O HOMEM QUE
MORREU DUPLAMENTE
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
No Sistema Solar, que desde o “Dia Laurin” foi trasladado
em cinco minutos para o futuro, e por isso se tornou invisível e
não existente para o restante do Universo, os calendários
registram meados de junho do ano 3.432.
No interior do Sistema Solar — agora também chamado de
“Sistema Ghost” novamente reina a paz. O comércio com o
planeta Olimpo, que é efetuado pela eclusa do tempo, transcorre
totalmente conforme os planos. Sim, pode-se dizer mesmo que os
negócios interestelares e intergalácticos estão simplesmente
florescendo.
Menos rósea é a situação das grandes potências galácticas
que fazem parte da Coalizão Anti-Solar. Nas suas fileiras as
coisas estão fervendo, e o surgimento dos acalauries, as
misteriosas criaturas de antimatéria, agita os ânimos por toda
parte.
Muito pior, entretanto, é a atividade de Ribald Corello na
galáxia. O supermutante, que ninguém até agora chegou a ver,
parece odiar a Humanidade profundamente. Morte e caos são os
rastos que Ribald Corello deixa atrás de si.
O supermutante dedica especial atenção ao Império Solar.
Nascido de uma ligação entre um mutante louco com uma garota
anti, ele persegue o objetivo de se tornar soberano pela força de
toda a galáxia — mas para isto primeiramente terá que riscar do
Universo Perry Rhodan e os seus terranos.
Corello vê uma chance de transformar em realidade a sua
atividade infame. Como colaborador involuntário serve-lhe “O
Homem que Morreu Duplamente”...
Neste segundo, Ranchold deu-se conta de que se enganara. Goratchim era mais
perigoso que um twiesel.
***
O twiesel naturalmente não sabia
disso. Neste mundo não havia nenhum
adversário que ele não pudesse enfrentar
com sucesso, exceto a técnica dos homens,
naturalmente. Contra esta, ele também nada
podia fazer.
Suas pernas se retesaram, dando-lhe
impulso, e num voo esticado ele atirou-se
na direção do mutante bicéfalo, sem
entretanto atingir totalmente o seu alvo. No
meio do voo, o seu corpo repentinamente
inflamou-se, como se tivesse sido atingido
por um raio. Não era uma reação nuclear
espontânea, mas um processo de queima
relativamente vagaroso, que demorou pelo
menos meio segundo.
Os restos carbonizados caíram na
clareira.
— Pena pela pele — disse Ivanovitch,
o mais jovem.
— Melhor a dele que a nossa — retrucou Ivan, secamente.
Goratchim, o dono das duas cabeças, saiu para a clareira.
Ele olhou os restos do animal, depois a armadilha energética e finalmente a pele
cuidadosamente dobrada do outro cadáver.
— Um caçador verificou Ivanovitch. — Rastros recentes. Ele ainda deve estar
muito perto. — A cabeça esquerda de Goratchim virou-se um pouco para a esquerda e
olhou na direção de Ranchold. — Ele certamente deve ter se assustado muito, quando nos
viu... se ele nos viu.
Ivan chamou, em voz alta:
— Ei, saia do mato, caçador! Não vamos fazer-lhe nenhum mal. Mas talvez o
senhor possa nos... eh... me ajudar.
Ranchold sabia que não faria sentido ainda conservar-se escondido. O mutante,
mais cedo ou mais tarde, certamente o encontraria. Ele levantou-se e saiu para a clareira.
A arma, entretanto, ele continuava mantendo na mão, destravada.
— Aqui estou eu, o caçador Ranchold. Eu vi o que aconteceu. Os senhores fazem
parte do Corpo Especial do Império Solar. São um mutante. Como chegaram aqui?
Ivanovitch sorriu para sua cabeça gêmea.
— Bem valente, o rapazinho, não? — Ele olhou novamente para Ranchold. —
Como é que nos conhece?
— Quem não os conhece? — veio a contra pergunta pronta e segura. — Pelo
menos, todo mundo já ouviu falar dos senhores e dos seus dons. Eu não sou um
adversário do Império Solar... se é que ainda exista. Ultimamente ouviram-se coisas tão
estranhas.
— É assim que se interroga criancinhas — declarou-lhe Ivan. — Se eu existo e o
meu irmãozinho, certamente também existirá ainda o Império Solar, não é mesmo?
Alguém lhe contou fábulas. Caso contrário, eu estaria aqui?
— Estão querendo caçar twiesels? — Ele apontou para o resto carbonizado do
animal. — Se fizerem isso assim, nunca vão conseguir uma pele.
— Esta não é a nossa intenção, caçador Ranchold. Mas é possível que vocês em
Anchorot logo precisarão de ajuda. Assim como o senhor ouviu acerca do suposto
desaparecimento do Sistema Solar, nós também ouvimos boatos a respeito de coisas que
dizem terem ocorrido neste mundo. O que houve com os armazéns de peles em Charota?
Ranchold abaixou-se e pegou a sua pele. Que colocou nos ombros.
— Ah, é dessa história que está falando? — Ele riu. — Eu não estive presente, mas
ouvi falar disso. Os guardas deviam estar bêbados. Talvez tenham andado pelos bares,
em vez de vigiarem. Não é de admirar, que desse jeito metade das peles foi roubada. —
Ele olhou espantado para o mutante. — Foi por isso que vieram para Anchorot?
Também — Ivan esquivou-se de uma resposta direta. — Tem alguma objeção se
nós o acompanharmos? Caso contrário ainda acabaremos nos perdendo. Nós tínhamos
planejado apenas um passeiozinho, que se transformou numa longa caminha noturna.
Nosso planador está na borda do mato, para o sul.
— Ali também fica a minha cabana — explicou o caçador. — Aliás, muito obrigado
pelo salvamento. Eu não sei se teria vencido o twiesel.
— É claro que teria... um caçador!
Ranchold examinou mais uma vez sua armadilha, depois saiu na frente. Logo a
picada ficou mais larga e eles podiam caminhar lado a lado. Com isso a conversa
recomeçou.
— Onde moram? Em Charota?
— Sim. Em casa de Steral Skopins, o comerciante.
— Conheço ligeiramente. Faz poucos negócios, esse Skopins, pelo que ouvi dizer.
Parece até que ele está aqui somente de férias.
Goratchim não esclareceu a Ranchold o quanto se enganava. O Capitão Steral
Skopins era o chefe da Contra-Espionagem Solar em Anchorot, mas isso naturalmente
ninguém deveria saber. Quando o planeta foi descoberto e povoado há menos de uma
década atrás, a Contra-Espionagem Solar imediatamente interveio. Galbraith Deighton, o
chefe supremo, mandou o Capitão Skopins para cá pois, de conformidade com tudo que
se sabia, Anchorot em meio século se transformaria num planeta densamente povoado,
com uma indústria de ponta.
Skopins veio trazendo um pequeno capital. Além disso, trouxe dois auxiliares
consigo, os quais o ajudaram na instalação do negócio. Não havia nenhuma restrição a
negócios em Anchorot, e deste modo ninguém podia objetar a instalação do recém-vindo.
Além do mais, diariamente apareciam caras novas, especialmente na capital, Charota.
— Não é um comerciante muito ativo — concedeu Ivan — mas é um bom e velho
amigo nosso. — Ele suspendeu um galho pesado, usando o pé. — Mas, para voltarmos ao
que eu mencionei ainda há pouco, o que é que houve com os depósitos? Sabe de alguma
coisa a respeito? A mim... quer dizer, a nós, informaram, com toda seriedade, que os
guardas não estavam bêbados, mas sob influência hipnótica. Como é que o senhor explica
isso?
— É uma besteira, isso! Quem poderia tê-los hipnotizado? Os twiesel, talvez?
Goratchim deu-se conta de que Ranchold não poderia ajudá-lo. Provavelmente
Ranchold, jamais em sua vida, ouvira falar alguma coisa sobre o supermutante Ribald
Corello.
— É impossível saber-se tudo — riu Ivan Ivanovitch, tentando acompanhar o passo
rápido do caçador.
Quando atingiram a borda do mato, o céu no leste estava coberto de nuvens rosadas.
Logo o sol subiria.
— Lá do outro lado está minha casa — disse Ranchold, cordialmente. — Podem me
visitar a qualquer hora, se o desejarem. Agora, entretanto, a esta hora do dia, eu não
gostaria de assustar minha mulher... Oh, desculpem. Eu não falei por mal.
— Nós entendemos isso muito bem — resmungou Ivanovitch, bonachão.
— Nós não somos mesmo muito bonitos — acrescentou Ivan. — Nós nos
anunciamos com antecedência, caçador Ranchold. E tudo de bom.
Ranchold ajeitou a sua pele e partiu na direção oposta. Ivanovitch sorriu e disse:
— Eu preciso confessar que ele aceitou o nosso surgimento com surpreendente
sangue-frio. Na realidade ele deveria ter se admirado do acaso de nos encontrar, e ainda
por cima aqui, num planeta relativamente desconhecido.
— Correto, você tem razão — anuiu Ivan. — Por outro lado, entretanto,
provavelmente não pensa muito em coisas que não são importantes para ele. Não creio
que vá falar.
Eles alcançaram o planador e embarcaram.
— Bem, não importa se o fizer... — murmurou Ivanovitch, a cabeça gêmea, mais
jovem em três e meio segundos, de Goratchim.
***
O birô da Contra-Espionagem, camuflado como casa de um comerciante em
Charota, parecia discreto sob qualquer ponto de vista, não tendo até agora provocado
qualquer suspeita. As aparelhagens secretas de transmissão e recepção tinham sido
instaladas de modo tão escondido, que mesmo numa busca intensa na casa não seriam
encontradas.
O Capitão Steral Skopins tinha passado uma noite sem dormir. Desde os terríveis
acontecimentos em Vinzsa, um planeta do Sistema Al-Tont, que ficava a uma distância
de dois anos-luz, suas piores premonições pareciam confirmar-se. O supermutante Ribald
Corello também estava intervindo neste setor da Via Láctea. Ninguém, que ainda vivesse,
jamais tinha visto o monstro, e ninguém sabia de onde ele vinha. Certo, entretanto, é que
ele perseguia os terranos com um ódio sem limite, através de milhares de anos-luz e sem
qualquer compaixão.
Ele devia ter a possibilidade de colocar sob sua força os habitantes de um mundo
inteiro apenas fazendo uso de seu poderio psíquico fora do comum. Assim também
sucedera em Vinzsa. Bons amigos lá se transformaram nos piores inimigos, que se
mataram mutuamente, depois de destruírem suas casas.
E agora também se mostravam em Anchorot os primeiros indícios de um
influenciamento mental, ainda que num incidente relativamente inofensivo. Depósitos de
peles eram roubados, e os guardas, sempre homens muito conscienciosos, descuidavam
dos seus deveres. Todos mostraram marcas de um tratamento pós-hipnótico.
Obra de Ribald Corello?
Skopins não sabia, mas estes fatos foram suficientes para que ele mandasse uma
mensagem em código pelo hiper-rádio, que por acaso foi captado pela Intersolar, a nave-
capitânia de Perry Rhodan. A menos de dois anos-luz de distância, a gigantesca nave
globular ia justamente entrar em voo linear, de volta para a Terra, quando o radioperador
de plantão captou a mensagem, descodificando-a e passando-a adiante, para Perry
Rhodan.
