhadas na maior desordem. Podemos conceber essas fichas
colocando-se de pé, dirigindo-se tranquilamente para seus lugares na ordem alfabética em suas
gavetas e cada gaveta tomando sua posição apropriada no arquivo? Que história milagrosa é essa
que nos contam os céticos? Questionaria Kant.

Sensação é o estímulo desorganizado, percepção é a sensação organizada, concepção


é a percepção organizada, ciência é o conhecimento organizado, sabedoria é vida organizada:
cada um é um grau maior de ordem, sequência e unidade. De onde vem essa ordem, essa
sequência, essa unidade? Não das próprias coisas, pois nós as conhecemos apenas de mil canais,
ao mesmo tempo, em multidão desordenada. É o objetivo da mente que confere ordem, sequência
e unidade a essa desordem inoportuna. Somos nós, nossas personalidades, nossas mentes, que
trazem luz a esse oceano.

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Locke estava errado, quando disse: “Não há nada no intelecto senão o que existiu
primeiro nos sentidos”. Leibniz estava certo, quando acrescentou, “nada, senão o próprio
intelecto”. “Percepções sem concepções”, diz Kant, “são cegas”. Se as percepções se
organizassem automaticamente em pensamento ordenado, se a mente não fosse um esforço
ativo, forjando a ordem no caos, como poderia acontecer que a mesma experiência que mantém
na mediocridade um homem, eleva outro à luz da sabedoria e à lógica da verdade?

O mundo, então, tem ordem, não por si mesmo, mas porque o pensamento que conhece
o mundo, é em si mesmo uma ordenação, o primeiro estágio naquela classificação da experiência,
que no final é a ciência e a filosofia. As leis do pensamento são também as leis das coisas, pois
sabemos das coisas apenas através do pensamento, que tem de obedecer a essas leis, já que
ele e elas são a mesma coisa e a lógica e a metafísica se fundem. Os princípios generalizados da
ciência são necessários porque fundamentalmente eles são leis do pensamento, que estão
implícitas e pressupostas em todas as experiências, passadas, presentes e futuras. A ciência é
absoluta e a verdade é eterna.

DIALÉTICA TRANSCENDENTAL

No entanto, essa certeza, esse absolutismo das mais elevadas generalizações da lógica
e da ciência, é, paradoxalmente, limitado e relativo: Limitados estritamente ao campo da
experiência real e relativo estritamente à nossa modalidade humana de experiência. Isto porque,
se nossa análise foi correta, o mundo como nós o conhecemos é uma construção idealizada na
mente pelas suas formas modeladoras (as categorias de Kant). O objeto, como parece para nós,
é um fenômeno, uma aparência, talvez muito diferente do objeto externo, antes de se colocar ao
alcance de nossos sentidos; o que é o objeto original, nunca poderemos saber. A “coisa-em-si”
pode ser um objeto do pensamento ou uma inferência (um “número”), mas não pode ser atingida,
pois ao ser atingida é transformada pela sua passagem através dos sentidos e do pensamento. A
lua como nós a conhecemos é meramente um feixe de sensações (como entendeu Hume),
unificadas (como Hume não entendeu) pela nossa estrutura mental congênita, através da
elaboração das sensações em percepções e destas em concepções ou ideias. Resultado: a lua é,
para nós, um conceito. Não que Kant jamais tenha posto em dúvida a existência da “matéria” e do
mundo exterior; mas acrescenta que nada sabemos acerca deles, senão que existem.

O conhecimento detalhado (ciência) que possuímos diz respeito à sua aparência, a seus
fenômenos, às sensações que deles temos. Idealismo não significa, como julga o homem comum,
que não existe nada além do sujeito que percebe, mas sim que uma boa parte de cada objeto é
criada pelas formas de percepção e compreensão. Conhecemos o objeto tal como é transformado
em ideia; o que ele é antes de ser assim transformado não podemos saber. A ciência é, afinal,
ingênua; ela supõe estar lidando com coisas em si, em sua vigorosamente externa e incorrompida
realidade. A filosofia é um pouco mais sofisticada e compreende que todo o material da ciência
consiste antes em sensações, percepções e concepções do que em coisas.

Segue-se que qualquer tentativa seja da ciência ou da religião, de dizer exatamente o


que é a realidade fundamental, se reduz à mera hipótese; “a compreensão não pode nunca passar
dos limites da sensibilidade”. A cruel função da “dialética transcendental” é examinar a validade
dessas tentativas da razão, de se evadir do círculo de sensações e aparências para o mundo, que
não se pode conhecer, das coisas “em si”.

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Quando, por exemplo, o conhecimento tenta decidir se o mundo é finito ou infinito no


espaço, o pensamento rebela-se contra ambas as suposições: somos levados a conceber, além
de qualquer limite, algo mais longínquo, interminável. E, no entanto, a infinitude é em si mesma
inconcebível. E então: teve o mundo um começo temporal? Não podemos conceber a eternidade;
mas não podemos também conceber nenhum ponto no passado, sem sentir imediatamente que
antes dele existia algo.

Ou terá aquela seqüência de causas, que a ciência estuda, um começo, uma Causa
Primeira? Sim, pois uma cadeia interminável é inconcebível; não, pois uma primeira causa não
causada é igualmente inconcebível. Há alguma saída desses becos do pensamento?

Há, diz Kant, se nos lembrarmos de que espaço, tempo e causas são modalidades de
percepção e concepção que têm de entrar em toda a nossa experiência, já que são a trama e a
estrutura da experiência. Esses dilemas surgem do fato de se supor que espaço, tempo e causas
são coisas externas independentes da percepção. Nunca teremos qualquer experiência que não
seja por nós interpretada em termos de espaço, tempo e causa; mas nunca teremos uma filosofia
se esquecermos que esses elementos não são coisas, mas sim modalidades de interpretação e
entendimento.

O mesmo raciocínio se aplica a teologia “racional” que tenta provar pela razão teorética
que a alma é uma substância incorruptível (que não se altera), e que existe um “ser necessário”,
Deus, como a pressuposição de toda a realidade. A dialética transcendental tem de lembrar à
teologia que substância e necessidade são categorias finitas, modalidades de arranjo e
classificação aplicáveis apenas à experiência sensorial. Não podemos aplicar esses conceitos ao
mundo numenal (ou meramente inferido e conjeturado). A religião não pode ser provada pela razão
teorética.

Termina assim a primeira Crítica.

Podemos bem imaginar David Hume, um gaulês ainda mais manhoso do que o próprio
Kant, observando os resultados com um sorriso sardônico. Ali estava um livro tremendo,
oitocentas páginas, repleto quase que além do suportável de uma terminologia pesada, propondo-
se a solucionar todos os problemas da metafísica e concomitantemente a salvar a infabilidade da
ciência e a verdade essencial da religião. O que havia o livro realmente feito?

Havia destruído o mundo cândido da ciência, limitando-o a um universo de mera


superfície e aparência, além do qual ela podia se manifestar somente em “antinomias” (antinomias
são os dilemas insolúveis): assim foi “salva” a ciência! Os trechos mais eloquentes e incisivos do
livro haviam argumentado que os objetos da fé - a alma livre e imortal e um Criador benevolente -
nunca poderiam ser demonstrados pela razão: assim foi “salva” a religião!

A CRÍTICA DA RAZÃO PRÁTICA

Se a religião não pode ser baseada na ciência e na teologia, no que então o poderá ser?
Na moral. A base na teologia é insegura demais; é melhor que seja abandonada, até mesma
destruída; a fé tem que ser colocada além do alcance ou domínio da razão. Mas,
consequentemente, a base moral da religião tem de ser absoluta, não pode derivar de experiências
sensoriais passíveis de dúvidas ou inferências precárias; nem corrompida pela mistura com a
razão falível; ela tem que derivar do ser interior pela intuição e percepção diretas.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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Temos que encontrar uma ética universal e necessária; princípios de moral a priori tão
absolutos e certos como a matemática. Temos de mostrar que “a razão pura pode ser prática, isto
é, pode determinar por si mesma à vontade, independentemente de todo o elemento empírico”;
que o senso moral é inato e não derivado da experiência. O imperativo moral de que necessitamos,
como base da religião, tem de ser um imperativo absoluto, categórico.

A mais surpreendente realidade em toda a nossa experiência é justamente nosso senso


moral, nossa sensação inevitável, diante da tentação, de que isso ou aquilo é errado. Podemos
ceder, mas a sensação, não obstante, estará lá. E voltamos a tomar resoluções.

O que é que traz a picada do remorso e as novas resoluções? É o imperativo categórico


dentro de nós, a ordem incondicional de nossa consciência. Sabemos, não pelo raciocínio, mas
por uma sensação intensa e imediata, que temos de evitar um comportamento que, se adotado
por todos os homens, tornaria impossível a vida em sociedade. Quero escapar de um
compromisso com uma mentira? Porém “ainda que possa desejar a mentira, não posso de forma
alguma desejar que mentir seja uma lei universal. Pois com uma tal lei não haveria segurança”.
Daí a sensação em mim de que não devo mentir, mesmo que me seja vantajoso. A prudência é
hipotética; seu lema é “sinceridade quando essa for a melhor política”. Mas a lei moral em nossos
corações é incondicional e absoluta.

E uma ação é boa não porque tem bons resultados ou porque é sábia, mas porque é feita
em obediência a esse sentido interior de dever, a essa lei moral que não provém de nossa
experiência pessoal, mas rege imperiosamente e a priori todo o nosso comportamento, passado,
presente e futuro. A única coisa absolutamente boa neste mundo é uma vontade boa - à vontade
de seguir a lei moral, indiferentemente aos lucros ou perdas que acarretam. Diria Kant, não te
preocupes com tua felicidade, cumpre teu dever ou em suas próprias palavras “Moralidade não é
propriamente a doutrina de como podemos nos tornar felizes, mas sim de como podemos nos
tornar dignos da felicidade”. Busquemos a felicidade dos outros; mas, para nós, a perfeição - quer
ela nos traga felicidade ou dor. Para conseguir a perfeição em ti mesmo e a felicidade nos outros,
“age de forma a tratar a humanidade, quer na tua pessoa quer na de um outro, como um fim, não
apenas como um meio” - isso também, como sentimos diretamente, é parte do imperativo
categórico. Vivamos em conformidade com um tal princípio e muito em breve criaremos uma
comunidade ideal de seres racionais. É uma ética dura, dizes, essa colocação do dever acima da
beleza, da moralidade acima da felicidade; mas é só assim que podemos cessar de ser animais e
começar a ser deuses.

Reparem, entretanto, que esse absoluto comando do dever prova enfim a liberdade de
nossas vontades. Como poderíamos jamais ter concebido uma tal noção do dever se não nos
sentíssemos livres? Não podemos provar essa liberdade pela razão teorética; provamo-la ao senti-
la diretamente na crise da escolha moral. Sentimos essa liberdade como a própria essência de
nosso ser interior, do “Ego puro”. Sentimos dentro de nós a atividade espontânea de uma mente
modelando as experiências e escolhendo as metas. Sentimos, mas não podemos provar, que
somos livres.

Percebemos pela experiência cotidiana que a astúcia da serpente dá mais resultados do


que a mansidão da pomba e qualquer ladrão pode triunfar, se roubar bastante. E, no entanto,
sabendo disso tudo, sendo-nos isso atirado ao rosto com insistência brutal, ainda assim sentimos
o comando à retidão. Sabemos que devemos fazer o bem ainda que com desvantagem. Como
poderia sobreviver esse senso do dever, se em nossos corações não sentíssemos ser esta vida
apenas uma parte da vida, este sonho terreno apenas um prelúdio embriônico de um novo
nascimento, de um novo despertar?

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Se não soubéssemos vagamente que, naquela vida posterior e mais longa, o equilíbrio
será restabelecido e que até um copo d’água oferecido generosamente será amplamente
recompensado?

E também, apesar de não poder prová-lo, sentimos que somos imortais. E, finalmente, e
pelo mesmo indício, temos certeza de que existe um Deus. Se o senso do dever implica na crença
em recompensas futuras e a justifica, “o postulado da imortalidade... tem que levar à suposição da
existência de uma causa adequada a esse efeito. Em outras palavras, tem que postular a
existência de Deus”. Isso também não é prova por meio da “razão”. O senso moral tem prioridade
sobre a lógica teorética que foi desenvolvida para lidar com os fenômenos sensoriais. Nossa razão
nos deixa livres de crer que, por trás da coisa-em-si, há um Deus justo; nosso senso moral ordena
que acreditemos nisso. Rousseau tinha razão: acima da lógica da mente está o sentimento do
coração. O coração tem razões, como disse Pascal, que a razão nunca poderá compreender.

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O século 19 trouxe mais mudanças a quase todos os aspectos da vida humana do que
os mil anos anteriores. A supremacia da Europa chegara ao ápice e, por volta de 1900, apenas os
cantos mais remotos da Terra permaneciam intocados pela cultura europeia. Confiantes após dois
séculos de grandes realizações, os europeus davam como certa a superioridade de sua cultura.

A Revolução Francesa e a era napoleônica fomentaram o desenvolvimento do sentimento


nacional. Cada vez mais os europeus se sentiam leais a um determinado país, o qual desejavam
libertar do controle externo. Na segunda metade do século, o nacionalismo foi um fator essencial
para a unificação da Itália e da Alemanha, antes constituídas de vários Estados separados.

A consolidação da consciência nacional encontrou uma expressão no movimento


romântico, que influenciou praticamente todos os ramos da cultura europeia entre o final do século
18 e meada do século 19. Inspirados inicialmente por pensadores alemães como Goethe e, mais
tarde, Schelling, os românticos reagiram contra o racionalismo do Iluminismo, dando ênfase ao
sentimento, à imaginação e ao mundo natural. O Romantismo foi chamado de a última grande
época cultural da Europa. Era essencialmente um fenômeno urbano. O indivíduo era incentivado
a expressar e interpretar a vida; criatividade artística e gênio eram exaltados. Beethoven era um
gênio desse tipo. Sua música era um veículo para a auto expressão romântica. Rossini, Bellini e
Verdi recompuseram óperas com o intuito de transmitir um sentimento romântico. Os irmãos
Grimm buscaram o espírito romântico na cultura popular ao escrever os contos adorados pelas
crianças em todas as partes do mundo. Os pintores românticos se inspiravam numa visão da
natureza como expressão do divino. No final do século 19 o movimento romântico foi pouco a
pouco sendo substituído por outros movimentos artísticos, como o Impressionismo francês de
Monet e Renoir, que procuravam apresentar um vislumbre fugaz dos temas por meio de uma
meticulosa observação dos efeitos da luz. Os temas variavam de paisagens e cenas de rua a
figuras da vida cotidiana.

Outro aspecto-chave do pensamento do século 19 foi o liberalismo, que apoiava a reforma


política e social, a libertação da atividade econômica do controle estatal e a oposição à
interferência política da Igreja. Os liberais não defendiam a participação das massas na política já
que a maioria era essencialmente proprietários da classe média. Estavam alarmados com a
violência de alguns revolucionários da classe trabalhadora.

Na segunda metade do século, a tradição revolucionária europeia buscou inspiração


menos no liberalismo do que no novo credo do socialismo. As socialistas acreditavam que o
Estado deveria impor a transferência da riqueza para criar uma sociedade igualitária, na qual as
tradicionais classes governantes deixassem de exercer o poder. Esses socialistas opunham-se,
fundamentalmente, ao sistema econômico que prevalecia na Europa, o qual Karl Marx, em
meados do século 19, chamou de capitalismo.

O capitalismo requer uma economia sem regulamentos, na qual os meios de criação da


riqueza sejam de propriedade privada. O século 19 assistiu ao auge da evolução capitalista,
quando a enorme riqueza produzida pelos países europeus permitiu a estes dominar a economia
mundial.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Essa foi a grande era da expansão imperial. No ano de 1900, o Império Britânico
englobava quase um quarto do mundo. No final do século 19 houve uma espantosa explosão da
atividade imperialista, particularmente na África, onde quase todas as potências europeias
fundaram colônias.

Isolada entre os principais países europeus, a Grã-Bretanha do século 19 experimentou


a passagem para uma sociedade industrial madura sem qualquer guerra ou revolução. Era a
potência dominante na Europa, sua marinha suprema nos oceanos. A partir da década de 1870,
no entanto, a Grã-Bretanha enfrentou uma competição progressiva por parte das potências rivais,
sobretudo a Alemanha. Melhorias na prática agrícola contribuíram para o desenvolvimento da
Revolução Industrial. Menos trabalho produzia agora mais alimentos para uma população em
crescimento. A liberação de mão-de-obra no campo colocava uma nova força de trabalho à
disposição das indústrias emergentes.

A Grã-Bretanha dominou a Revolução Industrial. Rápidos aperfeiçoamentos nas


indústrias têxteis – inclusive importantes invenções do século 18, como a máquina de fiar de fusos
múltiplos -, juntamente com a introdução das máquinas a vapor, levaram a uma eficiência cada
vez maior na produção. Esta, por sua vez, gerou o capital necessário para investir em
equipamentos novos e matérias-primas.

O capitalismo prosperou durante esse período, mas não havendo qualquer regulamento
governamental, condições de trabalho estarrecedoras resultaram na exploração de homens,
mulheres e crianças. A enorme riqueza produzida não era usada para criar melhores condições
sociais. Em vez disso, era investida em novas expansões industriais e em melhorias do transporte
e das comunicações. Cabos submarinos ligavam o mundo, enquanto ferrovias e vapores
transportavam produtos e pessoas de uma forma mais rápida e mais barata do que nunca. Com
isso houve expansão do comércio mundial e dos investimentos em colônias ultramarinas.
Matérias-primas indispensáveis podiam ser importadas sem demora, enquanto bens
manufaturados baratos podiam ser exportados para o mundo inteiro.

A população europeia cresceu de cerca de 190 milhões em 1800 para bem mais de 400
milhões um século depois. Isso se deveu, sobretudo a uma acentuada diminuição do índice da
mortalidade, graças a avanços no controle de doenças e em sua prevenção, em consequência de
maior higiene e melhor fornecimento de água.

No final do século 19 o socialismo ganhou terreno e os trabalhadores – agora com


frequência organizados em sindicatos – começavam a fazer greves, de vez em quando entrando
em violentos choques com as autoridades. Os governos acompanhavam de perto a inquietação
popular. Na Rússia, as poucas propostas apresentadas para reforma preparavam o terreno
explosivo para a ascensão do comunismo no século seguinte.

O século 19 é às vezes chamado de era de progresso, já que as descobertas daquela


época tiveram um impacto profundo sobre a vida do cidadão comum. Na medicina houve o uso
pioneiro de anestésicos e antisséptico que revolucionou a prática da cirurgia. Estudava-se o
eletromagnetismo. Ferrovias espalhavam-se por toda a Europa. O primeiro metro foi construído
em Londres. O telégrafo foi inventado por Samuel Morse e o telefone foi inventado por Grahan
Bell. A fotografia, o fonógrafo e a lâmpada elétrica ilustram a avalanche de invenções do século
19. Foram descobertas as ondas de rádio por Hertz, que resultou na transmissão das primeiras
mensagens de rádio, por Marconi. Darwin abala a crença pública ao apresentar seus estudos
sobre a origem das espécies. Ao longo do século inteiro a aplicação prática do conhecimento
científico às necessidades cotidianas criou grandes melhorias nos padrões de vida.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
98

“A Filosofia é o pensar que tem por objeto todo o ser”. Hegel

Vida. Georg Wilhelm Friedrich Hegel, nasceu em Stuttgart, de


família protestante. Realizou seus primeiros estudos na cidade natal e, na
Universidade de Tubinga, fez os cursos de filosofia e teologia, onde
estabeleceu amizade com Schelling. Depois de formado, exerceu o
magistério particular.

Em 1805 foi nomeado professor da Universidade de Iena, cargo que logo abandonou em
consequência da invasão francesa. Transferiu-se para Nuremberg, como diretor do Ginásio
Egidiano. Em 1816 passou a lecionar na Universidade de Heidelberg e dois anos depois achava-
se lecionando na Universidade de Berlim, exatamente na época em que esta cidade começou a
se transformar no centro intelectual da Europa. Em Berlim, Hegel, atingiu o máximo prestígio e
fama, quer por seus cursos, quer por suas obras. Em novembro de 1831, Hegel morreu de cólera.
A esta altura, porém, o “hegelianismo” já tinha muitos adeptos em quase todas as universidades
alemãs.

Obras. Dentre suas principais obras, devem ser citadas: Fenomenologia do Espírito;
Ciência da Lógica; Enciclopédia das Ciências Filosóficas; Filosofia do Direito. Dentre os
cursos publicados por seus discípulos, temos: Filosofia da História Universal; Filosofia da
Religião e História da Filosofia.

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE HEGEL

Hegel nasceu há pouco mais de 200 anos, mas a influência de suas idéias se faz sentir
até hoje, pois sua filosofia tornou-se seguramente o ponto de partida - por adesão a ela, ou pela
necessidade de negá-la - das correntes mais importantes do pensamento posterior. O Idealismo
Alemão com Hegel atinge seu clímax.

Pelo menos três dos teóricos que abriram novos caminhos para a filosofia contemporânea
tomaram o hegelianismo como referência principal. É o caso de Soren Kierkegaard, considerado
o criador do existencialismo; Karl Marx, o fundador do marxismo; e de Friedrich Nietzsche,
um dos mais contundentes críticos da sociedade estabelecida.

O simples fato de se situar na base dos dois movimentos filosóficos que mais rapidamente
atuaram sobre o comportamento de milhões de pessoas - o existencialismo e o marxismo -
mostra a força do pensamento de Hegel.

Há, entretanto, outra particularidade que marca seu esforço intelectual: Hegel é
seguramente o autor do último sistema completo e acabado que a Filosofia apresentou. Antes
dele, já era comum os filósofos procurarem produzir explicações que abarcassem todos os
aspectos da realidade. Platão e Aristóteles fizeram isso vários séculos atrás. Estes filósofos
dominaram o pensamento ocidental até a morte de Hegel em 1831.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
99

A essência do pensamento platônico ou aristotélico consiste na tentativa de superação e


de solução para a dicotomia ou dualidade provocada pela introdução da “teoria” dos dois mundos
(Este e o Outro), que recebeu com estes filósofos uma formulação racional. Muito depois,
Descartes e Kant repetiram a façanha, mas nenhum de maneira tão completa quanto Hegel.

Somente com Hegel, os “dois mundos” passam a ser vistos como uma única realidade,
isto é, como dois momentos de um processo ou realidade única.

Com Hegel, passamos para a Idade Contemporânea. Como Sócrates na Filosofia Grega,
Hegel, dividiu o pensamento filosófico do Ocidente europeu atual em duas partes: antes e depois
dele.

A FILOSOFIA DIALÉTICA

Assim como a Metafísica caracteriza o Passado, a Dialética marca o Presente. A


Metafísica se associa a três características:

É um pensamento dicotômico, onde se enfatiza a ideia deste e do outro mundo ou


realidade, com frequência.

É uma fundamentação racional desta realidade.

Esta realidade é mostrada mais sobre o ângulo estático do que dinâmico.

Na filosofia Dialética, contudo, surge uma nova visão do Real, como processo (marcha).
Este processo, segundo Hegel, é um ir e vir, é um tornar-se real (coisa) e mental (racional). O real
(material) e o mental (racional) são momentos de um mesmo processo; em outras palavras, a
única realidade é este Processo e, nele, o Racional torna-se Real.

Vejamos um exemplo bem singelo disto. As grandes massas de população urbana,


conscientemente ou não, pensam e sentem a necessidade de transportes coletivos apropriados.
Esta racionalização (este pensamento) se transforma ou pode se transformar em realidade. Por
exemplo, constroem-se grandes ônibus, metrôs etc. Estes objetos são racionais, no sentido de
que foram antes idéias racionais que tomaram expressão concreta.

(*) Heráclito (544-475 a.C.): Filósofo grego, criador da primeira Filosofia Dialética, na Antiguidade.
Hegel (1770-1831): Criou uma Filosofia Dialética extraordinariamente ampla e desenvolvida.
Marx, Karl (1818-1883): Aplicou a Filosofia Dialética de Hegel ao desenvolvimento da História
e da sociedade.
Engels (1820-1895): Filósofo alemão, colaborador de Marx e teórico do materialismo
dialético, assim chamado por se opor ao idealismo dialético de Hegel.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
100

A DIALÉTICA E SEU MODO DE PROCEDER

A concepção dialética apareceu cedo, na História da Filosofia, embora a tendência


metafísica a tenha superado, desde logo. Começou com Heráclito e se desenvolveu plenamente
com Hegel e depois no pensamento de Marx e Engels. (*)

A estrutura de nosso pensamento, de certo modo, está organizada de modo dialético.


Nas nossas mentes, as ideias são limitadas por seus contrários. A ideia de vida está próxima e é
limitada pela de morte.

Assim, nossas ideias estão organizadas em dupla, nas nossas mentes: “dia/noite”;
“bom/mau”; “agradável/desagradável” etc.

É curioso notar que, quando se diz a alguém: “você está falando demais”, a pessoa
mentalmente formula seu contrário: “vou ficar absolutamente calado”. Isto, efetivamente, no caso
de aceitar a observação.

Há outro aspecto interessante na relação mente - mundo. As ideias que surgem na mente
criam transformações no meio exterior. O pensamento cria ação que vai modificar o mundo. Com
a modificação deste, novas ideias surgem que vão interferir neste mesmo meio já modificado,
transformando-o num processo em aberto.

Quando se tem, na mente, alguma ideia, mesmo que absurda, esta passa a ser real, nos
seus efeitos. Se alguém acredita na mula-sem-cabeça, no bicho-papão ou no lobisomem, estas
ficções passam a ser reais nos seus efeitos. O portador de tal crença não sai na sexta-feira à noite,
não aceita trabalhar de vigia noturno. São efeitos reais de ideias sem conteúdo objetivo.

Hegel dava muita ênfase a esta relação ideia - mundo, no sentido de que as mudanças
nas ideias provocam mudanças no mundo. Por isto, sua dialética é chamada de idealista.

Para outras correntes filosóficas, conhecidas como realistas, nossas ideias são simples
reflexos da realidade nas nossas mentes e por isso o importante são as condições externas que
vão produzir as ideias.

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101

A VOLTA DA DIALÉTICA

Hegel trouxe uma visão diferente. Inovou metodologicamente, reintroduzindo a Dialética


na atividade filosófica. Harmonizou a Realidade e fez uma reinterpretação da História. A Realidade
não é uma substância simples, como queriam muitos filósofos do passado. Considerava-a como
sendo o Processo ou o Absoluto, do qual todas as coisas ou todos os acontecimentos fazem
parte. A essência última da Realidade é este processo dinâmico e não algo estático. Esta é sua
posição dialética.

Cada volta ou fase faz parte do Todo ou deste Absoluto

O Absoluto é todo o Processo Dialético. As coisas ou os acontecimentos são partes


integrantes do grande processo que é o Absoluto. Cada coisa que existe, assim como o que
somos, tem maior ou menor grau de sua Realidade. Esta tem um aspecto de criador e um aspecto
de criatura. Estes dois aspectos são partes fundamentais da mesma realidade que é o Absoluto.
A criatura é um fundamento ou um outro aspecto do Criador. O Criador e suas manifestações
(criaturas) são, necessariamente, dois fundamentos (duas bases) de uma relação, que é o
processo estabelecido entre ambos. Sem um, não existe o outro. Cada um garante a existência
do outro. Há um ir e vir entre os dois. Este processo é o todo, a Realidade ou o Absoluto. Num
esquema didático, o proceder dialético, consistiria em tese (Criador), sua antítese (Criatura) e a
relação ou processo existente entre os dois, que é a sua síntese (Absoluto). Na Filosofia de Hegel,
Absoluto é o processo infinito, eterno, que inclui tudo. O Absoluto hegeliano é um processo que
inclui uma rede infinita de todas as relações possíveis e reais. O Absoluto é o Todo. O Absoluto
não é um todo estático. É o dinamismo de cada relação e da totalidade das relações.

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AS LEIS DA DIALÉTICA

Primeira lei: Tudo é processo, tudo está em mudança.

Vejamos uma fruta. Olha-se para ela, não se percebe, mas está em estado de
transformação. Dois dias depois, poderá estar madura. Quatro a cinco dias depois poderá estar
apodrecida. Toda esta transformação foi o resultado do seu movimento dialético, isto é, do
processo natural daquele ser que, em determinado momento, começou a existir, cresceu,
amadureceu, apodreceu e cujas sementes, a seguir, poderão germinar e dar origem a muitas
árvores frutíferas. Assim, a fruta apresenta-se como uma transição entre o que foi, seu passado,
e o que será, seu futuro. Poderá ser a transição entre uma árvore e um pomar.

Pelo fato de estarmos sempre em processo, conclui-se a transitoriedade do ser que se


apresenta como processo ou marcha.

O processo resulta do dinamismo interno ou dialético da estrutura. Contudo, nem todas


as transformações e mudanças são provocadas pelo auto dinamismo. Quando um trator esmaga
uma fruta sob suas rodas, esta modificação não é dialética. É antes mecânica ou externa. As
transformações podem ser de ordem interna ou dialética e de ordem externa ou mecânica. A
Dialética procura investigar estas modificações internas: pesquisando seu começo, suas ligações
com outros processos e o fim para onde se dirige.

Segunda lei: O encadeamento dos processos. Ação recíproca. A rede que se forma.

Tomemos, como exemplo, a mesma fruta. Se quisermos estudá-la do ponto de vista


dialético, temos que vê-la dentro de uma rede de processos ou de encadeamentos. O que temos
diante de nós nem sempre foi fruta madura. Começou como flor e fruto inicial. Olhando mais para
trás, vemos que ela é resultante de processos mais amplos que incluem solo, chuva, luz solar,
calor, estação do ano, clima, posição da Terra em relação ao Sol etc. Com isto, estamos querendo
mostrar o encadeamento dos processos formando redes, alguns extremamente amplas.

A fruta está ligada a uma árvore que, por sua vez, depende do clima e do solo, que, de
sua parte, depende da posição da Terra em relação ao Sol. E este depende de sua posição no
Cosmos. E o Cosmos é uma estrutura infinita.

Vejamos este encadeamento de outro modo.

A fruta se decompondo ajuda a germinar suas sementes. Destas sairão árvores que, por
sua vez, produzirão inúmeras frutas. Como vemos, o processo não é circular, mas em espiral.
Começamos, no nosso exemplo, com uma fruta e terminamos com uma grande colheita, se as
condições forem favoráveis.

Terceira lei: A contradição.

Pela primeira lei, vimos que as coisas estão em contínua evolução ou mudança.

Pela segunda lei, sabemos que os vários processos se ligam, entre si, formando uma
rede. Desta maneira, o progresso não é circular e repetitivo e sim, em espiral e ascendente.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
103

Pela terceira lei, vamos ver por que isto acontece. O processo dialético é uma marcha
que leva o ser exatamente para o polo oposto ao que é. Tudo se transforma no seu contrário.
A fruta está, por força do seu movimento dialético ou por seu próprio auto dinamismo, em
movimento na direção contrária ao que é, a saber: a não ser mais fruta. O ser vai até ao fim de
seus limites e, ao ultrapassá-lo, já não é mais o ser. É o seu oposto. A existência de contrários,
dentro de cada ser, garante a evolução e sustenta o processo dialético.

Se só houvesse vida, em seu estado puro, não poderia existir a morte; do mesmo modo,
se a morte fosse “total”, seria impossível sair dela qualquer forma de vida. Assim, a marcha da
vida é para a morte e, por sua vez, um ser morto entra num processo que termina por produzir
novas formas de vida.

Assim, um ser é, ao mesmo tempo, ele próprio e seu contrário. Em outros termos, é
algo que contém seu contrário.

