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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

CURSO DE BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL


INTRODUÇÃO À FILOSOFIA - FCH001

ALIENAÇÃO E O TRABALHO ESTRANHADO

DISCENTES: AMANDA REIS E ANA CAROLINA ASSIS


DOCENTE: VINÍCIUS DOS SANTOS

2018.1
ALIENAÇÃO E O TRABALHO ESTRANHADO

No século XIX, os interesses alemães eram focados na religião e na política,


tendo como resultado do idealismo alemão de Georg F. W. Hegel os neohegelianos
de direita, nos quais acreditavam que o movimento dialético evolutivo, dado por
Hegel, havia sido completado, e os neohegelianos de esquerda, que discordavam
dessa percepção, pois a Alemanha encontrava-se atrasada e estagnada econômica
e socialmente. Para Karl Marx, o problema desse atraso não estava na religião, e
sim no uso da mesma para o conformismo com a realidade da época, pois a religião
era utilizada como algo confortável e que não trazia a necessidade de uma mudança
de realidade.
Segundo Feuerbach, o Deus católico foi criado pelos homens e não o
contrário. Essa imagem divina criada por nós, enquanto humanidade, é o homem
ideal, o homem perfeito, que possui compaixão e perdoa apesar de qualquer erro.
Contudo, de acordo com Marx, apesar de criarmos essa imagem divina,
naturalizamos-a e perdemos o controle sobre ela, submetemo-nos como algo
imutável e distante de nós, de modo que não aparecemos como criadores, havendo
um ​estranhamento​ sobre relação do criador e da criação:

[...] o homem faz a religião, a religião não faz o homem. E a religião é de


fato a autoconsciência e o autossentimento do homem, que ou ainda não
conquistou a si mesmo ou já se perdeu novamente. [...] Esse Estado e essa
sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo,
porque eles são um mundo invertido. [...] A religião é o suspiro da criatura
oprimida, o ânimo de um mundo sem coração, assim como o espírito de
estados de coisas embrutecidos. Ela é o ópio do povo. (MARX, 2008, p.145)

Conforme dito por Marx, a consciência invertida do mundo é como a retina


dos nossos olhos, na qual mostra-nos a visão que tivemos sobre algo com uma
imagem correta, porém, de forma invertida inicialmente, para que depois possamos
enxergar como o mundo realmente é. Essa condição de estranhamento sobre algo
que nós mesmos criamos, como Deus e a religião, pode ser comparada com a
dominação do capital sobre os indivíduos em uma sociedade capitalista. Como
veremos logo mais, o capital virou sujeito e nós viramos objetos.
Para compreender a definição de alienação dada por Karl Marx em plena
Revolução Industrial, é preciso entender a influência do idealismo alemão,
desempenhado por Hegel no início do século XIX, nas teorias marxianas. Porém,
diferentemente do pensamento hegeliano, para Marx, uma crítica ou tese necessita
da realidade, pois para ele, ter somente uma consciência não é o suficiente. Nesse
sentido, a teoria só é testada na prática, onde a teoria da crítica deve ser criticada e
transformada, pois a sociedade transforma-se todo o tempo, logo, a teoria também
pode mudar e ser criticada.
Sendo Marx, em um primeiro momento, um autor neohegeliano de esquerda,
no qual contradiz a percepção de fim da história na modernidade dada por Hegel, ele
utiliza a dialética como método para a realidade, tendo ​Manuscritos Econômicos e
Filosóficos de 1844 como uma transição de jovem hegeliano para uma teoria
autônoma: o materialismo histórico.
Com esse rompimento, sua teoria enfoca o estudo das relações sociais
mediante a relação do desenvolvimento da história da humanidade e a acumulação
material, onde as mudanças ocorrem em detrimento dessa realidade material, ou
seja, do ​poder econômico​ em nossa sociedade capitalista.
Uma crítica importante que Marx faz, é sobre a separação da sociedade civil e
do Estado na teoria de Hegel. Para Hegel, a sociedade civil tem o domínio da
vontade particular com uma liberdade subjetiva, pois para ele, uma liberdade
ilimitada traria o caos; e o Estado tem o domínio da razão universal, com leis
universais e a sabedoria do que é melhor para todos. Em cima disso, Marx faz a sua
crítica afirmando que as contradições da sociedade não são resolvidas pelo Estado,
pois ele não é um conciliador dos antagonismos de classe, e sim, um conservador
dessas contradições, sendo um instrumento de dominação. O Estado aparece como
protetor do interesse de todos, porém para Marx, o Estado é burguês e protege o
interesse de poucos, havendo uma alienação, onde o interesse de poucos acaba
tornando-se o interesse de todos.
Assim como alienamo-nos sobre a religião, invertendo o que é produto nosso
e o que é objeto, ocorre a alienação também sobre outras criações nossas, como
por exemplo, o dinheiro e até mesmo o Estado, enquanto tratamos exteriorizações
nossas como algo não criado por nós. Os indivíduos criam o Estado, e apesar disso,
enxergam-o como abstrato, submetem-se a sua própria criação, como no caso do
imposto, que é imposto, no termo mais singular da palavra, sendo uma parcela do
próprio dinheiro que não pode ser mais utilizado, direcionado ao Estado, criado por
nós mesmos.
Essa visão do Estado cria uma oposição entre o público — cidadão, política,
Estado — e o privado — indivíduo burguês, economia, mercado —, sendo que o
dilema dos interesses privados interfere a esfera política devido ao Estado
representar somente uma parcela da sociedade, pois quanto mais dinheiro, mais
poder — inclusive político. Essa sociedade capitalista traz em seu âmago a
importância da propriedade privada e durante a reprodução do capital intensifica a
necessidade de possuir coisas em nossa sociedade.
Logo, para Marx, o Estado é um problema a ser superado, apesar de
legitimarmos como algo bom para nós. De acordo com o autor, é impossível separar
economia e Estado como coisas diferentes quando um interesse comum não existe
por conta do conflito da luta de classes. Como solução, Marx propõe a verdadeira
democracia, onde o Estado autônomo desaparece sendo verdadeiramente
democrática, entrando em harmonia com o indivíduo, agindo em benefício da maior
parte da população:

