Embora todos esses aspectos sejam relevantes, o segundo item - o que e como
ensinar - chama particularmente nossa atenção. Neves registra as áreas do programa
de Língua Portuguesa mais trabalhadas pelos professores. Para detectar o que de fato
eles avaliavam comó importante a ser ensinado, foi pedido aos professores que
elaborassem exercícios comumente aplicados em sala de aula. O Quadro 1 (extraído'
de Neves, 1990: 14) mostra a preferência dos professores.
Quadro 1
Resultado da pesquisa de Neves (1990).
2. sintaxe 35,85 %
3. morfologia 10,93 %
4. semântica 3,37 %
5. acentuação 2,41 %
6. silabação 2,25 %
7. texto 1,44 %
8. redação 1,44 %
Quadro 2
Definições encontradas em gramáticas e iivros didáticos.
Verbo É a palavra que pode sofrer as flexões de tempo, pessoa, número e modo (critério
morfolóvicò). [...] é a palavra que pode ser conjugada; indica essencialmente um
desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno) (critério semântico).
Artigo É a palavra que antecede o substantivo (critério fimcional) e indica o seu gênero e
número (critério morfológico), individuaiizando-o ou generalizando-o
{critério semântico).
Preposição É n palavra invariável (critério morfolóçico) que liga duas outras palavras, entre si
{critério fimcional), estabelecendo entre elas certas relações {critério semântico).
Conjunção É a palavra invariável (critério morfolóçico) que liga orações, ou, ainda, termos de
uma mesma função sintática {critério fimcional).
Quadro 3
Proposta de classificação de vocábulos de Câmara Jr. (1970).
nome substantivo
adjetivo
advérbio
verbo —
pronome nome
adjetivo
advérbio
<*•
Funcional (função ou papel na oração) Mórfico (caracterização da Semântico (modo de significação: extralingüístico e
Critério estrutura da palavra) intralingüístico)
ubstantivo Palavra que funciona como núcleo de Palavra formada por morfema Palavra que designa os seres ou objetos reais ou
uma expressão ou como termo determinado. lexical (base de significação) e imaginários.
morfemas gramaticais.
Palavra que funciona como especificador do Palavra formada por morfema Palavra que especifica e caracteriza seres animados ou
núcleo de uma expressão (ao qual atribui um lexical (base de significação) inanimados, reais ou imaginários, atribuindo-lhes
djetivo estado ou qualidade). e morfemas gramaticais. estados ou qualidades.
ronome Palavra que substitui o núcleo ou funciona como Palavra formada unicamente Palavra que serve para designar as pessoas ou coisas,
termo determinante do núcleo de uma expressão. por morfema gramatical. indicando-as (não nomeia as pessoas ou coisas nem as
qualidades, ações, estados, quantidades etc). Pronomes:
pessoais, possessivos, demonstrativos, indefinidos,
interrogativos e relativos.
itigo Palavra que funciona como termo determinante Palavra formada unicamente por Palavra que define ou indefine o substantivo a que se
do núcleo de uma expressão. morfema gramatical (palavra refere (definido, indefinido).
variável em gênero e número).
íumeral Palavra que funciona como especificador do Palavra formada unicamente por Palavra que indica a quantidade dos seres, sua ordenação
núcleo de uma expressão ou como substituto morfema gramatical. ou proporção (cardinal, ordinal, múltiplo, fracionário,
desse mesmo núcleo (numeral: substantivo, coletivo).
adjetivo).
êrbo Palavra que funciona como núcleo de Palavra formada por morfema Palavra que indica um processo (ações, estados, passagem
uma expressão ou como termo determinado. lexical (base de significação) e de um estado a outro).Processo verbal => fenômeno em
morfemas gramaticais. desenvolvimento, com indicação temporal.
dvérbio Palavra que funciona basicamente como Advérbios formados por morfema Palavra que especifica a significação de
determinante de um processo verbal. lexical mais morfema gramatical. um processo verbal.
