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TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA III

ALUNO:
TURNO: MANHÃ
DATA: 30/10/2010

FICHAMENTO
FICHA BIBLIOGRÁFICA
Arquitetura Brasileira
Autor: Carlos A. C. Lemos
Editora: Melhoramentos
1979

1. Panorâma Geral

“Os principais determinantes, ou condicionadores, do partido seriam:

A. A técnica construtiva, segundo recursos locais, tanto humanos, quanto


materiais, que inclui aquela intenção plástica, às vezes, subordinada aos estilos
arquitetônicos.
B. O clima
C. As condições físicas e topográficas do sítio onde se intervém.
D. O programa de necessidades, segundo os usos, costumes populares ou
conveniências do empreendedor
E. As condições financeiras do empreendedor dentro do quadro econômico da
sociedade.
F. A legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as regras de
funcionalidade.” (pág. 9)

“Ao mesmo tempo, em contrapartida, também podemos perceber que essa importância de
interpretação crítica dos estilos pode ser minimizada quando verificamos que, às vezes, eles

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não passam de mera roupagem aposta à obra arquitetônica segundo a moda vigente, não
influindo na concepção espacial, no volume, enfim, no partido.” (pág 10)

“E em quase todo o Brasil, também, na arquitetura urbana, vemos sempre os mesmos partidos
definidos pelos grandes telhados de duas águas, as cumeeiras paralelas às ruas, pelas paredes
grossas de pedra e cal ou de taipa de pilão serem, conforme a época, ataviadas desta ou
daquela maneira. Pelo século XIX afora, até o começo do seguinte, vemos casas de mesma
planta, de mesmo número de janelas numa mesma simetria, em qualquer cidade, serem
taxadas de ‘coloniais’, ou de neoclássicas, ou de ecléticas, devido tão somente à origem de
suas ornamentações aposta à estrutura comum.” (pág. 11)

“E, por isso, os estilos aqui chegados serviram, muitas vezes desvinculados de toda sua razão
de ser nessas plagas isoladas, de mote a novas e novos processos de criação e, por isso,
chamados também de recriações. É na história da arte paulista que encontramos talvez o
melhor exemplo dessa ‘recriação’, principalmente na decoração dos retábulos e na fatura dos
pormenores de marcenaria aplicada à construção civil” (pág 11)

“É o que tentaremos sintetizar a seguir, em poucas palavras, visando a fornecer um panorama


geral de nossa arquitetura, tanto da popular como da oficial, inclusive a religiosa. A
arquitetura erudita, aparentemente, estava independente das condições do meio colonial
porque, via de regra, vinha projetada do Reino, ou era riscada aqui mesmo por profissionais
portugueses que tentavam, a viva força, seguir as determinações, os regulamentos legais e a
própria tradição do país de origem.” (pág 13)

“Da atuação dessa gente de fora resultava essa arquitetura que, talvez injustamente, temos
chamado de apátrida e que, na verdade, mostra as experiências e gostos sucessivos de
algumas gerações de padres e funcionários alheios ao povo propriamente dito. Alheios,
principalmente porque de curta permanÊncia nos locais de trabalhos, sendo sempre
transferidos daqui para acolá.” (pág 14)

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“Cremos que a essa gente devemos uma certa unidade no panorama arquitetônico do litoral e,
também, as lições, os exemplos, os modelos deixados ao povo, sempre atento e responsável,
dentro de seu pequeno universo caracterizado pela pobreza, por empréstimos e soluções
reelaboradas a partir das novidades. Daí, também, a uniformidade da arquitetura popular que,
sempre, bem ou mal, acompanhou dentro das possibilidades os modismos da arquitetura
erudita. Assim caminharam as construções do litoral, ao contrário daquelas do planalto
distante e isolado, como já vimos. Dois comportamentos: a evolução gradual e, sempre dentro
das lições intermitentes dos engenheiros de fora, a estagnação, ou fixação ou persistências
culturais dentro da tradição dos povos isolados. Dois comportamentos, duas arquiteturas, ao
do litoral e a do interior. A portuguesa aclimatada e a brasileira nascida da recriação.” (págs
14/15)

“Coube ao pobre, no Brasil, a perpetuação da técnica indígena, aliada a soluções européias,


nos mocambos de palha do Nordeste -mocambos que demonstram, no entanto, falta de
recursos e não uma determinação conservacionista apoiada em razões ecológicas ligadas antes
de tudo às condições climáticas. Sempre que se pode, foge-se a tradição e da lição indígena.”
(pág 16)