Há dentro de cada ser, forças de direção opostas: umas que lutam por conservá-lo no
estado onde está e outras que o empurram para sair desse estado.

Assim, podemos dizer: há forças que afirmam o ser e forças que o negam. O objeto pode
ser visto como uma síntese da afirmação (tese) e de sua negação (antítese).

Vejamos outro exemplo, simples: um ovo de uma ave, no seu ninho. Afirmamos que
contém, em si, sua negação, que é o novo ser que dele vai nascer. Deste modo, há nele duas
forças: uma que o leva a permanecer ovo e outra que o leva a transformar-se num novo ser vivo.

Os marxistas afirmam que o Estado burguês contém, em si, sua negação, que é o
proletariado.

É claro que nem sempre vamos encontrar estas fases dialéticas em tudo. Alguns
processos são excessivamente longos para mostrar seu movimento dialético. Nem todo
movimento dialético se faz com a clareza do dia que, no intervalo de vinte e quatro horas, conclui
seu processo para recomeçar no dia seguinte.

Realmente, Heráclito tinha razão quando dizia: “coisa alguma fica o que é”; “coisa
alguma permanece como está”.

Quarta lei: Transformação da quantidade em qualidade. Lei do progresso por saltos.

A direção do processo dialético se faz em dois sentidos. Primeiro, é quantitativo. Nesta


fase, encontramos uma série de pequenas transformações quantitativamente cumulativas.

Examinando bem os fatos, verifica-se que a série cumulativa ou progressiva de pequenas


mudanças acontece até certo momento porque, a partir deste ponto, dá-se uma mudança brusca
ou qualitativa. Por exemplo, as relações entre dois países podem ir crescendo em nível de tensão
até, em determinado momento, se transformar num estado de guerra. Na guerra, não há mais
relacionamento. É uma situação qualitativamente diferente.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
104

Mudanças contínuas acumuladas acabam produzindo mudanças bruscas, diferentes das


anteriores. É esta a quarta lei da Dialética.

Tomemos um exemplo da natureza física. Se levarmos um recipiente com água ao fogo,


esta irá subindo progressivamente de temperatura até 100 C. Mas, a partir daí, ocorrerá uma
mudança qualitativa. A água mudará de estado transformando-se em vapor. Assim, temos, de
1 até 99 C, mudanças quantitativas (na quantidade de calor). Ao se transformar em vapor e no
inverso do processo, em gelo, dizemos que a mudança é qualitativa.

Em Filosofia social, isto tem um alcance singular.

Quando um número significativo de pessoas começa a pensar do mesmo modo, esta


ideia comum, em prol da coletividade, por exemplo, poderá criar uma ação qualitativamente
diferente. Por força desta ação ocorre um comportamento totalmente diferente do anterior. Estas
ideias, que se acumulam quantitativamente de acordo com a quantidade de pessoas que as
possuam, só são capazes de dar um salto qualitativo quando atingirem um número crítico.

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105

“O amor como princípio, a ordem como base e o progresso como fim”.


LEMA E TRINDADE DA RELIGIÃO POSITIVISTA

Vida. Auguste Comte nasceu em Montpellier de família católica;


estudou e lecionou na Escola Politécnica de Paris. No início da sua
carreira, colaborou com Saint-Simon com quem se familiarizou com os
problemas sociais, mas logo depois se separou dele. Entre 1836 e 1842
publicou seu “Curso de Filosofia Positiva”, em seis volumes, o que
provocou sua destituição da cátedra, “pela imoral falsidade de seu
materialismo matematizante”.

Por volta de 1845, inicia sua segunda fase da vida intelectual, marcada pela tendência ao
misticismo e, nesse período publica sua segunda obra fundamental: Sistema de Política Positiva
ou Tratado de Sociologia, em quatro volumes, que institui a religião da Humanidade. Separado
de sua esposa, conheceu Clotilde de Vaux, a quem passou a honrar com um culto místico e quase
divino. Com suas aulas sobre o novo sistema fez muitos amigos e conquistou protetores que o
ampararam economicamente até o fim da vida. Com o falecimento de Mme. De Vaux seu culto
cresceu de tal modo que Comte imprimiu ao Positivismo um cunho místico-religioso. Segundo
Comte, Clotilde foi à inspiradora da “religião da humanidade”. Comte faleceu em 1857.

DOUTRINA DE AUGUSTE COMTE

Nas primeiras décadas do século XIX, predominou o idealismo derivado do criticismo


Kanteano. Hegel, sua maior figura, provocou a bifurcação da “direita”, moderadora, e da
“esquerda”, que exacerbou suas tendências materialistas e ateístas.

Apesar dessas múltiplas correntes do pensamento, a partir da década de 40, influenciada


pelo progresso das ciências da natureza, surgia o Positivismo, cujo fundador pode ser considerado
Auguste Comte. A escola positivista, coadunando-se com o pensamento crítico-científico da
segunda metade do século XIX, predominou na França e espalhou-se pelo mundo, projetando
também seus reflexos no Brasil.

O conjunto da doutrina Positivista pode ser considerado em três partes: a teoria do


conhecimento; a sociologia e a religião da humanidade.

TEORIA DO CONHECIMENTO

Para Comte, o desenvolvimento histórico das formas de conhecimento corresponde


também a diferentes atitudes adotadas pelo homem diante dos fenômenos. Comte acredita que
tal desenvolvimento é regido por uma lei necessária, que nos permite compreender o desenrolar
histórico da atitude de conhecimento. Os fenômenos ou seres sujeitos à experiência são efeitos
das leis imutáveis da Natureza. O objeto das Ciências é descobrir tais leis naturais e reduzi-las no
possível a uma suprema unidade. A razão não pode investigar as causas primeiras e finais, isso
não é dado à inteligência humana. Desse modo, suprimido a Metafísica, Comte apresenta sua
própria teoria fundamentada no princípio da lei dos três estados.

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LEI DOS TRÊS ESTADOS:

Segunda esta lei, ao longo da história, o pensamento humano passou pelos seguintes
estágios:
• ESTADO TEOLÓGICO
• ESTADO METAFÍSICO
• ESTADO POSITIVO

1. ESTADO TEOLÓGICO

É provisório e de preparação. O homem explica os fenômenos da natureza recorrendo a


seres sobrenaturais, de cunho mitológico-religioso, que influíam diretamente no comportamento
do mundo físico. Este estado corresponde à infância da humanidade e nele predominam os
sacerdotes e os governos absolutos. Esta fase vai até o século XII. Nele se notam três fases, o:

• FETICHISMO: consideram-se as coisas animadas ou personificadas, atribuindo-lhes


um poder mágico ou divino.
• POLITEÍSMO: as coisas deixam de ser consideradas animadas, atribuindo-se um
poder mágico a vários deuses que regem os seres e os fenômenos.
• MONOTEÍSMO: é a fase mais evoluída do estado teológico, admite-se um, único
Deus, que assume todos os poderes.

2. ESTADO METAFÍSICO

É essencialmente crítico e de transição. As entidades sobrenaturais são substituídas por


construções que se pretendem racionais, mas que conservam a chave da explicação em uma
esfera suprassensível, inteligível. O homem tenta uma explicação da essência dos seres e suas
causas, buscando-as em entidades abstratas e absolutas, o que confere a esse estado o nome
de ontologia ou metafísica. Estabelecem-se desse modo as grandes construções abstratas e
racionalistas e o deus supremo é a Natureza. É a época de transição, como que uma crise de
puberdade do espírito humano; nela predomina o governo dos juristas e do exacerbado
nacionalismo fundamentado na soberania popular. É a época em que surgem as classes médias,
burguesas.

3. ESTADO POSITIVO

O Estado Positivo se inicia com o advento industrial. No Estado Positivo, a forma abstrata
do conhecimento, que se quer absoluto, é substituída pela compreensão das leis e das relações.
Está fase, considerada por Comte como definitiva é caracterizado pela preocupação de o homem
restringir-se aos fatos e de tentar explicá-los através de suas leis. O espírito positivo atém-se à
observação e aos dados da experiência e abstêm-se de procurar as causas últimas e princípios
das coisas. Foge de todo conhecimento absoluto, tudo é relativo; nega, pois, a metafísica. No
Estado Positivo desenvolvem-se as ciências e verifica-se o surto industrial; logra-se a unidade dos
espíritos e estabelece-se a Religião da Humanidade. É o estado definitivo da humanidade e nele
predominam as atividades industriais e econômicas. Predomina o industrial.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
107

MUNDO SEM METAFÍSICA

É evidente que, para Comte, a passagem do estado teológico para o estado positivo
corresponde a um progresso, que é também uma lei da dinâmica histórica. Como que fica então
o progresso depois que a humanidade atingiu o estágio da idade positiva, uma vez que esta parece
ser a etapa terminal da evolução histórica? Na verdade, não haverá mais progresso no sentido da
lei dos três estados. Mas a ciência e a sociedade ainda são passíveis de evolução, isto é, de
aperfeiçoamento e de aprofundamento daquilo que o terceiro estágio representa.

O que caracteriza o progresso científico no estado positivo é o acúmulo de resultados e


a extensão qualitativa dos métodos aplicados. Por isso, a metafísica não tem lugar no estado
positivo, já que o que tem caracterizado ao longo de séculos de especulação é a insolubilidade
crônica dos problemas levantados e sucessivos recomeços - o que configura, afinal, a esterilidade
da repetição. A renúncia à metafísica é assumida no positivismo como progresso e plena
realização da razão consciente de si mesma, e não como limitação do campo de conhecimento
acessível ao intelecto humano. A exclusão da metafísica representa a maturidade do
conhecimento.

A HIERARQUIA DO SABER

Para Comte a Filosofia não deve ser uma doutrina no sentido tradicional, isto é, não deve
apresentar um corpo próprio de saber. Deve conter muito mais um sentido e uma orientação e
atuar como coordenadora do sistema geral de conhecimento. Este já se encontra, nas suas
grandes linhas, constituídas, presentes diante de nós como fato inquestionável, positivamente
dado a partir do desenvolvimento real das ciências exatas e naturais. A Filosofia, portanto, não
tem de se ocupar da reinvenção do saber, mas sim de sua classificação e ordenação.

A hierarquização comteana das ciências obedece a princípios de cronologia,


complexidade, generalidade e dependência. Assim as ciências mais gerais, mais abstratas e mais
autônomas do ponto de vista metodológico ocupam os primeiros lugares desta escala do saber.
As mais concretas, menos gerais e metodologicamente mais dependentes de outras ocupam as
últimas posições. Forma-se uma cadeia que tem em seu topo a astronomia e que termina pela
sociologia.

A CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS

Comte estabelece os seguintes critérios para a classificação das ciências que, segundo
ele, apresenta três excelentes qualidades ou características:

a) Revela a ordem pela qual as ciências foram aparecendo e atingindo o seu estado
positivo;
b) Determina uma hierarquia entre as ciências, segundo a qual elas se sucedem numa
ordem de extensão decrescente e de complexidade crescente;
c) Mostra a dependência entre elas, pois cada uma é necessária às subsequentes.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
108

Comte dividiu as ciências em geral em dois grupos:

1o. GRUPO: CIÊNCIAS ABSTRATAS

Tratam das leis que regem os fatos da natureza em todas as suas combinações possíveis.
A este grupo, a classificação apresenta seis ciências fundamentais, agrupadas duas a duas
segundo suas afinidades:

• MATEMÁTICA E ASTRONOMIA
• FÍSICA E QUÍMICA
• BIOLOGIA E SOCIOLOGIA

2o. GRUPO: CIÊNCIAS CONCRETAS

Estudam os seres reais, ou melhor, as combinações que a natureza nos apresenta na


realidade. São mais ciências aplicadas, pois todas elas dependem das ciências abstratas.

• HISTÓRIA - ECONOMIA - DIREITO – LINGÜÍSTICA (DEPENDEM DA SOCIOLOGIA)


• GENÉTICA - CITOLOGIA – NEUROLOGIA (DEPENDEM DA BIOLOGIA)

A SOCIOLOGIA

Discípulo renegado de Sant-Simon (Utópico nascido 1760 e falecido em1825,


considerava que o advento da era industrial iria propiciar um progresso material, e desta forma
poderia construir o reino da felicidade na Terra), Comte é considerado o criador do termo
“sociologia” e o iniciador dessa disciplina. Não faltam, todavia, vozes autorizadas que lhe negam
a categoria de fundador para outorgá-la a seu mestre. Assim, por exemplo, afirma o próprio Émile
Durkheim: “Devemos atribuir, com justiça, a Saint-Simon a glória que se costuma conceder a
Comte, ou seja, a de fundador de uma nova ciência, a sociologia”. De fato, a “lei dos três estados”
de Comte nada mais é do que um desenvolvimento da ideia das três fases que Saint-Simon
distingue: teológica, metafísica e positiva.

Em suas primeiras considerações, Comte chamou a sociologia de “física social”. Para


Comte, o maior mérito da filosofia positiva reside em ter sido a primeira a atribuir à Sociologia sua
verdadeira posição entre as ciências, pois a constituição do saber possui uma índole social, já que
ele se organiza em vista do homem. Portanto, a classificação comteana se subverte do ponto de
vista de seu significado histórico, ocupando a sociologia a posição mais destacada.

A sociologia é a mais complexa, a menos geral e a mais nova das ciências. Para Comte,
a sociologia deve investigar os fenômenos sociais descrevendo as condições gerais da existência
social, quer do indivíduo, quer da família, quer da sociedade, o que constitui a sociologia estática
ou estática social. Deve realizar o estudo da harmonia social ou da ordem, pesquisando as leis
universais que regem a evolução e o progresso social, o que é o objeto da sociologia dinâmica ou
dinâmica social, que avalia as condições de mudança estabelecendo as leis do progresso.
Entretanto, mais do que isso, a sociologia tem como objetivo principal valer-se dos resultados
científicos a que chega para prescrever as condições de instauração do espírito positivo na
sociedade. Ela deve reorganizar nessa direção as estruturas sócio-políticas e preparar assim a
reforma moral da sociedade.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
109

A RELIGIÃO DA HUMANIDADE

Comte em seus últimos anos chegou à conclusão de que a Sociologia e a História


mostram que a Humanidade só pode existir e desenvolver-se se a liberdade humana se limitar e
submeter-se a uma autoridade. Tal sujeição, porém, só é possível por motivos religiosos, daí surgir
o problema das relações entre a filosofia positiva e a religião. Comte repele o teísmo, o panteísmo,
o ateísmo e o materialismo, porque essas formas pertencem aos estados teológico e metafísico.
Uma vez que nem Deus e nem a Natureza podem ser objetos de um culto religioso, só resta o
próprio objeto da filosofia positivista ou da Sociologia, a Humanidade. Dessas concepções surgiu
a Religião da Humanidade. Esta é a concepção do “Grande Ser” e compreende todos os homens,
passados, presentes e futuros que contribuíram ou contribuirão para o progresso e felicidade do
gênero humano. A esse “Grande Ser” deve prestar-se culto privado e público. Comte inspirado-se
na constituição da Igreja Católica, organizou a Igreja Positivista, com sacramentos, sacerdotes e
um calendário com 84 dias festivos dedicados às grandes figuras da Humanidade. O culto privado
tem por objeto a lembrança dos mortos e o sentimento de obrigação para com os descendentes;
o culto público tem por objeto a comemoração das grandes figuras da Humanidade.

REPERCUSSÃO DO POSITIVISMO

Os reflexos do espírito positivista em quase todas as correntes filosóficas posteriores


foram marcantes. Dentre seus discípulos, alguns aceitaram o sistema em sua integridade,
filosófica e político-religiosa, outros desprezaram seu pensamento político-religioso, aceitando
apenas sua doutrina filosófica ou método positivo. Os primeiros constituíram a ala dos “Positivistas
Ortodoxos”, os outros, a ala dos “Dissidentes”. No século XX irá predominar com exclusividade o
método positivista nas correntes Neopositivistas da Europa e dos Estados Unidos.

REPERCUSSÃO DO POSITIVISMO NO BRASIL

Também no Brasil as influências do positivismo manifestam-se através das duas


correntes: Os ortodoxos, que predominaram na metade do século XIX e início deste século. Esta
foi a corrente filosófica que mais fundas raízes se deitou em nossa terra e muitos foram seus
adeptos, quer no campo puramente especulativo filosófico, quer no campo prático político ou
religioso. As duas figuras principais desta ala foram Miguel Lemos (1854-1916), que por suas
convicções, em 1877, foi expulso da Escola Politécnica do Rio e seguiu para Paris, onde jurou
solenemente, junto ao túmulo de Comte, dedicar a vida ao apostolado positivista. Em 1881,
coadjuvado por Teixeira Mendes, inaugurou no Rio, a Igreja Positivista do Brasil ou o “Templo da
Humanidade”, onde passaram a ser celebradas as principais festas do calendário positivista.
Teixeira Mendes (1855-1927) sucedeu Miguel Lemos após seu falecimento, viajando duas vezes
a Paris, para visitar “os lugares santos do positivismo” e para pregar a religião da humanidade aos
franceses. Afastado do catolicismo por suas convicções, seu casamento foi celebrado segundo o
ritual positivista, talvez, o primeiro sacramento da Religião da Humanidade levado a efeito no
continente americano. O positivismo comteano exerceu grande influência sobre os principais
líderes republicanos, quase todos ex-estudantes da Escola Politécnica de Paris. Entre eles
destacaram os pensadores já mencionados e Benjamin Constant, o responsável pela divisa
“Ordem e Progresso” - um dos ideais da política de Comte - na bandeira do Brasil.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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“Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente,


cabe transformá-lo”. Karl Marx

Vida. Filho de um advogado, Karl Heinrich Marx, nascido em Trier,


na Ronânia, em 1818, foi encaminhado à carreira jurídica, ingressando em
1836 na Universidade de Bonn e, depois, na de Berlim. Ali, ligou-se ao
grupo dos jovens hegelianos e desistiu de ser advogado.

Em 1841, doutorou-se em Filosofia pela Universidade de Jena, decidido a seguir a


carreira universitária; mas a destituição de Bruno Bauer, que o apoiava, eliminou tal possibilidade.
Em 1842, tornou-se redator-chefe da Gazeta Renana, jornal liberal e oposicionista de Colônia,
mas teve de abandonar o cargo devido às pressões da censura. Emigrou para Paris em 1843, e
ali entrou em contato com grupos comunistas e organizações operárias. Também editou, com
Arnold Ruge, o único número de Anais Franco-Alemães - título que expressa a orientação jovem-
hegeliana, segundo a qual a teoria (identificada com a Alemanha) deveria contagiar a prática das
massas (França). Publicada em 1844, a revista contou com a colaboração, entre outros, de Mikhail
Bakunin (1814-1876), que seria uma das principais figuras do anarquismo, e Friedrich Engels
(1820-1895), que se tornaria o inseparável amigo de Marx.

Em Paris, no ano de 1844, Engels encontra-se com Marx pela primeira vez, iniciando uma
estreita colaboração intelectual e política entre os dois. Juntos escreveram A Sagrada Família
(1845) e a Ideologia Alemã, só publicada postumamente em 1932, em que esboçaram pela
primeira vez a sua concepção de História.

Em 1847, ambos ingressaram na Liga dos Justos (mais tarde, Liga Comunista),
organização sediada na França, mas com ramificações internacionais. Foram então encarregados
de escrever o manifesto da Liga - precisamente o Manifesto do Partido Comunista, publicado no
início de 1848. “Um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo”, com estas famosas
frases, Marx e Engels, iniciam o manifesto. Em 1848, Marx é expulso de Bruxelas pelas
autoridades Belgas, e dirige-se a Paris. Em meio à revolução com a queda da monarquia francesa
de Luís Felipe em 1848, Marx e Engels retornam à Alemanha para fundar, em Colônia, a Nova
Gazeta Renana e passam a participar da ala esquerda de grupos democráticos alemães, mas são
expulsos da Alemanha em 1849, e Marx transfere-se para a França, onde é novamente expulso,
estabelecendo-se em Londres, onde Engels chegaria meses depois. Nesta capital da Inglaterra,
Marx passou a frequentar o Museu Britânico, e durante dez anos, realizou estudos e pesquisas
sistemáticos de economia política, culminando em 1866 com o primeiro volume de O Capital cujo
subtítulo é Crítica da Economia Política, obra prima de Marx, período em que passou por graves
privações, só atenuada graças ao auxílio de Engels. “Seguramente”, afirmou, “é a primeira vez
que alguém escreve sobre o dinheiro com tanta falta dele”.

Juntos, Marx e Engels, participaram ainda em 1864, da fundação da Associação


Internacional dos Trabalhadores, que seria conhecida como Primeira Internacional, tendo como
lema a frase “a emancipação da classe operária deve ser obra dos próprios operários”. Em
1876, a Internacional dissolveu-se oficialmente.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
111

Marx e Engels ainda participaram, embora de modo esporádico, do Partido Social-


Democrata Alemão, fundado em 1875. Marx morreu em 1883. Engels morreu em 1895, deixando
várias obras polêmicas, entre elas A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado
(1884), além de publicar, a partir de notas deixadas por Marx, o segundo e o terceiro volumes de
O Capital.

MAIS-VALIA, O TRABALHO NÃO PAGO

Obra máxima de Marx, segundo muitos, O Capital, apesar do subtítulo, é frequentemente


considerado como um livro de economia. Mas o seu núcleo fundamental consiste em desvendar
o que a “economia científica burguesa”, como denomina Marx, não poderia jamais explicar: o
segredo da exploração do homem pelo homem.

Para Marx, o trabalhador, que se troca por um salário, é por isso uma mercadoria. Mas é
uma mercadoria que produz valor, ou melhor, mais valor do que o necessário para a sobrevivência
do trabalhador. Em outras palavras, há uma diferença entre o valor da força do trabalho, que
corresponde à manutenção do operário, e o valor que este operário produz - e essa diferença é
exatamente a mais-valia, que o capitalista toma para si. Isso significa que a repartição desigual da
riqueza entre trabalhadores e capitalista constitui a própria dinâmica do capitalismo, e não
depende de certos patrões maus e inescrupulosos, como se tentou justificar o “pensamento
burguês”.

O capitalismo, nessa medida, é um modo de produção em que o capital, mediante o


trabalho assalariado, produz mais-valia, que, por sua vez, se converte em capital acumulado. Mas
esse dinamismo, que auto reproduz o capitalismo, requer como pressuposto a divisão prévia da
sociedade em proprietários privados e não-proprietários, isto é, a separação entre os meios de
produção (terras, instrumentos de trabalho etc.), que se concentram nas mãos de uns, e os
trabalhadores. Historicamente, tal separação não tem nada a ver com a hipótese dos economistas,
que fantasiaram sobre homens laboriosos e vagabundos perdulários. Ela é, antes, um processo
de violência e de expropriação pelo qual os camponeses foram expulsos de suas terras, como
ocorreu na Inglaterra, principalmente a partir do século XVI. Paralelamente, o capital acumulou-se
não apenas pela expropriação de terras, mas também por meio de usura e do comércio,
avolumando-se com o sistema mercantilista, que não raramente recorreu a pilhagens, conquistas
e escravidão de indígenas e de negros.

Resultado desse processo histórico, o capitalismo e a propriedade privada não são, como
pensam os teóricos burgueses, as únicas formas possíveis de sociedade e de propriedade, mas
apenas o modo atual como eles se apresentam.

PELA LUTA DE CLASSES, A HISTÓRIA

No capitalismo o que importa, porém, não é tanto o que homem produz, mas como
produz, pois, isso determina o modo de sua relação com os demais homens, isto é, as relações
de produção. Estas, por sua vez, estão intimamente vinculadas ao grau de desenvolvimento das
forças produtivas - a força de trabalho, a técnica, a divisão do trabalho etc. - de toda uma
sociedade.

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112

No capitalismo, por exemplo, as relações de produção estabelecidas entre o capital e o


trabalho tornaram-se possíveis pelo desenvolvimento das forças produtivas, que asseguraram a
exploração em larga escala do trabalho assalariado. Ao mesmo tempo, as relações capitalistas de
produção - cuja expressão jurídica consagra a propriedade privada, isto é, a separação entre os
meios de produção e o trabalhador - permitem o contínuo desenvolvimento das forças produtivas,
como testemunha à história do próprio capitalismo.

Mas, diz Marx, do mesmo modo que o capitalismo emergiu destruindo as relações feudais
de produção, que já não comportavam o desenvolvimento das forças produtivas, as próprias
relações capitalistas de produção também se tornam obstáculos para as forças produtivas que
elas mesmas liberaram. No capitalismo, quanto mais se produz riqueza, apropriada privadamente,
mais se agrava a miséria dos trabalhadores, que não têm como usufruir as mercadorias por eles
produzidas; o resultado disso são as crises, que levam à destruição de produtos. Às falências e
ao desemprego.

A expressão dessa contradição entre as relações de produção e as forças produtivas é a


luta de classes. “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias”, afirma Marx e
Engels no Manifesto do Partido Comunista, “tem sido a história da luta de classes. Homem livre
e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra,
opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta (...); uma
guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou
pela destruição das duas classes em luta”.

Para Marx, esse é o sentido da História, e compreendê-lo é também compreender que a


sociedade capitalista deve ser transformada. “O monopólio do capital”, declara em O Capital,
“torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização
dos meios de produção e a socialização do trabalho (isto é, o caráter cada vez mais social do
trabalho) atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista. Ele é
arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são
expropriados”.

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ESQUEMA INSTRUMENTAL
PARA ANÁLISE DA SOCIEDADE

TERRAS (2)
MEIOS DE PRODUÇÃO (4)
FORÇAS DE OU CAPITAL (5) FÁBRICAS (3)
MODO DE PRODUÇÃO (6)
PRODUÇÃO (7) TRABALHO (1)

RELAÇÕES DE
PRODUÇÃO (8)

NOTA: As formações sociais, segundo Marx, se estruturam de acordo com o MODO DE


PRODUÇÃO dominante.

(1) No esquema de Marx o trabalho é o ponto fundamental, é chave de tudo. É o elemento


chave para a sobrevivência humana e principal fonte de riqueza.

(2) e (3) São os instrumentos pelo qual o homem transforma a natureza para sua
sobrevivência.

(4) São todos os elementos materiais que de qualquer maneira produz alguma riqueza.
Deve-se distingui-lo de “bem de consumo”, que é produzido por um meio de produção para
consumo das pessoas.

(5) Capital vem do latim, de “caput”, que significa cabeça, chefe e fonte. No esquema
acima, capital significa “fonte”, pois as terras e fábricas são a fonte de onde provém toda a riqueza.

(6) Nome para designar capital e trabalho. São os meios de produção, movimentados
pelo trabalho humano, que são os responsáveis pela existência de toda riqueza.

(7) É o nome para designar a maneira pelo qual os homens se organizam para produzir
os bens necessários à sua vida, ou seja, é isto, o que dá a característica fundamental a uma
sociedade, pois determina que relações políticas (forma de organização) e ideológicas podemos
encontrar nela.

(8) Este conceito trata de quem detém os meios de produção numa sociedade. Trata-se,
portanto, das relações de posse (propriedade) e da divisão do trabalho.

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OS MODOS DE PRODUÇÃO
NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Na história da humanidade temos os seguintes modos de produção: Primitivo, Escravista,


Asiático, Feudal, Capitalista e Socialista.

1. MODO DE PRODUÇÃO PRIMITIVO

No início da história da humanidade os homens extraíam da natureza os bens


necessários à vida. Os animais trazidos e criados na tribo foram domesticados. Veio em seguida
a introdução da pecuária. Ao semear e cultivar em locais próximos de suas moradias, o homem
primitivo desenvolveu a agricultura. Da necessidade de se ter áreas de terra reservadas às
pastagens e à agricultura surge à posse da terra. Antes as tribos eram nômades, ou seja, andavam
de um lugar para outro, à procura de alimentos. Com a posse da terra elas se tornaram
sedentárias, fixadas num só lugar. Todos trabalhavam e produziam o indispensável para viver.
Não havia desigualdade entre eles. Tudo era comum - daí porque também se diz que viviam no
Modo de Produção Comunista. Todos participavam da defesa da tribo. Eram considerados chefes
os que tinham mais experiência e conhecimento, aceitos por todos.

AS CONTRADIÇÕES DIALÉTICAS
Origem da desigualdade social e da produção excedente

Com a introdução da pecuária e da agricultura, as comunidades primitivas começaram a


produzir mais do que necessitavam para o seu consumo. Essa produção a mais chama-se
excedente. Essa sobra permitiu que alguns, como os chefes e os feiticeiros, deixassem de
trabalhar, formando uma casta à parte. Ao mesmo tempo, esses grupos que viviam à custa do
trabalho do resto da tribo passaram a se apropriar da produção excedente: nasceu, desse modo,
um processo produtivo baseado na propriedade privada. Nasce um novo modo de produção.

Assim, a desigualdade começa quando na comunidade primitiva se estabelece um novo


processo de produção que se baseia na divisão entre as famílias proprietárias e as famílias não-
proprietárias. Surgem, pois, as classes sociais. Surge também a luta de classes, na medida em
que a classe proprietária procura aumentar suas posses, impedindo que os demais se tornem
proprietários; e na medida em que os não-proprietários querem se tornar proprietários, ameaçando
as propriedades dos primeiros.

2. O MODO DE PRODUÇÃO ESCRAVISTA

Além de existir regime de trabalho escravo nos períodos colonial e imperial da História do
Brasil, a sociedade escravista predominou na Antiguidade. No início, as tribos da comunidade
primitiva ambicionavam as melhores terras das tribos vizinhas. Havia guerras e os vencidos eram
mortos. Com o tempo, os vencedores descobriram que era vantagem para eles deixarem vivos os
vencidos, pois assim teriam trabalhadores forçados, os escravos. Estes produziam o necessário
para si e para seus senhores. Portanto, a escravidão só surgiu quando o processo de produção já
tinha condições de gerar o excedente.

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115

Para o senhor, o escravo era uma coisa como outra qualquer: era um objeto que produzia
riquezas. A única obrigação que o senhor tinha para com o escravo era a de alimentá-lo bem para
que ele não perdesse a força física, a sua capacidade de trabalho para produzir riquezas. Assim,
acentuou-se na sociedade a divisão de classes: uma minoria (os senhores) explorava o trabalho
da maioria (os escravos).

Os senhores eram donos da força de trabalho (os escravos), dos meios de produção
(terras, gado, minas), dos instrumentos de trabalho (ferramentas, enxadas, carroças) e do
produto do trabalho. Para garantir essa exploração sobre os escravos, os senhores
necessitavam de um poder especial capaz de lhes fornecer os meios jurídicos e militares para
assegurar a desigualdade social. Foi então que surgiu o Estado (*). As leis do Estado garantiam
aos senhores o direito de explorar os escravos; o exército defendia o país contra agressões
externas e também defendia os senhores - que controlavam o Estado - contra as revoltas dos
escravos.

(*) Nas comunidades primitivas, onde tudo era de todos, não existia o Estado. Ele só passou a
existir quando alguns homens começaram a dominar os outros. Surgiu para garantir os
interesses dos mais fortes.

AS CONTRADIÇÕES DIALÉTICAS

Neste Modo de Produção não havia avanço da técnica de produção, dos recursos
produtivos, enfim, das forças produtivas. Afinal, onde predomina a escravidão, não avançam as
forças produtivas, como a tecnologia. Para o escravo tanto faz colher, num dia, cem ou quinhentos
pés de café. Como ele não tem salário e nenhuma outra recompensa pelo seu trabalho, falta o
estímulo para aumentar a produção. Assim, a longo prazo, o modo de produção escravista atrasa
o avanço da história humana. Essa foi uma contradição interna que fez ruir o edifício do Modo de
Produção Escravista.

