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HTP-documento de trabalho-jaf Histsria do Teateo Portugués no séeulo XVII - actores Para referencia: Abreviada Ferreira, José Alberto 2015 «Pedegache, 1767, sobre as representagdes, transeri¢io revista ¢ fornecida como documento de trabalho de HTP. Longa Miguel Tibério Pedegache Brandio Ivo Observagies de Miquel Vibrio Pedegache Brandi Ivo sobre as epresentaées sas contemporineas (1767). Publicadas no final da sDissertagio sobre a Teagécia», em Mégana de Miguel ‘Tibério Pedegache Brandao Ivo ¢ Domingos dos Reis Quita. Lisboa, Oficina Patriareal, 1767: 85-91, Documento fornecido [transcrigao acrescentada € revista] por José Alberto Ferreira (UE, 2015, documentos de trabalho), Miguel Tibério Pedegache Brandio Ivo ‘Observagies de Miguel Tibia Pedegache Brando Io sobre as ripresentaies suas cosemporineas (1767) eDissertagio sobre a Tragédias, em Mégana de Miguel Tibério Pedegache Brandio Ivo Domingos Dos Rets Quita. Lisboa, Oficina Patriareal, 1767. ‘No leitor No ano de 1761, compusemos a tragédia de Megan 0 senhor Domingos dos Reis Quita ¢ eu [Miguel Tiberio Pedegache Brandao Ivo], € no ano seguinte comegimos a imprimi-la. Declarando-se a guerra ¢ marchando eu para a campanha com 0 meu regimento, suspendeu-se a impressio, que em 1764 tomou a renovar-se. Novo incidente embaragando segunda vez 0 continui-la, totalmente ficimos desgostosos; ¢, certamente, nunca tivera visto a luz, se a mem@ria dos favores € patrocinio que devo & ilustrissima © excelentissima senhora condessa de Ociras, debaixo de eujos auspicios hoje aparece, me nio incitara a publicar esta obra, que ilustrei com um discurso sobre as regras ¢ pontos mais delicados deste género de poema, para servir de monumento piblico do meu inalterivel agradecimento. Nome tio venerando como 0 que adoma 0 frontispicio desta obra nos segura o aplauso © a geral accitagio. mente escrevemos a beneficio do pilico, e julgamos que se poderi colher ide das reflexdes que temos feito sobre o melhor acerto da representacio, arte pouco menos que inteiramente desconhecida no nosso Teatro, esta € a razdio porque as juntamos is observagdes, que neste discurso oferecemos a respeito da Tragédia. As companhiias dos comediantes so poco numerosas, ¢ assim se acham os mesmos actores na precisio de representar promiscuamente a comédia ou tragédia, a0 mesmo tempo que passa quase por axioma ser impossivel dar-se um representante que faca distintamente o papel de tragico ¢ de eémico. Os nossos representantes, como acabamos pelo seu pequeno niimero, tio depressa passam «lo coturno para o soco, ¢ im por este modo um gosto misto de representacio, que 0s impossbiita para c bem de um e outro ministério, Demais, no conhecemos no nosso teatto seni dois actores mais suportiveis, um para representar de Soberano, outro de Pai; todo o resto da companhia é insofrivel. Um que chora incessantemente, tem uma vor aspérrima, ¢ artculada sempre em um mesmo tom, sem conhecer as diversas modulagdes que, por exemplo, devem fazer transicio de uma situacio enternecida para outra furiosa, de uma de desprezo para outra de temor. Falta-Ihe a decéncia, faltam-Ihe 6s gestos, em uma palavra, quase inteiramente Ihe falta 0 conhecimento do teatro, Bater com os pés é expresso da sua eélera, cotter como um loueo é o-indieio da sua desesperagio. Os seus bragos nao parecem pertencer Aquele corpo, tie pouca correla se acha entre o seu movimento com os discursos que acaba de prover a sua [pag LXNSVI] lingua. Outro actor agrava o desar finfortiinio] da sua pequena estatura com uma vor rouea ¢ desengracada, com um gesto afectado, com umas impacis fora de tempo, com um ar comum, com pouca ou nenhuma inteligéneia do qu representando, com uma prontincia adulterada e defeituosa. Rasga os seus vestidos para mostrar-se apaixonado, ¢ € tio excessivo na sua declamacao que degenera em extravagincia, Se estes sio os mais tolerives, bem se vé que os mais no merecem fazer-se mengao deles. st Um actor deve representar igualmente aos ouvidos do que a6s olhos, todas as paixdes proprias de alterar, ji na boa, ji na adversa fortuna, os inimos humanos, Para bem as representar nio s6 € necessario ter uma ideia delas, mas a aptidlio de vesti-las das cores, que mais propriamente as distinguem. Estas cores ou sinais si0 de dois modos, que dizem respeito aos dois primeiros sentidos. Com os gestos ¢ certos movimentos no aspecto st fala aos olhos, ¢ aos ouvidlos, com as diversas toadas e inflexdes de voz, que ‘no consistem somente em levanté-ta ou deprimi-la, mas principalmente em umas certas modulgdes expressivas e afeetuosts que déem aos sentidos de quem ouve a ideia do que passa no animo de quem fala. [Nao passam de seis as paixdes que os olhos possam exprimir com forca e veeméncia € due figuradas no semblante sejam capazes de fazee-nos passat pelos diferentes graus de aflicio, de prazer ou de pasmo que podem fortemente abalar 0 coracio. Tais efeitos produzem a alegria, a tristeza, 0 temor, o desprezo, a cdlera ¢ a