“à medida que surgiram os benefícios da tecnologia moderna, condicionando todos a acreditar


com otimismo em sua proteção, embora só alguns a eles tivessem acesso”. (pág 17)

“A partir da Revolução Industrial as novas soluções vieram de roldão não dando tempo a
experimentos conclusivos. Aos tijolos laminados, às grandes placas de vidro plano, às
estruturas metálicas altamente racionalizadas, ao concreto armado, à eletrônica já deste século
e a uma série grande de invenções sucedeu uma arquitetura imposta ao povo sem que ele
tivesse opções regionais, ou regionalizáveis, dentro do grande mostruário internacionalizado,
mercê das facilidades de comunicação.” (pág 17)

“É claro que os bons arquitetos amparados por boas verbas e grandes disponibilidades sempre
fazem a arquitetura de qualidade, que é inacessível ao povo, especialmente à classe média
ávida de participar dos benefícios da nova tecnologia, mas desprovida de recursos suficientes

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para tanto, e, por isso, copiando exterioridades insuficientes a um mínimo de conforto. Hoje,
mora-se mal, e sob vários aspectos, o pobre dos mocambos de palha, dos ranchos de
pau-a-pique cobertos de sapê, mora melhor que o remediado das cidades.” (pág 17)

“O progresso foi mais teórico que prático…” (pág 17)

“Enquanto nas construções oficiais, Brasília está aí como paradigma, nos edifícios de uso
coletivo, temos vários motivos para orgulharmo-nos de nossas definições arquitetônicas
surgidas a partir do projeto do Ministério da Educação, no Rio, e inspiradas no funcionalismo
da Le Corbusier, não vemos ainda como defender a totalidade de nossa produção particular.”
(pág 18)

“Se o sistema construtivo é um dos principais condicionantes do partido arquitetônico, o


programa das necessidades é o maior determinante do tempo de uso do edifício e o
responsável pela sua conservação e pela sua integridade.” (pág 18)

“Rapidamente, podemos relembrar algumas ocorrências ligadas a essa questão dos programas,
focalizando três aspectos: o das moradias pelo Brasil afora; o das igrejas e dos edifícios
públicos em geral.” (pág 18)

“As casas brasileiras podem mesmo ser classificadas, quanto ao seu funcionamento, em
anteriores e posteriores à escravatura, pois o negro, como disse Lúcio Costa, era esgoto,
ventilador, monta-carga, enfim, motor que punha em funcionamento a casa sem instalações
sanitárias e de íngremes escadas de sobrados sucessivos, de janelas pesadas de guilhotina, que
sinhazinha alguma conseguia levantar.” (pág 18)

“Realmente, o programa de necessidades da casa brasileira mudou muito nos quatrocentos e


cinquenta anos da história de nossa civilização material.” (pág 19)

“mas suportando em cima um edifício de escritórios e tendo em seus flancos lojas de


comércio variado. Como veremos, logo nos primeiros tempos de nossa história, definiram-se
alguns “partidos”, segundo as ordens religiosas: vemos a solução franciscana diferenciar-se
das jesuíticas, vemos as igrejas nordestinas, ou do litoral em geral, ostentarem monumentais

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sacristias, verdadeiros locais de reuniões sociais e se contrapondo às igrejas do interior, de


Minas, de São Paulo ou Goiás, principalmente aquelas das irmandades, onde a construção
toda era dos irmãos, com suas salas de reunião e corredores de confraternização, minimizando
a importância daquelas salas anteriores à capela-mor. Vemos no nosso segundo reinado,
principalmente depois da “questão religiosa”, a depauperação dos mosteiros e o abandono das
soluções conventuais e o surgimento do ecletismo dando novo vigor às igrejas isoladas nos
centros das praças públicas…” (pág 20)

“Talvez tenha sido Oscar Niemeyer o autor das primeiras mudanças radicais na concepção
espacial e no próprio sistema construtivo das igrejas com o seu templo de São Francisco de
Assis da Pampulha, no início da década de 1940, e com a Catedral de Brasília vinte e tantos
anos mais tarde.” (pág 20)

“Muitos hábitos e costumes populares podem ser percebidos ordenando composições


arquitetônicas, embora sua razão de ser ou suas origens já estejam esquecidas. O porquê dos
alpendres nas capelas rurais, por exemplo. Muito já se escreveu a respeito e unanimemente se
concluiu que aqueles alpendres estão diretamente filiados às galilés das basílicas romanas, que
nos tempos iniciais do cristianismo livre em Roma, se destinavam a abrigar os catecúmenos,
aqueles ainda não batizados…” (pág 23/24)