Para Rhodan estava claro que Skopins precisava de ajuda. Depois de uma rápida
conversa com seus oficiais principais, os mutantes e amigos, Goratchim apresentou-se
como voluntário para passar algum tempo em Anchorot e tentar colocar as coisas em
ordem, prestando ajuda a Skopins.
Enquanto a Intersolar mergulhava no espaço linear, Goratchim tomava o rumo de
Anchorot num space-jet.
Pouco mais tarde ele apresentou-se ao Capitão Skopins, que respirou aliviado. Ele
não esperara uma reação tão rápida à sua mensagem de rádio.
Isso fora há catorze dias atrás. Desde então não acontecera mais nada que apontasse
para Ribald Corello. Com o surgimento de Goratchim a assombração parecia ter
terminado.
Entretanto o mutante de duas cabeças, que dava na vista, nunca deixara a casa
durante o dia, para não dirigir suspeitas para Skopins. O space-jet estava pousado no
espaçoporto. Ali não chamava a atenção. Somente à noite Goratchim ousava dar passeios,
para talvez descobrir alguma suspeita, apesar de tudo. Até agora sem qualquer sucesso.
Assim como hoje.
Skopins nunca se sentia muito bem quando dos passeios noturnos do mutante.
Naturalmente ele não podia imaginar corretamente que consequências uma descoberta
traria, mas sabia que sua paz e tranquilidade neste planeta paradisíaco terminaria de uma
vez por todas.
Ele estremeceu, quando soou o sinal combinado para abrir a porta.
Pouco depois, Goratchim entrou na casa. Sem incomodar Skopins mais uma vez, ele
foi deitar-se, depois de ainda ter dado uma passadinha na cozinha.
Skopins virou-se para a parede e continuou dormindo.
***
Hoje era o dia 16 de junho de 3.432, tempo normal terrano.
Durante a manhã, Skopins tinha adquirido algumas peles a bom preço, para
justificar a sua existência em Anchorot e melhorar sua mesada particular. Isso também
era absolutamente legal, na visão da Contra-Espionagem Solar, além de honesto. Para
ficar em contato com as pessoas, Skopins e seus dois “ajudantes” de vez em quando
tinham que frequentar os bares e locais de lazer de Charota, e isso não era exatamente
barato.
Skopins não sabia nada sobre o “Caso Laurin”. Por isso não tinha a menor noção de
que o Sistema Solar não existia mais no presente, mas que existia cinco minutos para
dentro do futuro, envolto num campo de tempo constante. Ele ouvira boatos de que o
Sistema Solar tinha sido aniquilado, mas não conseguia dar-lhes crédito. Em primeiro
lugar os seus contatos com locais de serviço nos outros planetas continuavam normais, e
em segundo lugar Goratchim surgira em sua casa. Isso era-lhe bastante para poder
afirmar que a história com a destruição não passava de uma mentira grosseira.
Goratchim apareceu para o almoço e informou sobre sua aventura noturna.
Demoraria ainda de seis a oito semanas até que Rhodan viesse buscá-lo novamente, se
entrementes nada acontecesse que pudesse apontar para Ribald Corello.
— Eu acho que devia ousar sair de casa mesmo durante o dia — sugeriu Ivan por si
e por Ivanovitch. — Nós devíamos realmente provocar esse Ribald Corello, caso
contrário ele vai esperar até que eu abandone Anchorot novamente. Caso ele realmente
saiba que estou aqui.
— Isso não seria perigoso demais? — quis saber Skopins, Talvez o incidente com
as peles seja apenas um caso isolado, apesar de eu ainda não estar convencido de que este
supermutante esteja por trás disso. Talvez ele nem esteja planejando um ataque a nós.
Vinzsa, por sua vez, não foi avisada antes.
— De volta à minha sugestão — disse Ivan. — Talvez o senhor me acompanha,
capitão. Deixe seus pseudonegócios para serem tratados pelos seus dois subordinados. Se
o senhor fizer um voo pelo circuito, isso não despertará suspeitas. E nem todo mundo
precisará saber que eu o acompanho. Por outro lado eu acho até melhor que saibam da
minha presença. Temos que provocar Corello, pois nesse caso ficaremos sabendo se ele
pretende fazer alguma coisa.
Skopins suspirou.
— E quando vamos começar?
— Hoje — disse Ivanovitch.
***
Eles partiram poucas horas antes do pôr do sol.
O planador de Skopins era um veículo especial. Ele dispunha de uma cabine
fechada, na qual diversas pessoas facilmente encontravam lugar. Havia provisões e
comida para alguns dias. O armamento era tal, que com o mesmo seria possível defender-
se de metade de um exército. Além disso havia uma instalação de hiper-rádio que
funcionava muito bem e outros aparelhos técnicos. Entre outros, um aparelho de rádio de
emergência com o qual Skopins podia chamar a qualquer momento, space-jets
teleguiados que se encontravam sempre prontos para entrarem em ação, na sua verdadeira
central nas montanhas do oeste.
Era esta central que ele pretendia mostrar a Goratchim.
— Ela já estava instalada quando fui transferido para cá — explicou ele, quando o
planador subiu novamente, tomando o rumo do norte. — Naturalmente teria chamado
atenção se tivessem instalado uma central como esta em Charota. Por isso escolheram as
montanhas do oeste, a trezentos quilômetros daqui. Ela está totalmente automatizada e
pode ser comandada do meu birô. Em caso de emergência, entretanto, ela está totalmente
a minha disposição, com toda a sua força de combate. Um aperto de botão é suficiente.
— Ele apontou para um pequeno quadro de comutação separado, perto dos controles de
voo. — Com isto posso pôr em marcha praticamente todo um exército.
— Muito bem planejado — elogiou Ivan Goratchim.
Ivanovitch anuiu.
Eles sobrevoaram primeiramente uma faixa de selva e se aproximaram do deserto
ao norte, que passava às montanhas, no oeste. O oceano ficava ao leste.
Para chegar à central eles teriam que voar de volta em direção sudoeste.
Mas não chegaram mais a isso.
No receptor de rádio, que ficava constantemente ligado, ouviu-se de repente uma
voz dura, acostumada a dar ordens. No intercosmo habitual ela disse:
— Goratchim, eu sei que se encontra no planador que é pilotado pelo Capitão
Skopins, um agente de Rhodan. Pousem no deserto e não dêem nenhum alerta, caso
contrário nunca ficarão sabendo o que pretendo fazer com o planeta Anchorot. Pousem e
desembarquem.
Skopins olhou fixamente para os aparelhos e parecia incapaz de se mexer. As duas
cabeças de Goratchim se entreolharam interrogativamente.
Corello, o supermutante? De onde ele lhes falava?
A mão esquerda de Ivanovitch (a mão direita de Goratchim pertencia a Ivan) se
estendeu. A tela do rastreamento foi ligada, e quando a mesma clareou, depois de alguns
segundos, podia-se ver uma astronave, depois de alguma procura. A mesma tinha um
diâmetro de oitenta metros, era globular e ficava a exatamente quatrocentos metros acima
do deserto.
— Vamos pousar — disse Skopins de repente, antes de Goratchim poder tomar uma
decisão.
Ao mesmo tempo, o mutante sentiu o fluxo de ondas hipnossugestionadoras, que
entretanto não podiam fazer-lhe nenhum mal. Ele as registrava com seu cérebro mutado,
e isso era tudo.
Skopins entretanto não era um mutante, por isso era afetado quisesse ou não.
Provavelmente a sua repentina decisão de cingir-se às exigências do desconhecido já era
uma consequência desse influenciamento.
Goratchim nada fez para impedi-lo.
Para ele chegara finalmente a oportunidade, longamente desejada, de conversar com
o adversário sinistro.
Ele não podia imaginar o que o esperava e que ele representava apenas uma figura
no jogo de xadrez cósmico do supermutante Ribald Corello.
***
O planador pousou e o propulsor morreu. Skopins continuou calmamente sentado
na poltrona. Nos seus olhos aparecera um brilho estarrecido, que revelava tudo a
Goratchim. Entretanto parecia que Skopins ainda estava no seu juízo perfeito.
— Está sentindo alguma coisa, Skopins?
O oficial anuiu.
— Sim, naturalmente. Uma sensação estranha. Alucinações, acho eu. Eu nem queria
pousar, mas fui obrigado a fazê-lo. Alguém me deu ordem para isso.
— Corello, naturalmente.
— O senhor acha? Mas isso é tolice! Eu poderia partir a qualquer momento,
novamente, caso o quisesse realmente.
— Nesse caso, queira, Skopins!
Goratchim esperou, tenso, para ver o que aconteceria. Skopins curvou-se para a
frente e colocou as mãos sobre os controles; depois hesitou. Após quase um minuto ele
recostou-se novamente no cadeirão e sacudiu a cabeça.
— Eu não sei se não quero fazê-lo ou se não devo fazê-lo. Que diabo é isso?
— O senhor está sendo influenciado hipnossugestivamente, mas aparentemente não
reage cem por cento. Tem uma explicação para isso?
— Não. Eu não entendo isso. A não ser que Corello não consiga fazer tão bem as
mágicas, como geralmente acham. Neste caso ele também não seria tão perigoso...
Goratchim fez um gesto depreciativo. Ele também não tinha uma explicação
plausível para o fenômeno, mas afinal de contas ele tinha visto o efeito do poder de
Corello em outros mundos. Quem conseguia fazer aquilo, também conseguiria pôr um
Capitão Skopins sob sua vontade.
Goratchim cometeu o erro de raciocinar pouco sobre isso.
Ele disse para Skopins:
— Venha, desembarque. Eu terei que ficar vigiando-o, pois pode acontecer que
receba a ordem hipnossugestiva de me matar pelas costas. Eu preciso ter certeza de que
isso não aconteça. Traga uma corda consigo.
Skopins encontrou uma forte corda de nylon na caixa de ferramentas e deu-a para
Goratchim quando este descia da cabine depois dele. Eles agora estavam de pé, no
deserto. Por toda parte não havia uma só possibilidade de cobertura, se não se levasse em
conta algumas depressões na areia e algumas dunas. Não havia nenhum lugar mais
apropriado para um ataque de surpresa com meios de combate superiores.
— Venha até aqui, Skopins. Não ofereça resistência, pois isso seria exatamente o
que Corello quer. Eu não sei como ele imagina uma conversa comigo; talvez ele venha
numa nave de desembarque. Mas também é possível que ele queira nos raptar. Fique nas
proximidades do planador, e se eu for assaltado vá buscar ajuda... se puder. Eu vou
amarrá-lo de modo que ainda possa apertar os seus botões. Além disso, o senhor terá
possibilidade de desamarrar as cordas em meia hora, mesmo sem minha ajuda.
Skopins ainda pensava com clareza suficiente para aceitar as medidas de segurança,
apesar de garantir-lhe de que jamais atacaria Goratchim pelas costas. Mas o mutante não
queria se arriscar. Ele assegurou-se de que Skopins no momento não poderia fazer nada
contra ele, depois o deixou para trás junto ao planador e saiu para o deserto.