Já em 1843, por conseguinte, Marx forma uma convicção da qual jamais se


desfará, qual seja, a idéia de que a democracia não pode se realizar senão
em uma sociedade onde os homens não mais se alienam por meio de
mediações, sejam elas políticas, sejam econômicas. Isso implica reconhecer
que a democracia não pode se realizar verdadeiramente no Estado
moderno, tampouco na sociedade civil que a ele se contrapõe. No primeiro
livro de O capital, quando seu afastamento de Hegel não mais se questiona,
Marx volta a argumentar que as contradições não devem ser resolvidas por
meio de uma superação abstrata, como são as mediações, mas sim pela
dissolução dos termos opostos mediante a criação de uma forma nova, na
qual as contradições a um só tempo resolvem-se e reconciliam-se.
(POGREBINSCHI, 2007)
Porém, para que haja uma superação do Estado, é necessário o
reconhecimento dos indivíduos enquanto classe proletária, o que não ocorre devido
a alienação. Essa classe dominada pela relação de poder da burguesia acaba
​ essa condição de alienado, sendo esse um dos
defendendo a ​propriedade privada n
fundamentos que os mantém nessa conjuntura.
Segundo Karl Marx, a ​ideologia é um mecanismo de dominação de uma
classe social sobre a outra, sendo um sistema de crenças ilusórias que fazem com
que o indivíduo não perceba sua própria realidade. Para ele, essa alienação, ou
estranhamento, vem da esfera de produção e reprodução da vida material, no
domínio do trabalho. Marx acreditava que a alienação vinha do próprio indivíduo,
sendo assim, uma “autoalienação”, onde os próprios indivíduos criam as estruturas
da sociedade que oprimem-os. Podemos relacionar essa situação com a de um
pintor, por exemplo, quando termina o quadro ele se sente representado por aquela
arte, pois é uma obra dele, uma criação dele. Porém, diferentemente do pintor que
enxerga-se no seu produto, não vemos o Estado, a religião, ou qualquer outra
estrutura da sociedade como algo no qual nós mesmos criamos e que oprime-nos,
sendo o ​gênero humano​ o processador da sua própria alienação.
Nós, humanos, diferenciamo-nos do restante da natureza pois modificamos e
criamos um outro mundo, o mundo cultural, através do trabalho, onde o homem
modifica a natureza externa a ele de modo artificial e modifica sua própria natureza.
Com essas modificações, criamos necessidades, conforme a época, nas quais não
existiam anteriormente. Afinal, na sociedade capitalista nós produzimos mais do que
o necessário, com medidas e técnicas que nós mesmos criamos, pois tudo o que
produzimos é colocado à venda e vira mercadoria, inclusive nós, que não somos tão
valorizados quanto esses objetos. O foco é a perpetuação do capital e o ser humano
aparece como um mero acessório.
Para a natureza, somos o ​gênero humano​, independentemente da visão
criada pelos humanos na esfera cultural. Ele transforma a sociedade, que dá sentido
à vida produtiva. Com o avanço da humanidade, nós não nos afirmamos como
indivíduos, mas como gênero humano:
Precisamente por isso, na elaboração do mundo objetivo [é que] o homem
se confirma, em primeiro lugar efetivamente, como ser genérico. Esta
produção é a sua vida genérica operativa. Através dela a natureza aparece
como a sua obra e a sua efetividade (Wirklichkeit). O objeto do trabalho é
portanto a objetivação da vida genérica do homem: quando o homem se
duplica não apenas na consciência, intelectual[mente], mas operativa,
efetiva[mente], contemplando-se, por isso, a si mesmo num mundo criado
por ele. (MARX, 2010, p. 85)