“A grande maioria de nossas cidades nasceu ao léu, organicamente ancoradas aos acidentes
topográficos, ora encarapitadas em cima de outeiros, como mandava a milenar tradição lusa
das cidades em acrópole, como é o caso de Porto, de Lisboa, de Olinda, de Salvador, do Rio
do Morro do Castelo; ora nas planícies, aos pés dos morros e cordeadas ao sabor dos
caprichos de seus primeiros povoadores, geralmente pessoas totalmente alheias a esses
problemas de urbanização e daí a espontaneidade e a imprevisibilidade desses traçados.” (pág
25)

“Foram os novos conceitos de higiene, mormente aqueles ligados à habitação e às novas


técnicas de construção, com todas as suas possibilidades, que sugeriram as primeiras normas
de construções, logo transformadas em leis - tanto as que se interessavam pela saúde do povo

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como as mais voltadas à remodelação urbana, visando o abandono definitivo dos velhos
costumes gregários das casas geminadas. E surgiram os afastamentos laterais para o sol e o ar
penetrarem nos cômodos do centro da planta. Foi o adeus às alcovas abafadas, e o surgimento
dos jardins.” (pág 26)

“Vemos, por exemplo, os códigos do fim do século, sejam de São Paulo, Santos ou Rio de
Janeiro, determinarem altos pés-direitos para os cômodos dos edifícios e residências, visando
grandes volumes de ar nos compartimentos. Aos poucos, as alturas de seis ou cinco metros
vão dando lugar a alturas menores até chegarmos aos 2,50 ou 2,30 contemporâneos
justificados por melhores métodos de ventilação. Com isso, os edifícios tornaram-se mais
baixos, as esquadrias menores, havendo economia de mão-de-obra e de material de
construção.” (pág 27)

“Em resumo, podemos dizer que, nos primeiros séculos, nossa civilização material derivada
da cultura branca limitou-se a fixar-se no litoral - na imagem antiga, limitamo-nos, como os
caranguejos, a arranhar as praias. O grosso de nossa população era estabelecido a beira-mar.
No sertão, poucos índios e mestiços, zelando o gado necessário à indústria açucareira da zona
fértil das matas litorâneas. No começo, sabemos todos, vieram as primeiras feitorias, as
capitanias hereditárias, as vilas pioneiras, a catequese e a indústria nascente do açúcar, tentada
em vários pontos da costa a partir de mudas de cana trazidas das ilhas.” (pág 28)

“O povoamento interior do Norte-nordeste foi lento e deu-se, principalmente, através da


expansão pastoril. Terminado ou minimizado o breve ciclo da extração de madeiras, como o
pau-brasil, e iniciado o grande período do açúcar nordestino que, logo, logo, impulsionou as
cidades recém-fundadas, teve começo o ciclo pecuário, pois, além da necessária mão-de-obra
escrava, havia necessidade de muita lenha para as fornalhas e de gado, não só de cavalos e
muares, mas também de bois para o transporte sistemático de combustível e da cana das
lavouras para as moendas.” (pág 28)

“De uma maneira geral, assim numa visão muito ampla, podemos dizer que a arquitetura
desse vasto litoral pode ser compreendida segundo o batizamento de algumas datas que

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definem, aqui ou acolá, certos períodos bem caracterizados por estilos, ou por intenções de
grandiloquência, ou por técnicas construtivas ou então, por partidos exclusivos de classes
sociais ou de certas ordens religiosas. Realmente, existem datas, ou fatos históricos decisivos,
como aquele da invasão holandesa. (pág 29)

“a anterior e a posterior ao domínio batavo.” (pág 29)

“A partir daí a arquitetura é monumental e o barroco surge em toda a sua plenitude.” (pág 29)

“E temos que ver a influência decisiva dos arquitetos, construtores, entalhadores e pintores
das ordens religiosas fazendo seus mosteiros, colégios, igrejas e capelas de aldeias de índios.
Não podemos deixar de estudar as obras dos jesuítas e dos franciscanos. Ambas as
congregações realmente definiram partidos arquitetônicos e chegaram a influir, inclusive, nas
construções laicas das cidades onde se estabeleciam, como foi o caso de São Paulo.” (pág 31)