O dia estava bastante quente e o sol Tay-Labo mandava seus raios fortes para o
planeta. Goratchim verificou que não caminhava em cima de areia, mas sim de terra
ressecada, que ainda tinha até traços de antiga vegetação. Se por aqui algum dia chovesse
de verdade, esse deserto poderia transformar-se da noite para o dia num paraíso.
Ele ligou a climatização do seu traje de combate e olhou para cima.
As ondas hipnóticas continuavam flutuando sobre ele, tentando agarrá-lo com a sua
força. Para ele não era nenhum problema defender-se delas.
— Corello, se você quiser me pegar terá que empregar outros critérios! — disse
Goratchim, furioso.
— Exatamente! — concordou Ivanovitch com ele.
As cabeças gêmeas estavam de acordo.
Mas elas não sabiam se Corello as tinha entendido. Eles não conheciam
suficientemente os seus dons, mas um caminho para o entendimento sem o uso de
aparelhos deveria haver sem dúvida alguma, caso contrário o supermutante não teria
ordenado que abandonassem o planador.
Ou ele estava querendo falar-lhes pela aparelhagem de rádio?
Ivan ligou o receptor do seu traje de combate, porém somente as interferências de
estática, vindas do sol, podiam ser ouvidas; Ele desligou novamente.
Por acaso ele olhou para o alto.
***
O Capitão Skopins experimentou entrementes a hora mais terrível de sua carreira,
apesar de no fundo nem poder reconhecer o quanto ela era terrível na realidade. Ele
estava plenamente consciente, entretanto sentia o influenciamento hipnossugestivo no seu
mais profundo inconsciente. Pareciam querer apossar-se dele completamente, mas não
conseguiam. Naturalmente ele sentia o desejo contido de atirar e matar Goratchim, mas
prevaleciam ainda o sentimento do dever e a fidelidade ao Império.
Ele teve, inclusive, ainda tempo de puxar do bolso a injeção, que recebera com a
última remessa secreta, apesar de suas mãos amarradas. Se ele se vacinasse com o soro
que a mesma continha, ele cairia em sono profundo durante horas e não poderia mais ser
influenciado hipnótica-sugestivamente.
Ele a empurrou de volta para o bolso. A injeção, por enquanto, não era necessária.
Ele apoiou-se no planador e olhou atrás de Goratchim, que parara a uns cem metros
de distância, no meio de uma duna baixa, olhando para o céu, no alto.
Foi quando Skopins também o viu.
O céu estava cheio de pontos negros
que lentamente pairavam para baixo. Ao
se aproximarem, Skopins identificou-os
como robôs de combate de um tipo
desconhecido, que eram acompanhados
por seres humanóides envergando pesados
trajes de combate. Eles literalmente
choviam do céu.
A nave espacial propriamente dita,
da qual eles vinham, continuava invisível.
Mais uma vez Skopins foi tomado
por desejos contraditórios. Por um lado,
ele gostaria de correr em auxílio de
Goratchim; por outro, gostaria de apontar suas armas para ele e matá-lo.
Ele ficou passivo e esperou.
Também Goratchim parecia esperar. Skopins pôde ver como ele estava parado,
imóvel, na duna, olhando para cima com ambas as cabeças.
Alguns dos robôs pousaram em primeiro lugar. Eles marcharam imediatamente na
direção de Goratchim, que os olhava com expectativa. Mas então cometeram um erro
decisivo.
Eles abriram fogo em cima do mutante de duas cabeças.
Deste modo ficaram finalmente definidas ambas as frentes.
Goratchim pôde agir.
Os robôs que lhe ficavam mais próximos explodiram em tremendas detonações,
sendo imediatamente destruídos. Com isto, entretanto, Goratchim não se deu mais por
satisfeito. Ele também rastreou as unidades de combate que vinha descendo, pondo-as
fora de combate ainda antes de pousarem e poderem abrir fogo sobre ele.
Skopins viu que Goratchim ligara o seu escudo paratrônico de defesa, que o
garantia bastante contra qualquer ataque. Seus dons propriamente ditos, com isso não
eram influenciados.
Depois dos robôs e humanóides vieram blindados voadores e outros veículos
armados que envolveram Goratchim, atacando-o cerradamente. Parecia a Skopins que
uma fortaleza devia ser tomada. Como que pregado ao chão, ele conservou-se junto do
planador, um espectador mudo e incapaz de mexer-se.
Goratchim defendia-se desesperadamente. Ele começou a imaginar que logo não
teria forças para vencer esta superioridade. Ele podia destruir, mas não podia estar em
todos os lugares ao mesmo tempo, com o seu poderio mortífero, e este certamente
acabaria sendo o caso, diante da preponderância do adversário.
A espaçonave — onde estava a espaçonave? Se ele pudesse vê-la e destruí-la, os
reforços para o adversário seriam cortados. E provavelmente ele ainda mataria, ao mesmo
tempo, Ribald Corello.
Ivan e Ivanovitch olharam para cima. Uma vez Ivan pareceu ver, bem alto no céu,
um pontinho brilhando prateado, mas quando conseguiu concentrar-se sobre o mesmo,
este já tinha desaparecido novamente.
Com um crepitar e um trovejar em seguida, apagou-se o escudo energético verde de
Goratchim. Os poucos segundos de desatenção tinham sido suficientes para possibilitar
os tiros concentrados, destruidores, dos robôs. O escudo energético protetor tinha ruído.
Indefeso, o mutante ficou uns poucos segundos exposto aos seus adversários, e eles
os aproveitaram.
Um impacto violento, da arma térmica de um dos blindados voadores já pousados,
acertou a cabeça direita de Goratchim, Ivan, e a queimou até o irreconhecível. Ela
pendeu, sem forças, para o lado, e não deu mais nenhuma resposta aos chamados
desesperados de Ivanovitch.
Skopins observava tudo mas não se mexeu. Ele não podia se mexer, pois a
influencia da vontade do estranho sinistro o mantinha atado e não o soltava mais. Para
seu horror, ele sentiu até algo como satisfação, quando viu a cabeça direita de Goratchim
morrer.
Ivanovitch sabia que a sua vida estava estreitamente ligada à do seu irmão, crescida
do seu lado. Nem um dos dois poderia viver sem o outro. Ele achou que ainda podia
descobrir movimentos em Ivan. Provavelmente ele estava apenas inconsciente, mas a um
segundo impacto ele certamente não sobreviveria.
Ivanovitch agora lutava sem considerações e sem qualquer compromisso, mas como
Ivan faltava, ele apenas conseguia lutar com metade da força. Entretanto, esta bastava
para dizimar o adversário robô.
E então aconteceu aquilo pelo que Ivan antes esperara inutilmente.
A espaçonave surgiu.
Devia ser a mesma nave que ele antes tinha visto nas telas de rastreamento do
planador — de formato globular, com oitenta metros e prateada.
A nave de Ribald Corello?
Ivanovitch não sabia, mas isso agora pouco lhe importava. De qualquer modo os
blindados e robôs vinham desta nave e ele teria que destruí-la, custasse o que custasse.
Ele mirou a nave, concentrou-se o melhor que pôde, e então provocou a reação
espontânea.
A espaçonave queimou, numa imensa explosão atômica.
Skopins fechou os olhos, ofuscado, e quando os abriu novamente viu como o ainda
sobrevivente Ivanovitch Goratchim rechaçava os robôs atacantes, destruindo-os. Parecia
impossível aproximar-se dele, e a dor pela perda do irmão devia ter-lhe concedido forças
verdadeiramente titânicas.
Até que ele caiu, vítima de um ataque pelas costas.
Skopins o viu vindo, mas não empreendeu nada. Ele não poderia empreender nada,
mesmo se o quisesse. Dois dos robôs tinham circundado as dunas e esgueiraram-se para
junto de Goratchim, por trás. Este tinha muito o que fazer com os adversários que
atacavam pela frente. Ele não notou o perigo, apesar de um grito de Skopins ter bastado.
Dois tiros energéticos acertaram sua cabeça e fizeram o gigante cambalear.
Imediatamente os outros robôs cessaram fogo.
Goratchim não se defendia mais.
Ivanovitch não podia mais lutar. Ivan, com toda certeza estava morto. Ele,
Ivanovitch, não poderia, de qualquer forma, viver sozinho. E agora ele sucumbia ao
mesmo adversário que matara seu irmão.
Ele não via mais nada, ele estava cego. E ele só podia liquidar o seu adversário se o
visse. Indefeso, ele ficou parado sobre a duna, sentindo o inimigo que se aproximava. Sua
cabeça doía, pois fora queimada, como a de Ivan.
E então ele perdeu os sentidos.
E caiu pesadamente ao chão.
Os robôs de combate de Corello o rodearam.
***
O Capitão Skopins vivenciou tudo como num sonho. E ele precisaria apenas dar um
passo para a cabine do planador para, com o aperto de um dedo, chamar socorro. De
qualquer modo ele conseguira soltar-se de suas amarras.
Ele viu como a astronave estranha foi destruída e vivenciou como Goratchim caiu
depois de uma resistência heróica. Talvez mais tarde ele ainda teria que relatar sobre tudo
isto, se ainda tivesse oportunidade de fazê-lo.
Mas agora o que importava era simplesmente sobreviver. Os robôs do supermutante
não o matariam, pois ele não se voltara contra eles. Ele fora influenciado e se submetera.
Corello devia saber disso. Ele não matava aliados, nem mesmo se estes o tivessem sido à
força.
De repente Skopins sentiu que aquela coação invisível novamente era aplicada
sobre ele com mais força. Uma borrasca de Impulsos hipnossugestivos choveu contra a
sua consciência, atravessando a fraca proteção.
Skopins cambaleou, mas ainda conseguiu se manter em pé. Ele viu uma espaçonave
surgir no céu e lentamente pairar para baixo. A menos de cem metros da duna da qual
Goratchim estava caído, ela pousou.
E então o seu espírito ficou confuso. Milhares de impressões diferentes o
assediaram, misturando o verdadeiro com o sonho e transformando a realidade num
mosaico abstrato.
E então o Capitão Skopins perdeu os sentidos por exatamente três horas.
Ele achou que ainda pudera ver como pessoas e robôs vinham da nave, na direção
de Goratchim e dele mesmo.
Depois não viu mais nada.
2
Quando ele acordou, exatamente três horas mais tarde, este lapso de tempo tinha
sido apagado de sua vida. Mas isto ele ainda não podia saber, nesta ocasião.
Ninguém o sabia.
Só Ribald Corello.
***
Depois que Ranchold, o caçador, dormira bastante neste dia, ele decidiu pegar o
antiquado jipe de deserto para empreender uma viagem de investigação. As armadilhas
tinham tempo até mais tarde e neste momento não eram tão importantes. Ele colocou a
arma de agulha no banco traseiro e examinou o aparelho de rádio, com o qual ele podia
chamar sua mulher ou a estação de emergência em Charota, ou receber mensagens deles.
Uma patrulha de planadores, há poucos dias atrás, pudera salvar um carro de caça lotado
de turistas, do ataque furioso de uma manada de elefantes cornudos, no último minuta
Ele seguiu para o leste, ao longo da borda da floresta. Através da selva virgem
propriamente dita, havia apenas poucas picadas, que tinham sido batidas por elefantes
cornudos. Por sorte também aqui não se tratava de uma floresta tropical, como se
conhecia na Terra, mas sim de um bosque alto com árvores de muita folhagem e
pinheiros, com um espesso mato baixo.