3. O MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO

O Modo de Produção Asiático, como todos os modos de produção, não existiu apenas
em um momento da história. Cada modo de produção pode ter existido em épocas e lugares
diferentes. O Modo de Produção Primitivo existiu nos primeiros tempos da humanidade e também
entre os índios, quando eles ainda não tinham encontrado os brancos.

Da mesma forma, o Modo de Produção Escravista predominou na Grécia de antes de


Cristo, no Império Romano do tempo de Cristo e também no Brasil dos séculos XVI a XIX.

Assim, o Modo de Produção Asiático predominou - em momentos históricos diferentes -


no Egito, na China, na Índia, no reino etrusco, na Europa de antes de Cristo, entre os incas do
Peru e também na África do século passado.

Uma característica do Modo de Produção Asiático encontrado em muitas civilizações, é


que as comunidades agrícolas não eram proprietárias das terras. Não havia propriedade privada.
As terras pertenciam ao Estado, e, portanto, ao rei, faraó etc. Os trabalhadores eram explorados
pelo Estado, que racionalizava o sistema de produção. Graças a essa racionalização, nem todos
os trabalhadores precisavam produzir alimentos, pois havia o excedente da produção. Esse
excedente permitia que muitos trabalhassem em obras de irrigação, na construção de palácios e
túmulos suntuosos e que integrassem o Exército.

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Caso, algum povo estrangeiro vivesse nesta sociedade, eram tratados pelo Estado como
escravos (os hebreus no Egito, por exemplo). Nestas antigas monarquias o Estado era o rei. Seu
poder não era propriamente econômico, embora ele fosse dono de todo o país. Também não era
um poder propriamente político, apesar da identificação entre Estado e rei.

Esse poder vinha do poder Ideológico, ou seja, da ideia plantada na cabeça do povo de
que o monarca era deus, então tudo era dele, a terra e o povo. Era um poder teocrático. Teo quer
dizer deus. Um poder divino. De fato, o monarca era uma pessoa de “carne e osso” como outra
qualquer. Mas ideologicamente ele estava revestido de caráter divino: era um ser sacralizado.

A estrutura social destas sociedades era como uma escada, bem hierarquizada.
Começava, lá embaixo, pelo camponês, que era obrigado a entregar ao Estado o excedente do
que produzia, e pelos escravos, que faziam trabalhos forçados. Esse excedente permitia que um
grupo de homens se dedicasse à defesa sem precisar produzir: constituíam o exército. Outro grupo
cercava o monarca, cuidando de reforçar o caráter religioso da ideologia dominante: eram os
sacerdotes. A religião era fundamental para manter essa estrutura de poder. Quem se atreveria a
conspirar contra o próprio deus-rei?

AS CONTRADIÇÕES DIALÉTICAS

No Modo de Produção Asiático, a contradição interna era o alto custo da manutenção dos
setores improdutivos da sociedade (guerreiros, sacerdotes, funcionários da corte) e da edificação
de obras suntuosas (palácios, templos e túmulos reais). Tudo isso consumia a parcela maior do
excedente produzido pela sociedade inteira.

4. O MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL

Este modo de produção começou na Europa no século V depois de Cristo. Durou até os
séculos XV e XVI. Abrangeu, pois, todo o período conhecido como Idade Média.

A Sociedade feudal dividia-se em: senhores feudais (que exploravam o trabalho dos
servos) e servos (que eram explorados pelos senhores feudais). Os servos não eram como os
escravos: eram donos de sua vida e trabalhavam a terra para si. Eram obrigados, porém, a
entregar ao senhor feudal uma parte do que produziam; e durante três dias por semana
trabalhavam de graça as terras do senhor. Cuidavam ainda da conservação de estradas, de pontes
e dos castelos. Em caso de guerra, formavam o exército do feudo e eram chamados de peões
(porque iam a pé).

Os senhores feudais tinham o poder econômico porque eram os donos das terras, ou
porque as tinham arrendado dos condes, que por sua vez as arrendavam dos duques, que as
arrendavam dos reis. Os servos trabalhavam para sustentar toda essa hierarquia da nobreza. Os
senhores feudais detinham também o poder político, porque faziam as leis do feudo e obrigavam
os servos a observá-las.

Os senhores feudais tinham ainda o poder ideológico, graças à estreita ligação que havia
entre eles e o maior poder político e espiritual da época: a Igreja Católica.

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117

Como os servos tiravam para si e sua família uma parte do que produziam, sentiam-se
estimulados a aumentar a produção. Quase tudo era produzido dentro do próprio feudo: nos
campos, a agricultura e a pecuária forneciam os alimentos; nas oficinas, os artesãos fabricavam
os móveis, as roupas, as carroças, as enxadas, as armas etc. Fora do feudo buscava-se pouca
coisa: sal, ferro, os tecidos mais finos. Não era costume comprar: trocava-se mercadoria por
mercadoria. O valor de uma mercadoria era igual ao tempo socialmente necessário para produzi-
la.

COMO O CAPITALISMO NASCEU DAS CONTRADIÇÕES DO FEUDALISMO

A economia feudal era a economia de subsistência para os servos, que eram obrigados,
para não perder a terra, produzir para o senhor feudal e destinar o dízimo para à Igreja (10% de
sua produção). Para obter certos alimentos, inexistentes no feudo, tais como o sal, o servo se
dirigia aos entroncamentos de estrada onde trocaria suas mercadorias com mercadores viajantes.
Esse lugar era conhecido como mercado ou burgo. Aos poucos, os que aí se instalavam para
administrar as transações comerciais e delas tirar alguma vantagem passaram a ser conhecidos
como burgueses. Com a introdução da moeda, as mercadorias que antes tinham apenas valor de
uso, passaram a ter agora valor de troca. As pessoas começaram a fazer comércio de
mercadorias, não porque necessitavam dos produtos, mas visando o lucro. Data deste período,
os primórdios da Revolução Industrial (que culminaria de modo transformador no século XVIII, na
Inglaterra), quando os artesãos começaram a inventar novos meios de produção como a máquina
de tear. Uma máquina podia fazer, em poucas horas, produtos que artesanalmente não se
fabricavam em uma semana. A produção em série barateava o custo do produto e, portanto, seu
preço no mercado.

Desde que terminou o Modo de Produção Primitivo, todos os homens necessitam, para
sobreviver, estabelecer relações de mercado. Se no início, a grande maioria dos servos, podia
realizar a troca de mercadorias, com a introdução da moeda e o advento da produção em série,
eles foram sendo excluídos naturalmente do mercado. Foram aos poucos, ficando sem terra e
sem produtos competitivos. Agora, para sobreviver, os servos necessitavam vender no mercado
alguma coisa. Nesse dia aconteceu um fato muito importante na história da humanidade: nasceu
a classe operária. Uma classe integrada por homens que alugam sua força de trabalho aos donos
do capital. Nascia assim o Modo de Produção Capitalista.

5. O MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA

Como o próprio nome indica, o que manda é o capital, o dinheiro. Ninguém produz
alimentos pensando na fome do povo. Eles são produzidos porque dão lucro, aumentam o capital
de quem investe. E quem investe capital quer investir o menos possível e ganhar o mais possível.
Para economizar e aumentar sua margem de lucros, a empresa procura contratar a mão-de-obra
mais barata possível. Quanto menores os salários dos trabalhadores, maiores os ganhos do
patrão. No capitalismo, o capital fala mais alto do que o trabalho. O trabalho está em função do
aumento de volume do capital.

Aparentemente, nesse sistema predomina a “livre iniciativa”, a “livre concorrência”, de


modo que todos possam ter a chance de se tornar ricos, ou seja, proprietários de capital. Capital
não é só o dinheiro aplicado no mercado financeiro. São considerados capitalistas todos os
proprietários de meios de produção (terras, minas, usinas, fábricas), os donos de bancos e de
empresas urbanas e rurais. Eles formam a chamada burguesia.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
118

De fato, o capitalismo não oferece as mesmas oportunidades a todos. Ele é como um


grande funil de cabeça para baixo. Ou uma enorme pirâmide. No pico estreito estão os donos de
capital, a pequena minoria que controla as grandes riquezas. No meio está a classe média, os
profissionais liberais, conhecidos também pelo nome de pequena burguesia, pois nela se incluem
os pequenos proprietários. O grande e largo alicerce é integrado pelos trabalhadores, os
assalariados da cidade e da zona rural, que só dispõem de sua força de trabalho.

No capitalismo, os grandes produtores de riquezas são os trabalhadores da cidade e do


campo. Se eles param de trabalhar não há riquezas, não há bens necessários à vida. No entanto,
são os que menos ganham. Por que trabalham tanto (oito a dez horas por dia?) Porque não podem
sobreviver sem vender ao patrão a sua força de trabalho, ou seja, a atividade realizada por
músculos e por cérebro para produzir bens. E por que ganham tão pouco e não se revoltam? O
que faz com que a maioria (trabalhadores) não se rebele contra a minoria (patrões)?

Para assegurar a defesa de seus interesses econômicos, os donos do capital controlam


as outras três esferas da sociedade: a política, a jurídica e a ideológica.

Na esfera política controlam o Estado, impedindo que ele venha a ser ocupado pelos
trabalhadores; reforçam o poder de seus partidos políticos, para que elejam a maioria dos
deputados, prefeitos, vereadores, senadores, governantes e, sobretudo, o presidente da
República. Ao controlar o Estado, os donos do capital controlam também as forças de defesa dos
interesses do Estado: as Forças Armadas e as polícias estaduais.

Na esfera jurídica procuram aprovar leis que defendam os interesses do capital e


impeçam que os trabalhadores prejudiquem esses interesses. Assim, a lei proíbe, como crime
contra o patrimônio, que uma família da favela invada as terras improdutivas de um grande
latifúndio e ocupe um hectare. No entanto, outras leis possibilitaram que um grande capitalista
norte-americano, Daniel Ludwig, adquirisse no Pará uma extensão de terra de seis milhões de
hectares. Para se ter uma ideia do tamanho desse latifúndio, basta dizer que todo o Estado de
São Paulo tem 20 milhões de hectares.

Além dessas forças políticas e jurídicas, a pirâmide capitalista conta ainda com uma
esfera muito poderosa: a ideológica. Ela planta na cabeça das pessoas que a desigualdade social
é um fenômeno natural e irreversível. Ela torna o pobre conformado com a sua situação e tira da
consciência do rico qualquer preocupação para com a situação dos pobres. Enfim, a ideologia nos
ensina a pensar de acordo com os interesses dominantes, aceitando a pirâmide assim como ela
é. Para a ideologia dominante, pensar diferente é sinal de subversão.

ETAPAS DO CAPITALISMO

O capitalismo nasceu com a manufatura (= trabalho manual) no século XVI e se ampliou


com a Revolução Industrial do século XVIII, na Inglaterra, que era a grande potência do mundo.
Dizia-se que, no império britânico, o sol não se punha... Isto porque era sempre dia em algumas
das inúmeras colônias que a Inglaterra tinha pelo mundo afora.

O capitalismo passou por várias etapas em sua história. No início, predominou a chamada
“livre concorrência”, ou seja, um capitalista competia com outro. Aos poucos, com a concentração
de empresas e a introdução de novas tecnologias, surgiu o capitalismo monopolista (monopólio
significa “propriedade de um só”).

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
119

As grandes empresas foram levando à falência as pequenas. A empresa que tinha


monopólio de um produto passava a impor suas condições ao mercado.

DO COLONIALISMO AO IMPERIALISMO

Os grandes países capitalistas iniciaram o século XX tratando outros países como


colônias suas. A Inglaterra dominou Uganda, Gana, Rodésia (hoje Zimbábue), África do Sul, Índia
etc. A França dominou a Argélia e o Marrocos, entre outros. Os Estados Unidos dominaram Porto
Rico e tomaram do México em 1847, os atuais Estados do Texas, da Califórnia e do Novo México.

A relação entre metrópole e colônia se dava da seguinte maneira:

• A metrópole detinha a direção política e econômica da colônia;


• A colônia fornecia produtos agrícolas e matérias-primas à metrópole e era proibida de
ter indústrias próprias;
• A colônia só podia comprar produtos industrializados do país que a dominava;
• Quem decidia os preços dos produtos exportados e importados pela colônia era a
metrópole.

Os povos de muitas colônias começaram a se revoltar. Queriam a independência e o


direito de determinar seus destinos. As potências colonialistas investiram, assim, muito dinheiro
na indústria bélica e no transporte e manutenção de tropas nas colônias. Mesmo assim, o anseio
de libertação dos povos demonstrou ser mais forte que a força militar das metrópoles. Surge,
então, uma nova fase do capitalismo: o imperialismo.

A diferença entre o capitalismo e a nova etapa imperialista é que agora a dominação se


faz principalmente através da dependência econômica. Os países desenvolvidos exportam capital
para os subdesenvolvidos e, na forma de juros ou de lucros, recuperam duas ou três vezes mais
do que investiram. A forma mais sofisticada de exploração imperialista dá-se hoje através das
multinacionais e do controle da tecnologia que elas exercem.

6. O MODO DE PRODUÇÃO SOCIALISTA

No capitalismo, a economia visa, em primeiro lugar, o lucro individual. No socialismo, a


economia visa, primeiro, os interesses sociais.

Há uma diferença entre socialismo e comunismo. No socialismo, a organização social


procura atender as necessidades básicas da população: educação, saúde, emprego, moradia etc.
Mas continuam a existir diferenças sociais entre as pessoas, salários desiguais, e o Estado
controla, em favor da maioria do povo, a economia e a política, bem como os meios de formação
e difusão ideológicas.

O comunismo é a etapa posterior ao socialismo. No comunismo não haveria diferenças


sociais entre as pessoas e nem mesmo existiria o Estado. Todo o povo se autogovernaria, através
das organizações populares. Enquanto no socialismo cada um recebe segundo sua capacidade
(quem produz mais, ganha mais), no comunismo cada um receberia segundo sua necessidade.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
120

Os países que implantaram a experiência socialista (alguns desfeitos, como o caso da


ex-URSS, ex-Iuguslávia e Polônia e os que ainda permanecem, como é o caso de Cuba e da
China), não formam e nem formaram um conjunto homogêneo, ou seja, não são e nem foram
iguais. São e foram diferentes, tanto do ponto de vista do desenvolvimento econômico, quanto na
forma de organização de suas instituições políticas.

Numa sociedade socialista, não há separação entre donos do capital e donos da força de
trabalho. Não há mais proprietários privados dos meios de produção (indústrias, grandes
extensões de terra, usinas, minas, bancos etc.). Todos os meios de produção são controlados pelo
Estado popular.

Em geral, continuam existindo a pequena propriedade rural e a propriedade particular de


pequenos negócios (táxi, padaria, restaurante etc.), geridos pelo trabalho familiar. As pessoas são
também proprietárias de bens individuais: rádios, roupas, bicicletas, aparelho de televisão etc.

Não havendo diferença entre donos de capital e assalariados, não há classes sociais,
embora haja diferenças sociais entre, por exemplo, trabalhadores manuais e trabalhadores
intelectuais.

A economia segue uma planificação global. A produção visa atender as necessidades


básicas da população e não o lucro da empresa.

O excedente produzido pelo trabalho do povo é recolhido pelo Estado e devolvido à


população na forma de benefícios sociais: educação gratuita, atendimento médico gratuito,
alimentos básicos baratos (subsidiados pelo Estado), prática de esportes para todos, aluguéis
proporcionais aos salários etc.

Nesse tipo de sociedade, ninguém pode explorar o trabalho de outra pessoa.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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“Não nos ocupamos de esperanças e de temores e sim apenas da verdade, pois a


nossa razão nos permite descobri-la e para tanto apresentei provas dentro do
máximo de minhas capacidades”. Darwin

Vida. Charles Robert Darwin, nasceu no dia 12 de fevereiro de


1809 na cidadezinha de Shrewsbury, Inglaterra. Seu pai, o doutor Robert
Darwin, era um médico muito conhecido na cidade e educou seu filho de
forma muito severa.

Quando Charles entrou para o liceu de Shewsbury, o reitor dizia que ele era um jovem
que vivia disperso, não falava coisa com coisa, se gabava sem ter motivo para isto e não fazia
nada de sensato. Para o reitor, “sensato” era ficar decorando vocábulos gregos e latinos. E quando
falava em viver disperso, ele estava pensando, entre outras coisas, no fato de Charles colecionar
besouros de várias espécies.

Durante a época em que cursou teologia, Darwin interessou-se mais por aves e insetos
do que pelas matérias de seu curso. Por esta razão, nunca tirava boas notas em suas provas do
curso de teologia. Paralelamente ao curso de teologia, porém, ele conseguiu certo reconhecimento
como pesquisador natural. Darwin também se interessava por geologia, provavelmente o ramo da
ciência em fase de maior expansão naquela época. Em abril de 1831, depois de ter sido aprovado
no seu exame de teologia, ele viajou pelo Norte do País de Gales a fim de estudar formações
rochosas e pesquisar fósseis. Em agosto do mesmo ano, com apenas vinte e dois anos, recebeu
uma carta que viria a determinar todo o seu futuro. A carta vinha de Hohn Henslow, seu amigo e
professor. Nela, Henslow dizia que lhe haviam pedido para indicar o nome de um pesquisador
natural a um certo capitão Fitzroy, que, a mando do governo, partiria numa expedição com a
incumbência de fazer o mapa cartográfico do extremo sul da América do Sul. Na carta, Henslow
dizia que havia indicado o nome de Darwin, a seu ver a pessoa mais qualificada para tal missão;
dizia, ainda, que não fazia a menor ideia de quanto pagariam para o tal pesquisador, mas que a
viagem duraria dois anos. Darwin ficou muito entusiasmado com a ideia, mas naquela época os
jovens não podiam fazer nada sem o consentimento de seus pais. Darwin pediu a seu pai, que
depois de muito vaivém acabou concordando e ainda teve de pagar a viagem do filho. Quanto ao
salário, soube-se depois que não havia qualquer honorário previsto para o pesquisador.

O navio era da Marinha e se chamava H. M. S. Beagle. Em 27 de dezembro de 1831, o


Beagle zarpou de Plymonth com destino à América do Sul e só voltou para a Inglaterra em outubro
de 1836. Os dois anos inicialmente previstos transformaram-se, portanto, em cinco. É que a
viagem à América do Sul acabou se transformando numa volta ao mundo. E estamos falando aqui
da mais importante viagem de pesquisa realizada em tempos mais modernos. Da América do Sul,
o navio seguiu viagem pelo Pacífico até a Nova Zelândia, Austrália e Sul da África. De lá, passou
novamente pela América do Sul e finalmente retornou à Inglaterra. O próprio Darwin se referiu à
viagem com o Beagle como o acontecimento mais importante de toda a sua vida. No primeiro ano
da viagem o Beagle ficou viajando ao longo da costa da América do Sul. Isto proporcionou a
Darwin muitas oportunidades de desembarcar e de se familiarizar com este continente. Muito
importantes também foram as várias e rápidas visitas às ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico, a
oeste da América do Sul. Darwin conseguiu reunir um farto material de pesquisa que, aos poucos,
ia sendo enviado à sua terra natal.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
122

Suas reflexões sobre a natureza e sobre a história da vida, porém, ele as guardava para
si. Quando voltou para casa, aos vinte e sete anos, já era um pesquisador famoso. E dentro de si
já havia também uma clara noção daquilo que viria a ser a sua teoria da evolução.
Apesar disso, muitos ainda se passaram até que ele publicou sua obra principal, Sobre a Origem
das espécies, em 1859. O livro desencadeou e provocou violenta polêmica. A Igreja protestou
veementemente e a ciência na Inglaterra se dividiu. Na verdade, isto já era de se esperar, pois
Darwin sempre tinha contestado o fato de se atribuir a Deus o ato da criação.

Apesar das precárias condições de saúde, Darwin não descansou com o resultado de
seu primeiro trabalho. Em 1871, Darwin publicou um livro intitulado The descent of man, ou “A
Descendência do Homem”, aplicando as mesmas leis de que fazia uso na origem das espécies.
Nele, Darwin aponta as enormes semelhanças entre os homens e os animais e explica que os
homens e os macacos antropóides haviam tido os mesmos ancestrais. Nesse meio tempo haviam
sido encontrados os primeiros fósseis no rochedo de Gibraltar e alguns anos mais tarde em
Neandertal, na Renânia. Curiosamente, houve bem menos protestos em 1871 do que em 1859,
quando da publicação de Sobre a Origem das Espécies.

A 16 de abril de 1882, Darwin morre em Down, sendo solenemente sepultado como um


pioneiro da ciência, como um dos filhos mais ilustres da Inglaterra, com toda a pompa e
circunstância na Abadia de Westminster; em presença dos representantes de sociedades
científicas de todo o mundo.

SOBRE A ORIGEM DAS ESPÉCIES

Publicado em 1859, seu título completo é On the


Origin of Species by Means of Natural Selection or the
Preservation of Favoured Races in the struggle for Life. Na
verdade, este título longo resume a teoria de Darwin.

Os conceitos que aparecem neste título foram traduzidos de formas diferentes desde a
época de seu lançamento. Uma tradução feita hoje poderia ser a seguinte: “Sobre a origem das
espécies por meio da seleção natural ou A preservação de raças favorecidas na luta pela vida”.
Alguns preferem falar em “sobrevivência” no lugar de “preservação”, outros em “esforço pela
manutenção da vida”, em vez de “luta pela vida”, que teria um “tom bélico”.

Por ser um título muito rico em conteúdo, vamos estudar cada parte separadamente. Em
Origem das espécies, Darwin defendia duas teorias ou teses principais: em primeiro lugar, ele
dizia que todas as espécies de plantas e animais que vivem hoje descendem de formas mais
primitivas, que viveram em tempos passados. Ele pressupõe, portanto, uma evolução biológica.
Em segundo, Darwin explica que esta evolução se deve à “seleção natural”. Sua reflexão sobre a
evolução, em si, não tinha muito em original. Em alguns círculos de estudiosos, a suposição de
uma evolução biológica já era bastante difundida por volta de 1800. O porta-voz desta ideia era o
zoólogo francês Jean de Lamarck. Antes dele, o avô de Darwin, Erasmus Darwin, formulou uma
teoria segundo a qual as plantas e os animais teriam evoluído a partir de poucas espécies
primitivas. Só que nenhum deles tinha conseguido dar uma explicação aceitável para como essa
evolução se processava. Por esta razão, a Igreja não os considerava rivais muito perigosos.

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Tanto os membros da Igreja quanto muitos cientistas eram partidários da teoria bíblica
segundo a qual as diferentes espécies de plantas e animais eram imutáveis. Para eles, cada
espécie animal tinha sido criado um dia, separadamente das outras e para todo o sempre, por um
ato de criação especial. Além disso, esta visão cristã estava de acordo com as concepções de
Platão e de Aristóteles.

A teoria das ideias de Platão tinha como ponto de partida a noção de que todas as
espécies animais eram imutáveis, já que cada uma tinha sido criada a partir de um modelo
correspondente a uma ideia ou forma eterna. O fato de as espécies animais serem imutáveis
também é uma pedra fundamental na filosofia de Aristóteles.

Na época de Darwin, porém, algumas observações e descobertas colocaram em dúvida


esta concepção tradicional, tais como a descoberta de novos fósseis, e a descoberta de restos de
esqueletos de animais extintos. O próprio Darwin ficou surpreso com o fato de se encontrarem nas
montanhas fósseis de animais marinhos. Na América do Sul, ele mesmo havia feito descobertas
como essas no alto dos Andes.

Mas o que animais marinhos estariam fazendo no alto dos Andes?

Alguns achavam que eram os homens ou outros animais que os havia deixado lá em
cima. Outros diziam que Deus teria criado esses fósseis e restos de animais marinhos apenas
para confundir os incrédulos. A maioria dos geólogos, entretanto, era adepta de uma “teoria das
catástrofes”, segundo a qual a Terra teria sido castigada muitas vezes por inundações, terremotos
e outras catástrofes, capazes de destruir todas as formas de vida. A Bíblia também faz referência
a uma dessas catástrofes: o grande dilúvio que levou Noé a construir sua arca. Depois de cada
cataclismo, pelo menos era o que se dizia, Deus renovava a vida na Terra criando plantas e
animais novos, mais evoluídos. Os fósseis seriam então, “marcas impressas” de todas as formas
anteriores de vida, que haviam sido extintas por essas catástrofes. Dizia-se, por exemplo, que os
fósseis seriam marcas de animais que não haviam encontrado mais lugar na arca de Noé. Mas
quando Darwin zarpou a bordo do Beagle, levou consigo o primeiro volume de Principles of
geology, do geólogo inglês Charles Lyell. Lyell considerava a atual geografia da Terra, com seus
picos elevados e vales profundos, o resultado de uma evolução interminavelmente longa e lenta.
Ele dizia que qualquer alteração (o clima, o vento, o degelo, os terremotos e as elevações do solo),
por menor que fosse, era capaz de causar profundas transformações geográficas, se tais
processos fossem considerados à luz de grandes intervalos de tempo.

Um fator decisivo na teoria de Lyell era a idade da Terra. Em muitos círculos de estudiosos
na época de Darwin era corrente a suposição de que Deus teria criado a Terra havia cerca de seis
mil anos. E as pessoas tinham chegado a este número contando todas as gerações desde Adão
e Eva até o presente. Darwin utilizaria as explicações de Lyell para a questão da evolução. Darwin,
por exemplo, estimou a idade da Terra em trezentos milhões de anos.

Isto porque uma coisa era certa: nem a teoria de Lyell sobre a evolução geológica gradual,
nem a teoria da evolução do próprio Darwin faziam sentido, se não fossem consideradas à luz de
intervalos de tempos extremamente dilatados. Hoje, estima-se a idade da Terra, em torno de dois
bilhões de anos. Até agora nós nos concentramos em um dos argumentos propostos por Darwin
para a evolução biológica: os depósitos estratificados de fósseis em diferentes formações
rochosas.

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Outro argumento era a distribuição geográfica das espécies vivas. Nesse sentido, a
viagem de pesquisa de Darwin propiciou-lhe um material novo e extremamente rico.

Ele havia visto com seus próprios olhos que as diferentes espécies de animais de uma
região distinguiam-se uma das outras por detalhes mínimos. Foi nas ilhas Galápagos, a oeste do
Equador, que ele fez algumas observações muito interessantes.

As ilhas Galápagos são um grupo de ilhas vulcânicas bem próximas umas das outras.
Não havia, portanto, grandes diferenças na flora e na fauna. Mas Darwin estava interessado
justamente nas pequenas diferenças.

Em todas as ilhas ele encontrou tartarugas gigantes, mas de ilha para ilha elas eram um
pouco diferentes. Será que Deus realmente tinha criado uma espécie de tartaruga gigante para
cada uma daquelas ilhas?

Mais importante ainda foi o que Darwin observou nos pássaros das ilhas Galápagos. As
espécies de tentilhões variavam de ilha para ilha, o que podia ser observado nas formas dos bicos
desses pássaros. Darwin conseguiu demonstrar que essas diferenças estavam intimamente
relacionadas com o modo como os tentilhões se alimentavam nas diferentes ilhas.

Alguns deles viviam de comer sementes de pinhas; outros se alimentavam de insetos do


chão; outros ainda viviam de comer insetos dos troncos e galhos de árvores... Cada uma dessas
espécies tinha um bico que se adaptava perfeitamente ao seu tipo de alimento. Não seria possível
que todos esses tentilhões tivessem descendido de uma mesma e única espécie de tentilhões? E
será que esta espécie de tentilhão, ao longo dos anos, não tinha se adaptado ao meio ambiente
das diferentes ilhas de tal modo que, no final, haviam surgido novas espécies de tentilhões?

Darwin também observou, que a fauna deste pequeno arquipélago tinha grandes
semelhanças com muitas espécies de animais que ele tinha visto na América do Sul. Será que
Deus realmente tinha criado esses animais para todo o sempre com pequenas diferenças, ou será
que os próprios animais tinham se modificado ao longo do tempo? Cada vez mais Darwin duvidava
de que as espécies eram imutáveis. Só que ainda lhe faltava uma explicação convincente para o
modo como se processava esta evolução, ou esta adaptação ao meio ambiente. O que ele tinha
era um argumento para a suposição de que todos os animais da Terra eram parentes.

A evolução dos embriões dos mamíferos. Se compararmos os embriões de um cachorro,


de um morcego, de um coelho e de um homem em seus primeiros estágios, quase não
perceberemos diferença entre eles. Só numa fase posterior ao desenvolvimento do embrião é que
se pode distinguir entre o embrião de um homem e o de um coelho. Isto não seria indicativo de
que somos parentes distantes dos outros mamíferos?

A toda hora Darwin pensava na teoria de Liell sobre as minúsculas alterações capazes
de provocar grandes transformações ao longo do tempo. Só que ele não conseguia encontrar uma
explicação que pudesse valer como princípio universal. É claro que ele conheceu a teoria de
Lamarck, segundo a qual as diferentes espécies de animais tinham desenvolvido exatamente
aquilo de que precisavam. As girafas, por exemplo, teriam um pescoço tão cumprido porque, ao
longo das gerações, tiveram que esticá-lo cada vez mais para apanhar as folhas das árvores.
Lamarck acreditava também que as características adquiridas pelo indivíduo por meio de seu
próprio esforço eram herdadas depois por seus descendentes.

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Mas a teoria da “hereditariedade de características adquiridas” era rejeitada por Darwin,


pois Lamarck não havia conseguido provar suas afirmações. Foi então que Darwin começou a
pensar em outra coisa, muito mais próxima e evidente. Darwin se pôs a descobrir um mecanismo
que explicasse a evolução de todos os seres vivos.

Há mais de dez mil anos, os homens vêm criando animais domésticos. Nem sempre as
galinhas botaram cinco ovos por semana, as ovelhas nem sempre tiveram tanta lã e os cavalos
nem sempre foram tão fortes e tão rápidos. Só que os homens fizeram uma seleção artificial. O
mesmo vale para a flora. Por que semear batatas estragadas, se podemos conseguir tanchões
sadios? Ninguém quer se dar ao trabalho de colher espigas sem grãos.

Darwin explica que não há duas vacas, duas espigas, dois cães nem dois tentilhões que
sejam iguais. A natureza apresenta uma vasta gama de variações. Mesmo dentro de uma única
espécie não há dois indivíduos rigorosamente iguais. Em vista disso, Darwin não pôde deixar de
se perguntar se na natureza não haveria um mecanismo correspondente.

Seria possível que também a natureza fizesse uma seleção, neste caso “natural”, dos
indivíduos que pudessem se desenvolver? E ainda: este mecanismo não poderia, ao longo do
tempo, provocar o surgimento de novas espécies de plantas e animais?

Darwin ainda não tinha conseguido entender muito bem como seria tal seleção “natural”.
Mas em 1838, exatamente dois anos depois de ter retornado com o Beagle, caiu-lhe às mãos
casualmente um pequeno livro de Thomas Malthus, especialista em estudos populacionais. O livro
se chamava Ensaio sobre o princípio de população. Malthus buscara inspiração para escrever
este livro no americano Benjamim Franklin, que entre outras coisas inventou também o para-raios.

Franklin chamava a atenção para o fato de que na natureza devia haver fatores de
limitação, pois se assim não fosse uma única espécie de planta ou de animal teria se espalhado
por toda a Terra. E era o simples fato de haver diferentes espécies que as mantinha em equilíbrio.
Malthus desenvolveu esta ideia e a aplicou à situação populacional da Terra. Ele dizia que a
capacidade de procriação do homem é tão grande que o número de nascimentos é sempre muito
superior ao número de crianças que chegam a crescer. E como a produção de alimentos nunca
consegue acompanhar o crescimento populacional, um grande número de pessoas está
condenado a perecer na luta pela sobrevivência. Quem consegue sobreviver, e pode assim
assegurar o sustento de sua família, está entre aqueles que melhor se saíram na luta pela
sobrevivência.