Quando trabalhamos, confirmamos o genérico, pois somos dependentes do


coletivo e trabalhamos para esse coletivo. O outro apesar de ser lido como um
empecilho, é essencial a nós pois necessitamos do outro. Não somos seres
autossuficientes, há uma relação de cooperação, pois apesar de não
reconhecermo-nos no trabalho do outro, ele também é nosso. Usufruímos do
trabalho do outro, inclusive, para exercermos o nosso. Como por exemplo, no caso
de um taxista, no qual necessita do trabalho do frentista; de quem montou o carro;
de quem projetou-o e assim sucessivamente.
Porém, apesar das nossas relações serem coletivas, há uma relação de
competitividade, um estranhamento em relação ao outro, dando um caráter negativo,
pois somos obrigados a competir, não por esporte ou por ego, mas pela
sobrevivência no mundo capitalista — nossa própria criação, ou seja, o gênero
humano processa sua própria alienação.
Apesar de ser uma criação artificial, sendo externo a natureza, o sistema
capitalista e suas expressões aparecem como algo natural, além de estarmos
condicionados a vermos essa relação de trabalho como a única possível.
O trabalho é um processo do homem e da natureza, onde o homem modifica
a natureza externa a ele, modificando sua própria natureza. Para Hegel, o trabalho
determina a essência do homem, porém para Marx, essa visão enxerga somente um
lado do trabalho. Segundo Karl Marx, o trabalho contemporâneo é um produtor de
riquezas, sendo o trabalhador assalariado submetido às exigências da classe
dominante e amarrado ao capital, onde a mercadoria controla o ser humano e o
corpo do trabalhador vira objeto.
Ao contrário do exemplo do pintor citado acima, onde o sujeito enxerga-se no
objeto que produz, no trabalho alienado o criador não se reconhece na sua própria
criação. Nesse modo atual de produção, o trabalhador produz o objeto modificando a
natureza e exteriorizando a si, havendo um estranhamento por não reconhecer-se
nesse objeto que trará lucro para a burguesia, também alienada. Em ​Manuscritos
econômico-filosóficos​, Marx diz:

Com efeito, segundo este pressuposto está claro: quanto mais o trabalhador
se desgasta trabalhando (ausarbeitet), tanto mais poderoso se torna o
mundo objetivo, alheio (fremd) que ele cria diante si, tanto mais pobre se
torna ele mesmo, seu mundo interior, e tanto menos o trabalhador pertence
a si próprio. (MARX, 2008, p. 81)

Nossa sensibilidade está presa às coisas que possuem valor econômico e


são valorizadas por uma sociedade onde a riqueza socialmente produzida é
apropriada e concentrada:

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna
uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a
valorização do mundo das coisas (Sachenwelt) aumenta em proporção
direta a desvalorização do mundo dos homens (Menschenwelt). (MARX,
2008, p. 80)

