2010
ESTRUTURAS CLÍNICAS:
TEXTOS QUESTÕES PRELIMINARES1
Abstract: This article is about the development of the history of insanity and the
concept of clinical structures in psychoanalysis.
Keywords: history of insanity, clinical structures, psychoanalysis.
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Estruturas freudianas, realizadas em
Porto Alegre, outubro de 2009.
2
Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre; Especialista em Psicologia
Clínica com formação em Problemas do desenvolvimento e da adolescência pelo Centro Lydia
Coriat. E-mail: edatavares@gmail.com
3
Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre; Mestre em Psicologia Social
e Institucional/UFRGS. E-mail: mlpm@terra.com.br
4
Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre; Mestre em Psicologia do
desenvolvimento/ UFRGS; Mestre em Psicopatologia e Psicanálise/ Universidade Paris 7. E-mail:
otaviown@terra.com.br
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70
Estruturas clínicas...
É com esse contexto que o jovem Freud depara-se após sua formação
em medicina. Inicialmente, o encontro com Breuer o leva a aproximar-se de
jovens mulheres histéricas. Desse encontro, uma nova definição é atribuída à
histeria, não mais em seu estatuto médico-místico, pois, ao escutá-las, Freud,
atribuiu vital importância às falas dessas pacientes.
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Eda Estevanell Tavares, Maria Lucia Muller Stein e Otávio Augusto Winck Nunes
Não muito tempo depois, em 1895, um novo encontro e talvez mais defi-
nitivo na vida de Freud: em viagem de estudos a Paris, conhece Charcot, que,
com seu estilo teatral, diagnostica a histeria como uma verdadeira enfermidade, ao
invés do refúgio de doenças imaginárias (Gay, 1989). Charcot era um artista, segun-
do ele próprio, un visuel, ou seja, aquele que vê, denotando assim, a importância
que dava à prática. Essa característica causou tanto impacto no jovem Freud que,
ao escrever o obituário de Charcot, registra uma das máximas de seu mestre: La
théorie, c´est bon, mas ça n´empêche pas d´exister! (Charcot apud Gay, 1989, p.
62). Ou seja, teoria é bom; mas isso não impede as coisas de existirem. O que,
sem dúvida, é uma máxima que não podemos esquecer e, talvez, um estímulo para
que continuemos a debater os problemas que o nosso trabalho apresenta.
Bem sabemos que, deste acento dado por Charcot ao ver, Freud tira as
devidas consequências, produzindo um giro fundamental para a psicanálise ain-
da em gestação: da ênfase dada ao ver, Freud desliza para o escutar (Rickes,
2002). Freud rapidamente aprendeu com Charcot que a ciência, no que tange ao
estudo dos processos psíquicos, substituiria a terminologia religiosa e obscu-
rantista da Idade Média. Mas Freud vai além; constrói a psicanálise, provocando
um giro a mais no eixo que representava o espírito da época: o privilégio da
razão perde força com a emergência do inconsciente e da sexualidade como os
pontos fundamentais da subjetividade.
A princípio, Freud irá tomar o termo neurose, já consagrado, para definir a
doença psíquica das histéricas. Segundo Elizabeth Roudinesco (1998), o termo
“neurose” foi inventado por William Cullen, na metade do século XVIII. Nesse
momento, o olhar clínico se renovava com a dissecação de cadáveres e o olhar
direto para as doenças, em suas manifestações anatomofisiológicas. Assim, o
termo “neurose” surgia para designar as doenças para as quais a medicina não
encontrava nenhuma explicação orgânica.
Phillipe Pinel retomou o termo, o qual um século mais tarde seria popula-
rizado por Jean Martin Charcot ao fazer da histeria uma doença que atinge a
função de um órgão, sem afetar o órgão propriamente dito, ou seja, uma neuro-
se. Mas foi com seu discípulo, Pierre Janet, que influenciaria os clínicos france-
ses, que a neurose tornou-se a doença da personalidade, caracterizada por
conflitos psíquicos.
Freud, após sua temporada com Charcot, também definiu a histeria como
uma neurose, mas a diferenciou das concepções de Janet, desvinculando-a da
presumida origem uterina e atribuindo-lhe etiologia sexual e enraizamento no
inconsciente. Com os Estudos sobre a histeria (Freud, [1895] 1977), a histeria
passa a ser o protótipo da neurose para o discurso psicanalítico. Como bem
sabemos, de início era uma doença nervosa causada por um trauma psíquico: a
sedução. Com o abandono da teoria da sedução, em 1897, a neurose passa a
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Estruturas clínicas...
Mais do que isso, ao tomarmos os grandes textos desse início das for-
mulações psicanalíticas, A interpretação dos sonhos (Freud, [1900] 1977) e
Psicopatologia da vida cotidiana (Freud, [1901] 1977), por exemplo, percebe-
mos a genialidade de Freud ao interpretar fenômenos comuns a todos os ho-
mens. Sonhar é uma experiência universal e normal, assim como cometer lap-
sos de linguagem, esquecimentos, etc. Ou seja, os processos inconscientes
são universais e, portanto, a lógica cartesiana de domínio do eu coeso, uno, já
não é mais possível. É aí que as ideias psicanalíticas começam a desalojar o
homem de sua morada. “Todos” os homens, “desrazonados” ou não.
Foi então que, ao se lançar na aventura de escutar suas pacientes histé-
ricas, Freud viu-se impelido a desenvolver um campo conceitual para elaborar
aquilo que experienciava em sua clínica. E assim, como aponta Rickes (2002),
se tecem os primórdios da relação teoria-prática no campo da psicanálise, de-
monstrando que o fazer clínico é fundamentalmente um lugar de investigação.
Investigação que traz em si facetas muito peculiares, como, por exemplo, o fato
de que podemos em psicanálise desenvolver uma série de operadores conceituais
que nos permitem construir generalizações teóricas. Porém, quando transpo-
mos essas generalizações para o campo da intervenção propriamente dita, há a
necessidade de relativizá-las, levando-se em conta a singularidade da situação
clínica à qual são convocadas, a da transferência.
Freud, partindo dos estudos sobre a histeria, classificou os fenômenos
de defesa decorrentes do Édipo (fobia, histeria e obsessões) como neuroses; e
as problemáticas narcísicas pré-edípicas, como psicoses.