E era exatamente este o mecanismo universal que Darwin vinha procurando. De repente,
ele achou uma explicação para o modo como a evolução se processa. E a responsável por isso
tudo é a seleção natural na luta pela vida: quem melhor se adapta ao meio ambiente sobrevive e
pode garantir a continuidade de sua espécie. Esta era a segunda teoria que ele publicou em seu
livro Sobre a origem das espécies.

Ele escreve: “O elefante se reproduz mais lentamente que os demais animais e eu me


dei ao trabalho de calcular o número mínimo provável de sua procriação natural. Podemos supor
com certa margem de segurança que a fase reprodutora do elefante começa aos trinta anos e vai
até os noventa. Podemos supor, ainda, que durante este período ele consegue gerar seis filhotes
e que vive até os cem anos. Neste caso, após setecentos e quarenta ou setecentos e cinquenta
anos haveria cerca de dezenove milhões de descendentes de um único par”.

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Darwin também explicou que a luta pela sobrevivência entre as espécies mais próximas
geralmente é a mais acirrada. É que elas precisam lutar pelo mesmo alimento. E nessa hora são
as pequenas diferenças, ou seja, os pequenos desvios positivos da média, que mais contam.
Quanto mais acirrada a luta pela sobrevivência, mais rápida a evolução de novas espécies. E
nesse contexto sobrevivem apenas os que melhor se adaptarem; todos os outros perecem. Outro
dado importante é a capacidade de escapar das garras de outros animais. Por exemplo, pode ser
muito vantajoso ter uma cor de pele que funciona como camuflagem, pode correr rapidamente,
pressentir a presença de predadores ou, pelo menos, ter um sabor repelente. Um veneno capaz
de matar os predadores também pode ser importante. Não é por acaso que muitos cactos são
venenosos. É que quase nada além dos cactos é capaz de crescer nos desertos. Por esta razão,
estas plantas estão particularmente expostas a predadores vegetarianos.

Outra coisa de fundamental importância é, naturalmente, a capacidade de reprodução.


Darwin dedicou-se intensamente ao estudo da polinização das plantas. As flores exibem suas
lindas cores e exalam doces perfumes a fim de atrair insetos que ajudam na polinização. Pelo
mesmo motivo, os pássaros gorjeiam seus lindos trinados. Um boi plácido e melancólico, que não
se interessa por vacas, é totalmente irrelevante para a história de sua raça. Afinal, a única tarefa
deste indivíduo é atingir a maturidade sexual e procriar, a fim de dar continuidade à raça. É como
uma grande corrida de revezamento. Aquele que, por alguma razão, não consegue passar o que
herdou será sempre colocado de lado. Desta forma, a raça está em constante processo de
aperfeiçoamento. A resistência a doenças é, sobretudo, a característica preservada nas variantes
que sobrevivem. A constante seleção cuida para que os que melhor se adaptarem a certo meio-
ambiente, ou a certo nicho ecológico, continuem sobrevivendo neste meio-ambiente. Mas o que
pode ser uma característica positiva em determinado meio talvez não tenha qualquer valia em
outro. Para alguns tentilhões das ilhas Galápagos, sua capacidade de voar era muito importante.
Só que não é muito importante saber voar quando se tem de arrancar o alimento do solo e não há
predadores. E justamente porque na natureza existem tantos nichos diferentes é que tantas
espécies de animais se desenvolveram ao longo dos tempos.

Quanto à espécie humana, esta possui a fantástica capacidade de se adaptar às mais


diversas condições de vida. Darwin ficou admirado quando viu como os índios conseguiam
sobreviver ao clima frio da Terra do Fogo. Se as pessoas que vivem no Equador têm a pele mais
escura do que os habitantes dos países nórdicos, isto se deve ao fato de que a pele escura
funciona como um protetor solar. As pessoas muito brancas que se expõem demais ao sol têm
probabilidades muito maiores de desenvolver câncer de pele. O tipo de pele branca tem mais
facilidade para produzir vitaminas em contato com a luz do Sol; e isto é importante nos lugares em
que o Sol não aparece com tanta frequência. Hoje em dia isto não é mais tão importante, pois
podemos suprir nossas necessidades de vitaminas por meio da ingestão de certos alimentos. Mas
na natureza não existe nada por acaso. Tudo se deve a pequenas modificações, cujos efeitos se
fazem sentir por várias gerações.

RESUMO DA TEORIA DA EVOLUÇÃO DE DARWIN

As constantes variações entre indivíduos de uma mesma espécie e as elevadas taxas de


nascimento constituem a matéria-prima para a evolução da vida na Terra. A seleção natural na
luta pela sobrevivência é o mecanismo, a força propulsora que está por trás desta evolução. A
seleção natural é responsável pela sobrevivência dos mais fortes, ou dos que melhor se adaptam
ao seu meio.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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BIOGRAFIA“Na confissão o pecador relata aquilo que sabe; na análise,


o neurótico deve contar mais”. FREUD

Vida. Sigmund Freud nasceu a 6 de maio de 1856 em Freiberg,


na Morávia, pequena cidade situada onde agora é a Eslováquia. Seus pais
eram judeus. Na época em que nasceu, seu pai, Jakob Freud, negociante
de lãs, tinha 41 anos e sua mãe Amália, 21. Jakob já possuía dois outros
filhos originados de um primeiro casamento: Emanuel e Philipp.
Juntamente com eles, viviam também duas crianças, John e Pauline, filhos
de Emmanuel e que eram apenas um ano mais velhos do que Freud. Essa
situação específica é que pode ter predisposto Freud, mais tarde, a estudar
o problema da circulação do desejo dentro das estruturas familiares.

Em 1860, devido à guerra austro-italiana, os negócios de Jakob vão à ruína e a família é


obrigada a se transferir para Viena. Aí é que Freud iniciará seus estudos e viverá até praticamente
o fim de sua vida.

Aos 17 anos, terminado os estudos secundários, Freud dominava perfeitamente o inglês,


o francês, o latim, o grego e o hebreu; possuía bons conhecimentos de espanhol e de italiano, e
havia sido laureado pelo seu belo estilo literário em língua alemã.

O que levou Freud a se interessar pelos estudos médicos foi, em grande parte, a
excelente reputação da escola médica vienense caracterizada por sua preferência pela prática e
pela experimentação, e a sua aversão a tudo que se relacionava à teoria e sistema.

Durante seu período acadêmico, desenvolve pesquisas juntamente com alguns de seus
professores. Em março de 1881, recebe o diploma de médico, mas continua trabalhando no
laboratório de Ernest Brücke, professor e especialista na anatomia dos nervos, que o ajudou a
obter o título em neuropatologia.

Em 1884, pesquisando os efeitos da cocaína como medicamento anestésico e


antidepressivo, fazendo aplicações em si mesmo, receitou-a a um amigo, o fisiólogo Ernest von
Fleischl-Marxow, que sofria de um tumor na mão, mas este acaba ficando irreversivelmente
dependente da droga. Esse fato quase lhe custou a perda da reputação no meio científico.

Em 1885, Brücke, consegue para Freud, uma bolsa de estudos para um estágio em Paris,
juntamente com o célebre Joseph Charcot, diretor do Manicômio de Salpêtrière. Charcot era o
médico que mais entendia das questões da histeria, e utilizava a hipnose como técnica básica
para o tratamento de seus pacientes.

Em 1886, abre um consultório particular de neuropatologia, utilizando a técnica da


eletroterapia no tratamento de seus pacientes (esta técnica consiste na estimulação local da pele
e músculos, não possuindo nenhuma relação com o tratamento à base de choques elétricos). Em
setembro do mesmo ano, casa-se com Martha Bernays, pertencente a uma família de intelectuais
judeus, e que a conhecera quatro anos antes. Depois de casados, tiveram seis filhos. Em outubro,
apresenta um trabalho sobre a histeria masculina, na Sociedade dos Médicos de Viena, mas suas
ideias não são bem acolhidas.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Em 1887, abandona a eletroterapia e começa a utilizar a hipnose em seus pacientes.

O início da obra freudiana está ligado à descrição clínica do caso de Anna O. que Freud
desenvolvera juntamente com Breuer e que seria publicado sob o título de Estudos Sobre a
Histeria (1895). Nesse livro, afirmam que os sintomas dos enfermos histéricos são resíduos e
símbolos de ocorrências traumáticas, nas quais um processo afetivo qualquer acaba sendo
desviado de sua elaboração consciente normal. A hipnose traria, então, a revivescência desse
fato passado, descarregando-o. A esse processo foi dado o nome de cartase.

Após esse estudo em conjunto, Freud começa cada vez mais a se convencer de que todo
o conteúdo das neuroses possui uma origem sexual, e que a hipnose e o método catártico de
Breuer não apresentavam bons resultados em todos os pacientes. Passa então a utilizar o método
da associação livre e foi aí que, segundo as suas próprias palavras, nasceu a psicanálise.

Esse método consistia em deixar o paciente livre para falar o que lhe viesse à mente, e
as associações das ideias assim expostas deveriam ser interpretadas pelo analista a fim de trazer
à tona o trauma responsável pela origem da perturbação nervosa.

Num estudo publicado alguns anos mais tarde, Três Contribuições para uma Teoria
Sexual, seriam desenvolvidos a tese de que a natureza da neurose era de origem sexual, tratando-
se então de impulsos reprimidos na época da infância do paciente - daí as considerações que faz
sobre o complexo de Édipo e sobre a sexualidade infantil, como determinantes básicas do
comportamento humano.

Em 1902, Freud é nomeado professor na Universidade de Viena e funda a 1a. sociedade


de psicanálise, a Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras.

Durante os anos que precederam A Interpretação dos Sonhos (1900) e que se estendeu
até 1906, época que conheceu Jung, Freud viveu totalmente isolado da comunidade científica. E
foi justamente aí que foram concebidos os princípios básicos da psicanálise: os estudos sobre a
histeria, o recalque, o inconsciente, a estrutura e significação dos sonhos e a sexualidade infantil.
Foi aí que surgiu Jung, um médico suíço, não judeu, e bastante interessado nessa nova ciência.
“Quem conhece vossa ciência, prova o fruto da árvore do paraíso e torna-se vidente”, diria então
a Freud. Jung trouxe contribuições importantes às discussões que se travavam no pequeno círculo
psicanalítico de Viena, de então. Mas as dissensões começaram a surgir, e em 1912 ocorreria a
ruptura definitiva entre ambos. Nessa data, a psicanálise já possuía um número bem maior de
adeptos que se espalhavam por toda a Europa e Estados Unidos.

Os anos de guerra acabaram sendo relativamente improdutivos. Só em 1919 é que Freud


escreverá uma de suas obras mais importante: Além do Princípio do Prazer, onde demonstra a
existência de dois instintos opostos existentes no homem: um, de preservação, ligado ao prazer
(Eros), ou princípio do prazer; e outro de destruição, de ausência de energia, de morte
(Tanatos), ou princípio de realidade.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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O princípio do prazer está ligado diretamente ao inconsciente e consiste na satisfação


impulsiva dos desejos. O princípio da realidade consiste no adiamento da satisfação desses
impulsos, ou seja, face a uma necessidade imediata tal como o trabalho, por exemplo, os impulsos
sexuais são temporariamente suspensos, para serem satisfeitos somente algum tempo depois.
Todavia, esses dois princípios não são verdadeiramente antagônicos, pois ambos realizam uma
diminuição das tensões.

Apartir dos anos 20, Freud começa a ter reconhecimento mundial. Entretanto, alguns
fatos ocorridos no início da década de 20 vêm alterar profundamente a vida de Freud. Primeiro, a
morte de Sofia, a filha mais querida, e depois a morte do filho de Sofia, que era seu neto predileto.
Em 1923 é constatado um câncer em seu maxilar superior. A partir de então, sua vida será
acompanhada de grandes martírios que sempre foram superados de forma estoica. Durante os
dezesseis anos que ainda viverá, será submetido a 33 operações na boca, o que o levará a perder
todo o maxilar superior, tendo então que usar uma grande prótese para separar a boca do nariz,
o que será motivo de constantes dores e de dificuldade na fala.

Mas a sua produção intelectual permanece bastante intensa. Em 1923, publica O Ego e
o Id, onde apresenta um novo modelo dinâmico da mente, constituído pelo ego, superego e id.
Em 1930 é laureado com o prêmio Goethe.

A década de 30 marca a ascenção do nazismo na Alemanha. Os livros de Freud e de


muitos pensadores modernos são queimados em praça pública. Em 1934 começará a escrever
Moisés e o Monoteísmo, onde procura esclarecer a origem da religião judaica.

Nos anos seguintes, os nazistas continuam ampliando seus domínios, e em 1938


invadem a Áustria. Os soldados alemães revistam a casa de Freud e roubam os preciosos objetos
de sua coleção de antiguidades. Várias pessoas intervêm em favor de Freud, inclusive Roosevelt
e Mussolini, que conseguem fazer com que ele fuja da Áustria, juntamente com sua esposa.

Já bastante debilitado por sua doença, Freud passará este último ano de sua existência
em Londres, atendendo ainda a alguns pacientes e psicanalisando num inglês da mais absoluta
perfeição.

No dia 23 de setembro de 1939 vem a falecer, deixando inacabado o seu Compêndio de


Psicanálise. Seu corpo é cremado, e suas cinzas são colocadas em uma urna grega de sua
coleção, conservada no cemitério judaico de Golders Green.

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PSICANÁLISE

Por psicanálise ou psicologia profunda entende-se tanto a descrição da mente, da


psique humana em geral, quanto um método de tratamento para distúrbios nervosos e psíquicos.

Descrição Freudiana da psique humana

Quando vêm ao mundo, os bebês satisfazem suas necessidades físicas e psíquicas de


forma bastante direta e desinibida. Se estão com fome, choram. E também choram quando estão
com a fralda molhada ou quando querem deixar bem claro que querem um pouco de calor humano
e contato físico. Freud chama de id este “princípio do prazer” que existe em nós. Quando somos
recém-nascidos, quase todo o nosso ser é apenas um id.

O id continua conosco na idade adulta e nos acompanha a vida toda. Só que aos poucos
vamos aprendendo a controlar nossos desejos a fim de nos adaptarmos ao nosso meio. Em outras
palavras, aprendemos a afinar nosso princípio de prazer com o princípio da realidade. Freud diz
que constituímos um ego e que este ego assume esta função reguladora. A partir de certa idade,
embora tenhamos prazer em alguma coisa, não podemos simplesmente sentar e abrir o berreiro
até que nossos desejos ou necessidades sejam satisfeitos.

Mas pode acontecer de nós desejarmos intensamente alguma coisa que nosso meio não
aceita. O que acontece é que muitas vezes reprimimos nossos desejos. Quer dizer, tentamos
colocá-los de lado e esquecê-los.

Mas Freud aponta também uma terceira instância na psique humana: ainda crianças,
somos confrontados com os padrões morais de nossos pais e de nosso meio. Quando fazemos
alguma coisa de errado, nossos pais dizem “não faça isto!” ou então “que vergonha!”. E mesmo
depois de adultos podemos ouvir o eco de tais repreensões e julgamentos morais. As expectativas
de nosso meio no plano da moral parecem ter se alojado dentro de nós e passado a constituir uma
parte de nós mesmos. É isto que Freud chama de superego.

Freud chega a dizer textualmente que o superego se opõe ao ego como uma espécie de
consciência. Na verdade, porém, trata-se do seguinte: o superego nos informa, por assim dizer,
quando nossos desejos são “sujos” ou “impróprios”, e isto vale especialmente para os desejos
eróticos ou sexuais, que surgem bem cedo na infância.

Hoje em dia sabemos e vemos os bebês gostam de brincar com seus órgãos genitais.
Podemos ver isto, por exemplo, quando vamos à praia ou à piscina. Na época de Freud, a criança
de dois ou três anos que fizesse isto na frente dos outros ganhava um belo tapa na mão. Naquela
época, era comum as crianças ouvirem frases tais como: “Que coisa mais feia!” ou “Não faça
isso!”, ou ainda “Deixe as mãos para fora das cobertas!”.

Dessa forma, as pessoas desenvolvem um sentimento de culpa. E como este sentimento


é armazenado no superego, para muitas pessoas, e Freud acreditava que para a maioria delas,
ele fica indissociavelmente atrelado a tudo o que diz respeito ao sexo. Ao mesmo tempo, Freud
chamava a atenção para o fato de os desejos e necessidades sexuais serem uma parte natural e
importante da natureza humana. E assim, temos aqui todos os elementos de que necessitamos
para um conflito entre prazer e culpa que pode nos acompanhar por toda a vida.

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Muitos dos pacientes de Freud viviam este conflito de forma tão intensa que chegaram a
desenvolver o que Freud chamou de neuroses. Uma de suas pacientes, por exemplo, apaixonou-
se por seu cunhado. Quando sua irmã morreu ainda jovem, vítima de uma enfermidade, ela
pensou junto ao leito de morte da irmã: “Agora ele está livre e pode se casar comigo!”. Este
pensamento naturalmente entrou em conflito direto com o seu superego. Era um pensamento tão
hediondo que ela o reprimiu, como Freud diz. Quer dizer, ela o enterrou no inconsciente. Depois,
aquela jovem senhora ficou doente e passou a apresentar sérios sintomas de histeria. E quando
Freud assumiu o tratamento dela, ficou claro que ela tinha se esquecido completamente da cena
junto ao leito de morte de sua irmã e do desejo terrível, egoísta, que sentira vir à tona dentro de
si. Durante o tratamento, a paciente voltou a se lembrar da cena, reviveu aquele momento que era
a causa de sua enfermidade e ficou curada.

Descrição genérica da psique humana

Após um longo período de experiência com pacientes, Freud chegou a conclusão de que
a consciência humana era apenas uma pequena parte da psique. A consciência seria mais ou
menos como a ponta de um iceberg que se eleva para além da superfície da água. Sob a
superfície, ou sob o limiar da consciência, está o subconsciente, ou o inconsciente.

Não podemos ter presente em nossa consciência, o tempo todo, todas as experiências
que vivemos. Mas tudo o que pensamos ou vivemos e tudo de que nos lembramos quando pomos
a cabeça para funcionar Freud chama de ‘pré-consciente”. A expressão “inconsciente” significa,
para Freud, tudo o que reprimimos. Quer dizer, tudo de que nós queremos nos esquecer a
qualquer preço porque consideramos desagradável, indecoroso ou repulsivo. Quando temos
desejos e prazeres que para nossa consciência, ou para nosso superego, são insuportáveis, nós
simplesmente os enfiamos no porão do inconsciente e assim nos livramos deles.

Este mecanismo funciona em todas as pessoas sadias. Para algumas pessoas, porém, o
ato de banir tais pensamentos desagradáveis ou proibidos é algo tão estressante que elas ficam
doentes. É que aquilo que foi reprimido desta forma continua tentando emergir para o nível da
consciência, de sorte que cada vez mais energia é despendida para se manter tais impulsos longe
da crítica do consciente.

Em 1909, quando Freud proferiu algumas palestras nos Estados Unidos sobre a
psicanálise, ele ilustrou com um exemplo muito simples o funcionamento desse mecanismo de
repressão.

Ele pediu aos ouvintes que imaginassem que no auditório havia um indivíduo que
perturbava a ordem e desconcentrava o orador rindo às gargalhadas, conversando com seus
vizinhos e arrastando e batendo os pés no chão. Chegaria, então, um momento em que o orador
não poderia continuar a falar. Nesse momento, alguns homens fortes provavelmente se
levantariam e, depois de uma breve discussão, colocariam o elemento perturbador porta afora, no
corredor. O indivíduo seria “reprimido”, portanto, e o orador poderia continuar com sua palestra.
Mas para evitar que o elemento perturbador tentasse forçar sua entrada de novo no auditório, os
mesmos homens que o tinham colocado para fora levariam suas cadeiras até à porta e
funcionariam como uma espécie de resistência para garantir a repressão. Freud concluiu dizendo
que se os ouvintes imaginassem o auditório como o “consciente” e o corredor como o
“inconsciente” teriam uma boa imagem de como funciona o processo de repressão.

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Uma coisa é certa: o elemento perturbador vai querer entrar novamente na sala de
conferência. Em todo caso, é isto o que querem nossos pensamentos e impulsos reprimidos.
Vivemos sob a constante pressão de pensamentos reprimidos, que tentam se libertar do
inconsciente. Por isso é que muitas vezes dizemos e fazemos coisas que na verdade “não
tínhamos a intenção de fazer”. Dessa forma, o inconsciente também pode guiar nossos
sentimentos e ações.

Freud descreve vários mecanismos. Um deles é o chamado ato falho, ou seja, algo que
dizemos ou fazemos espontaneamente e que um dia tínhamos reprimido. Ele fala, por exemplo,
de um empregado que foi escolhido para fazer um brinde ao seu chefe, de quem ninguém gostava.
O empregado se levantou, ergueu o copo e disse: “Convido todos a arrotarem em homenagem a
nosso chefe!”. O empregado simplesmente tinha expressado o que realmente achava de seu
chefe. Talvez nunca tivesse ousado dizê-lo abertamente a ele.

Às vezes nós também racionalizamos, quer dizer, tentamos mostrar a nós mesmos, e aos
outros, que temos outros motivos para fazer o que fazemos em certas situações, e não revelamos
os reais motivos que nos levaram a agir de certa maneira, simplesmente porque eles são
constrangedores demais.

Outra coisa que pode acontecer é que nós projetamos.

Quando projetamos alguma coisa estamos transferindo a outros as características que


tentamos reprimir em nós mesmos. Uma pessoa avarenta, por exemplo, gosta de ficar dizendo
que os outros são avarentos.

Freud dizia que nossa vida cotidiana está repleta de tais ações inconscientes. Muitas
vezes nos esquecemos do nome de certa pessoa, ficamos mexendo numa pontinha de nossa
roupa enquanto estamos falando ou então ficamos mudando de posição objetos aparentemente
sem importância. Ou podemos tropeçar em nossas próprias palavras e acabar trocando letras e
nomes, que á primeira vista podem parecer totalmente inocentes, mas que na verdade não são.
Freud pelo menos não considera essas coisas tão inocentes e causais como podemos achar. Ele
acha que elas poderiam ser encaradas como sintomas. Para ele, esses atos falhos podem nos
revelar segredos os mais íntimos.

Um neurótico é justamente alguém que despende energia demais na tentativa de banir


de seu consciente tudo aquilo que o incomoda. Com frequência trata-se de reprimir experiências
bem específicas. São as chamadas “experiências traumáticas”. A palavra “trauma” é grega e
significa “ferida”.

Em seus tratamentos, às vezes Freud tentava abrir cuidadosamente a porta entre o


consciente e o subconsciente. Com a colaboração do paciente, ele tentava trazer à tona
novamente as experiências reprimidas. Isto porque o paciente não tem consciência de que as
reprimiu. Não obstante, ele deseja que o médico, ou o analista, como se diz em psicanálise, o
ajude a encontrar um caminho que o leve a seus traumas escondidos.

Freud chamava este procedimento de técnica da livre associação. Isto significa que ele
deixava o paciente deitado, bem relaxado, falando apenas sobre coisas que lhe viessem à cabeça,
por mais irrelevantes, causais, desagradáveis ou penosas que elas lhe fossem. Para o analista,
as associações do paciente no divã trazem indícios de seus traumas e das resistências que
impedem a conscientização. Pois são exatamente os traumas que ocupam os pacientes o tempo
todo, só que não de forma consciente.

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A Interpretação dos Sonhos

Para Freud, o “caminho real” que leva para o inconsciente passa pelos sonhos. Por esta
razão, uma de suas mais importantes obras é o livro A Interpretação dos Sonhos, publicada em
1900. Nele, Freud mostra que nossos sonhos não são meros acasos. Por meio dos sonhos,
nossos pensamentos inconscientes tentam se comunicar com nosso consciente.
Após longos anos de experiências acumuladas no trabalho com seus pacientes, e
também depois de ter analisado os seus próprios sonhos, Freud afirmou que todos os sonhos são
a realização de desejos. Ele dizia que podemos observar isto claramente nas crianças: elas
sonham com sorvetes e cerejas, por exemplo. Em adultos, porém, acontece com frequência de os
desejos a serem satisfeitos no sonho aparecerem disfarçados. Isto acontece porque mesmo
quando estamos dormindo uma censura severa continua a determinar o que podemos nos permitir
ou não. Quando estamos dormindo, esta censura, ou mecanismo de repressão, é mais fraca do
que quando acordados, mas ainda é forte o bastante para desfigurar no sonho os desejos que não
queremos confessar nem a nós mesmos.

Freud mostra que precisamos distinguir entre o sonho, tal como ele nos vem à lembrança
na manhã seguinte, e o seu verdadeiro significado. As próprias imagens oníricas, quer dizer, o
filme ou o vídeo a que assistimos quando sonhamos, ele as chamou de conteúdo manifesto do
sonho. Mas o sonho também tem um significado mais profundo, que permanece inacessível ao
consciente.

E este significado Freud o chamou de pensamentos latentes do sonho. As imagens


oníricas e seus requisitos são geralmente tiradas do passado mais próximo, com frequência dos
acontecimentos que vivemos no dia anterior. Os pensamentos ocultos, porém, vêm de um
passado mais remoto; por exemplo, das primeiras fases de nossa infância.

Pessoas com problemas psíquicos precisam analisar junto com um terapeuta, o sonho,
para entender do que ele trata realmente. Mas não é o médico quem interpreta os sonhos. Ele só
pode fazer isto com a ajuda do paciente. O médico entra nessa situação apenas como uma parteira
socrática que ajuda na interpretação.

O ato de reformular, de converter os “pensamentos latentes do sonho” em “conteúdo


manifesto do sonho” é chamado por Freud de trabalhar o sonho. Podemos falar de um
“mascaramento” ou de uma “codificação” da verdadeira ação que se desenrola no sonho. Na
interpretação do sonho, temos de passar por um processo inverso. Temos de desmascarar ou
decodificar o verdadeiro “motivo” do sonho, a fim de podermos descobrir o verdadeiro “tema” do
sonho.

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“O Homem é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e


vê neles algo de ‘transcendente’, de ‘eterno’ e ‘verdadeiro’, quando os valores
não são mais do que algo ‘humano’, demasiado humano.”. Nietzsche

Vida. Friedrich Wilheln Nietzsche nasceu a 15 de outubro de 1844


em Röcken, localidade próxima a Leipzig, de família de pastores
protestantes. Em 1858, Nietzche obteve uma bolsa de estudos na então
famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis e o
filósofo Fichte (1762-1814).

Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805) e Byron (1788-1824); sob essa
influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente
aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os
clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Influenciado por seu professor
predileto, Ritschl desistiu de estudar teologia e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à
filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas como história das formas literárias, mas como
estudo das instituições e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e realizou
investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A
partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde
permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo
como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860), sendo atraído pelo seu ateísmo.

Em 1867, Nietzche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em
exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig.
Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos
e vivia com Cosima, filha de Liszt (1811-1886). Nietzsche encantou-se com a música de Wagner
e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda. Na universidade, passou a tratar
das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia
no Espírito da Música.

Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu
o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu. Após seu lento
restabelecimento, Nietzsche voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos. Nos anos seguintes
seu estado de saúde piorou, sentindo fortes dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades
na fala. Interrompeu, assim, sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth,
para assistir à apresentação de O Anel dos Nibellungos, de Wagner. Mas o “entusiasmo
grosseiro” da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.

Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o “renascimento da


grande arte da Grécia” mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob
a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se para o cristianismo e tornara-se
devoto. Assim, o rompimento significou, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de
Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são as manifestações da decadência,
isto é, da fraqueza e da negação.

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Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à


cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de frequentar seus
cursos, outrora tão brilhantes.

Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores.
Nesta fase de sua vida, Nietzsche realiza inúmeras viagens pela Alemanha, Itália e Suíça.

Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em
Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas assinando “Dioniso”, ora “o Crucificado” e acabou
sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma “paralisia progressiva”.

A moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar,


a 25 de agosto de 1900.

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE NIETZSCHE

Este pensador foi e continua sendo um dos principais críticos da cultura e valores
ocidental. O pensamento de Nietzsche é poético e desordenado, por isso é difícil reduzi-lo à
unidade. Muitos historiadores, porém, costumam distinguir a evolução de sua filosofia em três
períodos:

1o. Período - É o período “Estético”. Influenciado pelo esteticismo de Wagner e pela


filosofia de Schopenhauer, considera, como supremo valor da vida, a arte. Seu ideal é o homem
heroico, cujo exemplar crê encontrar na época trágica dos gregos. Interpreta, então, a arte grega
conforme os conceitos de Apolo e Dioniso.

Sua obra mais importante deste período é O Nascimento da Tragédia no Espírito da


Música (1871), onde o próprio Nietzsche reconhece que a obra teve enorme influência na
valorização de Wagner como marca do recomeço da tragédia.

Comentários: Nessa obra, Nietzsche, considera Sócrates (470-399 a.C.) um “sedutor”,


por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento (metafísica). A
tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação de Dioniso
e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência
“decadente” de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o
dionisíaco. Apolo é o deus da clareza, da harmonia e das ordens; Dioniso, o deus da exuberância,
da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre
si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho
manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e o Logos.
Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-estado, assinalou o fim da Grécia
antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates
pôde atrair os jovens com a dialética ? Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência
grega já tinha perdido sua “bela imediatez”.

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Para Nietzche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe
unidade entre o pensamento e a vida, esta “estimulando” o pensamento, e o pensamento
“afirmando” a vida. Mas o desenvolvimento posterior da filosofia teria trazido consigo a progressiva
degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo,
a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa “julgar a vida”, opondo a ela valores pretensamente
“superiores” como o Divino, o Belo, o Bem. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu
claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição
entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Com Sócrates, teria surgido
um tipo de filósofo inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido
místico de toda a tradição da época da tragédia.

Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico
da unidade e da morte e, nesse sentido, constitui uma “chave” que abre o caminho essencial do
mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos
sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Segundo
Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: “uma obra só é bela se
obedecer à razão”, fórmula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo “só o homem que
conhece o bem é virtuoso”.

Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo suprassensível, no


“verdadeiro mundo”, inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente
e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre
Sócrates e Dioniso.

Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível


todo e qualquer valor eficiente.

2o. Período: É o período “Teorético”. Perdendo a veneração por seus mestres


(Schopenhauer e Wagner), faz dura crítica contra eles. Passa a considerar o supremo valor da
vida - o conhecimento. Influenciado pela filosofia da ilustração, pelas ciências e pelo Positivismo,
Nietzsche substitui a arte pelo saber. “Wagner é um artista, eu conhecedor”. Predominam, então,
em seu pensamento as ideias do agnosticismo metafísico. Perdida a fé, cai em profunda crise
impregnada de ceticismo. São deste período suas obras Humano, demasiado Humano
(1878/80);Aurora (1880/81); A Gaya Ciência (1881/82).

Comentários: A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido


moral: o combate à teoria das ideias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada
contra o cristianismo. Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale
de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma
metafísica que, à luz das ideias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o
sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche,
“de um platonismo para o povo”, de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar.
O cristianismo continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza
o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escrava
escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos
e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar à miséria; inventaram falsos valores
para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes;
forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado
porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida.

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“Este ódio de tudo que é humano”, diz Nietzsche, “de tudo que é ‘animal’ e mais ainda de
tudo que é ‘matéria’, este horror dos sentidos... este temor da felicidade e da beleza; este desejo
de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso
significa... vontade de aniquilamento (niilismo), hostilidade à vida, recusa em se admitir as
condições fundamentais da própria vida”.

Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores


do cristianismo: “munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos
subterrâneos do ideal”. A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método
filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois
procura “fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo”. Nietzsche traz à tona, por exemplo,
um significado esquecido da palavra “bom”.

Em latim, bonus significa também o “guerreiro”, significado este que foi sepultado pelo
cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se
poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de “bem” e de
“mal”.

A etimologia nietzschiana mostra que não existe um “sentido original”, pois as próprias
palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos. As palavras, segundo
Nietzche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado,
mas impõe uma interpretação.

O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que


existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação.

3o. Período: Nietzsche inicia o último e definitivo estágio de seu pensamento, orientado
para o supremo valor da vontade, que se sintetiza na fórmula: “vontade de poder”. É o período,
pois, que abrange suas concepções de transmutação de todos os valores e da moral. Escreveu
então: Assim falou Zaratustra (1883/85); Para Além do bem e do mal (1885/86); Sobre a
Geneologia da Moral (1887); O Crepúsculo dos Ídolos (1888); O Anticristo (1888); e Ecce
Homo (1888).

Comentários: Em 1883, Nietzsche escreveu Assim Falou Zaratustra. Foi sua obra-
prima. Trata-se de um dos grandes livros do século XIX. No entanto, Nietzsche teve grandes
dificuldades para imprimi-lo; a primeira parte ficou atrasada, porque as prensas do editor estavam
ocupadas com uma encomenda de quinhentos hinários, e depois por uma torrente de panfletos
antissemitas, e o editor recusou-se a imprimir a última parte, achava que não valia um tostão
furado; assim o autor teve de pagar a edição do próprio bolso. Foram vendidos quarenta
exemplares do livro; sete foram dados de presente; só uma pessoa agradeceu; ninguém o elogiou.
Nunca houve um homem tão só.

Comentemos resumidamente a obra:

Zaratustra com trinta anos de idade desce de sua montanha, contemplativo, para pregar
às multidões, como o seu protótipo persa, Zoroastro; mas a multidão lhe dá as costas para ver o
trabalho de um homem que andava numa corda. O homem cai, e morre. Zaratustra o põe nos
ombros e o leva embora; “como fizeste do perigo a tua profissão, irei enterrar-te com minhas
próprias mãos”. “Vivei, perigosamente”, prega ele. “Construí-vos vossas cidades ao lado do
Vesúvio. Enviai vossos navios para mares inexplorados. Vivei em estado de guerra”.

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E lembrai-vos de não acreditar. Zaratustra, descendo da montanha, encontra um velho


eremita que lhe fala sobre Deus. Mas quando Zaratustra ficou sozinho, assim falou com seu
coração: “Será mesmo possível? Esse velho santo, na sua floresta, ainda não sabe que Deus
morreu”. Mas é claro que Deus estava morto; todos os Deuses estavam mortos.

Zaratustra se tornou, para Nietzsche, um Evangelho sobre o qual seus livros posteriores
eram meramente comentários.

IDÉIAS CENTRAIS NO PENSAMENTO DE NIETZSCHE

Morte de Deus - Deus está morto! Para o filósofo não trata de uma blasfêmia, mas de
um fato consumado. Deus vivia na consciência humana, agora o homem repeliu essa existência.
“Vós o haveis matado, vós e eu. Somos seus assassinos”. É Zaratustra que nos diz: “Deus
devia morrer. Se houvera Deus, como suportaria eu o não sê-lo? (...) “Esta vontade me afastou de
Deus e dos deuses, porque, que poderia eu criar se houvera Deus?”. (...) “desde que Deus não
existe, a solidão tornou-se intolerável; é preciso, pois, que o homem superior, ponha as mãos à
obra”.

Fidelidade a terra - Uma vez que Deus está morto, não existe outro mundo, senão o
nosso. A vida terrena é a única realidade. “Eu vos conjuro, meus irmãos, continuai fiéis à Terra e
não acrediteis naqueles que vos falam de esperanças supraterrestres! Envenenadores eles são,
quer saibam, quer não.”

Vontade de Poder - A “vontade de viver” de Schopenhauer transforma-se em “vontade


de poder”. O filósofo pergunta: “Que é a vida?” e ele mesmo responde: “Onde encontrei a vida, ali
encontrei a vontade de poder”. Sua vontade de poder determina nova medida de valores: “O que
é o bem? Tudo o que eleva o sentimento de poder, a vontade de domínio, o próprio domínio no
homem. Que é o mal? Tudo o que vem da debilidade. Não aceitamos a conformidade e a
resignação, mas o poder; não a paz, mas a guerra; não a virtude, mas a destreza”.

Moral dos Senhores - Da “vontade de poder” decorre a moral dos senhores e a moral
dos escravos. Para Nietzsche: “Os bons são os fortes, os valorosos, os nobres, os criadores, os
senhores. Seus contrários são os débeis, os covardes, os deserdados da vida, os pusilânimes, os
escravos”. A distinção entre ambas as morais conduziu Nietzsche a uma visão da História
dominada pelo mito da “rebelião dos escravos”. O ressentimento dos fracos contra os fortes levou-
os a canonizar pouco a pouco sua própria debilidade, até convertê-la numa série de virtudes
agradáveis a Deus. O sofrimento, a paciência, a humildade, a bondade, a compaixão, etc. Esta
grande subversão de valores realizou-se principalmente no judaísmo e foi consumada pelo
cristianismo. Na verdade, Nietzsche é que é o filósofo da transmutação dos valores.

O Super-homem - Como consequência da moral dos senhores e termo final de sua


filosofia, Nietzsche apresenta a teoria do super-homem. Assim como a moralidade não está na
bondade, mas na força, a meta do esforço humano não deveria ser a elevação de todos, mas o
desenvolvimento dos melhores e mais fortes indivíduos. “A meta não é a Humanidade, mas o
super-homem”. Para chegar a ela, estabelece o princípio de que os fracos devem sucumbir. Critica
as correntes pragmáticas, democráticas e socialistas e proclama sem restrições o princípio da
individualidade poderosa. O homem deve ser criador de valores. O homem deve superar-se,
tornar-se um super-homem.

O eterno retorno - Para concluir, Nietzsche afirma que o mundo passa e voltará a passar
indefinidamente pelas mesmas fases e cada homem voltará a ser o mesmo em novas existências.

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NIETZSCHE, PRECURSOR DO NAZISMO?

Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de
potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista,
de tal forma que se passou a ver no autor de Assim falou Zaratustra um precursor do nazismo. A
principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de
seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do
nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto
colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar
Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até
1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de
sua própria filosofia, que não se coaduma com o nacionalismo e o racismo germânico. Ambos
foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).

Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor
patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como
consequência “um poder altamente perigoso para a cultura”. Nessa época, insistia junto a seus
alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de
verdadeira grandeza.

Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para
enfrentar o nacionalismo (“essa neurose”) que ameaçava subverter a cultura europeia. Assim
esboçou, Nietzsche a caricatura e seu desprezo pelos alemães: “homens que introduziram no
lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados
como uma cifra oculta em um número”. E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por
causa do nacionalismo e antissemitismo.

Para compreender corretamente as ideias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto,


purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao
mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. “A democracia é a forma histórica da
decadência do Estado”, afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza
o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si ao invés de pensar na cultura. Em
Considerações Extemporâneas (1873/74) essa tese é reforçada: “estamos sofrendo as
consequências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o
Estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero
tal fato não um retrocesso ao paganismo, mas um retrocesso à estupidez”. Por outro lado,
Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a
convenção; essas teorias seriam apenas “fantásticas”; para ele, ao contrário, o Estado tem uma
origem “terrível”, sendo criação da violência e da conquista e, como consequência, seus alicerces
encontram-se na máxima que diz: “o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não
seja arrogância, usurpação e violência”. O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na
formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da
cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas
um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
140

Embora o século XIX tenha testemunhado o início das democracias modernas, foi lento
o surgimento de governos democráticos. Até 1900, apenas homens tinham o direito a votar. Pouco
a pouco, no entanto, a campanha em defesa dos direitos da mulher ganhou força. Ao longo dos
50 anos que se seguiram, a maioria dos países democráticos concedeu o voto à mulher e sua
consequente participação na política.

No século XX, a população mundial aumentou para mais de 6 bilhões. Hoje, mais do que
nunca, uma grande parcela dessa população concentra-se em cidades, em áreas de altíssima
densidade. Não surpreende que boa parte da história do século tenha sido a história de grandes
massas populacionais.

Em nenhum outro momento nota-se isso com mais clareza do que no período das duas
guerras mundiais, os conflitos mais devastadores da história da humanidade. Estima-se que cerca
de onze milhões de pessoas morreram na Primeira Guerra. A Segunda, com um impressionante
número de vítimas civis, pode ter causado a morte de mais de quarenta milhões de pessoas. O
lançamento das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, no final
da Segunda Guerra Mundial, criou a possibilidade de guerras ainda mais destrutivas.

Extremismos políticos dominaram a vida de várias nações do planeta. Sistemas baseados


no comunismo e capitalismo se digladiaram a maior parte do século. Entretanto, com o
desenvolvimento de uma economia global e das comunicações de massa, as tensões nacionais
são mais do que nunca do interesse do mundo como um todo. A organização das Nações Unidas
está amplamente envolvida na ajuda e na arbitragem no mundo inteiro e dedicada à manutenção
da paz mundial.

O século vinte foi um período de mudanças aceleradas. A tecnologia evoluiu com mais
rapidez, e com um alcance maior do que nos séculos anteriores. Invenções e descobertas do
século XIX, do rádio e o cinema ao automóvel e o telefone, desenvolveram-se de tal modo que
ultrapassaram os mais delirantes sonhos dos pioneiros. E novos avanços, como o transporte
aéreo, a exploração espacial, a televisão e o computador, transformaram o mundo, facilitando
ainda mais a viagem e a comunicação e abrindo novas perspectivas nas áreas da educação e do
entretenimento. O progresso científico foi igualmente rápido. Os astrônomos descobriram que
nossa galáxia, a Via-Láctea, é apenas uma entre cem bilhões de outras que se afastam de si a
velocidades colossais. Cientistas acreditam que essa expansão se deve a uma explosão inicial, o
chamado Big Bang.

À medida que evoluímos tecnologicamente e aprendemos sobre o Universo, tornamo-nos


cada vez mais cientes da intricada interação das forças que existem no mundo. Temos agora um
entendimento maior de como a tecnologia pode perturbar facilmente o equilíbrio da Natureza.
Cientistas, políticos e líderes espirituais do final do século XX advertem para que acompanhemos
de perto nossos avanços tecnológicos a fim de garantir que estes não venham a acarretar novos
desastres ecológicos e humanos, como a aquecimento global, a explosão da usina nuclear ou o
buraco na camada de ozônio.

Os grandes acontecimentos do século XX – migrações em massa, comunicação de


massa, evolução acelerada da tecnologia – levaram à constatação de que, para haver
prosperidade no século XXI, teremos de adotar uma perspectiva cada vez mais global.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
141

O mundo contemporâneo valoriza e coloca no centro de seus valores o Homem e seu


conforto. Com a tecnologia científica, os fundamentos últimos da nossa civilização ou, em outros
termos, o “Espírito” da nossa época é: “transformar este mundo num lugar bom e confortável para
o homem viver”. Por essa razão, Heidegger, define o homem moderno como um ser no mundo,
no sentido de que deve criar, neste mundo, seu espaço e seu objetivo de vida. O “Espírito”
contemporâneo:

1) Valoriza a vida, aqui na Terra.


2) Valoriza a ciência e sua tecnologia, como meios de conhecer e dominar as forças da
Natureza (deste Mundo).
3) Reconhece nossa historicidade, assumindo a consciência de que somos seres
históricos.
4) Valoriza a consciência planetária que inclui a responsabilidade pela conservação,
preservação e destino do nosso Planeta.

OS VALORES FUNDAMENTAIS DA IDADE CONTEMPORÂNEA

1) Poderíamos apresentar a Ciência ou a cientificidade como o primeiro dos valores


fundamentais em que se apóia a Idade Contemporânea. É uma ideia-força, em nossas cabeças.

Como sabemos, a Ciência se traduz em tecnologia*. E aqui surge uma pergunta


importante. O homem atual está pretendendo conhecer o Mundo, desinteressadamente, ou
dominá-lo? Na realidade, a Ciência se torna mais do que uma forma de conhecimento. É um
domínio crescente da Natureza. É este aspecto tecnológico que interessa, fundamentalmente, ao
“Espírito” contemporâneo.

2) O segundo valor característico do “Espírito” contemporâneo é a consciência histórica.

O homem acontece na História. É vivido, até certo ponto, pelos valores de cada época.

Qual o herói da cultura moderna? Um santo, um líder militar ou guerrilheiro, um cientista,


um gênio, um grande industrial, um artista, um desportista, um estadista? Sua escolha pessoal
estará determinada pelo “clima social” da nossa época, certamente.

Depois da Primeira Revolução da Humanidade (a da Agropastoril na Antiguidade), alguns


homens se transformaram em máquinas (escravos). Com a Segunda Revolução (a Industrial), do
século XVII, em peças de máquinas (nas linhas de montagem), e na Terceira Revolução (a
Eletrônica), já se está transformando máquinas em homens (robôs).

(*) Tecnologia é o conhecimento científico que passa para a prática ou que se transforma num
instrumento de modificação de algum aspecto da natureza. A Ciência não se confunde com a
tecnologia, mas esta pertence à essência do conhecimento científico.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
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3) A terceira característica de nossa época é a valorização do indivíduo. No centro de


nosso momento histórico está o Homem, por essa razão dizemos que, neste nosso tempo, há uma
valorização do homem. Tal valorização ocorre porque ele está no centro do acontecer, embora,
na prática, haja um longo caminho a percorrer para valorizar cada indivíduo.

Temos atualmente bilhões de indivíduos, todos teoricamente no centro de nossa época.


Cada um é um ser autônomo. O que é que vai ligar, ordenar, unificar estes indivíduos? No
passado, era Deus, o Outro Mundo, que unificava os indivíduos. E hoje?

Por um contrato social informalmente aceito e pelo conjunto de leis: constituições,


códigos, regulamentos, normas, estatutos; além disso, por um sentido comunitário pelo qual sente
que pertence a um todo que é a Comunidade.

O homem contemporâneo aprende que seu lugar é esta Terra e que é fundamental
reconciliar-se consigo mesmo e com os outros. Precisa compreender que:

- a vida é uma possibilidade, um sim e um não, isto é, o continuar vivo ou não é uma
alternativa que acontece;
- a vida está abandonada a seu próprio destino, mas, como ser racional, o homem tem
condições de conduzir-se satisfatoriamente;
- não pediu para nascer e tem diante de si a morte;
- é preciso ter fé na vida.

Estes temas marcam muito a Filosofia Contemporânea. Demos as características gerais


da nossa época. Agora vamos ver como alguns pensadores as elaboraram filosoficamente.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
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Marshall Mcluhan o Wittgenstein Habermas Bertrand Russell


Filósofo da Mídia Filósofo da Linguagem Escola de Frankfurt Filósofo da Paz

Herbert Marcuse Teilhard de Chardin Erich Fromn Piaget


Filósofo Social Evolucionismo Cristão Filósofo da Ética Epistemologia Genética

Husserl Lévi-Strauss William James Sartre


Fenomenologia Estruturalismo Pragmatismo Existencialismo

Bérgson Karl Popper Chomsk


Lukács
Filosofia da Vida Círculo de Viena Filósofo Pós – Moderno
Neomarxismo

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
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EDMUND HUSSERL
1859 - 1938

Foi o fundador e principal representante do movimento fenomenológico. A Fenomenologia


é um método para a descrição e análise da consciência através do qual a filosofia tenta
obter um caráter estritamente científico.

Filósofo e matemático austríaco é autor de Introdução à Fenomenologia


Pura (1913), A Filosofia como Ciência de Rigor (1923) e Meditações
Cartesianas (1931).
Marx e Nietzsche, influenciaram profundamente Husserl. O mesmo era
um crítico do idealismo Kantiano. Husserl teve como discípulos Martin
Heidegger, Sartre e outros.

O título de sua conferência inaugural em Hale, onde ensinou de 1887 a1901, foi "Sobre
os objetivos e problemas da metafísica". O objeto tradicional da metafísica é o estudo do Ser. O
texto se perdeu, mas é provável que nele Husserl já apresentasse seu método de análise da
consciência como o caminho para uma nova e universal filosofia e uma nova metafísica.

Para ele a base filosófica para a lógica e a matemática precisa começar com uma análise
da experiência que está antes de todo pensamento formal. Isto obrigou-o a um intenso estudo dos
empiristas ingleses John Locke, George Berkeley, David Hume, e John Stuart Mill, e familiarizar-
se com a terminologia da lógica e semântica derivada daquela tradição.
Essa integração de suas ideias com o pensamento empirista levou-o às concepções
apresentadas em sua famosa obra "Investigações lógicas" (1900-01), onde apresentou o método
de análise que chamou "phenomenologico".
Em seu esforço de pesquisa, Husserl chegou a um extremo: anotava todos os
movimentos de seu pensamento. Durante sua vida produziu mais de 40.000 páginas
estenografadas.

Neste sentido ele havia lançado em suas aulas sobre Filosofia Primeira (1923-24) a tese
de que a Fenomenologia, com seu método de redução é o caminho para a absoluta justificação
da vida, ou seja, para a realização da autonomia ética do homem.

Muitos visitantes estrangeiros compareciam aos seus seminários. Por um período Rudolf
Carnap, figura de proa do Círculo de Viena, onde nasceu o Positivismo lógico. Reconhecimento
vindo de fora não faltou. Em 1919 a Universidade de Bonn conferiu-lhe o título de Doutor honoris
causa. Fez palestras na Universidade de Londres (1922), na universidade de Amsterdã e, mais
tarde, em 1930, na Sorbone.

Quando ele aposentou em 1928, Martin Heidegger, que haveria de tornar-se um expoente
do existencialismo e um dos mais importantes filósofos alemães, foi seu sucessor.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
145

Husserl o havia considerado seu herdeiro legítimo. Somente mais tarde viu que a principal
obra de Heidegger, "O ser e o tempo" de 1927, havia dado à Fenomenologia uma reviravolta que
a levaria para um caminho totalmente diferente. Seu desapontamento fez que seu relacionamento
com Heidegger esfriasse depois de 1930.

Com a chegada ao poder de Adolf Hitler em 1933 ele foi excluído da universidade. Porém
recebia a visita de filósofos e intelectuais estrangeiros. Condenado ao silêncio na Alemanha, ele
recebe, na primavera de 1935, um convite para falar para a Sociedade Cultural em Viena, onde
discursou por duas horas e meia sobre "A filosofia na crise da humanidade européia " palestra que
repetiu dois depois.

Enfermo a partir de 1937, disse desejar morrer de um modo digno de um filósofo "Eu vivi
como um filósofo, disse, e eu quero morrer como um filósofo".

FILOSOFIA

Husserl achava que os filósofos estavam complicando a teoria do conhecimento, em lugar


de considerarem com objetividade o fenômeno da consciência como é experimentado pelo
homem. O que importava, para ele, era o que se passava na experiência de consciência, através
de uma descrição precisa do fenômeno. Por isso deu o nome de "fenomenologia" à sua teoria que
deveria ser uma ciência puramente descritiva, para somente depois passar a uma teoria
transcendental à experiência, o seja, para além do método cientifico.

As teorias do conhecimento de Descartes e de Kant tinham um defeito insanável, em seu


entender. Era o fato de faltar qualquer certeza de que o que aparece na consciência
correspondesse inteiramente ao real. O que havia era uma "pressuposição" de que aquilo que
estava na consciência guardava relação de alguma sorte com os objetos correspondentes do
mundo exterior. A filosofia, a mais fundamental das ciências, devia ficar livre de suposições.
Pensar o mundo somente poderia ser feito depois de bem examinado como esse mundo é matéria
no campo da consciência. Em sua opinião não adiantava em nada discutir uma teoria do
conhecimento sem esse primeiro passo, pois o que tinha existência verdadeira e assegurada eram
os fatos da consciência. Husserl colocaria qualquer problema filosófico tradicional entre aspas,
para ser examinado somente após estar completa a descrição fenomenológica. A isto chamou
criar uma "época" para a questão em exame.
Com este procedimento queria chegar a uma metodologia perfeita para a filosofia, de
modo a garantir a certeza absoluta, e buscou estudar o que John Locke já havia escrito a respeito.
Somente mais tarde, no que foi considerada uma reviravolta em seu pensamento, Husserl passou
ao estudo do Eu, do que existe no Eu que lhe faculta o conhecimento, o que foi considerado um
retrocesso à filosofia transcendental de Kant.

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O pragmatismo não constitui na verdade um novo sistema filosófico, mas um novo método
que pretende eliminar as discussões intermináveis e estéreis dos filósofos. Os pragmatistas não
indagam se uma teoria é verdadeira em si mesma, mas que frutos poderá produzir para a vida
prática, uma vez aceita como verdadeira ou falsa. Assim, que utilidade terá para a vida humana a
crença numa estrutura monista ou pluralista do Universo; a afirmação ou negação da existência
de Deus, do determinismo, do livre arbítrio? Se as consequências práticas de opiniões opostas
são iguais, ambas terão o mesmo valor e qualquer discussão em torno delas será inútil.

No concernente a Deus, não importa indagar sua existência ou natureza, mas estabelecer
a veracidade útil da doutrina que afirma sua existência para melhorar a vida humana. Verifica-se,
assim, que a religião sendo fonte de paz, alegria e energia moral, e que nem os indivíduos, nem
as sociedades encontraram outra fonte de dedicação e desinteresse que a pudesse substituir;
logo, sendo útil, necessária, insubstituível, é verdadeira.

Em resumo, os pragmatistas pedem às teorias filosóficas não a “solução” de um


problema, mas um “programa” de trabalho futuro. Assim, a utilidade é critério de verdade. Um
conhecimento não será útil por ser verdadeiro, mas ao contrário, será verdadeiro por ser útil.

Por isso afirmou o Pe. França: “como a utilidade pode variar de indivíduo para indivíduo,
de época para época, a noção pragmática da verdade é subjetiva, dinâmica, relativa e imanente”.

John Dewey (1859 – 1952) foi o primeiro expoente do


pragmatismo, a escola filosófica mais importante que surgiu nos Estados
Unidos. O fato de ela ser americana é bastante significativo, pois, antes do
pragmatismo, a filosofia ocidental era exclusivamente europeia. O
pragmatismo foi desenvolvido pelo filósofo americano William James,
incorporando especificamente valores americanos. Antes do pragmatismo,
esses valores pareciam incompatíveis com a filosofia ocidental. O anti-
intelectualismo da cultura americana, que evitava o elitismo cultural
associado à filosofia europeia, não tinha opção filosófica. O pragmatismo
ofereceu-lhe essa opção. Foi por isso que os intelectuais europeus
reagiram de forma negativa (e muitos ainda hoje demonstram essa atitude)
à tentativa dos pragmatistas de fazer a filosofia colocar os pés no chão.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
147

WILLIAN JAMES
1842-1910

Willian James nasceu a 11 de janeiro de 1842, em Nova York. A


família era muito rica e vivia numa atmosfera altamente intelectual. O pai
(Henry James, sênior) fazia parte do grupo dos transcendentalistas
(místicos swedenborgianos), formado dentre outros, pelo famoso místico
Ralph Waldo Emerson (1803-1882). Os transcendentalistas reagiram
contra o pessimismo e morbidez do calvinismo. Acreditavam na bondade
natural do homem e em suas possibilidades de alcançar o conhecimento
de Deus e praticar as virtudes morais, independentemente da graça divina.
Os transcendentalistas eram poetas e místicos que acreditavam na
verdade atingida pela intuição subjetiva. Os trancendentalistas, foram
ainda progressistas politicamente, defendendo os direitos naturais, a
igualdade social e a abolição da escravatura.

Em 1861, ingressou na Universidade de Harvard, estudando inicialmente química e


depois anatomia e fisiologia. Em 1864 começou a estudar medicina e no ano seguinte, na
qualidade de assistente do naturalista Loius Agassiz (1807-1873), acompanhou-o numa famosa
expedição científica à floresta amazônica (Brasil), onde contraiu varíola e teve afetado sua
sensibilidade visual.

Em 1867, William James encontrava-se na Alemanha, estudando fisiologia experimental.


Da Alemanha deslocou-se para Cambridge, para graduar-se em medicina. Formou-se em
medicina em Harvard, em 1870, e em 1873 iniciou a carreira de professor universitário, lecionando
anatomia e fisiologia em Harvard. Aí, James permaneceu até 1907, ocupando sucessivamente as
cadeiras de anatomia, fisiologia, psicologia e filosofia. Além do ensino, dedicou-se à redação de
inúmeras obras, até o fim da vida, em 1910.

CONTRIBUIÇÕES DE WILLIAN JAMES PARA A PSICOLOGIA

Willian James foi o primeiro norte-americano a organizar um laboratório de psicologia


experimental. Seu projeto metodológico de construção de uma nova psicologia levou Willian
James a algumas contribuições fundamentais no domínio dessa disciplina. Entre as principais,
encontram-se seu célebre conceito de “fluxo de consciência” (ideia de que a consciência não
constitui uma estrutura fixa, possuidora de certas faculdades; seria, ao contrário, um fluxo
permanente, isto é, um processo dinâmico que se organiza em vista de um fim), e sua teoria das
emoções.

A teoria das emoções de James tenta explicar o que realmente determina a emoção. Para
explicação do problema existem duas teorias: a psicológica e a fisiológica.

Teoria Psicológica -É também chamada “intelectualista” ou “tradicional”. Segundo essa


teoria é a percepção mental de um objeto ou de uma situação que determina a emoção. As
perturbações orgânicas, que se manifestam simultaneamente são consequências acidentais e
secundárias do fato psicológico.
Teoria Fisiológica - desde Descartes e seguida por Willian James, esta teoria afirma que
“a emoção não é nada mais do que a consciência das perturbações fisiológicas”.

Assim, segundo a teoria psicológica ou tradicional dizemos: “choramos porque estamos


tristes”, a teoria fisiológica afirma: “estamos tristes porque choramos”.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
148

O que significa o pragmatismo *

O método pragmático é, primariamente, um método de assentar disputas metafísicas que,


de outro modo, se estenderiam interminavelmente. É o mundo um ou muitos? - predestinado ou
livre? - material ou espiritual? - eis aqui noções, quaisquer das quais podem ou não ser verdadeiras
para o mundo; e as disputas em relação a tais noções são intermináveis. O método pragmático
nesses casos é tentar interpretar cada noção traçando as suas consequências práticas
respectivas. Que diferença prática haveria para alguém se essa noção, de preferência àquela
outra, fosse verdadeira? Se não pode ser traçada nenhuma diferença prática qualquer, então as
alternativas significam praticamente a mesma coisa, e toda disputa é vã. Sempre que uma disputa
é séria, devemos estar em condições de mostrar alguma diferença prática que decorra
necessariamente de um lado, ou o outro está correto.
Uma olhada à história da ideia mostrará ainda melhor o que significa o pragmatismo. O termo
deriva da mesma palavra grega pragma, que significa ação, do qual vêm as nossas palavras
“prática” e “prático”. Foi introduzido pela primeira vez em filosofia por Charles Peirce, em 1878.
(...) Permaneceu inteiramente despercebido por vinte anos, até que eu, em uma alocução perante
a reunião filosófica do professor Howison, na Universidade da Califórnia, trouxe-o à baila
novamente e dei-lhe uma aplicação especial na religião.

(...) Não há nada de novo absolutamente no método pragmático. Sócrates foi adepto dele.
Aristóteles empregou-o metodicamente. Locke, Berkeley e Hume fizeram contribuições
momentâneas à verdade por seu intermédio. (...) Esses precursores do pragmatismo, porém,
usaram-no de maneira fragmentária: apenas o preludiaram. Não foi senão em nossa época que
se generalizou, tornou-se consciente de uma missão universal, aspirou a um destino conquistador.
Acredito nesse destino, e espero poder terminar transmitindo-lhes toda a minha fé.

(...) A metafísica tem, comumente, seguido uma trilha muito primitiva de interrogatório.
Sabe-se quanto os homens têm suspirado por poderes mágicos ilícitos, e se sabe também a
grande parte que as palavras sempre desempenharam na magia. Se temos o nome ou a fórmula
de encantamento que lhe diz respeito, pode-se controlar o espírito, gênio, entidade ou qualquer
que seja o poder. Salomão sabia os nomes de todos os espíritos, e, tendo os seus nomes,
mantinha-os sujeitos à sua vontade. Assim, o universo tem sempre aparecido ao espírito natural
como uma espécie de enigma, do qual a chave deve ser procurada na configuração de algum
nome ou palavra mágica ou iluminada. Esta palavra designa o princípio do universo, e possuí-la
é, de certo modo, possuir o próprio universo. “Deus”, “Matéria”, “Razão”, “Absoluto”, “Energia”, são
muitos desses nomes encantados. Podemos repousar quando os temos. Chegamos ao fim de
nossa pesquisa metafísica.

Se, porém, seguimos o método pragmático, não podemos limitar a nenhuma dessas
palavras como definitiva. Tem-se de extrair de cada palavra o seu valor de compra prático, pô-lo
a trabalhar dentro da corrente de nossa experiência. Desdobra-se, então menos como uma
solução do que como um programa para mais trabalho, e mais particularmente como uma
indicação dos caminhos pelos quais as realidades existentes podem ser modificadas.

(*) Segunda Conferência de oito conferências, onde Willian James apresenta sua concepção de
pragmatismo. Trechos selecionados de sua obra principal, Pragmatismo (1906/07), Coleção
Os Pensadores.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
149

BERGSON
(1859-1941)

O método bergsoniano tenta levar as pessoas a enxergar, para além das palavras, a
realidade subjacente. A linguagem, sem dúvida, é útil, é indispensável à ação, à
comunicação, mas para a meditação, para a Filosofia, será necessário entrar mais fundo no
real.

Bergson nasceu na cidade de Paris em 1859. Graduou-se em Filosofia


e foi indicado para a cátedra de Filosofia do Liceu de Clermont-Ferrand. Em 1097
ganhou fama universal com sua obra-prima A Evolução Criadora, tornando-se
a estrela do mundo filosófico do início do século XX. Em 1914, foi eleito para a
Academia Francesa e, em 1928, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Manteve
uma extensa correspondência com Willian James. Faleceu em 1941.

Henri Bergson foi um pensador original. No exercício de sua filosofia beneficiou-se das
Ciências modernas, a Biologia, a Física e, sobretudo a Psicologia nascente. Quase toda a obra de
Bergson está ligada ao problema da duração e do movimento.

Um dia, ao terminar uma aula sobre Zenão de Eléia, continuou, em um passeio através
da floresta, a meditar sobre o famoso problema de Aquiles e da tartaruga. Esse paradoxo clássico
é bem conhecido. Se, numa corrida, entre os dois, a tartaruga começar com uma pequena
dianteira, Aquiles nunca a alcançará. Considerando-se que, a cada espaço de tempo, tanto
Aquiles como a tartaruga avança um ponto do espaço total, a cada momento, tanto aquele como
esta avançam um ponto apenas. Assim, não poderão encontrar-se.

Apesar disso, dizia a si mesmo o jovem professor: “eu sei que ele a alcançará. É o meu
bom senso que o afirma. É o que prova a experiência. Mas, qual é a explicação dessa velha
dificuldade? Pela razão, partindo dos postulados estabelecidos, Zenão tinha razão. Mas, pela
intuição, que penetra nas coisas de forma mais autêntica e genuína, vejo que, no mundo real, isto
é puro jogo ge palavras”.