Depois de poucos quilômetros ele alcançou a depressão natural que abria caminho
para o norte e para o deserto. Aqui não cresciam árvores, pois o chão era rochoso,
somente aqui e ali coberto com uma fina camada de terra, no qual relva baixa e arbustos
magros lançavam raízes. O jipe avançava sem problemas.
Quando o sol já estava alto no céu, Ranchold fez uma pausa. Ele conversou por
alguns minutos com sua mulher, depois fez um chá e abriu uma lata de conservas. Muito
ao longe, no oeste, brilhavam azulados os cumes das montanhas. Mas também ao norte
podiam-se ver alguns cumes. Eles faziam parte dos contrafortes dos montes do oeste.
Diante das montanhas ficava o deserto.
Neste não havia twiesels, pois estes preferiam a mata virgem. Mas no deserto
viviam os pequenos ruggets, animais do tamanho de lebres, com um pelo sedoso, muito
valioso. Ranchold só raramente os caçava, pois o valor de suas peles não compensava o
risco de um encontro com os perigosos elefantes cornudos. Somente quando o dinheiro
ficava curto realmente, ele saía, contra sua vontade, com sentimentos contraditórios, à
caça dos ruggets.
Hoje ele não planejara nada disso. Ele queria simplesmente estar sozinho consigo
mesmo e não fazer coisa alguma. Ele poderia mesmo ter ficado em casa, mas ali sempre
haveria trabalho a fazer. O reparo da cerca do jardim, ele simplesmente adiara.
O encontro com Goratchim não lhe saía da cabeça. Por natureza ele não era
especialmente curioso, mas o surgimento desse mutante importante começou a interessá-
lo. Aqui fora ele poderia pensar nisso com calma.
Ele se sacudiu todo e continuou sua viagem. Horas atrás vira um grande planador
passando bem alto para o norte, mas não se importou com isso. Talvez um comerciante
ou um caçador que visitava uma das povoações afastadas. Isso não era assunto seu. Ele
tinha suas próprias preocupações.
O vale ficou mais largo; à direita e à esquerda a floresta recuou. Lentamente passou
ao deserto, que se estendia até o horizonte.
Abruptamente Ranchold parou, quando repentinamente viu à sua frente, a pelo
menos vinte quilômetros de distância, um relâmpago muito forte. Ofuscado, ele fechou os
olhos e desligou o motor. O jipe ainda rolou alguns metros, até parar no meio de uma
depressão. Ranchold trepou para fora do assento, as pernas duras, e olhou para todos os
lados.
Não conseguia identificar aquele raio luminoso, mas provavelmente ele provinha de
uma explosão, e isto de uma que tinha acontecido a grande altura. Da depressão ele
conseguiu ver apenas um setor do céu, redondo e não muito grande. Mas ao norte
relampejou ainda algumas vezes, e isto infelizmente fora do seu campo de visão.
Ele deixou o seu veículo para trás e caminhou pela borda norte do vale, até
novamente ter uma visão completa do deserto. Somente então ele observou os pontos
negros que pairavam no céu, dando de si também pequenos raios luminosos, mas de
muita intensidade. Ranchold possuía conhecimentos suficientes para saber que robôs de
combate estavam envolvidos em alguma luta. Eles atacavam algum objetivo na
superfície, que entretanto ele não podia ver. Mas também não ousava aproximar-se mais
com o seu veículo.
As explosões ficavam cada vez mais violentas e mais claras. Uma onda de ordens
hipnossugestivas tocou Ranchold de raspão, mas não pôde influenciá-lo. De qualquer
modo ela fez com que ele ficasse na sua depressão e não se preocupar mais com os
misteriosos acontecimentos.
Por quase três horas.
Depois ele se controlou, voltou para o jipe, deu partida e dirigiu-se para o norte —
exatamente para o norte.
Depois que ele deixara para trás vinte quilômetros, tinham-se passado exatamente
três horas, depois do término da guerra energética. Exatamente aquelas três horas que
haviam sido riscadas da vida do Capitão Skopins.
Ele aproximou-se das dunas e descobriu o planador pousado. Diante dele havia um
homem caído na areia. Ele estava justamente se erguendo. Provavelmente ele estivera
dormindo, e despertara neste momento.
Ranchold levou o jipe até ele, desligou o motor e desembarcou.
Ele reconheceu o negociante Skopins.
— Puxa, Skopins, o que está fazendo aqui, afinal? Posso ajudá-lo?
Ranchold não teve a ideia de pôr o comerciante em ligação com os acontecimentos
que ele observara. Apenas verificou que o próprio Skopins não parecia saber o que havia
acontecido com ele. Este ergueu-se, olhou espantado para Ranchold, e só então pareceu
lembrar-se de que acontecera algo de anormal.
— Goratchim! O que houve com ele?
Ranchold olhou-o interrogativamente.
— O que pode ter acontecido com o mutante?
— Ele é meu hóspede. Nós fizemos um voo até o deserto e fomos atacados por
robôs de combate. — Ele estacou e olhou para Ranchold fixamente. — O senhor também
conhece Goratchim?
— Tive um encontro com ele, Skopins.
Skopins anuiu, tranquilo.
— Goratchim me contou sobre isso. Ele matou um twiesel, junto de sua armadilha.
Ranchold sentou-se do seu lado.
— O que aconteceu, Skopins? Eu pude observar um combate energético de uma
distância de vinte quilômetros. Desde então se passaram horas. Onde está Goratchim?
— Receio que ele esteja morto. Morto por robôs. Eu devo ter ficado inconsciente.
Ah, agora também sei por quê. — Ele abriu a mão que estava fechada. Na mesma havia
uma seringa de injeção, quebrada. — No último momento eu ainda consegui aplicar-me
esta injeção.
— Que injeção, Skopins?
— Narcose profunda, Ranchold. Ela protege contra influenciamento hipnótico. Eu
acho que Goratchim foi liquidado pelo supermutante Corello. O senhor não sentiu nada,
uma vontade estranha, que tentava apoderar-se de sua mente?
— Não muito.
— Provavelmente Corello queria influenciar somente a nós e mais ninguém. Isso
explicaria porque o senhor foi poupado. — Ele levantou-se cambaleando um pouco. —
Vamos, precisamos procurar Goratchim. Ele estava atrás daquelas dunas. Talvez ainda
possamos ajudá-lo.
Ranchold apoiou Skopins, enquanto os dois caminharam juntos na direção das
dunas. Tiveram que rodear diversos robôs e blindados destruídos, espalhados pela areia,
em destroços.
E então viram Goratchim.
O gigantesco mutante estava deitado na duna, imóvel, com ambos os rostos para
baixo. A perna direita tremia e denotava vida no seu corpo. Skopins, novamente o capitão
da Contra-Espionagem e em completo domínio de sua capacidade psíquica, ajoelhou-se e
virou Goratchim de costas, auxiliado por Ranchold. A visão era tão horrenda que ele teve
que fechar os olhos para não ter que vomitar. Mas logo a vontade de ajudar foi mais forte
que qualquer fraqueza.
Entretanto Skopins não viu qualquer possibilidade de ajudar Ivan.
Com Ivanovitch, a cabeça esquerda, a coisa era diferente. Somente uma parte do
rosto estava queimada, mas infelizmente também a parte dos olhos. Ivanovitch estava
cego, e com isso se tornara impotente. Também o nariz fora afetado por um tiro
energético de raspão. Ele gemia baixinho.
— Vamos, Ranchold, ajude-me. Temos que levá-lo para o planador.
— Nunca vamos consegui-lo. Eu não trouxe meu aparelho antigravitacional.
Skopins levantou-se. Seus escrúpulos quanto ao caçador passaram para segundo
plano. Para ele agora somente a necessidade de ajudar Goratchim e salvar-lhe a vida eram
importantes.
— Fique aqui, Ranchold. Vou buscar ajuda.
Ele levantou-se e dirigiu-se para o planador. Finalmente ele apertou o botão que
deveria ter apertado horas atrás. Programou a espécie de ajuda desejada no
microcomputador, depois voltou para onde estavam Ranchold e Goratchim.
— Não vai demorar muito — disse ele calmamente ocupando-se do mutante ferido,
em perigo de vida. — E por favor, caçador Ranchold, não se surpreenda com nada e não
faça perguntas. Goratchim na noite de ontem provavelmente salvou-lhe a vida, ou pelo
menos poupou-lhe de transtornos. Poderá agradecer a ele agora, silenciando. Não falando
sobre isso com ninguém.
Ranchold olhou interrogativamente para Skopins, depois anuiu.
— Eu agora sei que o senhor é um homem da Contra-Espionagem Solar, mas não
farei perguntas. Ninguém ficará sabendo de nada.
— Obrigado, Ranchold.
Depois de algum tempo, Skopins levantou-se e olhou para o oeste. Por cima das
montanhas avistou um ponto escuro que se aproximava numa velocidade alucinante.
Quando pôde ser visto nitidamente, revelou ser um space-jet de construção terrana. A
pequena nave em forma de disco era teleguiada e pousou a menos de cinquenta metros do
planador de Skopins, distante menos de cem metros do grupo que esperava nas dunas.
Uma escotilha abriu-se e dois robôs saíram. Traziam uma caixa de medicamentos e
uma maça antigravitacional para transporte de feridos. Sem fazer perguntas, ocuparam-se
logo de Goratchim prestando-lhe primeiros socorros. Skopins, ele mesmo formado em
medicina, colaborou com eles, ajudando no que era possível.
Goratchim vivia, mas Skopins não saberia dizer se o mutante ainda tinha uma boa
chance de sobrevivência.
— Vamos levá-lo à minha base secreta. Venha também, Ranchold, ou prefere voltar
para casa?
— O meu jipe...
— Mais tarde podemos nos ocupar dele. Eu
ficaria agradecido se me acompanhasse. Mais tarde
trago-o de volta para cá.
— Está bem, Skopins. O senhor pode confiar
em mim. Os robôs levaram Goratchim — que
recebera uma injeção calmante — para o space-jet.
Skopins e Ranchold os seguiram. Deixaram o
planador e o jipe para trás.
Pré-programada e teleguiada, a espaçonave
deu partida e voou diretamente para as montanhas.
Somente aqui fez diversas manobras e voos baixos
ousados, para desorientar eventuais perseguidores,
e aproximou-se finalmente de uma depressão no
planalto, rodeado dos cumes mais elevados.
Ranchold já estivera aqui uma vez e não encontrara
rastros humanos. Os twiesels não vinham até estas
alturas, e por isso faltavam também os caçadores. A
Contra-Espionagem Solar não poderia ter escolhido
um esconderijo melhor para sua central secreta.
Antes do space-jet pousar, o chão rochoso do
vale alto deslizou para um lado, liberando um poço
suficientemente largo para receber também naves
maiores. Lentamente o veículo voador pairou para as profundezas, enquanto a abertura
fechava-se por cima dele.
