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Juízos analíticos a priori e sintéticos a posteriori

Juízo analítico é aquele no qual o predicado nada acrescenta ao sujeito. Quando se diz que uma esfera
é redonda, o predicado ‘redonda’ somente explicita uma propriedade do termo sujeito, pois já está contido no
seu conceito.

O Juízo sintético, porém possui um predicado novo em relação ao conceito. Assim, quando digo “A
Terra é redonda”, o predicado redonda acrescenta qualidade nova ao conceito ‘Terra’, cujo conceito
astronômico básico só inclui algo como “é o terceiro planeta do sistema solar”.

Os juízos analíticos são sempre apriorísticos: afinal, não se depende da experiência para dizer que um
quadrado é um polígono ou que possui quatro lados.

Os juízos sintéticos são, em geral, a posteriori. Só posso dizer que “Pablo é goiano” se eu possuir uma
experiência anterior que enseje a emissão deste juízo.

Nenhum destes juízos, porém, satisfaz à necessidade da ciência. Ela precisa dizer coisas novas sobre os
objetos, mas que sejam doravante apriorísticas, ou seja, que não dependam eternamente de confirmação
empírica. Se eu precisar verificar todo dia que a Terra gira em torno do Sol, este conhecimento científico não
teria utilidade. Logo, é preciso que haja juízos sintéticos, segundo Kant, que sejam a priori. Para ele, são os
da ciência. E é a possibilidade dos mesmos que ele procurará justificar mediante a sua Crítica da Razão Pura.

Comentários acerca da “Estética Transcendental” de Immanuel Kant (1724-1808)

Alexandre Fernandes Batista Costa Leite

1. Introdução

Devido a enorme influência de Kant na composição do pensamento filosófico, optei por fazer o trabalho
no âmbito de sua Crítica da Razão Pura (CrP-1787-B); poderíamos dizer que esta influência, ou mesmo, marca
o nascimento da chamada Epistemologia, ou seja, Teoria do Conhecimento. Não estou a dizer que Kant foi o
primeiro a elaborar perguntas acerca da fundamentação do conhecimento, mas sim que ele foi o principal
pensador da dita “tradição” a realizar um projeto que questiona a própria possibilidade de conhecer, e é
exatamente essa característica que inaugura o modo de pensar kantiano, ou seja, sua filosofia transcendental.
Diferentemente do que acontecia nas questões do conhecimento, refiro-me às tentativas de fundamentar o
conhecimento sem antes questionar sua própria possibilidade, Kant instaura perguntas sobre as condições de
possibilidade do conhecimento em geral. Kant faz uma espécie de síntese das posturas racionalista, Descartes
e Leibniz, e empirista, Hume. Esses três filósofos são decisivos para a efetivação do labor de Kant. Mas a
influência desses pensadores no trabalho de Kant escapa do alvo do atual trabalho.
O presente texto é uma tentativa, quiçá incauta, de expor as descrições dos conceitos utilizados por Kant
em sua “Estética Transcendental”, bem como mostrar sua argumentação com o uso desses conceitos na
primeira parte da “Doutrina Transcendental dos Elementos”, isto é, “Estética Transcendental”.

2. Desenvolvimento

O escopo do texto é duplo, como foi exposto na Introdução. Em primeiro lugar, a apresentação dos
conceitos e em segundo lugar a estruturação da argumentação realizada com o uso dos mesmos conceitos.

1. Por Estética Transcendental Kant entende “uma ciência de todos os princípios da sensibilidade a
priori”
2. Por sensibilidade Kant entende “a capacidade de obter representações mediante o modo como somos
afetados por objetos”.
3. Por conhecimento a priori Kant entende “um tal conhecimento independente da experiência e
mesmo de todas as impressões dos sentidos”.
4. Por intuição Kant entende o modo como um conhecimento se refere imediatamente aos objetos.