Percebeu que Zenão, como os físicos, estava transformando um movimento contínuo no


tempo em um fragmento de espaço, que pode ser medido à vontade.

Mas a verdadeira duração é um fluxo contínuo, O nosso tempo interior não é o relógio. O
problema de Zenão é apenas um problema de palavras mal-empregadas. O raciocínio prova que
Aquiles não alcançará jamais a tartaruga. A intuição sabe que lhe bastam alguns passos para
chegar até ela. É a intuição que tem a resposta certa.

Intuição é uma visão direta e imediata de algo, sem recursos intermediários. Uma
intuição pode ser preparada por muito trabalho anterior, mas, no momento em que ocorre, a coisa
é percebida diretamente.

Bérgson não tardou a descobrir que, em outros pontos fundamentais, a intuição levava
vantagem sobre o conhecimento discursivo.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
150

POSITIVISMO OU EMPIRISMO LÓGICO E A FILOSOFIA ANALÍTICA

A partir de 1930, ressurge, na Europa e de modo especial em Viena, Áustria, um


movimento filosófico todo voltado para os problemas da Lógica e das Ciências. Com o início da
Segunda Guerra Mundial, em 1939, muitos destes pensadores emigraram para os Estados
Unidos, onde ainda hoje são uma expressão significativa na Filosofia Americana.

Para eles, a função da Filosofia é a análise, o esclarecimento da estrutura linguística e


lógica da linguagem e, de modo especial, da linguagem científica. Para estes pensadores, a
Filosofia nada podia dizer sobre a Realidade, sobre o mundo. Seus enunciados não eram
passíveis de verificação. O que os filósofos podiam fazer era analisar a linguagem e a metodologia
que os cientistas utilizam na criação das Ciências.

Podemos dividir esta corrente em dois grupos principais: De um lado, temos o Círculo de
Viena, formado por Carnap, Karl Popper e outros pensadores e de outro, podemos mencionar a
Escola de Oxford, agrupada em torno de Bertrand Russell e Wittgenstein, sempre preocupada
com a análise lógica da linguagem e da verdade.

O Círculo de Viena foi um grupo de filósofos, cientistas e matemáticos, organizado


informalmente em Viena à volta da figura de Moritz Schlick. Encontravam-se semanalmente, entre
1922 e finais de 1936, ano em que Schlick foi assassinado por um estudante universitário irado.
Muitos membros deixaram a Áustria com a ascendência do partido Nazista, tendo o círculo sido
dissolvido em 1936. O seu sistema filosófico ficou conhecido como o "Neopositivismo Lógico".
Suas intenções eram claras: queriam livrar a filosofia do que consideravam ser metafísica sem
sentido; libertá-la totalmente da idéia de que se pode produzir verdades sobre a existência humana
que não podem ser provadas e que transcendem a ciência. Um exemplo típico dessas verdades
é o sustentado pelo fundador da filosofia ocidental: Platão. Ele foi o primeiro a especular sobre a
existência de certas formas e idéias universais às quais o filósofo, por privilégio, teria acesso. Sua
busca ocupou grande parte da filosofia ocidental desde então, e era exatamente essa busca que
os membros do Círculo de Viena acreditavam ser completamente sem sentido. Tal crença fez com
que a Escola de Viena logo adquirisse a reputação de descartar sem piedade tudo que
considerasse especulação filosófica inútil e infundada. Uma vez tendo demonstrado a falta de
sentido da metafísica, a tarefa da filosofia deve ser determinar o que tem e o que não tem sentido.
Em outras palavras, determinar um conjunto de critérios que possa ser utilizado para verificar a
veracidade de afirmações e proposições.

A Escola de Oxford estava comprometida com a filosofia analítica. A maioria dos


filósofos de Oxford foram acadêmicos de língua inglesa que viveram depois da metade do século
XIX. A filosofia analítica, tal como é praticada por seus primeiros expoentes, preocupavam-se,
sobretudo com conceitos e proposições. Para eles, mesmo não esgotando o domínio da filosofia,
a analise fornece um instrumento de vital importância para a revelação da forma lógica da
realidade. Segundo Wittegenstein, o herdeiro de Bertrand Russell na Universidade de Cambridge
no começo do século XX, a estrutura da linguagem revela a estrutura do mundo; toda sentença
que possui significado pode ser analisada em partes constituintes atômicas da realidade. Depois
de Wittgenstein, a filosofia analítica em Oxford e Cambridge passou a ser dominada pelo que se
chamou de Filosofia da Linguagem.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
151

KARL POPPER
1902 – 1995

Karl Popper desenvolveu uma das explicações mais convincentes sobre a ciência. Segundo
ele, a dedução, e não a indução, foi o processo que guiou o curso da ciência desde o
matemático Pitágoras até a atual comunidade científica.

Karl Raimund Popper, nasceu em Viena, em 1902.


Durante a juventude, quando era ainda um estudante em meio à
atmosfera política carregada da Viena da década de 30, Popper
envolveu-se de forma bastante ativa com o marxismo.
Descendente de judeus, ele foi assaz prudente para sair de
Viena e de 1937 a 1945 foi professor de Filosofia na
Universidade da Nova Zelândia. Depois da guerra, Popper foi
para a Inglaterra e, em 1949, tornou-se professor de Lógica e
Método Científico na Escola de Economia de Londres. Recebeu
o título de cavaleiro em 1965 e viveu na Inglaterra até sua morte,
em 1995.

Um dos temas filosóficos mais presentes desde o século XVIII é a tentativa da filosofia
de explicar o êxito da ciência, já que esta ameaça a relevância e o valor daquela. Por que os
acadêmicos vão interessar-se pela filosofia, se a ciência pode fornecer respostas relativas ao
sentido da existência com mais vigor e segurança? Na virada do século XX, mais filósofos
mostravam-se dispostos a admitir a supremacia da ciência em relação a assuntos sobre os quais
antes a filosofia pretendia ter um conhecimento privilegiado.

Foi dentro deste contexto que Karl Popper contribuiu para a filosofia, ao fornecer uma das
explicações mais significativas do progresso científico. Ela baseia-se, sobretudo, em uma teoria
sobre o funcionamento da ciência e sobre como se pode distingui-la de processos não-científicos.

Quando Popper escreveu A Lógica da Investigação Científica, o conceito padrão do


método científico e de sua especificidade era dominado pela teoria da indução válida até hoje,
ainda que em menor grau. Segundo essa visão, o procedimento da ciência caracteriza-se, em
primeiro lugar, por coletar fatos inferidos da observação objetiva e examiná-los com o fim de
identificar padrões e conexões que possam sugerir certa hipótese sobre determinado fenômeno.
Por exemplo, “a água ferve a 100 graus centígrados”. A hipótese será testada por meio de
experimentos e só então se chegará a uma prova sobre sua veracidade ou falsidade. Popper
rejeitou firmemente tal teoria. Argumentava que o procedimento da ciência se dá exatamente na
direção oposta a essa. Os cientistas partem da premissa de uma teoria e só depois passam a
coletar fatos. Para ele, não existem observações ou fatos que não sejam pressupostos por uma
teoria. Não se pode apenas observar um fato sem antes saber seu significado. Não ocorre que os
fatos simplesmente se façam conscientes para nós. Os cientistas primeiro constroem teorias
ousadas para explicar fenômenos, e depois testam-nas incansavelmente até que elas sejam
substituídas por novas. Ele chama isso de falsificacionismo. Sua conseqüência lógica é a idéia de
que nenhuma teoria pode ser verdadeira, pois nenhuma teoria é imune à possibilidade de ser
testada e, portanto, à possibilidade de ser falsificada.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
152

Popper argumentou que a teoria científica será sempre conjetural e provisória. O que a
experiência e as observações do mundo real podem e devem tentar fazer é encontrar provas da
falsidade daquela teoria. Este processo de confronto da teoria com as observações poderá provar
a falsidade da teoria em análise. Nesse caso há que eliminar essa teoria que se provou falsa e
procurar uma outra teoria para explicar o fenômeno em análise.

Este aspecto é fundamental para a definição da ciência. Científico é apenas aquilo que
se sujeita a este confronto com os fatos. Ou seja: só é científica aquela teoria que possa ser
falseável (refutável).

Uma afirmação que não possa ser confrontada com a sua veracidade pelo confronto com
a realidade não é científica. Será talvez uma especulação metafísica. Para Popper a verdade é
inalcançável, todavia devemos nos aproximar dela por tentativas. O estado atual da ciência é
sempre provisório. Ao encontrarmos uma teoria ainda não refutada pelos fatos e pelas
observações, devemos nos perguntar, será que é mesmo assim? Ou será que posso demonstrar
que ela é falsa? Einstein é o melhor exemplo de um cientista que rompeu com as teorias da física
estabelecidas.

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BERTRAND RUSSELL
(1872 - 1970)

Filósofo e matemático britânico é o mais representativo e influente pensador inglês do


século XX. Fica conhecido por campanhas a favor da paz e do desarmamento nuclear.
Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura de 1950.

"Três paixões, simples, mas extremamente fortes, governaram


minha vida: o desejo de amar, a procura pelo conhecimento e um
incontido compadecimento pelo sofrimento humano. "Bertrand
Russell – Autobiography, 1967.

Bertrand Arthur William Russell, terceiro conde de Russell e


descendente de uma antiga família nobre, nasce no País de Gales.
Órfão aos 3 anos, é criado na casa do avô, por preceptores. Ingressa
em 1890 no Trinity College e gradua-se em filosofia em 1894.

Crítico das instituições sociais opressoras milita ativamente em movimentos pela defesa
da liberdade humana. Desde 1896, quando publica Democracia Social Alemã, até 1946, não passa
um ano sem escrever um livro. Publica, entre 1910 e 1913, os Princípios da Matemática, obra
fundamental na área. Entre 1910/13, Caminhos da Liberdade. E Conhecimento Humano entre
1919/1948. Ao longo de sua vida escreveu mais de 40 livros.

Em 1912, quando Wittgenstein chegou a Cambridge, Russel foi seu mestre em filosofia,
chegando a considera-lo brilhante. Entretanto a abordagem destrutiva de Wittgenstein quanto à
validade da filosofia, fez com que o relacionamento dos dois tornasse difícil e tenso.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Russell foi preso por seu pacifismo. Em 1920, visitou
à recém-formada União Soviética, esperando encontrar uma alternativa para o que considerava
um capitalismo destrutivo. Suas expectativas, porém, foram frustradas pelo “horror indescritível”
do regime controlado por Lênin.

Anos mais tarde organizou com Albert Einstein (no início dos 50) o movimento Pugwash
que luta contra a proliferação de armas nucleares. Patrocina, em 1957, a primeira conferência de
Pugwash, contra a corrida armamentista, dando origem à organização que, em 1995, receberia o
Prêmio Nobel da Paz. Em 1962, já com 90 anos, mediou o conflito dos mísseis de Cuba para evitar
que se desencadeasse um ataque militar. Na década de 60 lidera um movimento que contesta a
participação dos EUA na Guerra do Vietnã e institui o Tribunal Bertrand Russell para julgar crimes
de guerra. Morre em 1970, no País de Gales.

Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 1950 "em reconhecimento dos


seus variados e significativos escritos, nos quais ele se bateu por ideais
humanitários e pela liberdade”.

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WITTGENSTEIN
1889 – 1951

Quando Wittgenstein publicou seu primeiro livro, Tratado Lógico Filosófico (1921), poucos
filósofos mostravam-se dispostos a conceber a ideia do fim da filosofia, mas era isso que
Wittgenstein acreditava ter mostrado.

Ludwig Josef Johann Wittgenstein é dono de uma das obras


mais densas da filosofia contemporânea. Pensador influente do século
XX, especialmente pela filosofia analítica (lógica) e pelos ensaios de
linguística, foi um dos verdadeiros gênios do século passado. Sua
genialidade transcende seu status de filósofo, assim como a
genialidade de Einstein transcendia seu status de cientista. Podemos
encontrar na sua vida conturbada e personalidade, muitas dos
estereótipos do caráter de um gênio. Era solitário, melancólico,
determinado e tinha certa tendência ao comportamento excêntrico.

Nasceu em Viena em uma família abastada, mas sempre recusou o conforto de seu apoio
financeiro. Depois de estudar Aeronáutica na Universidade de Manchester, foi para Cambridge
estudar matemática pura. Em Cambridge teve aulas com Bertrand Russell, que o iniciou também
em filosofia. Ele passou vários anos escrevendo sobre filosofia. Deixou a universidade no começo
da I Guerra Mundial, para se alistar no Exército austríaco. Durante o conflito escreveu Tratado
Lógico Filosófico (publicado em 1921), no qual desenvolve um de seus principais temas: o limite
da linguagem. Aparentando desinteresse pela filosofia, por vários anos trabalha como professor
primário no interior da Áustria. Volta a Cambridge em 1929, apresenta o Tratado como tese de
doutorado e torna-se professor da universidade. Pouco tempo depois, renega muitas das antigas
teorias para escrever sua segunda grande obra, Investigações Filosóficas (1936/49), publicada
postumamente em 1953. Naturalizou-se inglês em 1938. Viveu recluso a partir de 1947, ano em
que deixa a cátedra na universidade. Morreu em Cambridge no ano de 1951.

Tratado Lógico Filosófico. Nesta obra Wittgenstein lança um desafio ao estudo da


filosofia, afirmando que a maioria dos problemas filosóficos são pseudoproblemas. Eles são
criados por tentativas de levar o pensamento além dos limites impostos pela linguagem. Para
Wittgenstein, o mundo dos fatos, que é a realidade, está contido dentro, e não além ou aquém, da
estrutura lógica da linguagem. Não existe um mundo de verdade representado por ela, pois todas
as possibilidades de proposições verdadeiras estão contidas dentro da estrutura lógica da
linguagem cotidiana. Qualquer tentativa de ultrapassar limites lógicos e estabelecer certezas
filosóficas a priori é inútil, pois parte do princípio de que a linguagem pode ser levada além de seus
limites.

Em Investigações Filosóficas, Wittgenstein resistiu a suas tentativas anteriores do


Tratado de levar a filosofia aos extremos da linguagem e compreender os limites do discurso
fatual. Rejeitou a ideia de que o significado na linguagem pudesse ser explicado além da natureza
muitas vezes múltipla de seu uso empírico. Para ele, o significado das palavras e das sentenças
não pode ser entendido por meio de uma lógica superior. Ao contrário, é relacional. Em outras
palavras, o significado só é verificado a partir da natureza de sua relação com outras palavras e
sentenças, tomando a forma dos padrões familiares da linguagem. Isso significa que ela pode ser
entendida como uma complexa rede de jogos sobrepostos cujos jogadores são os interlocutores
(jogos de linguagem).

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
155

Wittgenstein tenta provar - ao contrário de Sócrates - que


perguntas como "o que é a vida?", "o que são os números?", "o que é o
belo?" Não tinham o menor sentido, eram meras armadilhas da linguagem,
às quais não correspondiam quaisquer respostas.

Ou seja, com as perguntas propostas, Sócrates procura que o


interlocutor exponha sua opinião. Daí Wittgenstein questionar que
preposições ou enunciados produzidos por seres humanos são
inicialmente opiniões é dizer que eles podem ser verificados quanto a seus
significados verdadeiros. Wittgenstein afirma que na verdade, tudo não
passa de movimentos de um jogo de linguagem. Portanto, a pergunta “O
que é de fato uma palavra? É similar à pergunta: “O que é uma peça de
um jogo de xadrez?”.

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O grupo de filósofos da Escola de Frankfurt foi formado pelo estabelecimento do Instituto


de Pesquisas Sociais, em 1929. A Escola de Frankfurt não apresenta um panorama
filosófico único e isso se deve ao fato de o grupo ter sido influenciado por tantos
pensadores diferentes: Marx, Freud, Nietzche e Max Weber. O objetivo da escola oferece
uma pista sobre o porquê da necessidade de yantas influências diferentes. Em 1931, seu
diretor, Max Horkheimer, expôs em sua palestra inaugural o desejo de desenvolver uma
abordagem nova ao estudo da experiência humana, que unisse as preocupações concretas
das ciências sociais às investigações mais abstratas e universais da filosofia.

A Escola de Frankfurt é uma escola de pensamento, formada por professores, em


grande parte sociólogos marxistas alemães que abordaram criticamente aspectos
contemporâneos das formas de Comunicação e Cultura humanas.

Deve-se à Escola de Frankfurt a criação de conceitos como Indústria Cultural e Cultura


de Massa.

O grupo emergiu no Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt na


Alemanha. O instituto tinha sido fundado com o apoio financeiro do Mecena judeu Felix Weil em
1923. Em 1929, Max Horkheimer tornou-se diretor do Instituto. Max Horkheimer, filho de um
industrial rico, pode contar com o investimento de parte da fortuna do pai para o projeto. Em 1933,
após a eleição de Hitler os membros da Escola de Frankfurt exilaram-se nos Estados Unidos.

Dentre os principais pesquisadores e acadêmicos da Escola de Frankfurt: encontram-se


Theodor Adorno , Max Horkheimer , Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Jürgen
Habermas.

Um dos principais motivos por trás do programa era a antipatia que os participantes da
Escola de Frankfurt sentiam pelo trabalho da Escola de Viena, cuja filosofia (o positivismo lógico)
considerava os seres humanos como fatos ou objetos. Pois seu comportamento e suas ações
podiam ser calculados cientificamente.

A Escola de Frankfurt procurou desenvolver uma nova forma de estudar a sociedade,


denominada teoria crítica, a qual era prudente para não buscar explicações normativas e práticas
à custa da reflexão filosófica.

Eles afirmavam que a ciência e a tecnologia, apesar de promover o progresso humano,


estavam mergulhando a humanidade em “um novo tipo de barbárie”, que não é imposta pelas
elites dominantes, mas pela nova consciência tecnológica que se apossou da sociedade de
massa.

O que mais surpreende nessa consciência é a tentativa constante de dominar por


completo os seres humanos. Em outras palavras, uma sociedade na qual os seres humanos são
cada vez mais desumanizados.

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HERBERT MARCUSE
1898 - 1979

Foi um importante filósofo político e sociólogo alemão - naturalizado norte americano e que
fez parte da Escola de Frankfurt. Foi também um dos idealizadores da “nova esquerda” e
um dos principais críticos da sociedade capitalista de consumo, inspirador ideológico do
movimento estudantil de protesto que eclode na França e nos EUA em maio de 1968.

“(...) A sociedade é irracional como um todo. Sua produtividade


impede o livre desenvolvimento das necessidades e
faculdades humanas, sua paz é mantida pela ameaça
constante da guerra, e seu crescimento depende da repressão
das possibilidades reais de se pacificar a luta pela existência –
individual, nacional e internacional”. Marcuse, O Homem
Unidimensional.

Nasceu na Alemanha numa família de judeus.


Estudou filosofia em Berlim e forma-se pela Universidade de
Freiburg. Foi membro do Partido Social Democrata Alemão
entre 1917 e 1918, tendo participado de um Conselho de
Soldados durante a revolução berlinense de 1919, na
seqüência da qual deixou o partido.

Em Freiburg conheceu os filósofos e professores de filosofia Husserl e Heidegger e se


doutorou com a tese “Romance de artista”. Com a ascensão dos nazistas, muda-se para a
Genebra, Suíça e mais tarde, para Nova Iorque nos EUA, onde participou no famoso Instituto de
Pesquisas Sociais de Frankfurt até 1940. Marcuse trabalhou para o governo dos Estados Unidos,
utilizando seu conhecimento do fascismo europeu e da política da Europa Central na luta contra o
nazismo. Depois disso, formou-se professor nas universidades de Columbia e Harvard. Marcuse
faleceu em 1979 em Starnberg, na Alemanha.

A abordagem filosófica de Marcuse é uma síntese de Marx (exploração do homem pelo


capitalismo), a dialética de Hegel mostrando as contradições de forças em oposição de classes e
a questão da repressão encontrada no pensamento de Freud. Sociedade repressora é expressão-
chave para entender suas ideias de filosofia social e política.

Em O Homem Unidimensional, Marcuse afirma que os aspectos de maior valor na


sociedade ocidental são os instrumentos de opressão, e não o progresso. Para Marcuse, a
racionalidade econômica do capitalismo avançado baseia-se na falsificação das necessidades
reais das pessoas a fim de manter um sistema de mercado de produção e de consumo. Hoje, isso
está tão avançado que a criatividade e a produtividade intelectual e econômica são canalizadas
na busca de lazeres irracionais e perdulários, como o esporte.

Para ele, o entretenimento das massas ajuda a abafar formas mais racionais de organizar
a sociedade. Devido às atividades inúteis do esporte, as massas refletem menos sobre as
condições políticas e sociais do mundo em que vivem.

O descontentamento social, sentimento que deveria predominar se considerarmos a


escravidão do trabalho é sufocado por meio de uma expansão sempre crescente do consumo.

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
158

Essa repressão de todo e qualquer potencial para opor-se ao sistema dominante é


mantida também por meio da prática ilusória da liberdade política. Que é reduzida a uma escolha,
durante as eleições, entre representantes políticos indistinguíveis uns dos outros, que se envolvem
em debates técnicos irrelevantes e exagerados de propósito a fim de criar a ilusão de uma
democracia em exercício.

Em sua obra Marcuse afirma que o proletariado dos países desenvolvidos é interessado
na conservação do capitalismo porque se beneficia dele. E que, assim, somente as minorias
oprimidas, as camadas marginalizadas representadas pelos povos do Terceiro Mundo, têm
potencial revolucionário para derrubar o capitalismo e construir uma sociedade sem exploração.
Para ele, a repressão sexual e a repressão social são dois lados de uma mesma moeda, ou seja,
estão indissociáveis na cultura capitalista. E a tolerância percebida entre certas sociedades
industriais avançadas não passa de pseudoliberdade, a qual, no fundo, conduz ao conformismo.

Marcuse acusa as sociedades totalitárias, comunismo e capitalismo, de serem


estruturalmente organismos de repressão. “O homem cresce e vive coagido, prossegue acuado
por compromissos e preconceitos generalizados”.

Suas principais obras são: Razão e Revolução (1941), Eros e Civilização (1955), O
Homem Unidimensional (1964), O Fim da Utopia (1967) e Contrarrevolução e Revolta (1972), além
da coletânea de artigos Cultura e Sociedade (1965).

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ERICH FROMM
1900 - 1980

Psicólogo germano-americano, nascido em Frankfurt onde


estudou na Universidade de Heidelberg, onde obteve o seu doutoramento
em 1922, e se especializou em Psicanálise, tendo feito a sua formação na
Universidade de Munique e no Instituto Psicanalítico de Berlim. Após a
ascensão de Hitler ao poder, Fromm deixou a Alemanha nazi e emigrou
para os Estados Unidos da América onde construiu uma notável carreira,
ainda que muito controversa e polemica, como psicanalista, investigador e
professor de psicanálise e psiquiatria.
Para Fromm, a personalidade de um indivíduo era o resultado de fatores culturais e
biológicos. Neste aspecto estava em desacordo com Freud, que privilegiava, sobretudo os
aspectos inconscientes do psiquismo. Fromm integrou os aspectos socioeconômicos na
explicação das neuroses e estabeleceu um relacionamento entre o Marxismo e a Psicanálise. A
sua obra é um enorme protesto contra as diversas formas de totalitarismo e alienação social. Nos
últimos anos da sua vida dedicou-se ao estudo da agressão. Faleceu em 1980 em Muralto na
Suíça.

FILOSOFIA E PSICANÁLISE

Erich Fromm é muito conhecido como psicólogo do que como filósofo. No entanto, há
todo uma linha de pensamento filosófico em seus escritos, sem falar de seus livros estritamente
filosóficos, como Ética e Psicanálise.

Para Fromm, a Psicanálise, numa tentativa de estabelecer a Psicologia como Ciência


Natural, cometeu justamente o engano de divorcia-la dos problemas da Filosofia e da Ética. “A
Psicologia esqueceu-se de que a personalidade humana em sua totalidade, o que significa a
necessidade de encontrar uma resposta para a questão do significado de sua existência e de
descobrir normas as quais deva existir. O Homo Psychologicus de Freud é uma criação tão irreal
quanto o Homo Economicus da Economia Clássica. É impossível compreender o Homem e os
seus distúrbios mentais sem compreender a natureza dos conflitos morais e dos valores.”

Como crítico da cultura e da sociedade atuais, Fromm lembra que o homem se tornou um
escravo, embora se julgue um senhor. Para ele, nossa civilização esmaga e corrompe os mais
nobres anseios e poderes do homem, desviando-o de sua verdadeira meta, que é a liberdade e o
amor.

Erich Fromm poderia ser chamado de o filósofo da Ética. Para ele há dois tipos de
sistemas ético ou moral: a Ética autoritária e a Ética humanista.

Pode-se distinguir a Ética autoritária da humanista por dois critérios: um formal e outro
material. “Formalmente, a Ética autoritária nega a capacidade do Homem para saber o que é bom
ou mau. Quem enuncia as normas é sempre uma autoridade que transcende ao indivíduo. Um
sistema assim não se baseia na razão e no conhecimento, mas no temor à autoridade e na
sensação de fraqueza e dependência por parte dos que lhe estão sujeitos.” Materialmente, “ou de
acordo com o conteúdo, a Ética autoritária responde à pergunta do que é bom ou mau,
principalmente em função dos interesses da autoridade e não dos interesses dos subordinados”.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
160

Tanto o aspecto formal quanto o material da Ética autoritária estão presentes no


julgamento ético da criança e no julgamento dos valores inconscientes do adulto comum. “Nossa
capacidade para diferenciar entre bem e mal surge na infância”. A princípio, no que toca às funções
fisiológicas e, depois, com referência a questões de comportamento mais complexas, a criança
adquire reflexamente a distinção entre o que é bom ou mau antes de aprender a diferença pelo
raciocínio. Bom é aquilo pelo que a gente é elogiada. Mau o que faz com que nos olhem de cara
amarrada ou com que as autoridades sociais nos punam ou a maioria de nossos semelhantes.
Com efeito, “o medo da desaprovação e a necessidade de aprovação parecem ser a mais
poderosa e quase que única motivação do julgamento ético”. Essa intensa pressão emocional
impede a criança, e posteriormente o adulto, de interrogar, com espírito crítico, se o bom implícito
em um julgamento é bom para si ou para a autoridade.

Pode-se diferenciar a Ética humanista da autoridade tanto por um critério formal como
material. “Formalmente, ela se baseia no princípio de que só o próprio homem pode determinar o
critério do que é virtude ou pecado, e não uma autoridade a ele transcende”. Materialmente,
“baseia-se no princípio de que bom é aquilo que é bom para o homem e mau o que é nocivo para
ele”. É o bem-estar do homem social, dentro da sociedade, o único critério do valor ético.

Assim, a Ética humanista é antropocêntrica. “Não, naturalmente, no sentido de que o


homem é o centro do universo, mas no de que seus julgamentos dos valores, como todos os
outros julgamentos e até percepções, estão arraigados nas peculiaridades de sua existência. Só
têm significado quando considerados em relação a isto: “o homem é de fato, a medida de todas
as coisas”, dentro do seu mundo humano, é claro.

Para a posição humanista, em Ética, nada há de superior ou mais digno do que a


existência humana. Contra isso, alguns argumentam que um sistema que admite, apenas, o
homem e seu interesse não pode ser, na verdade, moral. Cria uma moral egoísta. Mas Fromm
responde que “o homem só pode se realizar e ser feliz em ligação e solidariedade com seus
semelhantes”, pois “amar o próximo é algo de inerente a ele e que dele se irradia. O amor não é
uma força superior que desce sobre o homem nem um dever que lhe é imposto. É seu próprio
modo, pelo qual se relaciona com o mundo e o torna verdadeiramente como algo seu”, isto é,
ligado a ele.

“A sociedade moderna, a despeito de toda a ênfase que atribui à felicidade, à


individualidade e ao interesse de cada um, ensinou ao homem que não é a sua felicidade a meta
da vida, mas sim a satisfação de seu dever de trabalhar ou o seu sucesso. Dinheiro, prestígio e
poder transformam-se em seus incentivos e fins. Ele age na ilusão de que suas ações beneficiam
seu interesse próprio, embora na verdade ele atenda a tudo mais, exceto aos interesses de seu
eu real. Tudo é importante para ele, menos sua vida e arte de viver. É a favor de tudo, exceto de
si mesmo”.

“(...) na Ética humanista o bem é afirmação da vida, do desenvolvimento das capacidades


do homem. A virtude consiste em assumir a responsabilidade por sua própria existência. O mal se
constitui no desvirtuamento das capacidades do homem. O vício reside na irresponsabilidade
perante si mesmo”.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
161

Filosofia da linguagem diz respeito à abordagem de problemas filosóficos, em oposição


a problemas lingüísticos, que a compreensão da linguagem impõe ao investigador.

Linguagem é para os Neopositivistas, um conjunto de signos. Estes signos linguísticos


que constituem os elementos da linguagem funcionam como estímulos, isto é, são sons ou sinais
escritos, produzidos por um membro do grupo para que sejam percebidos pelos outros membros
com o propósito de influir sobre os seus atos, decisões e pensamentos.

Há muitos aspectos da linguagem que interessam tanto aos lingüistas quanto aos
filósofos, particularmente (embora não exclusivamente) no domínio da semântica o estudo do
significado. Os filósofos da linguagem interessam-se freqüentemente e entre outros, por estes
problemas: como a linguagem que relaciona com o mundo, como determinar as condições de
verdade de uma proposição, como o significado de um enunciado depende do uso, e em que
consiste a relação entre a linguagem e a mente.

Os filósofos dessa linha procuram investigar o papel das palavras na vida dos falantes
comuns, com a finalidade de escapar assim das confusões filosóficas que duraram tanto tempo.
Essas confusões foram criadas pelo que eles acreditam ser uma tendência natural da investigação
filosófica, a saber, a de ser enganado pela forma gramatical das sentenças nas quais as questões
filosóficas foram colocadas. Um exemplo é a ideia do filósofo Martin Heidegger de que a palavra
“nada” deve designar algo, mesmo tratando-se de “algo” muito peculiar. A filosofia analítica
aproxima-se muito dos padrões científicos, em especial quanto à forma pela qual os resultados
dessa filosofia são divulgados, a saber, muito mais voltados para a própria comunidade de
pensadores do que para o mundo leigo.

Vários pensadores independentes dos já mencionados integram este grupo e,


incorporados à corrente geral do movimento, procuram esclarecer os fundamentos das Ciências
e as bases do conhecimento em geral. Insistem na necessidade de uma análise paciente,
pormenorizada e completa de todas as formas proposicionais de comunicação e, de modo
especial, da comunicação ou linguagem utilizada pelo conhecimento científico.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


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162

JÜRGEN HABERMAS
1929

Filósofo alemão. Já foi considerado o principal representante da


segunda geração da Escola de Frankfurt. Sua obra aborda temas da
epistemologia, política, ética e comunicação.

“A realização paradoxal do direito consiste, pois, em domesticar o potencial de conflito embutido


em liberdades subjetivas desencadeadas, utilizando normas cuja força coercitiva só sobrevive
durante o tempo em que forem reconhecidas como legítimas na corda bamba das liberdades
comunicativas desencadeadas. (...) A integração social assume forma totalmente reflexiva, pois,
na medida em que o direito supre a sua cota de legitimação com o auxílio da força produtiva da
comunicação, ele utiliza o risco permanente de dissenso, transformando–o num aguilhão capaz
de movimentar discursos políticos institucionalizados juridicamente.” (HABERMAS, J. Entre
Faticidade e Validade, “posfácio”, p. 325).