“Os jesuítas foram os primeiros a chegar e não devemos nos esquecer que constituíam uma
congregação nova, recentemente fundada por Inácio de Loiola e, por isso, movidos por um
ímpeto de trabalho ímpar, ainda mais que estavam nos dias da Contra-reforma. E devemos
nos lembrar, também, que, embora os jesuítas enviados ao Brasil fossem quase todos
portugueses (Anchieta era espanhol das ilhas) a arquitetura aqui programada a longo prazo era
de origem italiana.” (pág 31)

“Depois de 1654, restaurando o domínio português, a arquitetura jesuítica se engrandece


buscando uma monumentalidade que antes não possuía, embora continuasse ainda dentro dos
padrões usados desde antes, tendo como orientação maior a obra de Vignola e Giacomo della
Porta, na Itália, especialmente a Igreja de Gesù. Até a sua expulsão do país, em meados do
século XVIII, os jesuítas procuraram manter alto o nível de seus templos, sempre
aprimorando-os e completando-os com ricas obras de talha e pintura.” (pág 33)

“tudo faz supor que, enquanto os jesuítas insistiam nas alvenarias de pedra, tanto a entaipada
como a de blocos lavrados, os franciscanos mais modestos, ou mais apressados, usavam, de
permeio à pedra, tijolos, outras vezes, a própria taipa e muita madeira.” (pág 33/34)

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“É que ignoramos muita coisa a respeito das origens desse partido. Até que ponto o velho Frei
Francisco dos Santos estaria comprometido nessa harmonização de cheios e vazios, de arcos
em correnteza na base e de janelas em menor quantidade no andar superior, sugerindo um
grande triângulo cujo vértice é sempre arrematado pela Santa Cruz apoiada sobre frontão
correto? Com certeza, trata-se de uma solução local, nascida como se fosse a marca registrada
de uma origem religiosa e elaborada a partir do gosto e da experiência de arquitetos
portugueses. É pois, assunto a merecer pesquisas e indagações maiores.” (pág 35)

“Das construções rurais pernambucanas é claro que os engenhos de açúcar da zona da mata
devessem ter maior importância arquitetônica, pois, além de ricas, estavam ali receptivas às
novidades e à mão-de-obra especializada que transitava ao longo dos portos da marinha.
Contudo, tirando a parte industrial, que era, com mínimas diferenças de agenciamento,
uniformemente organizada segundo a tecnologia da época, não podemos dizer tivesse havido
uma tipologia arquitetônica referente aos engenhos dos latifúndios açucareiros nordestinos - o
que não aconteceu, como veremos, com os engenhos fluminenses, todos extremamente
semelhantes entre si.” (pág 36)

“O alpendre, ou a varanda, foi mesmo peça importante, no contexto geral do engenho, pois
era o local de onde o proprietário, o patriarca, observava e comandava os trabalhos de
produção açucareira. Sabemos que nos primeiros séculos, dava-se o nome de “casa” a cada
um dos compartimentos da moradia.” (pág 36)

“No sertão, a arquitetura sempre foi muito simples e até mesmo precária. População rarefeita
e cabocla - dizem que o negro passou a frequentar o interior só nos fins do século XVIII e
começo do seguinte, com as primeiras plantações sistemáticas do algodão.” (pág 37)

“Mas foi na cidade do Recife, que houve soluções realmente peculiares e ligadas a um
comportamento social ímpar. Como é sabido, Recife floresceu graças ao curto período de
dominação holandesa, porque, antes da invasão, a cidade principal da zona era Olinda. Em
pouco tempo, de humilde burgo de pescadores, na barra alagadiça de dois rios que ali se
juntavam, Recife tornou-se o ponto bem equipado e o centro de comércio florescente que

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sabemos. Talvez pela escassez de chãos firmes, talvez pelo alto valor dos lotes disponíveis,
talvez por razões urbanísticas que hoje desconhecemos, o fato é que a população
concentrou-se em diminuta área beira-rio em forte gregarismo, caracterizado por sobrados de
pedra e cal altos e estreitos, elaborados a partir de programas normais a qualquer sociedade
​ ram os chamados “sobrados
urbana litorânea, mas organizados de modo ​sui generis. E
magros” do Recife, de vários andares, chegando até a cinco, ou mesmo seis pavimentos. De
um modo geral, no térreo estava o estabelecimento comercial de seu proprietário, ou
inquilino, tendo nos fundos acomodações para escravos, viaturas e cavalos de tiro. No
primeiro sobrado, os escritórios, depósitos e acomodações dos caixeiros, futuros comerciantes
em fase de aprendizado, geralmente jovens portugueses emigrados. Daí para cima, morava a
família; havia o andar de receber visitas, o andar dos dormitórios, o andar de estar e comer.”
(pág 40/41)