Mais tarde Ranchold não saberia dizer a que profundidade eles tinham baixado no
seio da montanha, mas levou quase dois minutos até que um solavanco suave anunciou o
pouso. Skopins deu algumas ordens aos robôs. Eles levantaram Goratchim novamente,
tirando-o da espaçonave para um pavilhão gigantesco, muito iluminado, e do qual
diversos corredores saíam em todas as direções.
— Vamos levá-lo ao hospital — explicou Skopins ao caçador espantado. — No
mesmo há de tudo para salvarmos a sua vida, caso isso seja possível. Logo que ele
conseguir suportar o transporte eu o levarei, se for preciso até sem prévia permissão, para
o planeta Olimpo. Somente ali será possível iniciar-se um tratamento para sua total
recuperação.
Ranchold começou a ficar preocupado. Sem querer, ele fora enredado numa coisa
que exigia total segredo. O agente Skopins ficaria convencido que o seu consabedor
involuntário silenciaria? Ou ele tomaria determinadas medidas, que poderiam modificar
drasticamente a sua vida?
— Teria sido melhor se me tivesse deixado lá fora no deserto com o meu jipe,
Skopins.
— Por quê?
— Quanto mais tempo fico na sua companhia, de mais coisas fico sabendo. Como
poderá ter certeza de que calarei a boca?
Skopins sorriu.
— O senhor vai silenciar, Ranchold, pois eu vou me preocupar para que sua família,
no futuro, possa levar uma vida melhor. Não veja a minha assistência como um “cala-
boca”, mas sim como uma recompensa por sua ajuda. No futuro, venda as suas peles
somente para nós, e então automaticamente receberá uma soma dez vezes mais elevada
por elas. Este acordo valerá pelo tempo que guardar o segredo. Isso não é justo?
Ranchold, o caçador, anuiu.
— Justo e ao mesmo tempo uma garantia. Muito obrigado.
— Ótimo... e nós chegamos.
Os robôs tinham colocado Goratchim em cima de uma larga mesa de operações,
para depois recuarem, à espera de novas ordens. Mas Skopins agora não precisava mais
deles. Pediu apenas que lhe dessem os instrumentos necessários, depois mandou que
saíssem para o corredor.
— O senhor mesmo poderá ser meu assistente, Ranchold. Bastará que me passar os
instrumentos.
— Está bem.
Em primeiro lugar Skopins pinçou as artérias interrompidas da cabeça direita, e
tratou todos os ferimentos, com queimaduras, com plasma celular. Ele não poderia salvar
os olhos de Ivanovitch com os meios a sua disposição, mas certamente em outros lugares
saberiam o que prensava ser feito.
Dez minutos depois de uma injeção de drogas estabilizadoras da circulação
sanguínea, os sinais vitais de Goratchim se tornaram mais fortes. O pulso batia mais
regularmente. Mas nem a cabeça da direita nem a da esquerda voltaram à consciência.
Mas Goratchim respirava. Ele vivia.
— Precisamos proporcionar-lhe um descanso agora, Ranchold. Entrementes vou
levá-lo de volta ao seu jipe, para depois informar os meus homens em Charota. Durante a
minha ausência, o senhor poderá dirigir-se a eles, quando quiser.
Mais uma vez deu suas ordens aos robôs e levou Ranchold para dentro do space-jet.
No caminho até lá eles passaram por outros hangares, nos quais havia outros tipos de
espaçonaves, blindados voadores e planadores. Servos-robôs movimentavam-se quase
silenciosamente de um lado para o outro, não dando atenção aos dois homens.
— O senhor tem escondido, aqui na montanha, um exército de grande força
destrutiva, Skopins. Isso é necessário?
— No momento não, Ranchold. Mas nós sabemos, por experiência, que sempre
chegará a hora em que tais armamentos serão necessários. Infelizmente isso é assim.
Venha, não vamos perder mais tempo. E lembre-se de nosso acordo.
Eles partiram, depois que Skopins programara o voo e a permanência. Também o
voo de volta à base de apoio seria teleguiado.
No deserto tudo continuava intocado. Os receios secretos de Skopins de que Corello
ou seus aliados pudessem ter voltado, não se comprovaram. Ele ainda não tinha certeza
de que Goratchim realmente conseguira matar o próprio supermutante, ao destruir a
espaçonave. Ele teve que pensar na segunda nave, cujo pouso pudera observar, antes de
perder a consciência.
Eles abandonaram o space-jet, que esperou apenas um minuto, para depois voar de
volta à base de apoio, desaparecendo em seus subterrâneos. Ranchold examinou o jipe.
Encontrou tudo em ordem. Também o planador de Skopins obedeceu aos controles.
Os dois homens se despediram.
— Boa sorte, Skopins. E tudo de bom também para Goratchim.
— Obrigado, Ranchold. Dê lembranças à sua mulher. Logo que eu voltar vou fazer-
lhes uma visita. E não se esqueça de nosso acordo.
— De modo algum. Já tenho uma pele de twiesel preparada. Posso entregá-la
amanhã?
— Naturalmente, nas condições combinadas. Preço decuplicado. Mas também isso
terá que ficar entre nós, caso contrário os outros comerciantes vão ficar desconfiados.
— Naturalmente. Muito bem, um bom voo!
Ele deu partida no jipe, e saiu tomando a direção sul. Olhando para trás viu o
planador erguer-se ao céu e depois dirigir-se, a grande velocidade, para o sul também.
Ele tinha a sensação de ter experimentado um dia muito bom.
***
Esta sensação, entretanto, Skopins não compartilhava. Não era a preocupação com
Goratchim que o oprimia. Era muito mais o fato de que o supermutante tivera sua atenção
despertada pelo planeta Anchorot. Ele perdera um grande número de aparelhos de
combate aqui, e certamente voltaria para se vingar. Talvez ele até tentasse colocar todo o
planeta sob o seu controle.
Estava na hora de avisar a Contra-Espionagem Solar.
Para Skopins havia apenas uma possibilidade de fazer isso em combinação com o
salvamento de Goratchim: ele tinha que viajar para o planeta Olimpo, que ao mesmo
tempo era sua central de comunicações. Ali estavam seus superiores e os representantes
diretos de Deighton, o chefe da Contra-Espionagem Solar.
Ele pousou com o planador no pátio de seu escritório oficial de negócios e
encontrou seus dois “funcionários” no birô. Depois de ter explicado o que acontecera, ele
marcou o seu voo para Olimpo para o dia seguinte. Hoje já era tarde demais, o sol já se
pusera e a noite caíra. Algumas horas de sono lhe fariam bem.
Ninguém em Anchorot parecia ter notado todo o incidente, exceto, naturalmente,
Ranchold, o caçador.
Skopins não dormiu muito bem nessa noite. Constantemente era atormentado por
pesadelos que o acordavam.
Quase de manhã ele finalmente tomou um sonífero, chateado por não ter logo
pensado nisso. Quase ao meio-dia do dia seguinte ele acordou, fez seus preparativos para
a viagem, e fez com que um dos seus homens o levasse até o esconderijo nas montanhas.
Depois das últimas instruções ele o dispensou, dirigindo-se imediatamente para a
enfermaria de Goratchim.
Ivanovitch tinha recobrado a consciência.
Ele conseguia falar com muito esforço, pois a sua boca não sofrera ferimentos.
— Skopins... — gemeu ele, quando este o saudou, perguntando-lhe como se sentia.
— Ivan está morto?
— Não sei exatamente, Ivanovitch. É muito difícil verificar-se isso sem sombra de
dúvida. Eu fiz tudo que foi possível. Eu vou levá-lo para Olimpo. Ali irão ajudá-lo, disso
não tenho qualquer dúvida.
— Sim, isso é bom. Quando?
— Agora, logo que se sentir suficientemente forte.
— Acho que vai ser possível. Muito obrigado, Skopins.
— É meu dever ajudá-lo, sem falar nisso.
Os robôs-enfermeiros levaram Goratchim ao space-jet, enquanto Skopins calculava
a rota complicada, com os dados disponíveis, alimentando-os no computador de bordo. A
nave teleguiada encontraria automaticamente o caminho para o planeta mercantil,
entrando ali numa órbita de aterrissagem. O pouso então se fazia, depois do recebimento
da permissão, por comando manual, ou então era teleguiado a partir da superfície do
planeta.
Skopins esperou até que escurecesse novamente, e só então partiu.
Em Anchorot ainda não havia instalações de rastreamento perfeitas e deste modo o
space-jet pôde deixar o planeta sem ser notado, avançando pelo espaço cósmico. Skopins
esperou até encontrar-se além da órbita do quarto e mais externo planeta, e então acionou
a propulsão linear.
Quando as estrelas se apagaram, ele sabia que estava a caminho de Olimpo.
3
Sacon Hashey perdera a sua personalidade original, quando pela primeira vez caiu
sob a influência mental do supermutante Ribald Corello. Hashey era um anti, mas mesmo
isto não lhe serviu de nada. Não havia ninguém que pudesse resistir a Ribald Corello.
Por Isso aconteceu que Sacon Hashey ficou honestamente alegre em receber essa
tarefa. A tarefa de encontrar novamente o Sistema Solar de Rhodan.
Ele não sabia muito sobre o que Corello planejava realmente, mas foi informado
sobre o que acontecera até então. O ataque ao planeta Vinzsa e o roubo de peles em
Anchorot, não passavam de outra coisa que refinadas manobras de mistificação de
Corello. A intenção do supermutante era encontrar o desaparecido Sistema Solar, e para
consegui-lo ele preparou um plano único. Experiências até então, haviam demonstrado
que não faria sentido seguir certos rastros. Eles levavam a muitos lugares, mas nunca de
volta ao Sistema Solar. Por isso Corello teve a ideia genial de conseguir pôr as mãos
sobre um mutante terrano. Se ele matasse este mutante, mandando copiá-lo, conseguiria a
oportunidade única de contrabandear um agente para dentro do Sistema Solar de Rhodan.
Além disso, Corello tinha certeza de que homens com poder de decisão da Frota
Solar, imediatamente mandariam voar para o planeta Vinzsa, logo que as suas atividades
ali fossem conhecidas. Caso, entretanto, também informassem sobre acontecimentos
estranhos a apenas dois anos-luz dali, ele podia contar que também ali seriam feitas
investigações. Como, entretanto, os terranos não podiam estar em todos os lugares ao
mesmo tempo, no caso Anchorot ele contava com o envio de um mutante ou, pelo menos,
de um outro homem muito importante. De qualquer modo, um mutante era muito mais
provável para uma investigação, pois Corello também era um mutante.
As contas de Corello bateram certo.
Goratchim veio para Anchorot para esclarecer os estranhos roubos de peles, sendo
que o que interessava não eram absolutamente as peles e sim o influenciamento
hipnossugestivo dos guardas.
Sacon Hashey encontrava-se a bordo da nave de Ribald Corello quando a ação
entrou no seu estágio decisivo. Uma nave globular, teleguiada, atacou Goratchim. O
mutante bicéfalo naturalmente destruiu a espaçonave, mas foi finalmente vencido. A nave
de Corello então pousou no deserto.
E então passaram-se aquelas três horas significativas, que desapareceram da vida do
Capitão Skopins. Pois justamente Skopins transformou-se na figura chave decisiva neste
jogo refinado, do qual naturalmente ele nada sabia.