Ainda seguindo Roudinesco (1998), Freud ([1905] 1977) viria a introduzir
uma terceira categoria, a perversão, quando, em 1905, nos Três ensaios sobre
a teoria da sexualidade, ele define a neurose como o “negativo da perversão”, por
considerá-la a manifestação bruta e não recalcada da sexualidade. Assim, a
neurose é o resultado de um conflito com recalque; a psicose, da reconstrução
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Eda Estevanell Tavares, Maria Lucia Muller Stein e Otávio Augusto Winck Nunes
5
Trabalho, não publicado, apresentado na Jornada de Abertura da APPOA - Ciúmes, Porto
Alegre, abril de 2009.
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Eda Estevanell Tavares, Maria Lucia Muller Stein e Otávio Augusto Winck Nunes
REFERÊNCIAS
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em: <http://www.letraefel.blogspot.com> Acesso em: 14 set. 2009.
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ROUDINESCO, Elizabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
Recebido em 09/08/2010
Aceito em 11/09/2010
Revisado por Valéria Rilho
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Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 79-86, jan./jun. 2010
TEXTOS
QUANDO O NOME
DO PAI NÃO VEM1
Resumo: Este texto apresenta o recorte de um caso clínico que dialoga com a
teoria, na perspectiva de abordar os dois pontos que a autora considera centrais
na discussão: a dialética na clínica e a parcialidade do delírio.
Palavras-chave: dialética, delírio, parcialidade, significante.
Abstract: This paper presents the outline of a clinical case which dialogues with
the theory, in the perspective of approaching two points considered by the author
central to the discussion: the dialectic in the clinic and the partiality of delirium.
Keywords: dialectics, delirium, partiality, significant.
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Estruturas freudianas, realizadas em
Porto Alegre, outubro de 2009.
2
Psicanalista; Membro da APPOA; Psicóloga do ambulatório do HPSP; Supervisora da residência
integrada em saúde mental coletiva. E-mail: mabul@terra.com.br
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Maria Ângela Bulhões
Essa afirmação merece ser destacada, já que ela fornece elementos im-
portantes para nossa reflexão. Devemos reconhecer a dialética como própria da
condição humana, da condição de sujeito, e considerar a contradição inerente
ao humano como possibilidade de recolocar em questão, a cada instante, o
desejo, o afeto e mesmo a significação mais estável de uma vida. Existe, por-
tanto, a constante possibilidade de inversão de signo em função da totalidade
dialética. O sim e o não concomitantes, em estado de tensão dialética, são,
assim, expressão da divisão do sujeito. O Nome do Pai, significante da falta do
Outro, será o que abre a possibilidade do movimento dialético, viabilizando a
emergência do sujeito. A falta simbólica produz a mobilidade necessária para o
lançamento à equivocidade enigmática do significante.
Nesse seminário, Lacan nos propõe que o diagnóstico de psicose seja
definido a partir da forma como o sujeito se apresenta articulado à linguagem, já
que é no eixo com o Outro que se apresentam as distorções.
Na falta do significante Nome do Pai, que vem ocupar o lugar em substi-
tuição do significante do desejo da mãe, a lógica simbólica se organiza diferen-
temente e, com ela, a realidade psíquica do sujeito. Cessa o movimento da
cadeia significante. Sua interrupção lança o sujeito no vazio da significação,
causando assim uma inundação imaginária:
Relato do caso
K. foi encaminhada para tratamento no Ambulatório Especializado em
Saúde Mental com o diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático,
após ter sido acompanhada por certo tempo, pela psicóloga da Unidade Básica.
No ambulatório, foi avaliada pela psiquiatria e encaminhada para minha avalia-
ção.
81
Maria Ângela Bulhões
3
Utilizamos a palavra “Homem”, com letra maiúscula, pois se encontra na série de representan-
tes do Outro não barrado.
82
Quando o nome do pai não vem
4
A palavra “Mãe”, com letra maiúscula, apresenta-se na condição de Outro não
barrado.
83
Maria Ângela Bulhões
mente do sujeito. Quem olha? A mãe? O Homem que abusou da sua mãe (avô)
e barrou a transmissão do nome? O Homem que ameaçou a vida de seu pai?
São todos representações do Mesmo, a partir do momento em que foi perdida a
dialética significante?
Quando o pai estava em casa, a mãe não batia em ninguém. Somente
apanhavam quando o pai não via. Ninguém podia contar. O abuso do avô, o
abuso da mãe, o que não pôde ser contado, falado? O escondido (segredos de
família) retorna retumbante através das vozes, da risada, das ameaças, enfim,
no gozo proibido e mortal.
K. ainda mantém o medo, mas, no seu dia a dia, consegue ocupar-se da
condição de mãe, esposa, dona de casa, ainda que não consiga sentir-se segu-
ra para fazer como fazia antes. Não conseguiu voltar ao trabalho, e cozinhar
ainda mantém-se como um insabido. Poderíamos dizer que ela encontrou uma
falha no alicerce, mas que esta não ameaçou o edifício inteiro?
Ouso dizer que o que desencadeou sua psicose foi produto do acaso de
um acontecimento da vida (o assalto) ligado aos elementos determinantes da
história pessoal. A cena do assalto cristalizou no momento em que repetiu ele-
mentos importantes da história familiar e apresentou o tecido rompido na falha
da amarragem simbólica. O trânsito significante ficou parcialmente interrompido
quando o sexo e a morte se encontraram naquele Homem. Aquele Homem
tornou-se signo de morte.
A aposta clínica é de que o movimento dialético possa ser retomado e o
significante e significado se estabilizem; a certeza da morte podendo dar lugar
às dúvidas e às contradições inerentes à vida e o mundo voltando a ser um lugar
seguro para transitar.
Para concluir, volto ao título que escolhi: Quando o nome do pai não vem.
Esse título destaca a dimensão do movimento dos acontecimentos da vida, os
encontros e desencontros, que podem se suceder. Quando o nome do pai não
vem? O que pode vir no seu lugar? Não é sempre a essa pergunta que fica
remetida a clínica? Quando essa resposta surge no Real estamos frente a uma
condição psicótica. O encontro com o psicanalista pode, a partir de sua escuta
e posição transferencial privilegiada, abrir espaço para o agenciamento de
significantes que participem de uma reinvenção do sujeito ou mesmo da criação
deste. Ana Costa assim precisa:
85
Maria Ângela Bulhões
REFERÊNCIAS
COSTA, Ana. Clinicando: escritas da clínica psicanalítica. Porto Alegre: APPOA, 2008.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 3: as psicoses [1955-1956]. Rio de Janeiro:
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QUINET, Antonio. Um Olhar a mais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
Recebido em 12/09/2010
Aceito em 20/10/2010
Revisado por Deborah Nagel Pinho
86
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 87-94, jan./jun. 2010
TEXTOS
A PSICOSE, SEU
T R A TA M E N T O ,S E U S L IM IT E S 1
Abstract: The text deals with the search for totalization of knowledge in the
paranoid constitution of psychosis as a means of eluding castration, proposing
the cut of the Borromean knot as a manner of intervention in such an organization.