“Aquela intuição que se refere ao objeto mediante sensação denomina-se empírica”

5. Por sensação Kant entende: “O efeito de um objeto sobre a capacidade de representação, na medida
em que somos afetados pelo mesmo”.
6. Por fenômeno Kant entende:” O objeto indeterminado de uma intuição empírica”7. Os fenômenos
tem uma matéria e uma forma, aquela é descrita como o que no fenômeno corresponde à sensação e
esta como a ordenação do múltiplo dos fenômenos em determinadas relações. Assim, a matéria de
todos os fenômenos só pode ser dada a posteriori; o que não é o caso para a forma dos fenômenos
que estão na mente a priori, e isso faz com que ela seja considerada sem a preocupação com as
sensações.
7. Por representações puras Kant entende todas aquelas em que não for encontrado nada pertencente
às sensações.10
8. E, por fim, Kant entende por intuição pura ou forma pura da sensibilidade aquela disposição que
está na mente a priori; o a priori é aqui usado no sentido de inato, ou seja, como aquela estrutura que
já nascemos com ela e desconhecemos sua origem.

Penso agora ser possível explicar a argumentação de Kant em sua “Estética Transcendental”, pois o
modo que o uso dos conceitos será feito já foi elucidado. Se isso não tivesse acontecido, então correríamos o
risco de usá-los de modo infracionário, ambíguo. Mesmo assim, tal risco não pode ser eliminado
definitivamente, pois não se trata de uma linguagem formal, como a Matemática, por exemplo. Mas, contudo,
a possibilidade desse equívoco acontecer fica reduzida.
Faz-se necessário, não no sentido lógico do termo, mas sim na sua acepção singela, expor o método da
“Estética Transcendental” proposto por Kant para que compreendamos com maior facilidade o sentido de sua
argumentação.

O método pode ser decomposto nas seguintes etapas:


a) isolar a sensibilidade com o intento de buscar a intuição empírica;
b) separar na intuição empírica tudo que pertence à sensação com o propósito de encontrar a
intuição pura, pois esta é o único elemento que a sensibilidade pode fornecer a priori;
c) encontrar as formas puras da intuição sensível, são elas o espaço e o tempo.
Seguir o método acima exposto implica efetivar o objetivo da “Estética Transcendental”, pois esta
é exatamente o conhecimento dos princípios da sensibilidade a priori.
Passemos agora à investigação da primeira forma da sensibilidade a priori, ou seja, o conceito de espaço.
Seguirei a argumentação kantiana; isso significa que primeiro mostrarei a exposição metafísica desse conceito
e depois sua exposição transcendental.

Por exposição metafísica de um conceito Kant entende a representação clara daquilo que pertence a um
conceito e que o apresenta como dado a priori. Ficarei preso a apenas um argumento, na minha visão, essencial.

O espaço é forma pura da intuição sensível. Isso significa que o espaço é uma representação a priori,
visto que é necessário para pensar qualquer objeto no campo de ação do sentido externo e está em nossa mente
anteriormente a qualquer tipo de experiência. O espaço é condição de possibilidade dos fenômenos. Isso é
deduzido porque não é possível pensar nenhum objeto fora do espaço, apesar de podermos pensar o espaço
sem nenhum objeto. Se o espaço é condição de possibilidade do que aparece, então ele só pode ser dado e isso
mostra que ele é a priori, pois é anterior a qualquer experiência e também serve de condição de possibilidade
dos objetos. O espaço é, portanto, uma intuição pura “Pois a representação do espaço já tem estar subjacente
para certas sensações se referirem a algo fora de mim, e igualmente para eu poder representá-las como fora de
mim e uma ao lado da outra e por conseguinte não simplesmente como diferentes, mas como situadas em
lugares diferentes. Logo, a representação do espaço não pode ser tomada emprestada, mediante a experiência,
das relações do fenômeno externo, mas esta própria experiência externa é primeiramente possível só mediante
referida representação”

Por exposição transcendental Kant entende “a explicação de um conceito como o princípio a partir do
qual se possa compreender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori 12. Uma das perguntas
substanciais da Crítica da Razão Pura é: Como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Um juízo é sintético
quando o predicado não está contido no sujeito e, assim, é um juízo que acrescenta algo ao conhecimento. Um
juízo é a priori quando é independente da experiência.