Depois de acordar de sua narcose profunda, Skopins teve a sensação de ter-se
portado corretamente. Ele tinha que acreditar que fora ele mesmo quem se dera a injeção
contra influenciamento hipnossugestivo, tendo dormido profundamente. Ele encontrou
Goratchim, aparentemente ferido gravemente, somente não podia saber que não era mais
absolutamente Goratchim quem estava caído, precisando de ajuda, no deserto.
Pois entrementes Corello tinha mandado matar o verdadeiro Goratchim e copiado o
corpo deste. Com isso, começou a tarefa de Hashey.
O anti penetrou no invólucro do Goratchim artificial. Corello conhecia Rhodan o
suficiente para ter certeza de que este tudo faria para salvar um mutante gravemente
ferido. E Corello sabia, além disso, de fonte fidedigna, que uma tal ajuda somente
poderia ocorrer na lua de Saturno, Mimas,
onde tinham construído uma paraclínica.
Portanto levariam aquilo que tinham
que tomar por Goratchim para Mimas.
E quando se sabia onde ficava Mimas,
forçosamente também se saberia onde
ficava a Terra.
E deste modo o Capitão Steral
Skopins não tinha a menor ideia de que o
legítimo Goratchim já estava morto há
muito tempo, quando ele tentou salvar a
imitação biológica viva, que somente
exteriormente se parecia com o mutante.
Naquela imitação excelente,
excepcionalmente trabalhada, estava
enfiado Sacon Hashey, o anti. Ele estava tão ligado àquele laminado celular, que podia
até mesmo falar através dele, quando se desse a oportunidade. Seus impulsos mentais
como anti, ele conseguia facilmente camuflar e encobrir, de modo que era fácil para
Hashey enganar até mesmo o telepata Gucky, que além do mais tinha razões para a
suposição de que Goratchim tinha sofrido danos cerebrais.
Sacon Hashey já antigamente era tido como excelente cientista e psicólogo. Em
suas conversas com o rato-castor Gucky ele comprovara sua capacidade.
Naturalmente ele não tinha qualquer ideia do que o esperava. Nem ele nem Corello
imaginavam que o Sistema Solar tinha se escondido no futuro. Eles sabiam apenas que a
Estrada dos Containers, como era chamada, terminava no planeta Olimpo. E sabiam
ainda que o caminho de volta começava em Olimpo, mas também aqui o destino final era
desconhecido. Até mesmo algumas tentativas de encontrar o planeta de evasão da Terra,
através de agentes do Império Dabrifano, com a ajuda de peças embaçadas pré-
preparadas como carga, tinham fracassado.
Portanto Corello teve a ideia de tentá-lo de outro modo. Ninguém jamais suspeitaria
de um mutante terrano gravemente ferido ser um agente.
Sacon Hashey pôde respirar aliviado quando o space-jet deixou Olimpo para voar
para Mimas. Naturalmente ele tinha que estar sempre em alerta pois o telepata Gucky
estava quase que constantemente próximo dele, vigiando os seus pensamentos — ou,
pelo menos, aquilo que ele tentava identificar como pensamentos de Goratchim.
E então veio o momento, depois da segunda etapa linear, em que Gucky comunicou
ao seu pretenso amigo Goratchim, que eles tinham alcançado o seu objetivo. Como a tela
de vídeo estava ligada, Hashey pôde orientar-se. Ele podia fazê-lo através dos olhos
mortos de Goratchim, ainda que estes estivessem tapados com faixas.
Os conceitos “eclusa temporal” e “distribuidor de tempo normal”, além de outros,
não lhe diziam nada, mas ele começou a imaginar o que tinha acontecido com o Sistema
Solar. Ele deu-se conta de que Rhodan tinha executado radicalmente sua intenção de
isolar-se dos seus colonizadores renegados e antigas colônias. Ele deu-se conta de que
ninguém poderia encontrar o Sistema Solar, se não procurasse por ele no futuro.
O seu abalo com o que descobrira foi tão grande, que precisou de muito tempo para
recuperar o controle. Somente com esforço ele continuou irradiando padrões mentais
aparentemente confusos, para enganar o importuno rato-castor, que se preocupava demais
com ele — ou melhor, por Goratchim. Entrementes ele avaliou todas as informações das
quais conseguia se apossar.
Mercúrio ficou visível como planeta, e deste modo como um dos legendários
planetas que, de conformidade com informes oficiais, já não existiam mais. E ele ficou
sabendo que estes ficavam cinco minutos no futuro, num campo temporal constante, não
mais existente para o planador de tempo normal. Nem para ele nem para os seus
mandantes importaria se ele soubesse dessas coisas todas. Ele tinha que levar de volta ao
presente o seu saber, somente então teria terminado a sua tarefa. Ele teria que mostrar ao
supermutante, seu senhor e mestre, o caminho para o esconderijo no tempo, de Rhodan, e
então certamente receberia a sua recompensa — a soberania sobre outros mundos.
Exatamente como Corello lhe havia prometido.
Gucky e os dois homens deixaram o space-jet, depois de terem pousado no tender
da Frota. Hashey já estava querendo abandonar o seu corpo hospedeiro, quando outras
pessoas entraram na nave, vasculhando-a de alto a baixo. Para isto usaram refinados
aparelhos especiais, que entretanto não representavam um perigo agudo para o anti. Ele
ficou dentro do seu invólucro biológico, continuou irradiando impulsos indefinidos e
esperou até que a busca terminasse, dentro de pouco tempo. Somente então ele agiu.
Abandonou seu esconderijo e ativou o seu traje de combate. Imediatamente tornou-
se invisível. Naturalmente ele sabia do perigo ao qual se expôs, com isso. Quando a
Contra-Espionagem Solar suspeitasse de alguma coisa, imediatamente faria uso de seus
detectores especiais, que podiam medir e rastrear qualquer radiação energética. Ainda
não lhe estava claro como deveria realizar a sua fuga de volta ao passado.
E esta teria que obter sucesso, caso contrário tudo teria sido inútil.
Não foi difícil para Sacon Hashey abandonar o space-jet e chegar ao hangar. O seu
escudo defletor o tornava invisível.
Mesmo assim ele sabia o perigo em que pairava. Mais cedo ou mais tarde
descobririam que Goratchim não era realmente Goratchim, e então começariam a caça.
Não poderia duvidar de como esta caçada teria um fim, se ele não se pusesse em
segurança em tempo.
E isto, por sua vez, era impossível, no tender da Frota.
Ele tinha que voltar para Mercúrio.
O planeta não ficava a uma grande distância.
***
O luto de Gucky por Goratchim tinha cedido a uma raiva incontrolável. Ele agora
sabia que tinham sacrificado o seu amigo a uma tarefa de espionagem, e que ele estivera
preocupado com uma carcaça biológica praticamente sem vida. Ele fora simplesmente
passado para trás, de uma forma ignóbil.
Ele começou a entender o que Deighton quisera dizer, e secretamente já estava
pedindo desculpas ao chefe da Contra-Espionagem. Mas depois começou a pressionar
Chesterham para que o levasse de volta. Junto com Deighton deveria ser possível
encontrar o espião contrabandeado, colocando-o fora de combate, antes que este pudesse
voltar ao tempo normal através do corredor temporal.
Neste ponto, Deighton alertou todo o sistema de contra-espionagem.
Rhodan ainda não chegara, mas estava sendo esperado no dia seguinte. Rhodan não
deixaria, em nenhuma circunstância, de passar o dia do feriado nacional da Humanidade,
na Terra. Aqui tudo começara e talvez algum dia aqui tudo terminaria.
O Tenente Chesterham e Gucky deixaram a lua de Saturno, Mimas, com a
consciência de uma derrota sofrida. Eles voaram para Mercúrio com a decisão firme de,
juntos com Deighton e todo o aparelho da Contra-Espionagem, transformarem esta
derrota numa vitória.
Eles ainda não sabiam do que um anti era capaz.
***
Kai Gulbrandsen era um dos técnicos cuja tarefa era vigiar o abastecimento de
energia elétrica para os alojamentos no polo norte de Mercúrio, corrigindo eventuais
falhas. Não se tratava de um serviço especialmente vital, mas a responsabilidade que
Gulbrandsen sentia por isso, não era avaliada como algo menor. Ele cumpria o seu dever,
como cada outra pessoa em Mercúrio, mesmo se era apenas um pequeno técnico de
vigilância.
Neste dia 18 de junho do ano 3.432, ele rendeu o seu colega Mel Jäger, no fim da
tarde, tempo terrano, e fez sua primeira ronda de inspeção. Controlou o automático de
conexões da alimentação energética e os distribuidores. Dois robôs de trabalho o
ajudaram nisso. Um terceiro robô, de mais moderna construção, o acompanhava. Foi ele
que fez Gulbrandsen ficar um pouco nervoso.
Este terceiro robô pertencia a uma nova série de construções especiais que desde há
pouco tempo também estavam sendo utilizados em Mercúrio. Eles não chamavam
atenção devido ao seu forte armamento, mas sobretudo porque eram equipados pelos
mais modernos aparelhos de busca e sensores, de microtécnica siganesa. Dizia-se que
eles eram subordinados diretamente ao Comando Superior da Contra-Espionagem Solar.
E era assim mesmo.
Depois do descobrimento que ele temera, Deighton tinha imediatamente alertado
estes robôs. Eles não controlavam somente todos os técnicos e outros funcionários em
Mercúrio, mas também procuravam pelo espião desconhecido, que se insinuara sob o
disfarce de Goratchim. Ninguém tinha uma ideia da aparência desse espião.
Mas Deighton sabia que ele existia.
Aqui, cinco minutos dentro do futuro.
E era importante impedir o seu regresso ao passado.
Kai Gulbrandsen terminou a sua primeira ronda, e fez uma pequena pausa para
respirar. Como tudo estava em ordem, ele tinha direito à mesma. Os dois robôs-operários
ficaram parados no corredor, para aguardar a próxima ronda. O robô especial entretanto
entrou com ele no salão de estar, colocando-se junto da porta. Gulbrandsen não conseguia
livrar-se da desagradável sensação de estar sendo vigiado. E isso o deixava com raiva.
Ele pegou uma garrafa de suco de frutas, do congelador comum, e encheu um copo.
O automático de refeições forneceu-lhe o sanduíche habitual. Descontente, ele sentou-se
à mesa para comer.
O robô continuava de pé, imóvel, junto da porta.
De repente ele disse, com uma voz metálica, ecoando naquele silêncio:
— Há alguém dentro da estação, Sir. O seu padrão mental não se identifica com os
padrões armazenados para identificação. Alerta.
Gulbrandsen levantou-se de um salto e olhou, incrédulo, para o robô.
— É impossível que alguém tenha penetrado aqui. As câmeras o teriam descoberto
imediatamente, dando o alarme. Deve haver um engano.
— Não há nenhum engano, Sir — disse o robô. — Os padrões mentais estranhos
foram armazenados. Bloqueie todas as enteadas para a estação e informe a Contra-
Espionagem.
Durante toda a sua vida, Gulbrandsen sonhara um dia poder bancar o herói. Ele
sempre servira em postos afastados, e muitas vezes se sentira altamente supérfluo. Agora
parecia ter chegado a sua chance, mas ele não conseguia alegrar-se muito com isso.