Keywords: paranoia, psychosis, castration, cut, borromean knot.
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Estruturas Freudianas, realizadas em
Porto Alegre, outubro de 2009.
2
Médico; Psiquiatra; Psicanalista; Membro da APPOA; Diretor da Hybris – Clínica de Psicanálise
e Psiquiatria. E-mail: allcosta@terra.com.br
87
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Adão Luiz Lopes da Costa
Todos estão loucos, neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e
as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas, muito maiores
diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça para o total.
Guimarães Rosa, Grande sertão, veredas
podem curar os sintomas de alguns; mas muitas pessoas seguem o seu curso
de doente mental. Em princípio, tudo vale! Porém, muitos desses recursos cus-
tam caro. E não é raro o doente chegar ao psicanalista já empobrecido. Tanto
sem recursos materiais quantos são os sintomas negativos. Devemos falar tam-
bém nos psicóticos restituídos, organizados em delírios paranoicos e
reivindicatórios terríveis. Talvez essa seja a pior das sequelas para a organiza-
ção social. Penso, no momento atual, se a psicose é tratável ou até mesmo se
deve ser tratada. E se for estrutural à condição do falante, deve ser modificada?
Mas, seguindo a leitura da obra de Lacan, a ideia que decanta é que o
que deve ser tratado é o paranoico da psicose. Isso seria pensar a paranoia
como um saber, um querer saber, a necessidade de ter todas as informações, o
insuportável que é o não saber, o insuportável do saber do outro, a necessidade
de controlar todo o saber, a busca do saber total, a busca da “consciência
cósmica”.
Amamos o saber. O psicótico ama seu delírio, já afirmava Freud ([1895]
1977). O saber, as informações, tanto alucinatórias como interpretativas, são
recolhidas pelo psicótico como um saber que irá sustentar o delírio. O saber e o
delírio se unem no gozo. O saber é paranoico e busca a totalização, busca o
gozo pleno.
As instituições sociais também se organizam no sentido de manter essa
totalização do saber e o fazem pelas mais variadas formas de sabatinas e de
exames. O chamado DNA empresarial3 explicita isso, ao querer preservar as
ideias do fundador. O saber como intocável é uma coisa interessante na organi-
zação social. O intocável do saber é preservá-lo em sua originalidade, sem
modificações, como se ele fosse uma verdadeira estrutura genética nuclear.
Porque o saber não deixa de ser ameaçador, necessitando, portanto, de contro-
le.
Schreber queria uma geração schrebiana. Diria que não são raras as
incursões na esfera social para preservar o DNA de ideias, produzindo gerações
inteiras das mesmas ideias, como se isso fosse hereditário e, portanto, natural.
3
É a forma de gestão de uma empresa, o que define sua cultura e comportamento. Através do
DNA podemos perceber o que circula no “sangue” da mesma, o que se expressa na “pele” e
rege sua sobrevivência. Pelo DNA, podemos estabelecer a identidade da empresa e para isso
precisamos reconhecer quais são seus valores. No entanto, temos de levar em conta que os
valores das pessoas que trabalham na empresa são totalmente diferentes dos valores de seus
diretores, gestores. O DNA vem pra identificar isso, pra dar uma identidade e para que se possa
ajudar o colaborador a se envolver e se comprometer com esta organização.
89
Adão Luiz Lopes da Costa
Então, será que o tipo de tratamento dado ao doente paranoico pode ser
sem consequências? Será que é possível a última palavra (uma vez que a última
palavra vai fechar a reta) criadora de um tratamento padrão, seja ele qual for,
para a psicose? São questões que surgem frente ao desafio da psicose.
Na psicose não há hiância no discurso; por mais quebrado, rompido e
desagregado que seja, mostra-se maciço, duro, impenetrável, solidamente ins-
talado na sua certeza. Essa certeza pode ser persecutória, de grandeza ou, a
pior de todas, que muitas vezes permanece sub-reptícia, a certeza reivindicatória.
Isso gera uma reta infinita, imperativamente instalada sobre a exigência de fe-
char-se sobre si mesma. A reivindicação de reconhecimento pode dar a ilusão
imaginária de êxito dessa boa forma. E essa reivindicação pode alçar, ainda,
êxitos de violências, de agressões e de espoliações das famílias.
A solidez do discurso, instalada na macicez do S1S2 toma a cadeia
significante primitiva em massa e não produz sujeito. Não há ligação, não há
bindung entre a dupla significante. É o que parece dar o caráter imperativo da
alucinação. O saber que retorna no real o faz como um saber sem sujeito,
deixando o alucinado louco, à procura do sujeito que lhe fala; e no primeiro que
ele encontra, ele bate. Bate, porque as alucinações são injuriantes. Há, tam-
bém, nesse discurso maciço, muita proximidade com a psicossomática, que
alguns chamam de loucura do corpo, pois nela, o saber advém do corpo. O
corpo também está afetado na psicose.
A busca da totalização do saber empurra para construções espirituais e
filosóficas, empurra para uma condição em que o corpo fica fora e ao mesmo
tempo é afetado. Há quem busque livrar-se do que chamam “a prisão do corpo”.
Em casos graves, o corpo fica abandonado. O investimento volta-se para o men-
tal, podendo chegar até à ideia da chamada “consciência cósmica”,
A totalização é delirante, e é o que garante sua posição sexual no delírio,
porque a incompletude o empurra obrigatoriamente para a mulher e para o ho-
mossexual. Aí temos, como mostra clássica, os delírios de feminizar-se de
Schreber, conforme escrevi no artigo Feminino à Masculino: Acesso ao gozo.
Por que Tirésias não é Schreber? (Costa, 2005).
Esse saber cristaliza-se em significações maciças, duras, impenetrá-
veis, totalizantes. Essa significação implica certamente que ele não possa re-
cusar-se a ela (Lacan, [1964] 1979, p. 239). Atentem para o Luder de Schreber:
significação irrecusável.