O conceito de juízo sintético a priori é obtido através da união das duas descrições acima acerca do
juízo.

Kant tenta mostrar que a Geometria é uma ciência capaz de determinar de modo sintético e a priori as
propriedades do espaço, pois ela é capaz de realizar tal fato desconectada de toda a percepção de um objeto e
ainda acrescenta algo ao nosso conhecimento. Portanto, se é razoável explicar a possibilidade da Geometria,
então a exposição do conceito de espaço é transcendental. O argumento da exposição transcendental é
basicamente o mesmo da exposição metafísica.

Passemos agora à segunda forma da sensibilidade a priori, seja ela o conceito de tempo. Seguirei
novamente o mesmo caminho de Kant, exposição metafísica e transcendental.

A exposição metafísica do conceito de tempo diz que ele é forma pura da intuição sensível porque tem que
estar subjacente a priori para que a simultaneidade ou a sucessão de algo seja dada à percepção. Todos os
fenômenos podem ser exterminados, mas não podemos fazer o mesmo com o tempo pois ele é condição de
possibilidade para que “algo seja num mesmo tempo(simultâneo) ou em tempos diferentes (sucessivo)”, isto
é, é condição sem a qual não seria possível pensar os fenômenos em sua relação de causa e efeito,
simultaneidade e sucessividade. Isso gera a ideia de que o conceito de tempo, como conceito de espaço, faz
parte de nossa estrutura cognitiva e é dado mas desconhecemos sua origem.

A exposição transcendental do conceito de tempo afirma que ele é a possibilidade de um conhecimento


sintético a priori para a doutrina geral do movimento, pois” se essa representação não fosse intuição (interna)
a priori, nenhum conceito, seja qual for, poderia tornar compreensível a possibilidade de uma mudança, isto
é, de uma ligação de predicados opostos contraditoriamente (por exemplo o ser e o não-ser de uma coisa no
mesmo lugar) num e mesmo objeto. Somente no tempo, isto é sucessivamente, duas determinações podem ser
encontradas numa coisa.”

Dessa forma, temos constituídas as duas formas da intuição sensível, são elas o espaço e o tempo. Estas
formas fazem parte de nossa estrutura cognitiva e são condições de possibilidade para pensar os fenômenos
em geral. Isso significa que espaço e tempo tem um realidade subjetiva, isto é, são inerentes ao sujeito do
conhecimento, não obstante terem validade objetiva. É importante notar que tais conceitos só valem quando
aplicados dentro dos limites da experiência possível, ou seja, no quadro dos objetos dos sentidos.

3. Conclusão

A “Estética Transcendental” é a primeira parte da jornada kantiana que tem o intento de desvendar como
é possível o conhecimento e quais são os seus limites. Tal parte se ocupa da sensibilidade e tenta elucidar
quais são suas formas a priori. Somente com essa parte o conhecimento não seria possível, pois ele surge da
união da sensibilidade com o entendimento. A sensibilidade fornece as formas da intuição a priori e o
entendimento fornece as categorias ou conceitos a priori que são responsáveis para a manipulação do múltiplo
sensível que é dado. Mas esse ponto está na “Lógica Transcendental” que, como sabemos, não foi objeto do
trabalho, apesar da Crítica da Razão Pura ser um livro que pretendo carregar ao longo da vida, pois é uma
construção teórica muito bem elaborada e, na minha opinião, o sistema filosófico mais importante da história
da filosofia. Digo isso apesar de saber que nas discussões recentes sobre a linguagem a CrP não ter tanto peso.
A CrP é um bom exemplo de construção teórico-conceitual capaz de resolver determinados problemas, um
sistema de pensamento ou uma Arquitetônica da Razão Pura que não tem como não ser enfrentada por aqueles
que pretendem viver no mundo do pensamento filosófico.

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