Ele passou pelo robô e saiu para o corredor. Com poucos passos ele chegou à
central de comutação. Com um puxão virou a alavanca de bloqueio. Neste segundo, pelo
que ele sabia, todas as entradas para a estação foram hermeticamente fechadas. Ninguém
podia mais entrar nem sair.
O robô o seguira.
— O invasor está na estação de distribuição. Eu repito a minha ordem: informe a
Contra-Espionagem.
Isto Gulbrandsen teria feito de qualquer maneira. Apertando um botão ele acionou a
ligação com a estação polar, a base de apoio mais próxima da Contra-Espionagem Solar.
Na tela de vídeo apareceu o rosto de um oficial jovem.
— CE Mercúrio-Polo Norte. O que há?
— Distribuidor de energia Oito, tenente. O meu robô especial deu alarme. Alguém
invadiu a estação. Passe esta informação ao seu chefe.
O tenente anuiu.
— Caso se trate do agente procurado, o senhor receberá uma comenda. Bloqueie
tudo. Nós estamos indo.
A tela de vídeo apagou-se.
Gulbrandsen respirou aliviado. Ele fizera tudo que era possível fazer neste caso.
Agora precisaria apenas esperar até que os homens da Contra-Espionagem chegassem.
O robô especial disse:
— O invasor continua na estação de distribuidores. Eu irei até lá tentar obrigá-lo a
se mostrar.
— Eu vou junto.
O robô não impediu que Gulbrandsen o fizesse. Eles correram pelo corredor e logo
se viram diante da porta de aço do distribuidor. A mesma não estava mais trancada,
conforme ordenavam as normas. Tinha sido aberta à força e mostrava sinais de metal
fundido.
Gulbrandsen puxou sua arma termoenergética e a destravou. A certeza de ter a seu
lado um robô fortemente armado deu-lhe coragem para abrir a porta até que pudesse
lançar um olhar no pavilhão. Em longas fileiras, os autômatos distribuidores teriam
oferecido um sem-número de esconderijos para dúzias de invasores. Gulbrandsen
começou a dar-se conta de que não seria muito fácil encontrar aqui um agente isolado.
Mesmo assim, ele fez a tentativa.
O pavilhão tinha apenas uma entrada. Mas a porta não fechava mais.
— Ela precisa ser vigiada — disse ele para o robô. — Entrementes vou dar uma
olhada no pavilhão.
Ele caminhou entre os autômatos distribuidores para o outro lado do pavilhão,
esperando a cada momento o ataque do estranho que penetrara aqui sem licença.
Gulbrandsen não pertencia à Contra-Espionagem Solar. Ele não tinha a menor ideia de
quem ele estava enfrentando, mas no fundo a Contra-Espionagem também não o sabia.
À direita ouviu-se um ruído. Ele imediatamente parou, escutando tensamente. Nada.
Talvez tivesse se enganado. E continuou a andar.
E então o barulho foi ouvido novamente, desta vez mais longe, em direção à porta.
Gulbrandsen trocou de fileira e correu de volta para a porta. Respirou aliviado quando viu
o robô parado no mesmo lugar.
— Eu o ouvi, mas não pude vê-lo — informou ele ao mesmo.
— E eu captei novamente os padrões, mas infelizmente faltam-me os meios para
precisar a distância da fonte. Precisamos sair deste recinto, bloqueando-o até a chegada
da Contra-Espionagem.
Gulbrandsen hesitou.
— O senhor não pode colocá-lo fora de combate sozinho — continuou o robô. — O
pavilhão é grande demais. Venha.
O técnico de vigilância viu que o robô tinha razão.
Ele deu um empurrão para abrir a porta, e deixou o robô sair na frente. No limiar,
ele virou-se ainda uma vez, e olhou de volta para o pavilhão, aparentemente sem
ninguém.
Os autômatos davam um clique sempre que regulavam a distribuição de corrente,
amplificando-a ou diminuindo-a. As máquinas zuniam; fora disso não se ouvia nada.
Eles fecharam a porta, e depois o robô soldou a moldura. Quase ao mesmo tempo,
ouviu-se o sinal de alarme.
Os homens da Contra-Espionagem tinham chegado.
Antes de Gulbrandsen poder ativar o mecanismo de admissão, o robô disse:
— Eu estou captando novamente as padronagens estranhas de pensamentos, mas
eles não vêm mais do pavilhão de distribuidores. A fonte se movimenta afastando-se de
nós. Eu posso determinar a direção, mas não a distância.
— Siga-a, eu estou deixando a Contra-Espionagem entrar na estação. Vamos manter
contato pelo rádio. Não devemos perder o espião.
Ele não esperou por uma resposta, mas correu para a central de comutação. O
tenente da CE identificou-se através da tela de imagem, assim como os outros oficiais, e
foi admitido. Imediatamente eles se espalharam na estação, enquanto o tenente ouvia o
relatório de Gulbrandsen.
— Passou pelo senhor? — duvidou ele das informações do técnico. — Mas isso é
impossível! A não ser que...
— A não ser que... o quê?
— Talvez ele esteja invisível. Um escudo defletor. Mas neste caso a radiação
energética devia denunciá-lo.
— A estação inteira está cheia de radiações energéticas — lembrou-lhe
Gulbrandsen. — Isso naturalmente dificulta a descoberta. De qualquer modo o novo robô
especial está atrás dele. Ele não se orienta por radiações energéticas, mas sim pelos
padrões mentais do invasor. Precisamos ajudá-lo, caso contrário esse sujeito escapa mais
uma vez.
— Talvez nem seja um sujeito — resmungou o tenente, e acrescentou: — Aliás,
estamos esperando pelo chefe em pessoa. Ele certamente se interessará pelo seu relatório.
Vamos deixar um homem aqui para que ele possa deixar Deighton entrar.
Eles encontraram o robô no pátio interno da estação. Ele olhava para cima, para o
céu escuro de Mercúrio, no qual não havia estrelas, apenas dois ou três planetas do
Sistema Solar. Por trás do negrume brilhava fracamente o vermelho do hiperespaço.
— Onde está ele? — perguntou o tenente ao robô. Gulbrandsen fechou a mão
firmemente sobre sua arma. Ele imaginou o teor da resposta. E não se enganara.
— Lá em cima — disse o robô, pragmaticamente. — Ele escapou, e a fonte da
padronagem mental afasta-se a grande velocidade na direção do polo.
O tenente não hesitou nem um segundo e deu o alarme para a área das instalações
no polo.
— Deighton vai ficar contente — disse ele então, secamente.
5
Entrementes Ras Tschubai chegara. Ele viera através de uma eclusa de escudo
protetor energético especialmente ajustada, e logo teleportou para o planador de
Deighton. Depois de ter sido informado dos acontecimentos, ele entrou em contato com
Gucky, que continuava procurando pelo agente, na superfície de Mercúrio.
— Eu vou até aí — disse ele.
— Então venha, se quiser. Nós logo vamos agarrá-lo. Ele está metido na montanha.
Eu pude determinar as radiações energéticas do seu escudo protetor. Deighton deve pedir
armas pesadas, caso contrário nunca vamos conseguir atravessar o escudo.
— Vou comunicar-lhe isso. Até já. Pense em alguma coisa simpática para que eu
possa rastrear você, ou melhor, diga-o. Infelizmente não sou um telepata.
— Eu estou no platô do cume, diretamente por baixo do planador. Você não pode
me errar. Se as medições de Galby estiverem corretas, o nosso adversário está a menos de
dois quilômetros daqui, na borda da montanha. E isso no lado do Sol. Logo vamos
agarrá-lo.
— Assim espero.
Gucky estava de pé no platô e olhou para as montanhas do outro lado. O lugar onde
ele supunha estar o desconhecido estava realmente muito próximo. De vez em quando ele
continuava recebendo as padronagens de pensamentos confusos, sem sentido, mas elas o
ajudavam a determinar a direção. O fugitivo a qualquer momento poderia empreender
uma tentativa de fuga desesperada.
E então Gucky viu aquele raio de fogo verde no desfiladeiro do outro lado.
O escudo verde protetor hiperenergético do adversário.
Sem esperar pela chegada de Ras Tschubai, ele teleportou.
***
Sacon Hashey viu-se definitivamente acuado. Por cima dele pairava o planador,
cujas armas poderiam pôr em perigo mesmo um escudo hiperenergético. Além disso, os
seus instrumentos de medição podiam rastrear, a qualquer momento, as ra- 1 diações
energéticas de um escudo destes.
E diante dele, a menos de dois quilômetros de distância, esperava o pequeno
demônio de pelo marrom, que se preocupara tanto pelo suposto Goratchim, e com isso
nivelara para ele, Hashey, o caminho para o Sistema Solar.
Ele sentia formalmente o ódio do rato-castor, e pela primeira vez ele também sentiu
alguma coisa parecida com medo.
Na proteção do escudo verde, ele se sentia seguro. Mesmo com armas pesadas não
seria muito fácil liquidá-lo imediatamente, pelo menos não se ele ficasse em cobertura.
Esta também era a razão por que ele continuava hesitando em prosseguir na fuga.
Ele ainda não sabia que tipo de dano ocasionara. Pelo rádio ficara sabendo que a
eclusa temporal ruíra, porém ele não conseguira determinar as consequências da
catástrofe em todos os seus detalhes. Sabia apenas que o Sistema Solar ainda se
encontrava no seu esconderijo temporal.
O seu trabalho, portanto, ainda não terminara.
De repente Gucky sumiu de sua posição.
No primeiro momento, Hashey presumiu que ele tivesse ligado o seu escudo
defletor para poder aproximar-se dele sem ser notado, mas logo reconheceu o seu erro,
quando o rato-castor materializou a menos de vinte metros de distância dele.
O seu primeiro impulso de fazer uso de um raio energético, rapidamente foi abafado
pela lógica. Hashey sabia que sem o seu escudo protetor de hiperenergia ele estaria
entregue ao adversário, e não podia abrir fogo sem desligá-lo.
E as armas de mão do rato-castor não eram absolutamente suficientes para penetrar
no escudo hiperenergético.
Nenhum dos dois podia fazer alguma coisa contra o outro.
***
Gucky viu o adversário diante dele. Por trás do brilho verde do escudo protetor, a
sua figura podia ser reconhecida, fantasmagoricamente. Um homem, um humanóide, pelo
menos. Talvez um anti, um daqueles semimutantes do culto Baalol.
Gucky não tirou os olhos do inimigo, enquanto dizia no seu microfone:
— Alô, Galby! Está ouvindo?
— Bem. O que há?
— Eu estou parado diante dele, mas não posso fazer nada. Prestem atenção, para o
caso de ele querer voar.
— Não se preocupe. Nós ligamos o difusor de escudos. Com ele podemos ampliar o
nosso próprio escudo energético, de modo que ele se coloque, a partir de nós, como uma
redoma, por cima do esconderijo. Esse não tem mais nenhuma chance de escapar.
— Muito tranquilizador. Vamos liquidá-lo?
— Eu o quero vivo.
— Não.
Houve uma pausa, depois Deighton quis saber, surpreso:
— Como, não? Eu quero saber quem o mandou e qual é a sua tarefa. Eu poderei
obter conclusões valiosas, e...