A burguesia possui a intenção de pagar menos e que trabalhem mais, e o


proletariado deseja ganhar mais trabalhando menos, porém, como a classe
dominante é a que possui poder econômico, do seu produto, o trabalhador recebe
somente uma pequena parte, o salário. Para Marx, o salário é a compra da força de
trabalho do operário, e não o pagamento por um certo tempo de trabalho efetivando
uma troca justa. Sendo assim, a força de trabalho torna-se uma mercadoria
pertencente ao capitalista e não mais ao trabalhador. A alienação provoca essa
ilusão de que o ofertado no mercado é o trabalho e não a capacidade de realizar
aquele trabalho.
O trabalho não pode ser tornado mercadoria, pois é substância, é o material
para a produção e o tempo dedicado. Porém, o capitalista determina o salário antes
mesmo de comprar os materiais para que aquele indivíduo comece a produzir, pois é
uma quantia que vem do capital do próprio burguês. É visto dessa forma que a
venda não é do trabalho, é da força para trabalhar. Em sua obra Trabalho
Assalariado e Capital, Marx explica essa diferença:

Parece portanto que o capitalista compra trabalho deles com dinheiro. Estes
vendem-lhe o seu trabalho a troco de dinheiro. Mas só na aparência é que
isto se passa. Na realidade, o que os operários vendem ao capitalista em
troca de dinheiro é a sua força de trabalho. [...], portanto, o salário é apenas
um nome especial dado ao preço da força de trabalho, a que se costuma
chamar preço do trabalho; é apenas o nome dado ao preço dessa
mercadoria peculiar que só existe na carne e no sangue do homem. [...] O
capitalista compra, com uma parte da fortuna que tem, do seu capital, a
força de trabalho do tecelão, exactamente como comprou com outra parte
da sua fortuna a matéria-prima - o fio - e o instrumento de trabalho - o tear.
Depois de fazer estas compras, e entre as coisas compradas está a força de
trabalho necessária para a produção do pano, o capitalista produz agora só
com matérias-primas e instrumentos de trabalho que lhe pertencem.
(MARX, 1982, p. 8-10)

Todo esse processo consensual de venda da força de trabalho é causado


pela alienação existente na forma moderna de trabalho, no momento em que para
sobreviver, é necessário que o operário venda essa força tornando-a mercadoria.
Marx evidencia em vários setores da sociedade a existência da alienação, por isso
em sua teoria ele trata sobre as dimensões da alienação.
Para tratar sobre as dimensões, é necessário que voltemos a como essa
alienação aparece para Marx. Como o autor acredita que a alienação vinha do
próprio indivíduo, ela encontra-se presente nesse momento de exteriorização pela
forma moderna de estruturação baseada em mercado, já falado anteriormente.
Jesus Ranieri traz em sua obra, A c​âmara escura, uma discussão sobre
estranhamento e alienação. Já na introdução, ele escreve uma breve explicação
sobre esse processo de alienação/estranhamento para Marx, podendo assim
resumir o que já foi dito:

Por último, na tradição marxista, alienação (geralmente atribuída a


identidade entre Entausserung e Entfremdung) refere-se à não oportunidade
do homem de ter acesso aos produtos de sua atividade; ao fato de estes
produtos submeterem o próprio ser humano ao seu controle e a
impossibilidade de, em função destes obstáculos, os homens se
reconhecerem mutuamente como produtores da história. (RANIERI, 2001, p.
10)

​A alienação é descrita por Marx mediante quatro aspectos que melhor


explicam sobre essa teoria. A primeira dimensão é a alienação em relação aos
produtos do trabalho​, quando o trabalhador exterioriza a sua própria produção. Para
Marx, o que separa o homem do animal é o trabalho, a dominação da natureza a seu
serviço para além de exigências imediatas. Os animais também produzem, porém,
para causas urgentes e por instinto, o que torna-os limitados. Já o homem consegue
dominar a natureza não só para as duas necessidades, mas também como meio
para alcançar outros objetivos. É da natureza que vem os materiais necessários para
a produção, como por exemplo, a madeira da árvore para a criação de uma mesa.
Em ​Manuscritos,​ uma passagem de Marx retrata bem essa questão do objeto como
estranhamento:

Sim, o trabalho mesmo se torna um objeto, do qual o trabalhador só pode


ser apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias
interrupções. A apropriação do objeto tanto aparece como estranhamento
(Entfremdung) que, quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos
pode possuir e tanto mais fica sob o domínio do seu produto, do capital.
(MARX, 2008, p. 81)