O saber que retorna sem sujeito, retorna dando esta significação irrecusável
e sempre injuriante. Alguém escuta uma voz que fala: “Tu és bom”! Ele tem que
responder, tem que pensar algo, e essa resposta será obrigatoriamente também
injuriante. Terá que responder. Assim lhe ocorre dizer: “Tu és bom, bom no u”.
Responde, para completar a frase, mas obrigatoriamente sob forma de injúria.
91
Adão Luiz Lopes da Costa
REFERÊNCIAS
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COSTA, A. L. L. Feminino ? masculino: acesso ao gozo. Por que Tirésias não é
Schreber? Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre – A masculinidade.
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Recebido em 17/09/2010
Aceito em 10/10/2010
Revisado por Otávio Augusto Winck Nunes
94
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 95-103, jan./jun. 2010
TEXTOS
“UM GÊMEO
CHEIO DE DELÍRIO”1
Gerson Smiech Pinho2
Abstract: The present article treats about the relation between brothers and its
particularities, when it happens between twins. Beyond that, from this initial
question, addresses the issue of the constitution of the ego and discusses a
clinical case.
Keywords: brothers, twins, double, constitution of the ego.
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Estruturas Freudianas, realizadas em
Porto Alegre, outubro de 2009.
2
Psicanalista,Membro da APPOA,Membro do Centro Lydia Coriat,Mestre em Psicoligia Social e
Institucional(UFRGS). E-mail gersonmiech@gmail.com
95
95
Gerson Smiech Pinho
I
Iniciei com a citação de Esaú e Jacó, pois penso que os gêmeos protagonis-
tas do romance de Machado exemplificam algumas questões interessantes para
começar esta discussão. Ao longo da narrativa, um traço que é bastante evidente
na relação desses dois irmãos é a permanente oposição entre eles. Como bem
assinalara a Cabocla do Castelo, tal divergência remonta à vida intrauterina.
Pedro e Paulo são, ao mesmo tempo, idênticos e opostos. Divergem em
tudo na vida e manifestam modos de ser diametralmente contrários. Pedro estu-
dou Medicina no Rio de Janeiro. Paulo estudou Direito em São Paulo. Pedro é
dissimulado e conservador. Paulo é agressivo, impulsivo e impetuoso. Pedro é
monarquista e prefere que tudo permaneça como está. Paulo é republicano e
está permanentemente insatisfeito com a situação, querendo mudanças cons-
tantemente.
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“Um gêmeo cheio de delírio”
A diferença entre Pedro e Paulo pode ser pensada a partir de uma forma
muito específica de negação, presente na relação de alguns irmãos gêmeos,
assinalada por Bergès e Balbo (1997). Ao invés de corresponder a uma oposi-
ção entre dois termos, sugere, ao contrário, sua equivalência.
Por exemplo, quando dizemos que “Paulo é agressivo e Pedro não é”,
sempre se trata de que “um não é e o outro é”. Jamais se faz referência a um
sem que o outro seja também mencionado, pois um equivale ao outro. Haveria
no outro aquilo que falta, negando, dessa forma, que isso faltaria, como se
ambos compusessem uma totalidade. Fica instituída, assim, uma oposição
que é complementar e que não inscreve diferença. Há uma complementação
recíproca entre os gêmeos, fazendo com que o par, em seu conjunto, configure
uma unidade. São “dois” que fazem “um”.
Como sublinha Costa, ao comentar o texto de Machado de Assis,
II
Rafael é um adolescente de quinze anos, que morava com a mãe, um
irmão gêmeo, uma irmã mais velha e os avós maternos. Não conhecia seu pai,
o qual fizera uma passagem ocasional na vida da mãe, desaparecendo antes
mesmo de saber que ela estava grávida. Quando nasceram, os dois meninos
gêmeos foram registrados como filhos de seus avós maternos. Segundo a mãe,
em função de benefícios financeiros que o avô recebia.
A avó materna tinha papel bastante central na vida da família. Era, diga-
mos assim, quem governava o espaço doméstico, tomava decisões e direcionava
as coisas. Tinha rivalidade muito significativa com a filha, mãe de Rafael.
Desqualificava-a sistematicamente, tanto nas tarefas domésticas quanto em
sua condição materna.
Por sua vez, essa avó também tinha uma irmã gêmea, já falecida. Ambas
também haviam sido registradas como filhas de seus avós maternos. Porém,
99
Gerson Smiech Pinho
vieram a saber desse fato somente na vida adulta. Cresceram acreditando se-
rem filhas daqueles que, na verdade, eram seus avós e irmãs daquela que era
sua mãe. Aqui, encontramos um evento que se repete em duas gerações e que,
a cada vez, faz a supressão de uma faixa geracional da família.
Em certa ocasião, recebi a mãe e a avó de Rafael juntas, para uma consul-
ta. A dupla de mulheres trouxe um álbum de fotos, para me contar sobre a infân-
cia de Rafael e de seu irmão. Ao longo das páginas do álbum, havia uma sequência
de muitas fotos dos dois meninos, sempre vestidos de forma exatamente igual.
Nem a mãe, nem a avó conseguiam decidir quem era quem nas fotografias, o
que, obviamente, dava motivo a uma feroz discussão entre as duas.
Segundo elas, as roupas iguais eram uma exigência das crianças. Até o
final de sua infância, não toleravam se vestir de forma diferente. Em certa oca-
sião, ganharam sandálias iguais, porém com cores um pouco diferentes. Uma
era mais clara, a outra mais escura. Após calçarem as sandálias, os meninos
foram deixados sozinhos. Logo a seguir, quando os adultos se deram conta,
haviam trocado um pé do calçado. Assim, cada um deles estava com um pé de
uma cor e outro de outra. Imagino que quem olhasse a cena de fora, vendo-os
um diante do outro, poderia ter a impressão de um reflexo diante de um espelho.
A avó e a mãe contam que, quando crianças, Rafael e seu irmão faziam
tudo juntos. Só comiam se os dois estivessem na mesa. Só tomavam banho se
ambos estivessem embaixo do chuveiro. Os irmãos funcionavam de forma com-
plementar, em bloco, como totalidade.
O relato a respeito da infância dos dois rapazes mostra o quanto, aí,
opera a não inscrição da diferença, fazendo com que o semelhante se perca
através da imagem do idêntico. Nessa situação, a dimensão narcísica do duplo,
apontada por Freud, aparece como correlata da representação da gemelaridade
enquanto totalidade, enquanto “contestação bizarra da diferença”, na expressão
de Bergès e Balbo (1997).