“Já para o sul da Bahia, a pobreza impediu o desenvolvimento que o açúcar dera àquelas
cidades nordestinas. As capitanias do Espírito Santo, São Tomé e São Vicente praticamente
permaneceram como que dormentes e, no litoral, entre o Rio de Janeiro fundado em 1565 e
Vitória, de 1551, as atividades maiores foram de catequese jesuítica, que perdurou até a
expulsão dos padres em 1759, sendo aquelas duas cidades os focos irradiadores das
determinações.” (pág 48)

“O Ceará, o Maranhão e o Pará têm uma história em sequência, onde estão envolvidos
homens lidando com o gado em expansão e soldados expulsando holandeses e franceses
aventureiros que ali se estabeleceram. À beira-mar, as cidades nasciam de fortificações, no
sertão atrás das serras, de currais e feiras periódicas. O devassamento do litoral do Ceará
começou por volta de 1610 através dos esforços de Martim Soares Moreno, que construiu
uma fortaleza no local da cidade que hoje tem esse nome, tendo vindo de Natal, cuja
fortificação dos Três Reis Magos era o ponto extremo do efetivo domínio português. Essa
fortaleza de São Sebastião feita por Moreno, em 1696, possuía cerca de duzentos moradores
dentro de seus muros, mas pouco soldados e nenhum oficial. Para a assistência religiosa, só a
capela do forte. Em 1725, Fortaleza já era uma vila de certo vulto, principalmente devido à

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sua importância estratégica. Nesses primeiros tempos, a pobreza impediu no Ceará e no Piauí
obras arquitetônicas de importância e, também, duradouras. Praticamente, o que há de valor
conservado naquela região é trabalho do século passado.” (pág 51/52)

“A partir dessa experiência, até hoje praticada, a arquitetura de pedra e cal dali adquiriu
feições despojadas de requinte, apresentando, porém, soluções de programa e de conforto
ambiental peculiares, além de soluções técnicas bastante simplificadas.” (pág 52)

“Em 1616, Francisco Caldeira, na foz do Amazonas, meta importante na conquista de terras
do interior, levanta o Forte do Presépio, origem da atual cidade de Belém.” (pág 53)

“Também foi nos meados do século XVIII que Belém do Pará experimentou um surto
progressista e passou a ganhar construções importantes executadas conforme os novos
critérios estilísticos, principalmente os escolhidos para a reconstrução de Lisboa, um estilo
que, sem abandonar de vez certos pormenores a linguagem rococó do tempo de D. José, já se
assentava à contenção do neoclássico, que despontava para o mundo.” (pág. 54)

“Devido às cláusulas do tratado de Madrid entre Portugal e Espanha, D. João V mandou


missões de técnicos de diversas nacionalidades encarregados de demarcar as divisas entre
colônias daqueles países. Tanto no sul, em direção ao Rio Prata, como no norte, visando as
dívidas abertas da bacia amazônica, estiveram militares, engenheiros, topógrafos, astrônomos
procurando os pontos focais de divisa e, ali, levantaram marcos e até fortificações.” (págs
54/55)

“Outro arquiteto italiano dessa missão que se casou em Belém, com mulher rica, por sinal, e
que lá trabalhou e morreu foi Antônio José Landi (Bolonha, 1708 - Belém, 1790) o renovador
da arquitetura local e responsável por obras de real valor, que alteram as características das
construções da capital. Antonio José Landi trabalhou quarenta anos initerruptos em Belém,
com os títulos de capitão e de arquiteto régio. Projetou igrejas, palácios, sobrados nobres,
reformou fachadas, atualizando na paisagem urbana velhas construções. Seu estilo estava

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próximo do neoclássico, demonstrando sua permanente atualização, pois viera de uma fase
caracterizada pelo rococó dos tempos de D. João V e D. José.” (pág 55/56)

"Enquanto se define uma nova constituição política, a obra mais importante de Arnofo não é o
Domo, nem o Palazzo Vecchio, nem o traçado dos terceiros muros, mas talvez a ideia do novo
organismo urbano onde o aumento periférico é compensado pela ampliação do núcleo
direcional, com os dois centros, político e religioso, dispostos nas margens das primeiras
muralhas." (p.16)