admiragio, Nao é pequeno o niimero de outras paixdes auxiliares, que ainda que ndo podem expressar-se no seu proprio cardcter, nio deixam de poder representar-se muito bem, incorporadas com duuas ou trés das suas capitais, Por tais podem reputar-se 0 [paig. LXNXVI] citime, a vinganea, o amore a compaixio. Para exprimirmos 0 citime & necessério dar-se uma combinacio de temor, desprezo e edlera. A vinganca depende das duas derradeiras. O ‘tos da alegria acompanhada de admiracio com seus 0 Finalmente se indica complicando-se temor € tristeza. O tinieo segredo para bem expressar uma paixio no semblante é concebé-la them, mediante uma forte e viva imaginagio. Quem se deixar penetrar e possuir da forga de uma ideia de tristeza em poucos tempos sentira apoderae-se de seus olhos uma espécie de quebranto que € proprio de melancolia: 0s olhos perderio insensivelmente a natural vivera, ¢ todos os Grgios do corpo abatidos por uma repentina sonoléncia, que parece simpatia, ficarito quase desanimados como se padecessem um verdadeiro desmaio. Se nesta disposigio, que puramente pode reputar-se como passiva, fizer algum esforco- para, falar com impaciéncia, achaei que nisso intenta um impossivel. Busque muito embora as expresses mais fogosas ¢ mais arrebatadas. Jamais podera concordar com elas o tom da, sua vor Hinguido ¢ flcbil, porque se tem comunicado a alteracao dos seus miisculos 20s Sngios da sua wor. Antes que esta haja de proporcionar-se is suas expresses & necessirio que ela deixe preocupar-se das idtcias da saiva e da indignacao, que reforcando as suas desanimadas filbeas ¢ influindo-Ihe colera € furor imediatamente Ihe fario cintilar nos olhos os sinais destas paises. Nestes termos io s6 corresponderi a sua vor 20 seu aspecto mas todos os seus movimento fario una viva pintura da sua paisio. De linguido e mole que estava, passara a ser um fogo impetuoso, excitando nos animos dos espectadores efeitos nada vulgares. Para que um comediante chegue a distinguir-se, [pig LXXXVUI] € possa sobressair a todos seria necessirio que estudasse em acostumar a sua imagina¢o a receber igualmente cm sitoda a sorte de imagens ¢ faumiliarizar-se nas expresses das diversas paixdes que dominam a nossa natureza. Que quando recita,a impressio de tristeza com que a forca da préprin imaginagio the comove e abala o eoragio, comunicando:se 20s olhas, a0 semblante € is vores se mostrasse melancélico, ¢ triste. Que 2onde 0 poeta suposesse alguma esperanga, 0s seus olhos se alegrassem de repente e que no tom da sua vor © na muudana das suas aegdes se principiasse a deseobrir uma nova forea e um novo alento. Que em outros lugares se demorasse alguns momentos, ¢ revestindo-se de um ar ppensativo para facilitar estas passagens de umas para outeas paixses, dos seus ouvintes igualmente que o seu, para todas as revolugdes que experimentar o coragio humano, porque sentindo-as sucessivamente, infalivelmente as fara sentir a0 auditsrio. Nio 6 devem os representantes cuidar em que 0 tom da vor € 0 ardo semblante expressem com energia 0 afecto- de que se supsem possuidos, mas ainda que 0 gesto thes seja de tal sorte correspondente que sc leia em cada um respectivamente 0 efeito, que nnaturalmente deve eausar-he o estado actual da cena, ¢as cireunstincias do lance em que se acham, observando, porém, o conservar sem diserepincia o carécter que se Ihe atribui. O valoroso deve ouvir ¢ receber os golpes da desgraca com tranquilidade, © timido com ar turbado, o intrépido com impaciéncia ¢ da mesma sorte os mais, conforme o interesse ue tiverem ¢ proporgio de afecto que os doménar, 0 contrario seria impréprio € destruiria a verosimilhanea e a ilusio teatrl Logo que 0 actor apareceu na cena ji no tem [pig. LXXX1N] liberdade propria, porque tudo hi-de ser dependente das suas palavras e do interesse de que se acha ocupado. Hicde entrar no tablado com passo seguro, igual ¢ moderado, porém sem afectagio. Se a accio que vem contar pede que entre apressado, hi-de fazé-lo sem descompor-se € conservanclo quanto for possivel o ar majestoso que pede a teagédia, Enquanto estiver na cena esteja direito sem afectagio e sem que paresa hirto. Observe que a sua posturs, quando se mover ou ficar parado, seja agradvel e airosa. Que os seus gestos ni sejam descompostos, demasiados, violentas ou simétricos, Que para exprimir as paixdes deve conhecer o gesto particular que as distingue e caracteriza. Que um homem sufocado de ira acciona diferentemente que o que experimenta em si 0s efeitos de uma paixio branda € suave. Que se deve atender no modo de accionar quem fala, € a quem se fala; Dama, se € superior, se ¢ igual, se inferior. No mover dos bracos mio os dobre, nao 08 estenda, no os levante demasiado. Jos ambos igualmente ou levanti-tos & mesma altura € nto $6 desagradivel, mas ainda ridiculo, Mover um depois do outro- como a compasso é no conbecer 2 naturcza. Figurar materialmente com as mios € com © corpo quando articula a lingua setia de pantomimo.

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