A produção delirante de Rafael se desdobrava em duas vertentes. De um
lado, falava de temas religiosos; de outro, de super-heróis de programas japone-
ses de televisão.
Passada a primeira fase do tratamento, em que a agitação psicomotora
era muito intensa, proporcional a sua angústia (nessa época, boa parte das ses-
sões eram feitas caminhando pela instituição em que eu trabalhava), Rafael co-
meçou a escrever nas sessões. Escrevia muito rapidamente e de forma contínua,
sem colocar intervalos entre as palavras. Seus escritos eram compostos de pe-
quenas narrativas, que falavam dos personagens de suas construções delirantes.
Entre eles, estava Shalivan, elemento central das histórias que contava.
Shalivan é o guardião e guerreiro do espaço. Luta para salvar a Terra de diversos
vilões. Em outro planeta, tem outro nome. Lá, ele se chama Spilven. Shalivan e
100
“Um gêmeo cheio de delírio”
Spilven são o mesmo, mas com outro nome. Segundo Rafael, os dois são o
mesmo porque têm a mesma cara. Aqui, penso que o delírio construído pelo
rapaz traz elementos que tentam dar conta, pela via do discurso, de sua relação
com o irmão; como possibilidade de introduzir ali alguma significação, na forma
de uma suplência, pela via delirante.
Outros personagens com dois nomes e com a mesma cara surgiam em
sua narrativa. Por exemplo, contava que Paulo, que também era Saulo, pôde ver
por causa de um milagre de Jesus Cristo.
Shalivan tem um Santo Protetor, que o ajuda a destruir os inimigos. O
Santo Protetor lhe dá força e entra em seu corpo, o que lhe possibilita lutar com
a força do Santo, em uma espécie de fusão imaginária.
Em oposição, surgia a figura do Diabo, da qual tinha medo. Dizia em voz
baixa: “Não posso falar dele, senão me mata”. A seguir acrescenta: “Meu irmão
é o diabo” e diz, com voz de choro, “Shalivam, por favor, me protege, Shalivam”!
Fica evidente o caráter persecutório que a figura do irmão vai encarnando
no discurso de Rafael, o qual aponta para a ausência de um significante que
possa fazer corte e diferença entre eles. É interessante notar o quanto esse
aspecto persecutório, presente no delírio construído por Rafael em relação à
presença do irmão-semelhante, tem seu funcionamento calcado na estrutura
narcísica do duplo, destacada no início deste texto. É a função simbólica que
permite ao sujeito se destacar dessa ancoragem no narcisismo, com o ingresso
na dimensão da rivalidade com o outro, agora na posição de semelhante.
A esse respeito, Bergès e Balbo (1997) afirmam que “posso permitir-me
ser rival de meu outro, pois existe uma diferença, e essa diferença é até mesmo
a única aposta de nossa rivalidade. Porém, quando não há nenhuma diferença,
como no gêmeo, a rivalidade só pode ser mortal” (p.138). Esses autores acres-
centam, ainda, que “o significante, ao ser diferença absoluta, questiona a
gemelaridade” (p.135).
Para finalizar, vou trazer um pequeno relato, feito por Françoise Dolto
(1991), a respeito de dois irmãos gêmeos.
Dolto fala de dois gêmeos que nunca haviam sido separados, e que não
eram diferenciados pelas pessoas, com exceção da mãe e de um bebê nascido
depois deles, e que já os interpelava com ajuda de fonemas distintos, discrimi-
nando-os sem erro.
Um dia um dos meninos ficou gripado e não foi à escola, ficando distante
do irmão. Quando a mãe volta para casa, escuta uma súplica do filho que brin-
cava sozinho no quarto.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Joaquim M. Machado de. Esaú e Jacó. Porto Alegre: L&PM, 1998.
BERGÈS, Jean; BALBO, Gabriel. A criança e a psicanálise. Porto Alegre: Artes Médi-
cas, 1997.
COSTA, Ana. Sobre Esaú e Jacó. Correio da APPOA, Porto Alegre, n. 172, p. 23-30,
set.2008.
DOLTO, Françoise; NASIO, Juan David. A criança do espelho. Porto alegre: Artes
Médicas, 1991.
FREUD, Sigmund. O estranho [1919]. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro:
Imago, 1980. v. XVII.
FREUD, Sigmund. A negativa [1925]. In: _____. Obras completas. Rio de Janeiro:
102
“Um gêmeo cheio de delírio”
Recebido em 03/03/2010
Aceito em 03/06/2010
Revisado por Maria Ângela Bulhões
103
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 104-114, jan./jun. 2010
AN IMPROVISED STORY:
sex and death written in workshop
Abstract: The text has its origin in a story that was collectively constructed at a
writing workshop which gathers participants with very different psychic conditions.
The narrative forms with which the subjects of sex and death are developed
throughout the story are conceived as paradigmatic of the ways people find to
deploy, in language, issues that, like these, touch the Real.
Keywords: writing workshop, sex, death.
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA: Estruturas Freudianas, realizadas em
Porto Alegre, outubro de 2009.
2
Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. E-mail:
marietamadeira@gmail.com
3
Jornalista; Graduando em psicologia/UFRGS. E-mail: p_gleich@yahoo.com
4
Psicanalista; Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre; Professora dos programas
de Pós-graduação em Educação e Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional, ambos
da UFRGS. E-mail: cpsrickes@terra.com.br
104
104
Uma história improvisada...
S er um homem não é fácil. Ser mulher também. Ser gay então, nem se fala.
Ser hétero é muito melhor. O homem deve gostar das pessoas e também
de si mesmo, não importa a opção sexual que os outros venham a ter. É bem
melhor amarmos uns aos outros. Viu como é difícil ser um homem? Lidar com
seu lado de homem macho e de vez em quando, quando ver uma boneca,
desmunhecar. São coisas, sentimentos que só um homem traz por dentro, mas
não bota pra fora.
Apolinário foi muito jovem para o seminário. Devido a isso, muitos pensa-
mentos e sentimentos que passavam por sua cabeça, sentia-se deslocado, em
certos momentos, entre ser e estar. Mas como saber o que se passa dentro
dessa ilha ambulante? Ele está profundamente analítico e dialogando profunda-
mente consigo mesmo. Ele é introvertido.