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"Em certos casos, a invenção urbana antecipa os desenvolvimentos do corpo social [...] Nestes
casos a forma urbana fica a testemunhas não um passado, mas um futuro eliminado pelos
acontecimentos sucessivos." (p.16)
"O cenário urbano é uma aparelhagem do corpo social, ligada por relações funcionais menos
diretas e mais complicadas. Convém portanto aprofundar a distinção entre dois significados
da palavra cidade e discutir a interpretação dada até agora a este dualismo, que é mais sutil e
enganoso do que parece à primeira vista." (p.17)
"Com efeito, a pesquisa histórica levada a fundo reconhece que a pretensa classificação
vigente na sociedade contemporânea, conexa aos interesses privilegiados nesta sociedade; a
tentativa de atribuir-lhes um valor absoluto nçao serve para interpretar o passado, mas para
estabilizar as instituições e os interesses coligados, no presente e no futuro." (p. 18)
"Bastava aplicar, setor por setor, as definições absolutas, isto é, era suficiente estudar a arte, a
literatura e a ciência, cada uma por sua conta. No segundo caso, há necessidade de uma
raciocínio global que espelhe a feita segundo as distinções de chegada, mas que põe em crise
os supostos setores permanentes na vida cultural, os quais se tornam objetos da investigação
histórica, e não condições preliminares." (p.18)
"Os lugares-comuns, os juízos aproximativos e preconceituosos só podem ser removidos se
voltarmos a olhar para os fato em nas suas reais e minuciosas articulações." (p.19)
"Utilizam a experiência da arqueologia, que está justamente aparelhada para extrair dos seus
registros as informações sobre a vida social; ao invés, as duas sobre as cidades mais vizinhas
no tempo e que ainda funcionam põem em evidência o isolamentos e a inutilidade de uma
abordagem formal que se julga autônoma." (p.20)
"O eventos ocorridos da Renascença em diante impedem que se mantenha o postulado da
correspondência entre cidade e sociedade; de fato, aparece neste período uma nova definição
da cidade, que deriva exatamente da afirmação da autonomia da arte." (p. 21)

2. A arquitetura paulista dos primeiros séculos

“É certo que o litoral paulista também se ateve à tradição arquitetônica européia que, até certo
modo, como já vimos, se estendeu uniformemente ao longo de nossas costas devido,
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principalmente, a uma mesma técnica construtiva, às mesmas necessidades cotidianas e ao


mesmo clima quente, mais ou menos seco, sempre quente. É claro que essa uniformidade se
prende mais aos partidos em geral, alí sempre definidos, em última instância, pela técnica
construtiva dos muros contínuos de pedra e cal, havendo desigualdade mais visível só nos
acabamentos e intenção decorativa e muitas vezes personalista.” (págs 58/59)

“Enquanto no litoral paulista ainda permanecemos dentro do quadro definido pela arquitetura
portuguesa simplesmente transladada para o Brasil, em São Paulo, seguindo a fundação do
colégio, pela primeira vez entre nós, no que diz respeito às construções, houve a oportunidade
de se formar uma linguagem de caráter local baseada, antes de tudo, na recriação vinculada às
condições ecológicas e a partir da inspiração ibérica.” (pág 51)

“ E assim nasceu em São Paulo, o primeiro ponto de apoio para a escalada do sertão. Temos,
então, a determinante inicial da arquitetura paulista: o isolamento dos moradores, todos
pobres e de origem até certo ponto heterogênea, embora sempre ibérica: pessoas do norte de
Portugal, mais afeita a lidar com alvenarias de pedra; o sul, do Algarve, mais afinada com a
tradição árabe envolvida com muros de terra, de taipas, adobes, pessoal das ilhas e da
Espanha.” (pág 62)

“Resumindo: grande quantidade de espanhóis morando em São Paulo;espanhóis passando


indo e vindo, por São Paulo, mameluco em geral visitando o Paraguai, o norte da
Argentina;paulistas transitando pelo Sul, fundando a colônia de Sacramento conhecendo
Santa fé e índios catequizados apresados, vindo para São Paulo, muitos permanecendo aqui e
aqui trabalhando em construções generalizadas, fizeram com que a arquitetura bandeirista
assumisse certos aspectos formais que não se reflitam noutras regiões do Brasil.” (págs 66/67)