Advérbios formados apenas por
morfema gramatical.
'.onectivos Palavra gramatical que funciona como elemento Palavra formada apenas por Palavra que relaciona palavras e orações,
?reposição de ligação (conexão) entre palavras ou orações. morfema gramatical. e indica origem, posse, finalidade, meio, causa etc.
conjunção) Divisão dos conectivos: preposições e conjunções.
Classes de palavras 179
A leitura desse quadro deixa evidente que é possível definir cada classe com
base nos três critérios de classificação. O quadro não apresenta definição para
interjeição, embora esta seja considerada uma das classes de palavras pela Nomenclatura
Gramatical Brasileira. Cunha e Cintra (1985) excluem a interjeição, chamada por
eles de “vocábulo-frase”, de qualquer classificação, como palavra variável ou invariável.2
As análises comparativas entre gramáticas e entre livros didáticos atuais deixam
claro que o aspecto semântico tem destaque nos conceitos atribuídos a cada classe; no
entanto, constatamos que há propostas de classificação de palavras que levam em
consideração os três critérios. Merece atenção a proposta de D’Ávila (1997: 50-3),
em Gramática da língua portuguesa: uso e abuso. Depois de considerar a relação entre
forma e sentido para iniciar a classificação das palavras, a autora acrescenta a função
da palavra na frase, define em linguagem simples e clara cada uma das classes e
apresenta um quadro-resumo com os três critérios: forma, sentido e função.
Quadro 5
Quadro-resumo da proposta de Suzana cT Ávila (1997).
Sentido Forma
Variáveis Invariáveis
í como núcleo
V-t acompanha X X X X
substantivo
acompanha X
verbo
liga palavras X X
e frases
Embora haja distinção entre os conceitos de classe e função, fica evidente que,
para definir uma classe de palavras, é preciso usar critérios funcionais, ou seja, é
preciso definir qual o papel do vocábulo na unidade sintagmática em que ele ocorre.
Do ponto de vista funcional, as classes podem ser diferenciadas de acordo com
características sintáticas. O nome substantivo funciona como núcleo do sintagma
nominal, e pode ser acompanhado por determinantes e modificadores. O verbo
funciona como núcleo do sintagma verbal, admitindo complementos e modificadores.
180 EnsiRO.de gramática
Notas
1 Recentemente, tivemos oportunidade de confirmar tal situação em atividades desenvolvidas no Projeto de Reorientação
Curricular da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro em parceria com a UFRJ, em cursos para professores
de escolas da rede públida do estado do Rio de Janeiro, sob a coordenação da professora Maria Cristina Rigoni.
2 No documento “Uniformização e Simplificação da Nomenclatura Gramatical Brasileira”, a comissão formada por Antenor
Nascentes, Clóvis do Rego Monteiro, Cândido Jucá (Filho),"Celso Ferreira da Cunha, Carlos Henrique da Rocha Lima
e os assessores Antônio José Chediak, Serafim da Silva Neto e Sílvio Edmundo Elia ressalta como objetivo a recomendação
do Sr. Ministro de Estado da Educação e Cultura de “uma terminologia simples, adequada e uniforme".
3 Cunha & Cintra (1985), na Nova gramática do português contemporâneo, np capítulo dedicado à interjeição, afirmam
que interjeição é uma espécie de grito pelo qual traduzimos de modo vivo nossas emoções. Os autores justificam o
182 Ensino de gramática
fato de terem excluído a interjeição entre as classes de palavras com a seguinte observação: “Com efeito, traduzindo
sentimentos súbitos e espontâneos, são as interjeições gritos instintivos, equivalendo a frases emocionais”.
■* Essa divisão, que norteou o estudo das classes de palavras realizado pelas professoras Maria Cristina Rigoní Costa,
Maria da Aparecida Meireles de Pinilla e Maria Thereza Indiani de Oliveira, pode ser consultado no site http://
www.pead.letras.ufrj.br.
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Classes de palavras 183