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O QUE E 0 DESEJO? ‘Sendo 0 mundo freudiano um universo de desejo € de gozo, devemos precisar, antes de tudo, como a psicanslise define o desej. Freud ¢ 0 desejo Froud utiliza dois termos para designar 0 desejo: Wunsch, que significs voto ou dese, e Lust, que se traduz como apettee prazer Em alemio, os temos Wunsch e Lust nio comportam a nogio de reconhecimento, 20 contrrio da paiavra Begierde, que Freud usa € que, na tadigio filoséfica, qualfica 0 desejo com 0 reco- nheeimento que the & atinente. E na sua teoria do sonho que 0 desejotem a melhor definigio, Ali, Wunsch € 0 dessjo ioconsciente recalcado, e 20 mesmo tempo € realizagao de desejo.O desejo nao deve serconfuntido com a necessidade, Mesmo se quisermos define 0 desejo como uma necessidade entre outa, sabemos desde sempre «qe © ser human, to pronto para reconhecero que Ihe € vantajoso no plano da necessiade, fome, sede et, pode ser levado a extremos ineriveis ou aberrantes quando se trata daquilo que se qualifica abusivamente de necessidade sexual. De qualquer forma, essa “necestidade sexual” nao corresponde a nenhuma necessidade racionaliavel, e ¢ esse tendéncia profundamente enigmatica que Freud chama de desejo sexual. Engquanto a necessidade pode en contra stisagao (Befiedigug) em um objeto adequado, a satis fagio do desejo (Wunschbefriedigung) pertence a outro registro. © desejo (Winsch) inconsciente tende 2 realizarse na reproducio oniria ou fantasistica dos signos de percepeio pelos quais uma experiéneia de prazer (Lust) cde desprazer (Unlust) foi memor- zada no aparelho psiguco, sob a forma dos wragos mnémicos que 2 constituem, Freud ilustra a sua teria do sonho como realizagio n 12 asdimensies do gor0 4e desejo com muitos exemplos, notadamente um sonho de sua filha Anna, aos 19 meses de idade.! Na véspera, no deram sobremesa i menina, porque ela estava ligeiramente indisposta Durante a noite, ela ‘sonhou, em vor alta, precisamente com 0s alimentos que Ihe foram proibidos,e que, por essa prépria proibigio, se tomaram objetos do desejo. Freud especifica esse sonho como sendo realizagao de um desejo sexual, mesmo nessa idade, pois essa € a sua propria definigdo do desejo. Por meio dessa repre- sentago onirica, a menina encontra a satisfacio de um desejo recalcado. Esse exemplo mostra que a satisfagao do desejo (Wunsch- befriedigung) & primeiramente uma satisfagio subjetiva? (onirica ‘ou fantasistica), independente da sua realizacio efetiva em um prazer de drgio que poderia acompani-la, independente também do seu encontro com 0 objeto sexual. A satisfagio do desejo tem lum valor sexual, na medida em que, por definiglo, 0 desejo (Wunsch) tem sempre uma polaridade sexual. Veremos depois a definigao que Freud a para a sexualidade, que ele nio reduz a0 genital. Quanto a busca do objeto sexual na realidade, ela sempre orientada pelos tragos ronémicas a partir dos quais 0 desejo incons- ciente e indestrutivel é determinads.? de mado que 0 objeto esco- Thido nunca é mais do que um objeto seencontrado em relago a0 cdjeto primeiro (aquele que presidiu a primeira experigneia de satisfacio), perdido para sempre, Trata-se aqui, para Freud, de uma verdadeira teoria do desejo (Wunsch), e nao de uma simples palavra do vocabuléro. Em ruptura com os sex6logos do inicio do século, que reduzem 4 sexualidade humana ao sexual biol6gico remetido unicamenté 20 genital, a psicandlise, com Freud, constr6i uma teoria da sexualidade muito mais extensa, embora inacabada, ¢ cuja significagio € apa- rentada, segundo Freud, a0 Eros platénico. (Os sexélogos tiraram da filosofia o termo “libido” (traduzido como apetite, desejo, aspiragio, vohipia). Qualificando-o como libido sexualis, eles superpaem esse termo ao de “instnto sexual Por sua vez, Freud tira esse termo dos sexélogos para dar-Ihe uma ‘ova definigdo. & dificil encontrar na sua obra um sentido univoco para a libido, através das diferentes etapas das suas elaboragoes, mas ele sempre faz dela um componente essencial da sexualidade Para Freud, a libido pode significar tanto cobiga quanto luxsiria, & conserva todo 0 seu sentido de prazer (Lusi) € 0 seu sentido de deseo (Wunsch). Na sua primetra definigo conceitual, que se que éodesejo? 13 encontra nos Trés ensaios sobre a teria da sexualidade, a libido € uma energia a0 mesmo tempo quantitativa e qualitativa, que designa a manifestagao dindmica da pulsdo sexual na vida psiquica Ela € para o desejo 0 que a ferme é para o apetite. Freud sempre manteri a polaridade sexusi da Tibido. Esse termo “libido” & reservado as tend&ncias sexuais, ¢ é unicamente nesse sentido que ele € empregado na pscandliset Note-se que Jung conceberi. a Tibido como uma energia psiquica nio especificada. Foi essa di vergéncia em suas concepgbes respectivas de libido que produziu a ruptura entre Freud e Jung, Para Freud, 0 termo libido tem a vantagem de taduzir a universalidade do conceito de sexualidade, sem que seja necessério transerevé-lo em outras linguas. Além disso, em alemfo, ele se aproxima ¢ faz eco a0 termo Liebe, que significa desejo e amor; assim, no foi escolhido por acaso, pois, para Freud, as pulsdes sexuais ém a ver com tudo 9 que se pode compreender sob 0 nome de amor. Nos Trés ensaios sobre a teoria da sexualidadeeuja primeira versio foi publicada em 1905, mas que teria quatro reedigdes até 1920, revistas © acrescidas de muitas notas, Freud acentua as anifestagdes polimérficas da sexualidade humana, que se distin auem de toda finalidade de proctiagic e de toda redugio a0 mero genital. E & primeira conclusto que ele tira de suas observagoes Clinicas, mediante as quais qualfica como sexuais atividades muito diversas, tanto no adulto quanto na crianga, Por exemplo, para 0 lactente, 0 prazer obtido pela suc¢l0, pela defecagio © até pela ‘masturbagio. Deve-se precisar que a existéncia da sexualidade infantil € elaborada por Freud a partir do tratamento dos pacientes axullos. Trata-se de uma verdadeira reconstrugio a posterior, que The permite afirmat que a senualidade do adult resulta dessa “pré-histria™ que €a dsposigao perverso-polimorfa da sexualidade 1a crianga, S6 secundariamente ssa elaboragio terd a sua canfir- na observacao direta da crianga. Na verdade, muitas vezes Freud pede a seus alunos mais préximos que the comuniguem as suas observagdes sobre as manifestagoes sexuais de seus préprios filhos. Logo no inicio de sua elaboragio, Freud apresenta 0 carter Setual da libido, demonstrando que ela é de esséncia masculina, ‘na medida em que ela intervém no desenvolvimento da sexualidade aque se organiza sob a primazia do falo Na Metapsicologia® (1915), Freud opse a libido, ligada as pulsdes sexuais, is pulsdes de autoconservagio do Eu. Conjuga

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