“Como já dissemos, as cidades bandeirantes, principalmente aquelas dos dois primeiros


séculos, são também de difícil visualização. O Morgado de Mateus descreve São Paulo, já na
segunda metade do século XVIII, sem entusiasmo algum, compreendendo que não se podia
esperar muita coisa de uma pobre cidade feita de terra socada.” (pág 74)

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3. O caso do barroco mineiro

“No começo, os portugueses vinham sós, sem as famílias. E, então, Minas passou a produzir
muito ouro e bastantes mulatos. As antigas estatísticas demonstram que, na primeira metade
do século XVIII, 60% da população era negra escrava. Dos 40% restantes, dois terços eram
pardos, mulatos e brancarrões. O branco puro constituía a minoria.” (pág 77)

“Todos sabemos que em nossas sociedades antigas, tanto nas do litoral como nas do interior, a
religião era o grande tema, a grande ocupação, ou melhor, a grande preocupação. Em Minas
do século XVIII, no entanto, algo de diferente condicionou a instalação alí da igreja. É que em
Minas Gerais não foi permitida a fixação de ordens religiosas e respectivos conventos. Os
padres mineiros eram todos seculares.” (pág 82)

“A duras penas é que se conseguiu, afinal, a harmonização entre a construção e seu interior e,
assim mesmo, numa pequena região em Minas, pequena, porém a mais rica, delimitada por
São João Del Rei, Congonhas do Campo, Mariana, Sabará, Caeté e outros arraiais que, hoje,
têm mais ou menos como centro a cidade de Belo Horizonte.” (pág 88)

“E assim, as cidades mineiras se formaram abrigando população de origens heterogêneas, mas


constituindo um complexo cultural ímpar, onde artes em geral estavam sempre presentes. Não
falemos dos músicos de maior qualidade, dos poetas árcades e literatos sonhadores libertários
e nem dos ourives refinadíssimos. Lembremo-nos, somente, dos ‘mestres do risco’, dos
construtores, dos pintores e entalhadores, quase todos mulatos, como já falamos, e alguns
vindos de Portugal, já com apreciável currículo.” (pág 94)

4. O neoclássico e o ecletismo

“A vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro foi um marco decisivo no comportamento
da arquitetura brasileira brasileira, por vários motivos, como veremos. Num período de quinze
a vinte anos, a partir de 1808, ano da chegada de D. João, alteraram-se fundamentalmente as
regras do jogo.” (pág 103)

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“Depois, houve alterações no poder aquisitivo do povo, surgindo uma classe média influente,
da qual, aos poucos foram emergindo os ricaços e os barões do café, responsáveis por toda
uma nova arquitetura no médio Paraíba, no caminho já velho para Minas Gerais e nas
chácaras e fazendas em torno da Baía da Guanabara.” (pág 106)

“E assim, o neoclássico se tornou o estilo oficial do nosso império, tendo acolhida em todas as
províncias, dando status de modernidade às novas obras programadas, simbolizando, também,
o progresso e a liberdade do país.” (pág 110)

“O que São Paulo ganhou com essa ‘invasão’ mineira foi uma nova arquitetura baseada na
estrutura autônoma de madeira, feita à meia encosta. Da fusão desse modo de construir e de
respeitar o terreno, com taipa de pilão, resultou o novo partido da arquitetura do café da zona
mojiana” (pág 112).

“Enfim, essa facilidade de identificação dos espaços urbanos é que define os patrimônios
ambientais, que nunca foram bem interpretados, analisados, quantificados. Só sabemos que
têm sido sistematicamente destruídos, impedindo a perpetuação das identidades, a fixação dos
caracteres definidores, em obediência a uma fatalidade histórica de um país sem memória.”
(pág 120)

5. Os tempos recentes

“Por essa época, se firmou uma característica decorrente dos altos preços de materiais
imprescindíveis, todos ligados às instalações hidráulicas. A célebre ‘casinha’ do fundo do
quintal encosta-se à casa principal ou chega a entrar e instalar-se ao lado da cozinha, pelo
flanco onde havia a pia de lavar louças e panelas. Tudo isso sobre o reservatório domiciliar de
água, abastecido pela rede pública. Esse agenciamento, assim definido, era o mais econômico,
gastava-se a menor quantidade possível de metros lineares de tubulação.” (pág 129)

“Coisa a ser averiguada é quando surgiu a ideia, dentro do ecletismo, de se reviver o velho
estilo português barroco, ou a velha moda brasileira nas novas construções. Por que não se
retornar à tradição, em vez de macaquear os frances, aqui fazendo um estilo como o “art