Eufrásia trabalhava numa farmácia e se encontrou com Apolinário. Con-
versaram sobre seus pensamentos e chegaram à conclusão de que os dois
eram parecidos. Um romance surgiu. A vida tornou-se rosas, perfumada e cheia
de encontros. E o amor se fez maior que a amizade. Mas o seminarista tinha
um ideal, que era se consagrar ao Senhor. Mas muito perturbada a cabeça dele
por milongas, não sei a cargo que o destino trouxe, quebrou o juramento.
Enquanto Eufrásia voltava pra casa, seus olhos pairaram sobre Lúbio,
que estava tremendo de frio num cantinho da entrada do seminário. E como se
era de esperar, não deu outra: ela o agarrou e levou para casa. Porém seus pais
eram alérgicos. Mediante aquele temporal, o cachorro, com o pelo todo arrepia-
do, exalava um odor tão fétido, inaguentável, que os pais dela entraram em
surto, tamanha a inconformidade com a nova situação. Eufrásia, não sabendo o
que fazer, lembrou da amiga Josefina, que não tem nada a ver com perna fina, e
sim de uma constante inspiração de ser moça menina. Achou que o cheiro que
exalava era a essência do amor. E aí ficou mais contentada.
Josefina se apaixonava fácil. Não teve muitos amores, e sim dissabores.
Seu primeiro amor foi Apolinário, que entrou pro seminário. Seu segundo amor
morreu em vão! De tão azarada que ela era, terminava sempre na solidão, o que
a mantinha viva era o amor pelo Lúbio. Que ordinária!
Apolinário era um amor impossível, em seu pensamento isso era muito
terrível. Transformava-se em tormento. O sonho de Josefina era namorar
Apolinário, mas ele escolheu o seminário para ficar sozinho. Depois apaixonou-
se por Eufrásia, devido às contradições dos pensamentos que tinha, não sabia
se continuava devoto ou se se entregava aos prazeres da vida. As mulheres em
volta dele se debatiam – que coisa! Então ele gostava de todas, mas não
sabia.
105
Marieta Luce Rodrigues, Simone Moschen Rickes e Paulo Gleich
II
Certa noite, Apolinário teve um sonho, que ela estava chegando toda linda
e bonita, parecia um anjinho – só faltavam as asas. Isso aí não é nada, pior é
quando a gente espia e olha para todos os lados e nada de bom acontece. Por
isso eu vou repetir sempre: ser homem não é fácil. Apolinário, recluso no semi-
nário, anotava o que sentia no seu diário. Ficava dividido entre dois amores, mas
preferiu escolher um. O problema é que ele não sabia qual escolher.
No sonho, Josefina, virada em anjo, tinha a voz de Eufrásia e dizia: “não
quero mais saber desses amores!” Mas como a sugestão de um amigo fez com
que ele se deparasse com a realidade: não estava preparado para a tristeza.
Recorreu a Deus como sacerdote e Deus mostrou-lhe a razão do bem-estar e
viver. Um amigo se expressou e disse: “você é tudo isso, Apolinário, e Deus
nunca te abandonará”. Dividido em paixões, com o espírito muito abatido, lem-
brou-se: “como fazer da minha vida uma vida conjugal reunindo ambas as coi-
sas? Saibas, Apolinário, Jesus Cristo sempre andará contigo.” Apolinário sorriu
e tudo se modificou na sua vida. Um novo começo de espiritualidade e fé torna-
va-o forte, um ser humano amoroso.
O que Apolinário não sabia é que seu amigo também estava apaixonado
por ele. “Tu sabe, eu guardo por dentro, mas não boto pra fora”, disse ele. O
amigo secreto não compartilhava das dúvidas de Apolinário; ele acreditava que o
amor era possível e não se prendia às atrapalhações divinas. Apolinário tentava
despistar, porém em seu interior não conseguia mais disfarçar sua paixão pelo
amigo secreto. Formava-se uma confusão de sentimentos e povoava seus pen-
samentos.
Apolinário bebeu um cálice de vinho, ele tinha o vício da bebida. Disse ao
amigo: “eu deixei a bebida, o ruim é que eu não sei onde. De certo está escon-
dida em algum lugar.”, e pela primeira vez tomou conhecimento do seu alcoolis-
mo. Refletiu, pensou, e foi em busca de seu sonho, com o coração quebrado,
meio amargurado, foi em busca do amor. Tudo se resolveu. A mulher modificou
o Apolinário. Olhou para o céu e agradeceu a Deus.
Continuando com o sacerdotismo meio abalado, casou-se com Cristina e
teve filhos. Três filhos queridos, sendo uma menina. Quando foi batizá-la, teve
uma surpresa: o padre era o amigo secreto. Padre Paulo olhou com carinho
para Apolinário e saiu do armário em plena igreja, de cueca na mão. Josefina, que
era madrinha, tirou a calcinha. “Viu, Apolinário? Tudo se resolveu em sua vida”. Os
fiéis ficaram constrangidos em meio a tal cena que presenciaram com Apolinário
e Josefina. Ficaram de cabeça baixa naquele exato instante. Lúbio latia. Eufrásia
chorava. O padre, de joelhos, rezava. Foi um batizado inesquecível.
Que destino poderia ter a pequena Jussara, começando com um batiza-
do desses? O padre, atrapalhado, tinha jogado água não na testa, mas nos
106
Uma história improvisada...
olhos, o que deu a Jussara o dom de ver mais que os outros. Começou uma
nova vida. Aos nove anos, teve uma ideia da missão da qual seu pai tinha que-
brado o juramento. Aí entra o milagre da profecia que o padre escolhia: acreditar
num santo sagrado, fazer dele um vestígio para que ninguém descobrisse. Sim,
pois ele ainda era um sacerdote de Deus, apesar de ter sido excomungado por
causa da cueca, que era rosa.
Roubaram a carne que era para a festa da igreja, e o padre amaldiçoou
quem a havia roubado, pois não teve festa. No outro dia, levaram-na de volta,
pedindo que o padre tirasse a maldição. Houve intromissão de Deus, e Deus
usou as pessoas para que se encontrassem satisfeitos pelo desenrolar do mila-
gre, que acabou no pecado. Apolinário se ajoelhou, se redimiu desse seu peca-
do. Clamou a Deus para que derramasse o perdão diante de sua pessoa. Em
silêncio, ficou a rezar para sentir-se purificado. Mas, em vez disso, por um raio
foi fulminado.