Marx vê também que o trabalho exercido pelo homem é necessário para seu
entendimento como indivíduo, é essencial para ser humano. Em O Capital, existe
uma passagem que retrata essa relação do trabalho com a natureza:
Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso,
uma condição de existência do homem, independente de todas as formas
de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo
entre homem e natureza e, portanto, da vida humana. (MARX, 1985, p.50)

O trabalho é a interação do homem com a natureza, no entanto, não é a


forma que basta para a produção capitalista. A estrutura moderna de produção
focada em produtividade para gerar lucro torna necessária a existência de uma
divisão do trabalho, sem a necessidade de especialização do trabalhador em
determinada área ou serviço. Agora, ao invés do trabalhador produzir toda uma
mesa, por exemplo, produzirá apenas a perna da mesa, ou polirá somente a
madeira. Apenas uma função basta para que agilize-se a produção.
Essa divisão do trabalho faz com que seja perdido o sentido humanizado
existente na teoria de Marx, transformando o trabalho em um fardo. A realização que
deveria existir no processo de produção é perdida e a felicidade é vista somente no
momento em que nos livramos do trabalho, como nas férias, nas folgas e finais de
semana. A forma moderna de trabalho se resume em obrigação, um fardo que a
sociedade aguenta pela necessidade de sobreviver.
A sociedade capitalista está sempre atuando para uma eterna reprodução do
capital baseada em lucro, não se preocupando com as necessidades humanas. Isso
resume as relações sociais em relações baseadas em mercado, relações indiretas.
A nossa forma de se relacionar é determinante no modo como usamos os objetos
pois eles, em si, nada fazem. Para que essas relações e a ordem do capital se
mantenham, é necessária uma ordem da classe operária que sustenta essa forma
de sociedade. A alienação do trabalhador em relação a objetivação, a exteriorização
permite que continuemos a criar objetos, que por causa das nossas relações sociais,
nos oprime e nos controla:

A exteriorização (Entausserung) do trabalhador em seu produto tem o


significado não somente de que seu trabalho se torna um objeto, uma
existência externa (aussern), mas, bem além disso, [que se torna uma
existência] que existe fora dele (ausser ihm), independente dele e estranha
a ele, tornando-se uma potência (Macht) autônoma diante dele, que a vida
que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e estranha. (MARX, 2008,
p. 81)

Nesse primeiro momento, Marx trata sobre essa exteriorização dos produtos e
como o capital é um produto da força humana. Após essa utilização da força
humana e a produção do objeto, entramos na segunda dimensão, a ​alienação em
relação ao processo de trabalho,​ que retrata sobre o trabalhador não se reconhecer
nesse produto. “O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho
obrigatório. O trabalho não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente
um meio para satisfazer necessidades fora dele” (MARX, 2008, p. 83).
Como já retratado, Marx vê o trabalho como uma substância que torna-nos
humanos, seria o momento em que nos reconhecemos como indivíduos. Nessa
segunda dimensão, vemos que não é apenas o produto que se é estranhado pelo
trabalhador, o próprio processo parece-lhe como algo exterior que se impõe a ele.
No momento em que o capitalista compra a força de trabalho, ele se torna dono
daquele percurso até o objeto, impondo no ato de produção um caráter alienante,
opressivo.
Com isso, o trabalho que deveria humanizar, apenas explora. O trabalhador
torna-se apenas uma força, perdendo sua individualidade. O trabalhador tem a sua
força explorada, recebe uma quantia injusta em troca e necessita comprar o que ele
mesmo produziu. Essa força que é explorada transforma o trabalhador em apenas
um meio para a obtenção do objeto, que é o fim.

O auge desta servidão é que somente como trabalhador ele pode se manter
como sujeito físico e apenas como sujeito físico ele é trabalhador. [...] a
economia nacional oculta o estranhamento na essência do trabalho porque
não considera a relação imediata entre o trabalhador (o trabalho) e a
produção. Sem dúvida. O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas
produz privação para o trabalhador. [...], mas o estranhamento não se
mostra somente no resultado, mas também, e principalmente, no ato da
produção, dentro da própria atividade produtiva. (MARX, 2008 p. 82)