Habermas com o atual papa Bento XVI

Jürgen Habermas nasceu em 1929, em Düsseldorf, na Alemanha. Licenciou-se em 1954,


com uma tese sobre Schelling (1775-1854), intitulado "O Absoluto e a História". De 1956 a 1959,
foi colaborador de Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Em 1968, transferiu-se
para Nova York, passando a lecionar na New Yorker New School for Social Research. Em 1971,
Habermas dirigiu o Instituto Max-Planck, em Starnberg, Baviera. Em 1983, transferiu-se para a
Universidade Johan Wolfgang Goethe, de Frankfurt. Obras principais: Entre a Filosofia e a Ciência
- O Marxismo como Crítica, Reflexões Sobre o Conceito de Participação Pública. Mudança
Estrutural da Esfera Pública. Teoria e Práxis, Lógica das Ciências Sociais, Técnica e Ciência como
Ideologia, Conhecimento e Interesse, Entre os Fatos e as Normas, O Discurso Filosofico da
Modernidade, A Inclusão do Outro - Estudos de Teoria Política, Direito e Democracia Entre
Facticidade e Validade.

Herdando as discussões da Escola de Frankfurt, Habermas aponta a ação comunicativa


como superação da razão iluminista transformada num novo mito que encobre a dominação
burguesa (razão instrumental). Para ele, o logos deve construir-se pela troca de idéias, opiniões e
informações entre os sujeitos históricos estabelecendo o diálogo.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
163

Seus estudos voltam-se para o conhecimento e a ética. Sua tese para explicar a produção
de saber humano recorre ao evolucionismo de Charles Darwin. Segundo Habermas, a fabilidade
possibilita desenvolver capacidades mais complexas de conhecer a realidade. Evolui-se assim
através dos erros. Habermas defende também uma ética deontológica (de procedimentos). Para
ele, as normas sociais não devem ter conteúdo, mas meios para possibilitar a participação nas
decisões públicas através de discussões.

Sobre sua teoria discursiva, atinente à filosofia jurídica, que pode ser considerada em prol
da integração social e, como conseqüência, da democracia e da cidadania. Teoria que
possibilitaria a resolução dos conflitos vigentes na sociedade e, não com uma simples solução,
mas a melhor solução, aquela que é resultado do consentimento de todos os interessados. Sua
maior relevância está, indubitavelmente, em pretender o fim da arbitrariedade e da coerção nas
questões que circundam toda a comunidade, propondo uma maneira de haver uma participação
mais ativa e igualitária de todos os cidadão nos litígios que os envolvem e, concomitantemente,
obter a tão almejada justiça. Essa forma defendida por Habermas é o agir comunicativo que se
ramifica na ação comunicativa e no discurso, que será explanado no transcorrer deste trabalho.

Autor de Mudança Estrutural da Esfera Pública (1962), Conhecimento e Interesse (1968),


Consciência Moral e Agir Comunicativo (1983) e Entre Faticidade e Validade (1994).

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
164

NOAM CHOMSKY
1928

Filósofo da linguagem e de política norte–americano. O pensador mais citado, enquanto


vivo. Sua Teoria da Gramática Gerativa, muito influenciada pelo cartesianismo
revolucionou, não só o estudo da linguagem, bem como teve consequência marcante na
filosofia da mente, chegando mesmo à moral, através da ética discursiva de Jürgen
Habermas.

“A teoria da linguagem é, simplesmente, aquela parte da


psicologia humana que se ocupa de um 'órgão mental'
particular: a linguagem humana. Estimulada por
experiência apropriada e contínua, a faculdade da
linguagem cria uma gramática que gera sentenças com
propriedades formais e semânticas. Dizemos que um
indivíduo domina a língua gerada por essa gramática.
Utilizando–se de outras faculdades mentais relacionadas
e das estruturas por elas produzidas, ele pode então
passar a usar a língua que domina” (CHOMSKY, A. N.
Reflexões Sobre a Linguagem, cap. 2, p. 33).
Noam Chomsky
Professor
Avram do MIT
Noam Chomsky, nasceu 1928 na Filadélfia, EUA. Estudou filosofia e linguística na
Universidade da Pensilvânia, doutorando-se em 1955. No mesmo ano, torna-se professor de
línguas modernas e linguística geral do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Recebe
o título de doutor honoris causa por diversas universidades norte-americanas. Em novembro de
1996 viaja pelo Brasil para conhecer o país e participar de programas de debates na televisão e
no rádio. É reconhecido como um dos mais importantes intelectuais norte-americanos da
atualidade. Em 2002 veio ao Brasil para uma palestra no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre
(RS). Leciona linguística e filosofia no MIT além de manter intensa atividade política. Autor de
Estruturas Sintáticas (1957), Linguagem e Pensamento (1968) Reflexões Sobre a Linguagem
(1975) e Repensando Camelot, 1993) .
O seu nome está associado à criação da gramática ge(ne)rativa transformacional,
abordagem que revolucionou os estudos no domínio da lingüística teórica. É também o autor de
trabalhos fundamentais sobre as propriedades matemáticas das linguagens formais, sendo o seu
nome associado à chamada Hierarquia de Chomsky. Além da sua investigação e ensino no
âmbito da Lingüística. Chomsky é também muito conhecido pelas suas posições políticas de
esquerda e pela sua crítica da política externa dos Estados Unidos da América. Chomsky
descreve-se a si mesmo como um socialista libertário havendo quem o associe ao anarco-
sindicalismo.

O termo chomskiano é habitualmente usado para identificar as suas idéias lingüísticas


embora o próprio considere que esse tipo classificações (chomskiano, marxista, freudiano) "não
fazem sentido em nenhuma ciência", e que "pertencem à história da religião, enquanto
organização".

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
165

Chomsky foi um dos principais palestrantes do Fórum Social Mundial,


realizado em Porto Alegre, Brasil, no ano de 2003

Autor da ideia de que os princípios básicos da linguagem não são ensinados, mas
dependem de qualidades inatas da mente humana. Desde seu primeiro livro, Estruturas Sintáticas
(1957), apresenta propostas revolucionárias sobre a lógica gramatical. Propõe três modelos de
descrição da linguagem: o da gramática generativa, o da gramática sintagmática e o da
transformacional. Vale-se de aplicações lógicas da matemática para transformar o estudo da
gramática em um sistema de regras e consegue estruturar de forma científica a teoria sintática. O
método facilita o conhecimento dos processos linguísticos, mas oferece grande dificuldade de
aplicação a línguas que não o inglês.

Contribuição a Lingüística

Em 1955 Chomsky apresentou sua idéia da gramática gerativa. Ele apresentou sua teoria
de que os "enunciados" ou "frases" das línguas naturais devem ser interpretados em dois tipos de
representações distintas: as "estruturas superficiais" correspondendo à estrutura patente das
frases, e as "estruturas profundas", uma representação abstrata das relações lógico-semânticas
das mesmas. Esta distinção conserva-se hoje, na diferenciação ente Forma Lógica e Forma
fonética, embora o processo de derivação transformacional com regras específicas tenha sido
substituído pela operação de princípios gerais. Na versão de 1957/65 da teoria de Chomsky, as
regras transformacionais governam ao mesmo tempo a criação e a interpretação das frases. Com
um limitado conjunto de regras gramaticais e um conjunto finito de palavras, o ser humano é capaz
de gerar um número infinito de frases bem formadas, incluindo frases novas.

Chomsky sugere que a capacidade para produzir e estruturar frases é inata ao ser
humano (isto é, é parte do patrimônio genético dos seres humanos) gramática universal. Não
temos consciência desses princípios estruturais assim como somos não temos consciência da
maioria das nossas outras propriedades biológicas e cognitivas.
Chomsky diz que os princípios gramaticais subjacentes às linguagens são
completamente fixos e inatos e que as diferenças entre as várias línguas usadas pelos seres
humanos através do mundo podem ser caracterizadas em termos da variação de conjuntos de
parâmetros. Esses parâmetros são freqüentemente comparados a interruptores (como os que
acendem e apagam uma lâmpada). Esta abordagem baseia-se na rapidez espantosa com a qual
as crianças aprendem línguas, pelos passos semelhantes dados por todas as crianças quando
estão a aprender línguas e pelo fato que as crianças realizarem certos erros característicos quando
aprendem sua língua-mãe, enquanto que outros tipos de erros aparentemente lógicos nunca
ocorrem. Isto sucede precisamente, segundo Chomsky, porque as crianças estão a empregar um
mecanismo puramente geral (isto é, baseado em sua mente) e não específico (isto é, não baseado
na língua que está sendo aprendida). As idéias de Chomsky continuam a influenciar
significativamente a pesquisa que investigavam a aquisição de linguagem pelas crianças.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
166

INTRODUÇÃO AO EXISTENCIALISMO

O Existencialismo é uma das correntes filosóficas mais importantes da atualidade e


também a mais popular. Como filosofia, opõe-se ao empirismo e ao racionalismo e, sem se
enredar com a filosofia tradicional acredita que esta, ao partir do ser exterior, perde-se na
objetividade e que o pensamento, do qual surge o idealismo, também não é um elemento primário.
As coisas e o pensamento surgem com a “existência” e esta será objeto da filosofia.

Historicamente, o Existencialismo surgiu da catástrofe das duas guerras mundiais. Ambas


atuaram como um terrível dissolvente de todos os ideais e ilusões do século XIX. Todos os temas
grandiloquentes daquela época otimista haviam fracassado: a humanidade, o progresso, a ciência,
etc. O homem europeu se sentia de novo esfarrapado, inseguro, inquieto, abalado até seus
alicerces. Os eternos problemas sobre o sentido da existência, sobre a morte a dor, a decisão
moral adquiria nova atualidade palpitante.

Filosoficamente, a filosofia da existência encontrou suas raízes no


pensamento de Kierkegaard (1813-1855), verdadeiro precursor do
Existencialismo atual. A nova filosofia centralizou sua problemática no
homem concreto e sua preocupação deixou de ser o “cogito” cartesiano,
que foi substituído pelo “sum” (existo). Surgiu também em oposição ao
essencialismo hegeliano. No sistema de Hegel não havia lugar para o
homem concreto, absorvido num momento do processo evolutivo da Idéia.

É difícil caracterizar com precisão o existencialismo; mais do que uma filosofia é um


estado de espírito, uma atmosfera em que se respiram as mais variadas tendências. Entre os
adeptos do Existencialismo, há enorme diversidade de posições, mas todos giram em torno da
existência. Tal diversidade pode ser notada na Alemanha, entre Jasperes e Heidegger; na França,
entre Gabriel Marcel, católico, e o ateu Sartre; na Itália, entre Abbagnano e Carlini.

Apesar disso, não se pode negar, em todos os existencialistas, um objeto e um método


comuns, ou seja, o Kierkegardismo (que oferece o conteúdo central da Filosofia da Existência) e
a Fenomenologia (método que permite analisar e interpretar o homem dinamicamente
considerado, que realiza sua própria existência, tal como se mostram no existir).

Embora o Existencialismo contemporâneo conte com relevantes figuras, por imposição


do programa a que nos propusemos atender, limitar-nos-emos a mencionar a filosofia
existencialista de Heidegger e Sartre.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
167

MARTIN HEIDEGGER
1889 - 1976

Filósofo alemão que mais influenciou a fenomenologia


contemporânea. O envolvimento de Heidegger com o regime nazista
torna difícil uma avaliação isenta de sua obra. O cunho conservador
de seu pensamento, contudo, fica evidente no ataque à filosofia que
se seguiu a Platão e Aristóteles, à tecnologia e à cultura de massa.
Autor de Ser e Tempo (1927), Carta Sobre o Humanismo (1949),
Introdução à Metafísica (1953) e Tempo e Ser (1962).

“Após a última batida, o silêncio ainda mais se aprofunda. Estende–se até aqueles que foram
sacrificados em duas guerras mundiais. O Simples torna–se ainda simples. O que é sempre o
Mesmo desenraiza e liberta. O apelo do caminho do campo é agora bem claro. É a alma que
fala? Fala o mundo? Ou fala Deus?

Tudo fala da renúncia que conduz ao Mesmo. A renúncia não tira. A renúncia dá. Dá a força
inesgotável do Simples. O apelo faz–nos de novo habitar uma distante Origem, onde a terra
natal nos é devolvida.” (HEIDEGGER, M. O Caminho do Campo).

Filósofo alemão foi um dos teóricos mais importantes do existencialismo do século XX.
Nasce em Messkirch, sudoeste da Alemanha, filho de um sacristão. Revela vocação religiosa
muito jovem e começa o noviciado jesuítico após terminar o curso secundário, mas não conclui a
formação religiosa. Prefere estudar teologia e filosofia na Universidade de Freiburg, onde é
influenciado particularmente por Husserl. Em 1915 torna-se colega de Husserl na universidade,
mas não segue o pensamento do mestre. Define seu próprio caminho no livro O Ser e o Tempo,
de 1927, no qual pergunta: "O que é ser, como é ser, o que significa perguntar qual o significado
de ser?" Nesta obra Heidegger tenta dissolver a ideia, dominante no Ocidente desde Platão, de
que os seres humanos possuem uma essência. Heidegger acreditava que quando nascemos
somos jogados em um mundo que possui normas e padrões preestabelecidos, entre os quais
estão os meios que utilizamos para descrever nós mesmos e nossas relações com o mundo. Os
instrumentos de racionalidade não são inatos. O que Heidegger tenta nos dizer, é que o homem
é sua formação e não sua natureza. A linguagem, a cultura, incluindo-se os valores, atitudes e
sentimentos cotidianos constroem a existência humana, isto é, nossas disposições e ansiedades.

Heidegger influenciou pensadores da Europa e da América Latina, entre eles o filósofo


francês Jean-Paul Sartre. Para Heidegger, o homem é sobretudo vontade, livre-arbítrio e pertence
a um universo que só adquire significado a partir de sua reflexão.

Heidegger é o filósofo mais enigmático do século XX. Sua filosofia é famosa pela
complexidade. Entre seus principais trabalhos estão ainda Kant e o Problema da Metafísica
(1928), Sobre a Essência da Verdade (1930), Introdução à Metafísica (1935), Carta sobre o
Humanismo (1946) e Caminhos Que Não Levam a Lugar Nenhum (1950).

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CULTURA CONTEMPORÂNEA
168

SARTRE
1905 - 1980

“Quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não


queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita
individualidade, mas que é responsável por todos os homens”.
Sartre

Vida. Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, no dia 21 de junho de


1905. O pai faleceu dois anos depois. Sobre a morte do pai, escreverá
mais tarde: “Foi um mal, um bem? Não sei; mas subscrevo de bom grado
o veredicto de um eminente psicanalista: não tenho Superego”.

Seja como for, talvez a ausência da figura paterna em sua vida possa explicar por que
Sartre se tornou um homem radicalmente livre, tomada à expressão no sentido que ele lhe dará
posteriormente: não existe uma natureza humana, é o próprio homem, numa escolha livre, porém
“situada”, quem determina sua própria existência.

Outro traço marcante na formação de Sartre foi a imaginação criativa, alimentada pela
leitura precoce e intensiva. Como consequência, aos dez anos de idade quis tornar-se escritor e
ganhou uma máquina de escrever. Seria seu instrumento de trabalho por toda a vida.

Em 1924, aos dezenove anos de idade, Sartre ingressou no curso de filosofia da Escola
Normal Superior, onde não foi aluno brilhante, mas muito interessado, especialmente pelas aulas
de Alain (1868-1951), que dedicava atenção particular à discussão do problema da liberdade. Na
Escola Normal, Sartre conheceu Simone de Beauvoir (1908-1986), “uma moça bem comportada”
que lhe afirmou: “A partir de agora, eu tomo conta de você”. Desde então, nunca mais se
separaram.

Terminado o curso de filosofia, em 1928, Sartre teve de prestar o serviço militar. Depois
disso obteve uma cadeira de filosofia numa escola secundária. Em 1933, passou um ano em
Berlim, onde estudou as teorias existencialistas de Heidegger e Karl Jaspers. A partir desses
autores, Sartre foi levada a obra de Kierkegaard. Apoiado nessas referências principais, Sartre
elaborou sua própria versão da filosofia existencialista.

Ao estourar a Segunda Guerra Mundial, Sartre foi convocado para servir como
meteorologista na Lorena. Em junho de 1940, caiu prisioneiro e foi encerrado no campo de
concentração de Trier, Alemanha. Cerca de um ano mais tarde, conseguiu escapar e, na primavera
de 1941, encontrou-se, em Paris, com Simone de Beauvoir.

Em Paris, Sartre fundou o grupo Socialismo e Liberdade, a fim de colaborar com a


Resistência, produzindo panfletos clandestinos contra a ocupação alemã e contra os
colaboracionistas franceses. Em março de 1943, encenou sua primeira peça teatral, intitulada As
Moscas, uma lenda grega, segundo o programa. Na verdade, todos os elementos da peça
funcionavam simbolicamente: o reino de Agamenão era a França ocupada; Egisto, o comandante
alemão que depusera as autoridades francesas; Clitemnestra, os colaboracionistas; a praga das
moscas, o medo de setores cada vez mais amplos da população; o gesto final de Orestes,
eliminando a praga das moscas, uma exortação à luta contra os alemães.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
169

Terminada a Segunda Guerra Mundial, em 1945, Sartre dissolveu o movimento


Socialismo e Liberdade, por corresponder apenas a uma necessidade de resistência, e fundou a
revista Os Tempos Modernos. Na revista apareceram os trabalhos mais diversos, colocando e
analisando os principais problemas da época, sem qualquer espírito sectário.

Em 1946, diante das críticas à sua filosofia existencialista, exposta em O ser e o Nada,
Sartre publica O Existencialismo é um Humanismo, onde mostra o significado ético do
existencialismo.

No plano da ação política, os anos 50, marca a aproximação de Sartre do Partido


Comunista, ao qual acaba por filiar-se, em 1952. A intervenção soviética na Hungria, em 1956,
leva-o, porém, a romper com o partido e escrever um artigo, O Fantasma de Stálin, no qual
explica sua posição, em face dos desvios do espírito do marxismo por parte das autoridades
soviéticas.

Nos anos seguintes, Sartre continuaria sendo, ao mesmo tempo, um homem de ação e
de pensamento. Em 1960, estreia a peça Sequestrados de Altona, cujo tema é o problema do
colonialismo francês na Argélia. O interesse pelo problema argelino liga-se, em Sartre, aos
problemas mais gerais do Terceiro Mundo.

Viaja para Cuba e para o Brasil (1961) e vê no conflito vietnamita um alargamento “do
campo do possível” por parte dos revolucionários vietcongues.

Em 1964, é-lhe atribuído o Prêmio Nobel de Literatura, mas ele o recusa. Receber a
honraria significaria reconhecer a autoridade dos juízes, o que considera inadmissível concessão.

Em 1965, recusou um convite para visitar os Estados Unidos por causa dos bombardeios
ao Vietnã do Norte. Em 1966, uniu-se a Bertrand Russell (1872-1970), filósofo ganhador do
Prêmio Nobel de Literatura em 1950, em Estocolmo, para julgar os crimes cometidos contra o
Vietnã do Norte. Ficou ao lado dos estudantes na rebelião estudantil francesa de maio de 1968.

Em 1971, quando parecia a muitos que a carreira literária de Sartre estaria encerrada,
surpreende seu público com um extenso estudo sobre Flaubert. Sartre faleceu em 1980.

AS IDÉIAS EXISTENCIALISTA EM SARTRE

Sartre disse: “O existencialismo é humanismo”. Com isto ele


queria dizer que o existencialismo tem como ponto de partida única e
exclusivamente o homem. Talvez possamos acrescentar que o humanismo
de Sartre vê a situação do homem de uma maneira diferente e mais
sombria do que o humanismo que conhecemos do Renascimento.

Kierkegaard e outros filósofos existencialistas de nosso século eram cristãos. Sartre, ao


contrário, representava aquilo que podemos chamar de um existencialismo ateu. Podemos
considerar sua filosofia uma análise impiedosa da situação humana quando “Deus está morto”.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
170

A famosa expressão é de Nietzsche. Como em Kierkegaard, o conceito-chave por


excelência na filosofia de Sartre é a palavra existência. Aqui, existência não significa
simplesmente “estar vivo”. As plantas e os animais também “existem” no sentido de que estão
vivos, mas são poupados da indagação sobre o que isto significa. O ser humano é o único ser vivo
consciente de sua existência. Sartre diz que as coisas físicas só são “em si”, ao passo que o
homem também é “para si”. Ser uma pessoa é, portanto, diferente de ser uma coisa. Sartre afirma
ainda que a existência do homem precede todo e qualquer sentido desta mesma existência. Em
outras palavras, o fato de que sou é anterior à questão de saber o que sou.

“A existência precede a essência”, ele dizia. Entendemos por “essência” aquilo que uma
coisa realmente é, a “natureza” dessa coisa. Para Sartre, porém, o homem não possui tal natureza.
O homem precisa primeiro criar-se a si mesmo. Ele precisa criar sua própria natureza, sua própria
essência, já que ela não lhe é dada de antemão. Por toda a história da filosofia, os filósofos
tentaram responder à pergunta sobre o que o homem é, ou o que é a natureza humana.

Sartre, ao contrário, acha que o homem não possui esta “natureza” eterna a que se
apegar. Por isso é que, para Sartre, não faz sentido perguntar pelo sentido da vida em geral. Em
outras palavras, estamos condenados à improvisação. Somos como atores que são colocados
num palco sem termos decorados uns papéis, sem um roteiro definido e sem um “ponto” para nos
sussurrar ao ouvido o que devemos dizer ou fazer. Nós mesmos temos de decidir como queremos
viver. Sartre diz que quando o homem percebe que existe e que um dia terá de morrer, e,
sobretudo quando não vê qualquer sentido nisto tudo, ele passa a experimentar o medo. Sartre
também diz que o homem se sente alienado num mundo sem sentido. Quando descreve a
“alienação” do homem. O sentimento do homem de ser um estranho no mundo, diz Sartre, leva a
uma sensação de desespero, tédio, náusea e absurdidade.

Sartre descreve em sua filosofia existencialista o homem urbano do século XX. Os


humanistas do Renascimento tinham propagado em tom de triunfo a liberdade e a independência
do homem. Para Sartre, a liberdade do homem era como uma maldição. “O homem está
condenado à liberdade”, ele dizia. Condenado porque não se criou e, não obstante, é livre. E uma
vez atirado ao mundo, passa a ser responsável por tudo o que faz.

Em Sartre, somos indivíduos livres e nossa liberdade nos condena a tomarmos decisões
durante toda a nossa vida. Não existem valores ou regras eternas, a partir das quais podemos nos
guiar. E isto torna mais importantes nossas decisões, nossas escolhas. Sartre chama a atenção
precisamente para o fato de o homem nunca poder negar sua responsabilidade pelo que faz. Por
esta razão, não podemos simplesmente colocar de lado nossa responsabilidade e dizer que
“temos” de ir trabalhar, ou então que “temos” de nos pautar por certas expectativas burguesas
quanto ao modo como devemos viver.

Aquele que assim procede mescla-se a uma massa anônima e se transforma em parte
impessoal dela. Ele foge de si mesmo e se refugia na mentira. De outra parte, a liberdade do
homem no obriga a fazer de nós alguma coisa, a ter uma existência “autêntica” ou verdadeira. O
mesmo vale para as nossas decisões éticas. Nunca podemos responsabilizar a natureza e a
fraqueza humanas, ou qualquer outra coisa, pelas decisões que tomamos. Muitas vezes acontece
de homens já bem crescidinhos se comportarem como “porcos” e colocarem a culpa no “velho
Adão” que pretensamente trazem dentro de si. Mas este “velho Adão” não existe. Ele não passa
de uma figura de que nos valemos para fugir à responsabilidade por nossos próprios atos.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
171

Embora Sartre afirme que a vida não possui um sentido inato, isto não significa que para
ele nada importa. Sartre não é um niilista, ou seja, alguém que acha que nada tem um sentido e
que tudo é permitido. Sartre diz que a vida deve ter um sentido. Isto é um imperativo. Só que nós
mesmos é que temos de criar a sua própria vida. Sartre tentou mostrar que a consciência não é
nada até que perceba alguma coisa. Pois a consciência é sempre consciência de alguma coisa. E
depende de nós, e também de nosso meio, o que seja este “alguma coisa”. Nós mesmos
contribuímos para o que sentimos e percebemos, pois somos nós que escolhemos aquilo que nos
é importante. Exemplificando, diríamos que, duas pessoas podem estar presentes num mesmo
recinto e percebê-lo de maneira totalmente diversa. Isto porque deixamos nossa opinião ou nossos
interesses agirem quando estamos percebendo o mundo à nossa volta. Uma mulher grávida, por
exemplo, pode ter a sensação de ver mulheres grávidas por toda a parte. Isto não significa que
antes não havia mulheres, mas a gravidez tem agora um novo sentido para ela. Pessoas doentes
veem hospitais e ambulâncias por toda à parte. Talvez a nossa própria vida influencie o modo
como percebemos as coisas num recinto. Se uma coisa não me é importante, é provável que eu
nem a perceba.

Simone de Beauvoir (1908 – 1986) foi a primeira filósofa


feminista sistemática. Seu famoso livro, O Segundo Sexo, publicado em
1949, fornece uma explicação filosófica do desenvolvimento da sociedade
patriarcal e da condição das mulheres nessa sociedade. O impacto do livro
foi imenso, alterando de forma considerável a abordagem das questões
filosóficas e políticas relativas às mulheres. Muito da literatura
supostamente pró-feminina anterior a Simone de Beauvoir concentrava-se
nos interesses das mulheres como parte de uma família, e não como
indivíduos. Ela aplicou a filosofia do existencialismo, que desenvolveu ao
lado de Jean-Paul Sartre para revelar a dimensão inaceitável da
subordinação feminina ao longo da história.

“Não nascemos como mulheres; tornamo-nos mulheres”.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
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MARSHALL MCLUHAN
1911 – 1980

Teórico da comunicação e educador canadense. Criador da frase "o meio é a mensagem",


para definir a influência da televisão, entre outros meios eletrônicos de informação, no
modo de pensar da sociedade ocidental contemporânea.

“Televisão educa o tempo todo. Mais do que qualquer escola ou


instituição de maior aprendizado.”

(Marshall Mcluhan)

Nasce Herbert Marshall McLuhan na cidade de Edmonton, no Canadá, em 1932. Começa


a cursar engenharia na Universidade de Manitoba, mas desiste da carreira para estudar literatura
inglesa em Cambridge, Inglaterra, em 1934. Antes de retornar ao Canadá, leciona nas
universidades de Wisconsin entre 1936-1937 e de St. Louis (1937-1944), nos Estados Unidos. Fez
o mestrado em Cambridge, em 1939, e doutorou-se, em 1943, com uma tese sobre o autor satírico
inglês Thomas Nashe.

Entre 1944 e 1946, foi professor na Universidade de Assumption, em Ontário, e na


Universidade de Toronto, entre 1946 e 1979. Em 1946 torna-se professor do St. Michael’s College,
em Toronto. É nomeado diretor do Centro de Cultura e Tecnologia da Universidade de Toronto em
1963. A partir daí elabora suas idéias até hoje polêmicas sobre os efeitos dos meios de
comunicação na sociedade: a simultaneidade de transmissão das informações por via eletrônica
e a uniformização do padrão com que são divulgadas transformariam o mundo numa grande aldeia
global. Escreveu cerca de 15 obras.

McLuhan introduz as frases "o impacto sensorial", "o meio é a mensagem" e "aldeia
global" como metáforas para a sociedade contemporânea, a ponto de se tornarem parte da nossa
linguagem do dia a dia. Adquiriu proeminência internacional com ideias que têm estimulado
milhares de artistas, intelectuais e jornalistas, em todo o mundo, a ponto da revista Fortune o
nomear como "uma das principais influências intelectuais do nosso tempo".

As suas publicações contribuíram para combater a inércia de um público tanto acadêmico


como popular, numa altura em que o otimismo estava na moda. Segundo a revista The New
Yorker, "o que continua importante é a postura global de McLuhan e a sua busca do novo. Ele
deu o necessário impulso ao grande debate sobre o que está a acontecer ao Homem nesta idade
de rápida aceleração tecnológica".

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
173

McLuhan tem uma famosa frase que descreve a TV: Visão, Som e Fúria.

Na sua última aparição na televisão, na Universidade de York, em Toronto, na Primavera


de 1979, fez uma síntese final da sua teoria. Tinha começado a olhar todos os artefatos humanos,
desde os primeiros instrumentos até aos media eletrônicos, incluindo os computadores, como
extensões do corpo humano e do seu sistema nervoso - e como componentes da evolução
humana, de um modo que Darwin nunca poderia ter imaginado.

Em Setembro de 1979, McLuhan sofreu uma trombose que o deixou incapaz de falar, ler
ou escrever. Depois de uma vida agitada, dedicada quase totalmente aos estudos, sua morte foi
tranquila. Morreu dormindo, em Toronto, no dia 31 de dezembro, último do ano de 1980, aos 69
anos de idade.

MARSHALL MCLUHAN: LOUCO OU PROFETA?

Provavelmente você nunca deve ter ouvido falar neste canadense que revolucionou o
estudo das comunicações. Herbert Marshall Mcluhan teve muita popularidade na década de 60,
foi capa de várias revistas, participou de talk-shows na TV, foi entrevistado pela Playboy e chegou
até a aparecer em um filme de Woody Allen. Seus estudos sobre os meios de comunicação eram
no mínimo intrigantes pois ele não se preocupava com o conteúdo das mensagens. Para Mcluhan,
o meio, ou veículo, que transmite a mensagem é mais importante que o conteúdo. “O meio é a
mensagem”, dizia.

Mcluhan se autodenominava um “filósofo das comunicações”, mas também era chamado


de louco e paranoico. Suas ideias transgrediram o mero estudo dos meios de comunicação e
algumas de suas previsões tornaram-se reais. Ainda na década de 60, enquanto a TV era uma
criança e o PC ficção científica, ele afirmava que logo a humanidade iria se unir em uma “aldeia
global”, onde a distância e o tempo seriam suprimidos. De fato. Mas outros insights, como ele
chamava suas profecias, parecem bem distantes até nos dias de hoje.

Contratado pela Ford para fazer pesquisas sobre as tendências do automóvel no futuro,
Mcluhan chegou à conclusão de que ele será substituído por uma nova tecnologia de caráter anti-
gravitacional; ele também acreditava que o processo da fala será suprimido na aldeia global, o
que não é tão assustador assim, à medida que utilizamos cada vez mais o e-mail, programas de
mensagens em tempo real e salas de bate-papo, ao invés de pegar o telefone e ligar para um
amigo.

É claro que as ideias de Mcluhan não foram bem recebidas por todos. Muitos
consideravam-no um louco ou charlatão. Suas ideias podem ser controversas, mas com a
popularização dos computadores pessoais e da internet, e a força crescente da televisão, fica
muito difícil não sentir-se afetado quando temos diante dos nossos olhos um texto de Mcluhan.

Entre suas obras mais importantes estão:

- "A galáxia de Gutenberg", 1962, na qual apresenta o conceito de aldeia global para
definir a sociedade eletrônica emergente de seu tempo.
- "Os meios de comunicação como extensões do homem", 1964
- "O meio é a massagem", 1967
- "Guerra e paz na aldeia global", 1967

Imaginem Mcluhan convivendo na era da internet...

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
174

GEORG LUKÁCS
1885 – 1971

Lukács é figura extraordinária no cenário intelectual do século XX. Refez, em sua


acidentada trajetória, o percurso da filosofia clássica alemã: inicialmente um crítico
influenciado por Kant, depois o encontro com Hegel e finalmente, a adesão ao
marxismo.