III
Bateu na porta e São Pedro atendeu. Apolinário disse que queria entrar e
ver Deus. “Mas não vai tirar a cueca no céu como teu amigo”, disse São Pedro.
Entrou. Lá viu as pessoas viradas em anjo, era cheio de flores e o céu, limpo.
“Pô, eu vim pro céu, que legal!” pensou Apolinário, lembrando-se de todas as
suas dúvidas e confusões. “Deus não é tão crítico assim, eu podia ter ido para o
inferno!” Aí Deus lhe perguntou: “o que você fez de tão falho, para que ocasionas-
se algo de tão confuso, sem tomar uma decisão correta?” Ele respondeu: “pen-
sei, Senhor, pensei demais!” “E por que não procurou um analista, se pensava
tanto?” Apolinário começou a rir. “Agora terminaram suas dúvidas: aqui no céu
os anjos não têm sexo!” disse Deus. “Relaxe e aproveite”.
Então Apolinário foi desfrutar as maravilhas do paraíso. Depois de três
dias, sentiu um tédio tremendo. Quis ir consultar os búzios, mas lá era proibido.
Apolinário ficou angustiado de novo e começou a atazanar todo mundo no céu.
Até que São Pedro disse: “Desce rápido e consulta os búzios, mas volta até
meia-noite! Senão as portas do céu se fecharão para sempre.”
Acordou no hospital. As pessoas em volta dele ficaram felizes ao vê-lo
reagir. “Tudo aquilo era um sonho”, pensou. Lembrou do prazo que São Pedro
lhe disse e correu pro terreiro.
Chegando ao terreiro, se assustou, porque os búzios diziam: “vai saber a
realidade”. Saiu de lá correndo. Sem saber o que os búzios lhe revelavam, ficou
com um dilema povoando seu pensamento. “Tive no céu, voltei pra terra, conver-
sei com Deus, fui no candomblé falar com o diabo: ninguém tem a resposta! O
problema tá comigo e eu é que tenho que saber das respostas. É um labirinto de
ideias e pensamentos e emoções descontroladas”.
107
Marieta Luce Rodrigues, Simone Moschen Rickes e Paulo Gleich
Sem saber mais o que fazer, resolveu colocar seus pensamentos no pa-
pel, para escrever sobre a vida dele, pra ver se era boa ou ruim. Tanto escreveu
que não viu o tempo passar. Quando se deu conta, era quase meia-noite. Escre-
ver ajudou a descobrir seu próprio caso: ele ia para o céu. Subiu, então, sendo
recebido de novo por São Pedro, e deixando a história por terminar.
Jussara, que tinha o dom da visão, encontrou a história escrita pelo pai,
que estava ao lado de seu corpo quando partiu dessa para outra, e foi para baixo
da sepultura. Jussara escreveu no computador as páginas suficientes para rela-
tar as experiências que o seu pai viveu, entre o céu e a terra, ocasionando em
um livro, que tornou-se um grande best-seller, com o qual as pessoas que anda-
vam sozinhas e com dúvidas se identificaram.
Jussara ficou sozinha. Apolinário, desse modo, ficou no céu e na terra
ao mesmo tempo, e suas dúvidas chegaram ao fim. Foi uma existência de
dúvidas.
Foi-se criando uma espécie de ritual, que acontece toda quarta-feira de manhã,
esteja quem estiver na sala. Toma-se um bom café, conversa-se um pouco
sobre a semana de cada um, faz-se a leitura dos textos escritos em casa (quan-
do há e quando seus escritores querem compartilhá-los), e depois pensa-se
num mote de escrita para aquele encontro.
Desde muito, algo nos intriga: a condição de pessoas tão díspares em
suas histórias, experiências e recursos simbólicos, conseguirem compartilhar
uma produção como a que aqui trazemos. Naqueles três encontros, alternando
presenças, estavam: os dois oficineiros, uma moradora do Hospital cega e anal-
fabeta; um poeta encaminhado à Oficina por um posto de saúde, cujos poemas
de amor platônico têm uma estrutura rigidamente repetida; um homem encami-
nhado pelo ambulatório do Hospital, que experimenta na Oficina dar forma escri-
ta aos pensamentos hipocondríacos que o perturbam; um cancioneiro capaz de
produzir rimas picantes, cuja diversão é incrustar na atmosfera da Oficina co-
mentários despudorados; uma moça cuja presença nos reenvia aos meandros
da primeira infância, território onde qualquer frustração é sempre um grande
obstáculo a transpor; uma anciã que, por sua trajetória recheada de histórias,
ocupa o lugar de “relíquia” do grupo e, por último, uma técnica em enfermagem
do Hospital, que procura a Oficina para exercitar e aprimorar sua escrita, à qual,
apesar da pouca escolaridade, sempre se dedicou com paixão. A esta damos a
alcunha de Ao-menos-um, lugar de dissimetria que permite nomear de forma
contundente aquele espaço como um lugar de escrita, deslocando para o fundo
os “nobres” objetivos terapêuticos. Esse era nosso time, essencialmente hete-
rogêneo, mas capaz de escrever uma única história que, em suas idas e vindas,
conta a trajetória de Apolinário, personagem atormentado pela interpelação se-
xual que experimenta um trânsito sem solução de continuidade entre a vida e a
morte.
Não nos é dado ainda estabelecer os operadores que permitem a um
encontro entre desiguais desta magnitude encerrar a condição do diálogo e da
produção coletiva. Lembramos, contudo, ao refletir sobre esse precioso aconte-
cimento, de uma tocante passagem do texto de Lacan, A agressividade em
psicanálise, no qual ele refere aquele que chega à análise como
“Agora suas dúvidas terminaram: aqui no céu os anjos não têm sexo”
Retornemos à sala de parto onde nasceu esse personagem, capaz de
dizer das angústias que, mesmo desdobradas de modos muito distintos, per-
tencem a cada um de nós. Naquela manhã de janeiro, tendo sido aceita a
ideia do escrito coletivo, escolheu-se um dos oficineiros como escrivão, e...
110
Uma história improvisada...
Silêncio. Que fazer? Ninguém se propunha a dar o primeiro passo rumo a esse
texto desconhecido, cuja existência até ali era apenas a decisão de fazê-lo.
Surgiu, então, o título: “Uma história improvisada”. Título que falava das
condições de criação daquele escrito, apenas delineando a contingência que
marcava seu nascimento. Após nova pausa, o cancioneiro, tantas vezes inspirador
na Oficina, lançou a primeira frase: “Ser um homem não é fácil”.