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nouveau”? É verdade que havia no mercado uma enxurrada de objetos de adorno e utilitários,
até móveis para todos os usos, nesse novo estilo em voga nas casas, coerentemente, poderiam
ter essa ornamentação floreal. Mas, porque esquecemos a nossa própria tradição, nossas raízes
e nossos troncos maiores, que tão belos frutos já tinham dado e poderiam continuar a dar?”
(pág 130)

“A semana de Arte Moderna de q922, em São Paulo, pouca influência teve sobre essa
arquitetura praticada na cidade. Os arquitetos que dela participaram não tinham o mínimo
conhecimento do que se fazia de moderno pelo mundo em matéria de racionalismo estrutural.
Os painéis expostos no saguão do Teatro Municipal mostravam mais uma arquitetura
compromissada com o passado , com muros contínuos de alvenaria, mas lembrando os estilos
das missões franciscanas na Califórnia.” (pág 133)

“A década dos anos 20 terminou já tendo havido alguns fatos que viriam a influir na formação
dos primeiros e raros adeptos da arquitetura moderna então praticada na Europa, mas,
verdadeiramente sem terem tido repercussão popular. Já em 1925, em 15 de outubro, o jovem
paulista Rino Levi publicava no “O Estado de São Paulo” uma carta clamando sobre a
necessidade de nós brasileiros providenciarmos planos modernos de urbanização, pois nossas
cidades cresciam ao sabor dos desejos e caprichos dos especuladores imobiliários.” (pág 134)

“Essa década de 30 foi o tempo da propagação do concreto armado e em que se aceitou o


prédio de apartamentos, a solução de moradia coletiva até então altamente rejeitada pelo gosto
popular, especialmente pela classe média que não admitia “promiscuidades” semelhantes aos
cortiços das classes baixar. Já, nos anos anteriores, haviam aparecidos os primeiros exemplos
desses prédios em altura, suficientes à comprovação dos benefícios da solução dos
apartamentos. Dessa maneira, por essa época, alterações de programas surgiram dando novas
opções aos critérios de morar.” (pág. 136)

“Nossa arquitetura muito deve ao fato de, em 1935, estarem à frente do Ministério da
Educação de da Saúde homens esclarecidos e abertos às novas correntes, como Gustavo

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Capanema e Rodrigo Melo Franco de Andrade, futuro chefe do serviço do Patrimônio


Histórico e Artístico.” (págs 139/140)

“Naquele tempo, realmente, o reconhecimento internacional era muito importante, pois dava
uma espécie de aval às escolhas. Portinari só se tornou o “pintor oficial” após seu prêmio
norte-americano, por volta de 1935. O pavilhão brasileiro na feira mundial de Nova Iorque,
em 1939/1940, consagrou definitivamente Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Assim Juscelino
Kubitschek risco algum estaria correndo ao contratar com Niemeyer o projeto célebre do
conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, cidade onde era prefeito, logo no início da década
de 40.” (pág 147)

“ Agora as dimensões seriam outras, os vãos maiores e as equações das curvas nada tinham de
compostura dos esforços simétricos e uniformemente distribuídos das velhas cúpulas e
abóbadas. Agora, era a liberdade de dizer, a facilidade de vencer vãos. A pequena igreja de
São Francisco de Assis da Pampulha, que no começo não foi aceita pelo próprio clero, é outro
marco divisor de águas- é a primeira igreja brasileira de partido realmente moderno e seus
espaços definidos pelas abóbadas de concreto estavam muito longe dos salões prismáticos das
principais soluções das naves únicas tão em voga no ecletismo.” (pág. 148)

“Rino foi o ‘anti- Oscar’ por exelência; em vez de se livrar os condicionantes do partido,
procurava-os para tentar vencê-los. Disso, decorreu uma arquitetura sobriamente bem
composta, com cada coisa no seu lugar, justificando toda uma teoria muito bem , como no
caso de seus hospitais, assunto de constantes palestras, conferências e escritos. Não podemos
dizer que foi um artista livre.” (págs 154/155)

“Mas coube a João Batista Vilanova Artigas a definição de uma arquitetura paulista [...] Alí,
inicia seu grande movimento de renovação do ensino da arquitetura, dando, antes de tudo, aos
jovens arquitetos um novo enfoque da realidade em que viviam, de modo que pudessem
abordar os problemas de trabalho com uma nova visão crítica..” (pág 158)

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