— Não! — repetiu Gucky, duro e firmemente. — Ele é um dos assassinos de
Goratchim e abusou do cadáver do meu amigo. Ele merece a morte. Eu mesmo vou matá-
lo.
Deighton suspirou.
— Desde quando você é assim, Gucky? Você sabe muito bem que qualquer
vingança não tem sentido. E nós, há muito tempo, não conhecemos mais a pena de morte.
Por que você não quer tentar agarrá-lo vivo? Eu lhe prometo que isto não será nenhum
pão de mel para ele, e talvez ele até desejasse estar morto. Mas você não deverá matá-lo,
pois isso seria assassinato.
— Besteira! Assassinato! Que culpa tenho eu se ele morre em combate?
— E se ele se entregar?
Gucky silenciou. Depois murmurou:
— Ele não se entregará nunca, disso tenho certeza. E agora, vou receber as armas
pedidas ou não?
Deighton disse:
— Não, Gucky. Vigie-o, nós mesmos estamos chegando com apoio logístico de
robôs. Depois veremos.
Perto de Gucky materializou Ras Tschubai.
— Você disse o que queria, para Deighton — disse ele, pelo rádio.
— Qual é sua opinião a respeito? Vamos liquidá-lo ou não?
— De qualquer modo deveríamos tentar capturá-lo vivo.
Gucky anuiu.
— É exatamente isso que vou fazer, tentar. Mas como? Sem as armas apropriadas
não podemos empreender nada. E quando as armas chegarem, Deighton também terá
chegado.
Ras Tschubai não refletiu nem um segundo.
— Lembre-se de tempos anteriores, Gucky. Lembre-se de que você não é apenas
teleportador e telepata, mas também telecineta. Telecineticamente você pode agarrá-lo, e
contra isso nem o seu hiperescudo vai ajudá-lo. Jogue-o no lago de estanho líquido. Eu
aposto qualquer coisa que o seu escudo não suportará isso. Estando liquefeito tem uma
temperatura de pelo menos 230 a 240 graus centígrados.
— Bem quentinho — concedeu Gucky e anuiu, satisfeito com a solução. — Fique
com a sua arma energética pronta para disparar. Abra fogo logo que o seu escudo ruir.
Muito bem, pronto!
Gucky olhou para o seu adversário, ainda que não pudesse reconhecer o seu rosto.
O mesmo confundia-se por trás dos véus verdes do escudo protetor.
Depois ele o agarrou telecineticamente.
Sem mexer-se do lugar, ele segurou o adversário e assegurou-se de que realmente o
estava “agarrando” firmemente. Depois, antes que o adversário pudesse recuperar-se de
sua surpresa e ligar sua aparelhagem de voo, ele o desequilibrou e catapultou contra o
rochedo mais próximo.
Ras Tschubai mantinha a arma térmica pronta, mas o escudo hiperenergético ainda
não se apagara. Ele manteve-se firme sob a prova de resistência, e continuava protegendo
o seu portador.
— Para o lago com ele! — gritou Ras Tschubai, agitado.
Gucky anuiu, furioso, mas não respondeu para não ter sua atenção desviada. Ele
precisava de toda a sua concentração para segurar o adversário.
Este caiu e desapareceu na massa metálica liquefeita e quente.
À sua volta ficou escuro e ele lentamente afundou, liberado da garra telecinética do
rato-castor. A aparelhagem de voo começou a funcionar só a muito custo, porém a sua
força parecia estar fortemente inibida. Só muito lentamente ela modificava os valores
gravitacionais, para logo deixar de funcionar novamente.
Ao mesmo tempo o hiperescudo verde apagou-se.
Mesmo assim, Sacon Hashey subiu novamente à superfície. O seu peso específico
era menor que o do estanho.
Quando ele surgiu, estava indefeso. O escudo se apagara e a aparelhagem de voo
estava falhando. Só lhe restava ainda o defletor.
Este ainda funcionava.
Gucky e Ras Tschubai vivenciaram uma visão estranha, quando o anti ficou
invisível. No meio do tranquilo espelho do lago de estanho, formou-se repentinamente
uma verdadeira cova, com os contornos do anti. Ele não podia ter errado. Os dois
mutantes puderam até seguir nitidamente os pesados movimentos de natação, com os
quais o agente procurava chegar à margem para se salvar.
— Aí vem Deighton — disse Ras Tschubai, apontando para o céu. — Ele logo vai
pousar.
Gucky agarrou-o novamente, erguendo o anti. Com toda força, ele o atirou contra a
margem rochosa alcantilada, repetidamente, como se com isso conseguisse livrar-se de
sua raiva e do seu luto. Somente quando algumas chamas claras denunciaram a explosão
da aparelhagem energética, ele jogou o anti sobre a margem plana.
Sacon Hashey ficou deitado ali, imóvel.
O planador pousou e Deighton veio para fora. Skopins e Chesterham o seguiram.
Todos olharam para o adversário inconsciente, que quase revelara onde estava o Sistema
Solar.
— Ele está morto? —- perguntou Deighton, com voz arrastada.
Gucky sacudiu a cabeça.
— Eu deixei sobrar alguma coisa para você. Eu realmente não consegui liquidá-lo,
apesar dele merecê-lo.
— Obrigado — disse Deighton simplesmente, dirigindo-se para o anti.
E então, com um grito, ele jogou-se na depressão mais próxima.
Também os outros procuraram cobertura, quando o cérebro do inconsciente
explodiu, dilacerando a metade do corpo.
Um bloqueio de morte hipnossugestivo!
Com isso poderia ficar comprovado que este agente na verdade era um anti, que
estava sob a influência do supermutante, seguindo-lhe todas as ordens sem retrucar.
Deighton levantou-se e olhou para os restos do adversário.
— Com isso Goratchim ainda não foi vingado, pois o verdadeiro assassino ainda
continua livremente por aí, e eu tenho a sensação desagradável de que nós ainda vamos
ter muitos aborrecimentos com ele. Vamos fazer nossos cientistas examinarem este
cadáver; talvez eles encontrem alguma coisa que nos tenha escapado. — Ele anuiu para
os outros e voltou para o planador. — Antes de mais nada, entretanto, vou providenciar
para que o segundo variador temporal seja posto em funcionamento. Sem a eclusa
temporal eu me sinto isolado e preso. Os robôs de manutenção e reparos também poderão
dar início aos seus trabalhos. Durante alguns dias eles terão muito que fazer.
O planador ergueu-se e voltou para o espaçoporto da missão.
***
Duas horas mais tarde, os aparelhos de emergência foram colocados em serviço. O
segundo variador temporal foi ligado, e logo depois as estações de controle anunciavam
que as ligações de paravinculação já estavam novamente estáveis. Consequentemente,
segundos depois a eclusa temporal abriu-se novamente para o presente e também
conservou-se estável.
Também o limiar do presente preencheu novamente sua tarefa original, escudando o
transmissor contra o tempo-de-agora.
A Intersolar, que entrara em posição de espera bem perto da eclusa do tempo,
acelerou e voou, como primeira unidade, no corredor colorido, que a levou cinco minutos
para o futuro.
Na tela panorâmica apareceu a imagem familiar do Sistema Solar, dominado pela
esfera do planeta mais próximo, Mercúrio.
Perry Rhodan não perdeu tempo. Dentro de poucas horas ele queria estar na Terra,
para dar início aos festejos do feriado, com um discurso.
1.461 anos!
E quase a Humanidade naufragara em cinco minutos.
***
Depois que a Intersolar fizera escala de uma hora em Mercúrio, Rhodan dirigiu-se
imediatamente para o birô de desvio de Deighton, onde encontrou o chefe da Contra-
Espionagem junto com Ras Tschubai, Gucky, o Capitão Skopins e o Tenente
Chesterham. Com uma calma exterior ele ouviu o relatório, mas depois foi até Gucky,
colocando-lhe a mão no ombro.
— Eu sinto muito, baixinho, realmente o sinto. Talvez tenha sido culpa minha, pois
eu cedi às pressões de Goratchim para que o mandasse para Anchorot. Como é que eu
poderia imaginar que tudo não passava de um truque do supermutante Ribald Corello? Eu
receio que ele ainda venha a nos causar uma série de aborrecimentos.
Gucky olhou para Rhodan, agradecido.
— Não é culpa sua. Isto poderia ter atingido a qualquer um de nós. Mas uma coisa
eu lhe digo: nós vamos pegar esse Corello, ainda que ele realmente seja o filho de Kitai
Ishibashi. E eu vou quebrar o pescoço desse monstro com minhas próprias mãos, ainda
mesmo que todos vocês tentarem me impedir. Desta vez não vou dar ouvidos a vocês;
nem mesmo a você, Perry.
— Até lá você já se acalmou novamente, Gucky. A morte de Goratchim vai ser
vingada, mas nem sempre a vingança significa pagar com a mesma moeda. Você me
promete que no momento decisivo me ouvirá e se comportará decentemente?
— Pelo menos lhe prometo que vou tentar.
Rhodan sorriu um pouco tristemente.
— Pois então, assim já tenho sua palavra. Mais do que isso não posso pedir de você
agora. — Ele virou-se para Deighton. — O que foi feito com o ativador de Goratchim?
— Ele foi posto em lugar seguro, Sir. Sem danos. É um milagre que Corello não
aproveitou a oportunidade de conseguir um ativador celular.
— Ele já tem um para si mesmo, e com isso é imortal. O de Goratchim ele não
podia pegar, pois tinha que deixá-lo na bioimitação do mutante, para não despertar
desconfianças. Os impulsos do ativador são conhecidos. Nós teríamos imediatamente
descoberto o engano. Por isso o supermutante sacrificou um ativador celular.
Agora Rhodan tinha apenas três mutantes: Gucky, Ras Tschubai e o telepata
Fellmer Lloyd.
Todos se tinham transformado em imortais, através dos seus ativadores celulares.
A morte de Goratchim, comprovara o quanto isso valia.
Pontualmente, uma hora depois do começo da entrevista, a Intersolar partiu, com
Rhodan a bordo, com destino à Terra. Os três mutantes ficaram para trás, em Mercúrio, e
viriam depois, com Deighton.
O dia 19 de junho surgira.
Um feriado.
Para ele, Gucky, Goratchim morrera duas vezes.
A primeira vez, no planeta Anchorot, há exatamente três dias, sem chamar atenção e
sem ser chorado. A segunda vez ontem, em Mercúrio. Gucky fechou os pequenos
punhos, quando pensou nisso.
— Mas eu vou agarrá-lo! — murmurou ele, quando mais tarde seguia atrás de
Deighton para o transmissor, que os transmitiria para a Terra. — Eu vou agarrá-lo...
Deighton não se virou, ao perguntar:
— Você disse alguma coisa, baixinho?
Gucky viu diante de si as instalações do transmissor e os brilhantes arcos
energéticos. Ele ansiava por seu bangalô junto ao lago de Goshun, pela paz que havia ali
e o isolamento. Ele queria estar sozinho.
Goratchim muitas vezes o visitara ali. Agora ele jamais poderia visitá-lo outra vez.
Nem ele, nem muitos outros também não.
Eles estavam diminuindo cada vez mais.
— Não, eu não disse nada — murmurou ele.
Silenciosamente eles entraram no pavilhão do transmissor.
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cmm=66731&tid=52O1628621546184O28&start=1