A isca lançada pelo cancioneiro funcionou: imediatamente, os demais
participantes puseram-se a falar. A frase que se seguiu, trazida por uma oficinante,
colocou em jogo a dificuldade de ser mulher. E assim foi nascendo o primeiro
parágrafo da história improvisada, que anunciava, já de saída, a intrincada ques-
tão da sexuação como um de seus motes.
A questão do sujeito em torno da posição sexuada está, conforme nos
lembra Lacan, no texto De uma questão preliminar a todo tratamento possível
da psicose, no cerne da experiência humana. Em suas palavras,
por um pequeno interdito que ele não descuida de transpor – as portas do céu
se fecham à meia-noite; depois disso São Pedro não o receberá mais. Interes-
sante que, ao contrário de Schreber, Apolinário parece entrar vivo no reino dos
mortos, e o que é mais surpreendente, sair também vivo desse lugar de onde
não se retorna.
Tomamos o rumo do desfecho da história. Apolinário:
REFERÊNCIAS
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Edição standard das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1969. v.VIII.
FREUD, Sigmund. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso
de paranoia [1911]. In: ______. Edição standard das obras completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. v.XII.
FREUD, Sigmund. A negativa [1925]. In: ______. Edição standard das obras comple-
tas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. v.XIX.
LACAN, Jacques. A agressividade em psicanálise [1948]. In: ______. Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.104-126.
LACAN, Jacques. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose
[1955-56]. In: ______. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p.537-590.
SCHREBER, Daniel. Memórias de um doente dos nervos [1903]. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1984.
Recebido em 21/09/2010
Aceito em 18/10/2010
Revisado por Deborah Nagel Pinho
114
Rev. Assoc. Psicanal. Porto Alegre, Porto Alegre, n. 38, p. 115-125, jan./jun. 2010
TEXTOS
BODERLINE:
NAS BORDAS DE QUÊ?1
Eduardo Mendes Ribeiro2
1
Trabalho apresentado nas Jornadas Clínicas da APPOA Estruturas Freudianas, realizadas em
Porto Alegre, outubro de 2009.
2
Psicanalista; Membro da APPOA; Doutor em Antropologia Social (UFRGS); Consultor do Minis-
tério da Saúde. E-mail: eduardomribeiro@uol.com.br
115
115
Eduardo Mendes Ribeiro
3
Costuma-se designar por “novas patologias” um conjunto de quadros clínicos que, mesmo não
sendo novos, têm ganhado visibilidade na sociedade contemporânea. Fazem parte desse con-
junto as toxicomanias, os distúrbios alimentares, as crises de ansiedade (muitas vezes chama-
das de “crise de pânico”), certas modalidades de estados depressivos, os diagnósticos psiqui-
átricos de bipolaridade e o déficit de atenção com hiperatividade, entre outros.
4
Devo essa indicação a Alfredo Jerusalinsky.
116
Boderline...
5
Assumindo este entendimento, em várias passagens deste texto foram utilizadas as designa-
ções “modalidades subjetivas”, “subjetividades” ou “estados subjetivos”, em detrimento da usu-
al “estruturas subjetivas”. O objetivo é buscar maior compreensão dos casos que não se
enquadram em nenhuma das estruturas predefinidas.
119
Eduardo Mendes Ribeiro
contrar um lugar a partir do qual possam manifestar seus desejos e seus proje-
tos. Alguns psicanalistas nomeiam esse fenômeno de “patologias do desejo”.
Essa sensação de não-lugar faz com que crianças e adultos tenham que
se manter em permanente movimentação, o que produz novos quadros
psicopatológicos, acompanhados de novas propostas terapêuticas, comporta-
mentais e medicamentosas. Estamos no terreno da hiperatividade, da instabili-
dade e da impulsividade, próprio dos quadros denominados borderline.
Muitas vezes, pacientes com essas características manifestam grande
temor de separação, de abandono, de desamparo, mantendo uma sequência de
relacionamentos intensos e instáveis, em que o objeto de seu amor, fortemente
investido, acaba por decepcioná-los, nunca retribuindo seu amor da forma espe-
rada. Essa situação se repete na relação analítica, com a produção de transfe-
rências massivas, exigentes e, não raro, conflitivas.
Também estamos no contexto em que se produzem muitas depressões,
na medida em que o sujeito não se percebe como tendo-sendo um valor para o
Outro, ou toxicomanias, quando se assume uma estratégia de prescindir do
Outro, na tentativa de controlar a oscilação entre falta e gozo, através da relação
com o objeto-droga.
São muitos os exemplos em que, contemporaneamente, torna-se prática
comum a desconsideração do Outro enquanto mediador das relações sociais:
respeitamos as leis de trânsito somente quando achamos conveniente ou ne-
cessário, pagamos apenas os impostos que não conseguimos sonegar, etc.
Ou, por outro lado, a ocorrência de fenômenos como a progressiva judicialização
das relações sociais, em que o confronto entre as autonomias de cada indivíduo
exige cada vez mais o arbítrio de um terceiro, que exerce seu poder a partir da
positividade de leis universais, objetivas e convencionais.
Entretanto, essa autonomia cobra seu preço, e algumas dessas “novas
patologias” e desses novos entendimentos do que seja a subjetividade borderline
parecem estar relacionados a essas novas modalidades de relações sociais,
em que a herança simbólica de cada um, além de nossa história comum, são
dificilmente reconhecidas e valorizadas. Poucos de nós gostariam do retorno
das antigas formas de imposição de autoridade e de assujeitamento das cons-
ciências e dos desejos, mas todos nos deparamos com o desafio de nos fazer-
mos sujeitos em um mundo diferente do de nossos pais. Trata-se da difícil tarefa
de conciliar o reconhecimento de uma herança simbólica e a necessária inven-
ção de novos modos de ser. É evidente que a sucessão das gerações sempre
se deparou com essa questão, mas, certamente, não com a radicalidade de
nossos tempos.
É provável que, em muitos casos, estejamos nos deparando com um
desafio inverso àquele enfrentado no início da psicanálise: em vez de procurar
124
Boderline...
ajudar o sujeito a libertar seu desejo das forças sociais de repressão, temos que
conduzi-lo em um processo através do qual ele consiga produzir uma inserção
social com referências simbólicas capazes de organizar seu campo de gozo.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 30/06/2009
Aceito em 05/08/2009
Revisado por Sandra D. Torossian
125