"A confusão mental nem sempre é o caos. Pode denotar as


contradições internas da atualidade, mas a longo prazo conduzirá
à sua resolução. Por isso a minha ética tendeu no sentido da
praxis, da ação, e, portanto, da política. E isso levou, por seu lado,
à economia. (...) Só a revolução russa abiu realmente uma porta
para o futuro; a queda do czarismo trouxe-lhe um brilho, e com o
colapso do capitalismo tal apareceu à vista desarmada. Nesse
tempo o nosso conhecimento dos fatos e dos princípios que lhes
estavam subjacentes era dos menores e menos credíveis. Apesar
disso vimos, finalmente! Finalmente! uma forma de a humanidade
escapar à guerra e ao capitalismo."

Lukács, filósofo e crítico Húngaro de origem judaica nasceu em Budapeste onde começou
os estudos complementados em Berlim e Heidelberg na Alemanha. Sua primeira obra de
repercussão na Europa é a coletânea de ensaios A Alma e as Formas, de 1911. Ingressou no
Partido Comunista Húngaro em 1918. Foi Comissário do Povo Para a educação durante o efêmero
governo de Bela Kun. Vive exilado em Viena entre 1919 e 1929, quando publica História e
Consciência de Classe (1923), obra fundamental do marxismo heterodoxo. Entre 1930 e 1933 dá
aulas no Instituto Marx-Engels, em Moscou. De volta à terra natal, leciona estética e filosofia da
cultura na Universidade de Budapeste. Conhecido por ter elaborado uma teoria marxista da arte,
é chamado de o Marx da estética. Os críticos de esquerda reprovam seu apreço por escritores "da
burguesia", como Goethe, Shakespeare e Balzac. Embora defenda uma estética com base no
marxismo, opõe-se ao controle político dos artistas. No pós 2ª guerra tornar-se uma espécie de
porta voz do Marxismo intelectual, sobretudo após a discussão pública que o opôs a K. Jaspers e
outros filósofos ocidentais nos Encontros Internacionais de Genebra, de 1946. Nos anos 50 torna-
se Ministro da Educação do Governo de Imre Nagy na Hungria. Durante a intervenção soviética
na Hungria, em 1957, Lukács é preso e deportado para a Romênia onde permanece cinco meses.
Morre em Budapeste no ano de 1971.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
175

LOUIS ALTHUSSER
(1918 - 1990)

Filósofo marxista francês nascido na Argélia. Desenvolveu a Teoria dos Aparelhos


Ideológicos de Estado (AIE). Autor de A Favor de Marx (1963), Ler 'O Capital' (1965) e
Posições (1976).

“Acreditamos portanto ter boas razões para afirmar que, por trás dos jogos de seu Aparelho
Ideológico de Estado político, que ocupava o primeiro plano do palco, a burguesia estabeleceu
como seu aparelho de Estado n° 1, e portanto dominante, o aparelho escolar, que, na realidade,
substitui o antigo aparelho ideológico de Estado dominante, a Igreja, em suas funções. Podemos
acrescentar: o par Escola–Família substitui o par Igreja–Família.” (ALTHUSSER, L. Aparelhos
Ideológicos de Estado, p. 78).

Louis Althusser (Birmandreis, Argélia, 1918 - Paris, 1990) é um filósofo


francês, considerado um dos principais nomes do estruturalismo francês
dos anos 60, juntamente com Claude Lévi-Strauss e outros. Marxista,
filiou-se ao Partido Comunista Francês em 1948. No mesmo ano, tornou-
se professor da École Normale Supérieure.

OS APARELHOS IDEOLÓGICOS DA SOCIEDADE

A ideologia não significa mais o que por sua etimologia deveria significar, isto é, estudo
das idéias. Passou atualmente a significar coisas negativa e pejorativa. Entretanto, “ideologia”
significa o conjunto de idéias, valores e maneira de pensar de pessoas e grupos. Althusser
denuncia em sua obra que as classes dominantes alienam a sociedade, quando manipulam a
ideologia para a defesa de seus interesses.

Os aparelhos ideológicos são aqueles aparelhos, ou mecanismos, que na sua função de


manutenção e reprodução das relações numa sociedade usam a persuasão, a “cantada”, isto é, a
ideologia. Eles são difíceis de serem identificados, pois é necessária uma consciência crítica para
poder perceber e denunciar o seu verdadeiro papel ou intenção.

Todo o agrupamento humano, toda sociedade, necessita assegurar sua sobrevivência e


sua permanência, sua reprodução. A sobrevivência é assegurada pela produção, e a reprodução
é assegurada por diversos aparelhos, ou mecanismos, que a sociedade cria para fortificar e
legitimar, podendo assim garantir sua continuidade.

Diversos pensadores classificam os aparelhos de reprodução da sociedade em duas


categorias fundamentai:

1) Os aparelhos repressivos que são aqueles que na sua função de manutenção e


reprodução da sociedade usam a força, a violência, ou a coação-repressão. Eles não escondem
seu papel, mostram-se como são, são claramente estruturados e organizados. Entre outros,
podemos identificar o exército, a polícia, as prisões, os tribunais e o direito penal.

2) Entre os aparelhos ideológicos poderíamos citar a escola (ou educação),a família, as


diversas igrejas, as leis (o direito), os meios de comunicação social (rádio, TV, jornais, revistas,
teatros), as entidades assistenciais, os sindicatos, as cooperativas dependentes do Estado, os
partidos políticos dominados pelo capital, e outros.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
176

CLAUDE LÉVI-STRAUSS
1908
Filósofo e antropólogo francês, considerado um dos grandes intelectuais do século XX. é
considerado o fundador da Estruturalismo em meados da década de 1950. Sua visita ao
Brasil, especialmente aos estados do Mato Grosso e Rondônia, na década de 40, foi
fundamental para consolidação de seu pensamento antropológico.

“De fato, na história da humanidade aconteceu um fenômeno importante, capital, que é o


nascimento do pensamento científico e seu desenvolvimento. Esse fato é um valor intrínseco,
em si mesmo, que eu realmente coloco fora do relativismo cultural. Agora, se você olha as
coisas um pouco mais do alto, dirá que esse pensamento científico que respeitamos e que nos
apaixona em seus progressos passo a passo, que se efetua no decorrer dos séculos, anos ou
dias, é na realidade profundamente vão. Já que o que nos ensina é, ao mesmo tempo, a melhor
compreender as coisas em seus detalhes e que não podemos jamais compreender na
totalidade, no conjunto. O pensamento científico, ao mesmo tempo que alimenta nossa reflexão
e aumenta nossos conhecimentos, mostra a insignificância última desse conhecimento. Depende
do seu ponto de vista e do nível, que é o nosso, o do homem do século XX, do mundo ocidental,
o pensamento científico é algo essencial, fundamental, e devemos utilizá–lo. Porém, se nos
tornamos metafísicos, diremos que de fato ele é essencial, mas ao mesmo tempo é preciso
saber que não serve para nada” (LÉVI–STRAUSS, C. Entrevista à Bernardo Carvalho, in FOLHA
DE S. PAULO, 22 de outubro de 1989).

Autor de Tristes Trópicos (1955), O Pensamento Selvagem (1962) e Olhar, Ouvir, Ler (1993).

Claude Lévi-Strauss nasceu em Bruxelas. Iniciou seus estudos em Direito e Filosofia na


Sorbonne (Paris). Não completou os estudos em Direito, conseguido a licenciatura em Filosofia
no ano de 1931. Após alguns anos de professorado em escolas secundárias ele aceitou o convite
para integrar uma missão cultural Brasil.

Levi-Strauss integrou essa missão junto a outros professores, sobretudo franceses. A


influência dessa comitiva que chegou a pedido do Governo Getúlio Vargas na década de 1930, é
até hoje uma marcante influência na cultura intelectual da Universidade de São Paulo.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
177

Levi-Strauss lecionou no Brasil de 1934 até 1938. Nesse período, o então jovem professor
convidado realizou a primeira de suas poucas visitas acampo, pois a abordagem estruturalista que
proporia alguns anos depois, justificaria esse distanciamento do objeto pelo Antropólogo.

Durante este período ele conduziu seu primeiro trabalho etnográfico de campo, realizando
pesquisas no Mato Grosso do Sul e na Floresta Amazônica. Esta experiência que cimentou a
identidade profissional de Lévi-Strauss como antropólogo. Sobre a forma como se decidiu pela
vinda no Brasil, contou que estava em seu apartamento em Paris, tendo terminado o mestrado,
quando um amigo o contatou e disse da possibilidade de ir para São Paulo, onde estava sendo
formada a Universidade de São Paulo. Os arredores estão cheios de índios, e você vai poder
continuar suas pesquisas, disse o amigo.

Retornou para a França em 1939 para tomar parte no esforço de guerra; após a
capitulação francesa perante a Alemanha, Lévi-Strauss, judeu, viajou para Nova Iorque. Como
muitos outros intelectuais emigrados, ele lecionou na New School for Social Research. Fundou,
ao lado de Jacques Maritain, Henri Focillon e Roman Jakobson, a École Libre des Hautes Études,
uma espécie de universidade-no-exílio de acadêmicos franceses.

Os anos de guerra, passados em Nova Iorque, foram de formação para Lévi-Strauss, em


varíos sentidos. Suas relações com Jakobson ajudaram-no a formalizar sua perspectiva teórica
(ambos são considerados pensadores centrais do estruturalismo). Além disso Lévi-Strauss foi
exposto à Antropologia estadunidense desenvolvida por Franz Boas, que ensinava na
Universidade de Columbia. Após um período como adido cultural na embaixada francesa de
Washington, Lévi-Strauss retornou a Paris em 1948. Foi então que recebeu seu grau de doutor
pela Sorbonne, ao expôr (dentro da tradição francesa) duas teses, uma 'maior' e outra 'menor'.
Elas foram Família e vida social entre os Nambikwara e As estruturas elementares do parentesco.

As estruturas elementares do parentesco foi publicada no ano seguinte, e


instantâneamente consagrou-se como um dos mais importantes estudos de família já publicados.
O título faz uma brincadeira com o título do livro de Émile Durkheim, As formas elementares de
vida religiosa. Examina-se nesta obra a organização familial a partir da estrutura lógica das
relações de parentesco, ao invés de seu conteúdo. Enquanto antropologistas ingleses como Alfred
Reginald Radcliffe-Brown argumentavam que o parentesco era baseado em um ancestral comum,
Lévi-Strauss argumentava que o parentesco era baseado na aliança entre duas famílias que
formava-se quando a mulher de um grupo casava-se com o homem de outro. Neste livro também
é levantada a questão do incesto como marco da passagem do estado pré-cultural (ou da
natureza) ao estado cultural no homem.

Ao longo do final da década de 1940 e começo da década seguinte Lévi-Strauss continou


a publicar e experimentou considerável sucesso profissional. Em seu retorno à França ele
envolveu-se com a administração do CNRS e do Musée de l'Homme, até ocupar uma cadeira na
quinta seção da École Pratique des Hautes Études, aquela de 'Ciências Religiosas' que havia
pertencido previamente a Marcel Mauss e que Lévi-Strauss renomeou para "Relição Comparada
de Povos Não-Literados".

Apesar de bem conhecido em círculos acadêmicos, foi em 1955 que Lévi-Strauss tornou-
se um dos intelectuais franceses mais conhecidos ao publicar Tristes Trópicos, livro auto-
biográfico e basicamente acerca de seu exílio na década de 1930.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
178

Em 1959 Lévi-Strauss foi nomeado para a cadeira de Antropologia social do Collège de


France. Por volta desse período publicou Antropologia estrutural, uma coleção de ensaios que
oferece tanto exemplos como manifestos programáticos do estruturalismo. Começou a organizar
uma série de instituições destinadas a estabelecer a Antropologia como disciplina de estudos na
França, como o Laboratório para Antropologia Social e o jornal l'Homme, onde os pesquisadores
publicavam o resultado de suas pesquisas.

Em 1962 Lévi-Strauss publicou aquele que para muitas pessoas é seu trabalho mais
importante, O pensamento selvagem. Na primeira parte do livro ele descreve sua teoria da cultura
e do pensamento, enquanto que na segunda parte expande suas considerações numa teoria da
história e da mudança social. Esta parte do livro rendeu a Levi-Strauss um acalorado debate com
Jean-Paul Sartre acerca da natureza da liberdade humana. O confronto entre as visões
existencialista e estruturalista iria eventualmente inspirar jovens autores como Pierre Bourdieu.

Já como celebridade mundial, Lévi-Strauss passou a segunda metade da década de 1960


trabalhando em um projeto maior, um estudo de quatro volumes intitulado Mythologiques. Nele o
antropólogo francês toma um mito localizado na ponta da América Central e acompanha suas
variações de grupo a grupo ao longo da América Central e eventualmente no Círculo Polar Ártico,
mostrando então como o mito se espalha de um pólo ao outro do continente. Faz isso de maneira
tipicamente estruturalista, ao examinar as relações entre os elementos da história ao invés de
focalizar no conteúdo da história em si. Se O pensamento selvagem é um manifesto da teoria geral
de Lévi-Strauss, Mythologiques é uma extensa análise de exemplos.

O último volume de Mythologiques foi completado em 1971. Dois anos depois Lévi-
Strauss foi eleito membro da Academia Francesa, a maior honra para um intelectual na França.
Ele também é integrante de várias academias notáveis em todo mundo. Recebeu o Prêmio
Erasmus em 1973; em 2003 recebeu o Prêmio Meister-Eckhart de filosofia. É doutor honoris causa
de diversas universidades pelo mundo. Apesar de aposentado, Lévi-Strauss continua a publicar
ocasionalmente volumes de meditações sobre artes, música e poesia, bem como reminiscências
de seu passado.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
179

TEILHARD DE CHARDIN
1881 – 1955

Jesuíta, teólogo, filósofo, paleontologista francês e, de certa forma antropólogo social.


Seus escritos teológicos e filosóficos, iluminados por uma visão sintética do desenrolar
universal da Evolução, proibidos pela Igreja durante sua vida, foram divulgados depois de
sua morte.

Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Puy-de-Dôme, na França no


dia 1 de Maio de 1881. A obra científica de Teilhard de Chardin situa-
se principalmente na Ásia. Como arqueólogo descobriu o fóssil
conhecido como Homem de Pequim (Sinanthropo, em1929),
explorações na Índia, em Java e participação no Cruzeiro Amarelo
(1931, etc.). Tentou uma conciliação entre fé e a ciência e propôs
nova interpretação à Teoria da Evolução.

Suas pesquisas nesses variados campos da fé, das ciências e do pensamento o levaram
a elaborar uma teoria em que ciência e fé são unidas em uma interpretação evolucionista do
homem e do universo, sob a ótica do cristianismo. Convenhamos, ele estava à frente do seu tempo
e isso sempre provoca grandes controvérsias. No seu caso, o sacerdote se aproximou dos
pensadores do “processualismo”, que faziam uso de categorias tais como criatividade, liberdade,
inovação, emergência e crescimento e que tinham uma visão especulativa do mundo e da
realidade. No contexto histórico, tudo isso ia de encontro com o conservadorismo reinante na
igreja, no início do século passado. As pesquisas de Teilhard de Chardin o conduziram ao estudo
sobre os problemas da origem e da evolução do universo e do homem, resultando em uma teoria
segundo a qual as transformações nada mais são que uma passagem do nível material ao plano
espiritual, tendo o homem como centro e razão desse movimento, pelo qual a alma conecta o
humano ao divino.

Ele propõe que o universo, à medida que evoluiu de uma composição extremamente
simples para uma outra extremamente complexa, retirou a importância dos elementos orgânicos,
materiais, e concedeu maior crédito aos elementos motores da mente, da psique. Essa evolução
do individuo se reflete no comportamento da sociedade. Em outras palavras, quanto mais
complexo é o organismo tanto mais elevado é o desenvolvimento da mente. As modificações
contínuas da matéria e da energia do universo assumiram uma maior complexidade com a
chegada do homem, momento em que o desenvolvimento evolutivo entrou numa nova dimensão
em direção de Deus, já que não é um desenvolvimento espontâneo mas deliberado pelo Criador.
Assim, o fenômeno da origem animal do homem e de sua evolução se manifestaria como um
fenômeno cristão, pois termina por convergir em Deus. Entendendo-se essa ordem matricial, a
ciência e a religião não se contradizem, se completam no aprimoramento intelectual.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
180

Segundo seu pensamento, o Homem seria o ápice, o cúmulo da complexificação da


matéria. O âmago do pensamento de Teilhard de Cradin é uma cosmovisão que aborda tanto o
mundo da ciência quanto o da fé, partindo de um axioma segundo o qual a evolução não está
absolutamente em conflito com o cristianismo; ao contrário, é um argumento muito forte a seu
favor, porque a evolução confirma o cristianismo.

Note-se que seu conceito de evolução não é a hipótese


darwinista, mas uma realidade que ultrapassa as ciências naturais e
alcança a matemática, a física, a química, a sociologia e a história,
invadindo todos os domínios do conhecimento humano, refazendo todos
os sistemas, hipóteses e teorias, que perdem a estabilidade de exatos ou
conclusivos.

Estas idéias, Teilhard escreveu um livro de destaque, "O Fenômeno Humano," publicado
depois de sua morte em que valoriza o fenômeno de complexificação cerebral do phylum humano,
que levou ao aparecimento da consciência de si mesmo ("passo" da reflexão), depois a uma rede
mundial de comunicação dos pensamentos humanos, a noosfera, no coração da qual age o "Cristo
Evolutor" e é quem conduz a Humanidade, de maneira imanente e transcendente, ao mesmo
tempo, para o "ponto Omega" (Reino de Deus). Em outras palavras, na teoria teilhardiana, o
homem é o eixo de toda a construção cósmica. A crise a que hoje assistimos não é mais do que
a quebra dos últimos elos com a Idade Neolítica. Terminará muito cedo e, no futuro, o homem
estará dominando todos os conhecimentos.

Religioso, nunca se afastou da igreja católica ou se contrapôs à Cúria Romana, embora


suas teses tenham sido recebidas com reservas em alguns ciclos da igreja e o Santo Ofício tenha
recomendado cautela na aceitação das suas ideias, sem que antes houvesse um aprofundamento
de exames. Por causa disso, suas obras somente eram divulgadas em cópias mimeografadas ou
xerocadas e seus livros só foram impressos após sua morte na cidade de New York em 10 de abril
de 1955.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
181

PIAGET
1896 -1980

Psicólogo suíço especialista em psicologia evolutiva e em epistemologia genética


revoluciona a pedagogia ao derrubar conceitos tradicionais relacionados com a
aprendizagem.

Nasceu em Neuchâtel na Suíça no ano de 1896 onde licenciou e doutorou-


se em Ciência. Inicia seus estudos de biologia que fizeram-no suspeitar de
que os processos de conhecimento poderiam depender dos mecanismos
de equilíbrio orgânico. Convence-se que tanto as ações externas quanto
os processos de pensamento admitem uma organização lógica. Elabora
um ensaio sobre o equilíbrio do todo e suas partes, sem, entretanto,
conhecer a teoria da Gestalt, que se ocupava do mesmo problema e já
havia alcançado celebridade na Alemanha.

Muda-se para Zurique em 1918, onde passou alguns meses estudando psicologia nos
laboratórios de G.F. Lipps e estagiar na clínica psiquiátrica de Eugene Bleuler. Esses estudos
firmaram-lhe a convicção de que a psicologia experimental poderia ser útil bastante para sua
vocação de epistemólogo.

Estuda com Carl Gustav Jung no mesmo ano. Em 1919 entra na Sorbonne, em Paris,
para estudar psicopatologia e onde estudou filosofia. Nessa época, Piaget convenceu-se de que
o caminho para conciliar a filosofia e a psicologia deveria ser buscado na experimentação.

Trabalha no hospital psiquiátrico de Saint’Anne e faz pesquisas sobre as características


do pensamento infantil com crianças parisienses e deficientes mentais no hospital de Salpatrière.
Em 1921 escreve os primeiros ensaios e ingressa no Instituto Jean-Jacques Rousseu, de
Genebra, onde aprofunda seus estudos sobre a inteligência e leciona psicologia infantil na
Universidade de Genebra. Neste instituto, Piaget, encontrou tempo e liberdade suficientes para
desenvolver seus estudos sobre a criança, iniciando uma série de trabalhos que lhe deram fama
mundial.

Em 1925, Piaget foi nomeado titular de Filosofia em Neuchâtel, onde lecionou até 1929,
dando também aulas de psicologia e sociologia, sem deixar a investigação experimental sobre
lógica e ontologia infantis, no laboratório de Genebra. Além disso, continuou seus trabalhos no
campo da biologia, publicando importantes artigos sobre o assunto.

Em 1929 ocupou cargos de Diretor Assistente na Universidade de Genebra e codiretor


no Instituto Jean-Jacques Rousseau. De 1929 a 1939, além de desempenhar as funções
administrativas, Piaget foi professor de história do pensamento científico, intensificando seus
estudos sobre história das matemáticas, da física e da biologia e redigindo seus primeiros
trabalhos sobre epistemologia genética. Em 1936 a Universidade de Havard concedeu-lhe o título
de Doutor Honoris Causa.

Durante os anos seguintes, inclusive passando pela 2a Grande Guerra, continuou


lecionando e desenvolvendo suas ideias epistemológicas.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
182

Entre as obras principais estão A Linguagem e o Pensamento na Criança (1923) e O


Juízo e o Raciocínio na Criança (1924). Entre 1957 e 1973 publica Estudos de Epistemologia
Genética. Morre em Genebra.

Foi também eleito presidente da Sociedade Suíça de Psicologia e codiretor da revista


Suíça de Psicologia.

Nos anos 50 publicou diversos livros sobre psicologia e psicologia da criança.

Seu propósito de elaborar uma epistemologia baseada nas ciências positivas concretizou-
se em 1955 quando foi inaugurado o Centro Internacional de Epistemologia Genética, sob os
auspícios da Fundação Rockefeller. Este Centro de altos estudos foi fundado em Genebra. Nele,
reúnem-se pesquisadores de todo o mundo que tratam dos mais diversos assuntos, desde fatos
aparentemente simples, como as primeiras palavras pronunciadas pelos bebês, até os
complicados problemas teóricos de cibernética. Trata-se de uma instituição dedicada a assuntos
interdisciplinares. Entretanto tão ampla variedade de assuntos, não dá como resultado uma
simples somatória de investigações, pelo contrário existe um denominador comum que unifica
todas as contribuições em torno de uma disciplina só: a Epistemologia Genética, criada por Jean
Piaget.

O NASCIMENTO DA INTELIGÊNCIA

Em toda a análise do processo de formação das estruturas intelectuais, ou seja, da


inteligência, desempenha papel fundamental a noção piagetiana de estágio. O estágio foi definido
por Piaget como forma de organização da atividade mental, sob seu duplo aspecto: por um lado,
motor ou intelectual, por outro, afetivo.

Do nascimento até a adolescência, Piaget distingue três estágios do desenvolvimento. O


primeiro é o estágio sensório-motor (do nascimento até os dois anos). O segundo divide-se em
dois sub-estágios: o de preparação para as operações lógico-concretas (2 a 7 anos) e o de
operações lógico-concretas (de 7 anos até a adolescência). Apartir da adolescência e até a idade
adulta, configura-se o estágio da lógica formal, quando o pensamento lógico alcança o seu nível
de maior equilibração, ou seja, o auge do desenvolvimento.

No início de desenvolvimento da inteligência sensório-motora (até 1 mês de idade), os


comportamentos globais da criança estão determinados hereditariamente e apresentam-se sob a
forma de esquemas reflexos. De 1 a 4 meses (20 sub-estágio), começam a aparecer as primeiras
adaptações adquiridas e a assimilação distingue-se da acomodação, através de repetições
sucessivas nas quais os resultados são assimilados, modificando-os para permitir melhor
adaptação às situações externas. No terceiro sub-estágio (4 a 8 meses) aparecem as repetições
de gestos que casualmente chegaram a produzir uma ação interessante sobre as coisas. No
quarto sub-estágio (8 a 12 meses), há aplicação de meios já conhecidos para resolver situações
novas. No quinto sub-estágio (12 a 18 meses), a criança faz experiências com os objetos do meio
externo e descobre novos meios para resolverem certas situações. No sexto sub-estágio (18
meses aos 2 anos), aparece à possibilidade da invenção de novos meios por combinação mental
ou por combinação de ações. Esse estágio prevê uma mudança qualitativa na organização da
inteligência, que passa de sensível e motora a mental, isto é, representativa e interiorizada.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
183

Paralelamente à construção da inteligência, ou do pensamento lógico, Piaget analisa a


construção do universo, pela criança no estágio sensório-motor, em função das categorias do
objeto, espaço, causalidade e tempo. Para se ter uma ideia deste estudo, as investigações de
Piaget mostram que, durante as primeiras fases do desenvolvimento, a criança não percebe o
universo em seu redor, ela se comporta como se estivesse frente a um mundo sem objetos. Trata-
se de um mundo cuja única realidade é a própria criança e suas ações.

No segundo estágio do desenvolvimento das estruturas da inteligência podem ser


distinguidos dois sub-estágios. O primeiro (dois aos sete anos) caracteriza-se pela função
simbólica e pelo aparecimento da intuição das operações. Este estágio, também chamado por
Piaget como pré-operatório, não há noção de reversibilidade das operações. A criança começa
simplesmente a distinguir os objetos que apresentam determinadas palavras, e a usar essas
palavras em lugar do objeto. A criança já começa a apresentar certas noções de classificação e
de seriação dos objetos de forma intuída e não realmente compreendida (operação lógica).
Observa-se nesta fase a generalização de significados indevidos, como por exemplo, a criança
diz “au-au” para todos os animais ou “titio” para todas as pessoas do sexo masculino.

As operações lógicas surgem somente quando o pensamento da criança torna-se


reversível, ou seja, quando ela é capaz de admitir a possibilidade de se efetuar a operação
contrária, ou voltar ao início da operação. Admitindo, por exemplo, que A é igual a B, a criança
deve admitir que B é igual a A. Essa ida e volta do pensamento não acontece no período pré-
lógico porque não existe sequência lógica nas ações da criança.

Quando o pensamento infantil torna-se reversível, por volta dos 7 ou 8 anos, inicia-se o
sub-estágio das operações lógico-concretas. Segue-se a ele, a partir dos onze ou doze anos, o
estágio das operações lógico-formais. A operatividade marca a possibilidade da criança agir,
consistente e logicamente, em função das implicações de suas ideias.

A partir da fundação do Centro Internacional de Epistemologia Genética, em Genebra,


cientistas e lógicos de todo o mundo têm-se ocupado, da pormenorização e aperfeiçoamento do
processo genético, descrito por Piaget, e de suas relações com os principais conceitos da ciência
contemporânea.

PRINCIPAIS OBRAS:

- A Linguagem e o Pensamento da Criança (1924)


- O Nascimento da Inteligência (1936)
- Formação do Símbolo na Criança (1945)
- Sabedoria e Ilusões da Filosofia (1969)
- Problemas de Psicologia Genética (1972)
- A Epistemologia Genética (1979)

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
184

QUADRO DE AFILIAÇÕES FILOSÓFICAS

Heráclito Parmênides Sofistas Anáxagoras Leucipo


540-475 AC 530-460 AC 500-400 AC 500-428 AC 500-430 AC

Zenão de Empédocles Democrito


Eléia 490-435 AC 460-370 AC
504/1 AC?

Sócrates
459-399 AC

Diógenes, o
Aristipo
Cínico
435-356 AC
412-323 AC Platão
487-347 AC

Zenão, o
Estoico
336-264 Aristóteles
384-322 AC

Marco
Epicuro
Aurélio
342-270 AC
121-180

Plotino
205-270

Santo
Agostinho
354-430

Tomás de
Aquino
1226-1274

Giordano
Francis
Bruno
Bacon
1549-1600
1561-1626
Descartes
1596-1650

ACADEMIA ESPÍRITA DE ESTUDOS FILOSÓFICOS


HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A
CULTURA CONTEMPORÂNEA
185

QUADRO DE AFILIAÇÕES FILOSÓFICAS

Tomás de
Aquino
1226-1274
Francis Companhia
Bacon de Jesus
Bruno 1561-1626 Século XVI
1549-1600

Descartes
1596-1650 Hobbes
1588-1697
Locke
Espinosa 1632-1704
1632-1677
Leibniz
1646-1716 Voltaire
1694-1788
Hume
1711-1776
Berkeley
1685-1753 Saint
Simon
1760-1825
Kant
1724-1804
Comte
1798-1857
Hegel Leão XIII
1770-1831 Encíclica
Spencer
1820-1903 de 1879

Schopenhauer Kierkegaard Círculo de Viena


1788-1880 1813-1855 Popper
Darw in 1902-1995
1809-1882

Nietzche Marx Husserl Escola de


1844-1900 1818-1883 1859-1938 Willian Oxford:
James Bertrand Russell
1842-1910 1872-1970
Wittgenstein
Heidegger 1889-1951
Escola de
1889-1976
Bergson Frankfurt:
1859-1940 Marcuse Freud
1898-1979 1856-1939
Erich Filos. Linguagem
Fromm Sartre Chomsky
1910-1980 1905-1980 1928
Max
Scheler Piaget Habermas
1874-1928 1896-1980 1929
Lév i-
Neomarxismo: Strauss
Lukács 1908
Althusser Teilhard de
Mcluhan Neotomismo
Gramsci Chardin
1911-1980 Século XX
1881-1955

ACADEMIA ESPÍRITA DE ESTUDOS FILOSÓFICOS


HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A
CULTURA CONTEMPORÂNEA
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BIBLIOGRAFIA

A HISTÓRIA DA FILOSOFIA, Will Durant, Nova Cultural.


GRANDES FILÓSOFOS, Nova Cultural, 2005.
OS PENSADORES, Abril Cultural e Nova Cultural, 2a.,3a.,4a.e 5a. Edições.
HISTÓRIA DO PENSAMENTO (4 volumes), Nova Cultural.
HISTÓRIA ILUSTRADA DA FILOSOFIA, Martyn Oliver, Editora Manole.
O MUNDO DE SOFIA, Jostein Gaarder, Cia das Letras.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE FILOSOFIA, Antônio Xavier Teles, Editora Ática.
HISTÓRIA DA FILOSOFIA, PSICOLOGIA E LÓGICA, Dino F. Fontana, Edição Saraiva
HISTÓRIA DA FILOSOFIA (3 volumes), Michele Federico Sciacca, Editora Mestre Jou.
HISTÓRIA DA FILOSOFIA (7 volumes), Émile Bréhier, Editora Mestre Jou.
MITOLOGIA (3 volumes), Abril Cultural.
SANTO AGOSTINHO, Biblioteca de História, Editora Três.
NOÇÕES DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA, Manoel P. São Marcos, FEESP.
O ESPÍRITO E O TEMPO, J. Herculano Pires, EDICEL
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA ESPÍRITA, J. Herculano Pires, FEESP.
TEORIA DO CONHECIMENTO, Prof. Johannes Hessen, Coleção Studium, Coimbra - Portugal.
O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Tradução J. Herculano Pires, LAKE.
A ETERNA BUSCA DE DEUS, Francisco Fialho, EDICEL.
APOLOGIA DE SÓCRATES, Platão, Coleção Universidade, EDIOURO.
DIÁLOGOS, Platão, Coleção Universidade, EDIOURO.

DISCURSO SOBRE O MÉTODO, René Descartes, Hemus Editora Limitada.

HISTÓRIA DA FILOSOFIA: DA GRÉCIA CLÁSSICA A


CULTURA CONTEMPORÂNEA
Apostila elaborada por:
ANDRÉ LUIZ BEZERRA
Licenciado em Filosofia

REALIZAÇÃO:

ACADEMIA ESPÍRITA DE ESTUDOS FILOSÓFICOS

APOIO:

Fundado em 26 de julho de 1928


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