Pela alienação em relação às atividades produtivas, o indivíduo acaba na


terceira dimensão da alienação segundo Marx, chamada de ​alienação em relação ao
gênero humano​. Se expressa na segunda dimensão que o que difere o homem do
animal é o aproveitamento da natureza por meio do trabalho, com ferramentas
específicas, para suprir suas necessidades e para além delas. Porém, a terceira
dimensão traz que apenas separar as funções dos animais das funções humanas
como se o humano sempre saísse em vantagem não é a melhor forma.
A natureza é uma extensão do corpo do homem, um corpo inorgânico como
dito por Marx, porém, com o estranhamento essa relação é exteriorizada pelos
indivíduos. Com isso, se ultrapassa o uso da natureza e a mesma é vista apenas
como meio de produção, já que a sociedade está alienada ao ponto de não enxergar
que pertencemos a ela, agindo como se fôssemos seres à parte.

A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza enquanto


ela mesma não é o corpo humano. O homem vive da natureza significa: a
natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo
para não morrer. (MARX, 2008 p.84)

“A vida produtiva é, porém, a vida genérica. É a vida engendradora de vida.”


(MARX, 2008 p. 84). Nessa terceira dimensão, Marx fala sobre a existência de um
‘mundo invertido’, em que existe a inversão do que deveria ser o meio e do que
deveria ser o fim. A atividade vital, que deveria ser a produção, aparece somente
como um meio para que o indivíduo cumpra a sua carência. “A vida mesma aparece
só como meio de vida” (MARX, 2008 p.84). A humanidade existe no momento de
produção, na liberdade consciente no ato de produzir, mas é perdido no processo de
alienação.
O gênero humano não é algo como o instinto, ele é construído socialmente e
pode ser modificado. Se afirmar como indivíduo só acontece pela convivência em
sociedade, pois provoca a identificação de individualidades. Os resultados dessa
alienação são citados por Marx em ​Manuscritos​:

A consciência que o homem tem do seu gênero se transforma, portanto,


mediante o estranhamento, de forma que a vida genérica se torna para ele
um meio. O trabalho estranhado faz, por conseguinte: 3) do ser genérico do
homem, tanto da natureza quanto da faculdade genérica espiritual dele, um
ser estranho a ele, um meio da sua existência individual. Estranha do
homem o seu próprio corpo, assim como a natureza fora dele, tal como a
sua essência espiritual, a sua essência humana. (MARX, 2008, p. 85)

Uma consequência dessa alienação em relação ao gênero humano é a


alienação em relação aos indivíduos. O homem, além de ter uma relação de
estranhamento com seu próprio ser genérico, tem com indivíduos da sua espécie. As
relações sociais existentes em uma sociedade de mercado provocam nos indivíduos
uma competitividade e uma visão sobre o outro sempre como um inimigo, um
adversário.
Em geral, a questão de que o homem está estranhado do seu ser genérico
quer dizer que um homem está estranhado do outro, assim como cada um
deles [está estranhado] da essência humana. (MARX, 2008, p. 86)

O estranhamento existente nessa dimensão encontra-se na falta de controle


desse mundo objetivo, a sociedade de mercado. Construímos esse mundo pela
forma de trabalho e não temos acesso a ele, pois a riqueza que foi produzida se
encontra concentrada nas mãos de poucos. Além de não existir um controle sobre
essa sociedade de mercado, existe um controle da mesma sobre a vida dos
indivíduos.
Em sua análise da sociedade capitalista, Marx consegue exprimir a alienação
em diversos setores, modificando inclusive a visão de como vivemos e como
submetemo-nos a opressão de um sistema. Com isso, sua teoria é composta por
fatos baseados na história da humanidade com o objetivo de alcançar uma
sociedade verdadeiramente democrática, no caso, comunista. Ao conquistar essa
forma de sociedade, o capitalismo seria superado, assim como a teoria marxista,
sendo esse um vislumbre de Marx. O autor tem como finalidade o desmantelamento
do capitalismo, que declara o momento de transformação social, ou melhor, o
momento de revolução.
REFERÊNCIAS

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Editorial, 2004.

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<https://divagacoesligeiras.blogs.sapo.pt/308923.html>. Acesso em: 9 jul. 2018

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<https://filosofiaecoisasdavida.blogspot.com/2012/05/o-conceito-central-dateoria-mar
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MARX, Karl. ​Crítica da filosofia do direito de Hegel, 1843. ​Tradução de Rubens


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