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Essas guerras civis constantes e prolongadas fizeram de Constantino, antes de mais nada, um
reformador militar, que, para aumentar o número de tropas à sua disposição imediata, constituiu o
cortejo militar do imperador (comitatus) num corpo de tropas de elite autossuficiente - um verdadeiro
exército de campanha — principalmente pelo recrutamento de grande número de germanos que se
apresentavam ao exército romano nos termos de diversos tratados de paz, a começar pelo rei alamano
Croco II, que teve um papel decisivo na aclamação de Constantino como Augusto.[20]
Religião
O facto de Constantino ser um imperador de legitimidade duvidosa foi algo que sempre influiu nas suas
preocupações religiosas e ideológicas: enquanto esteve diretamente ligado a Maximiano, ele
apresentou-se como o protegido de Hércules, deus que havia sido apresentado como padroeiro de
Maximiano na primeira tetrarquia. Ao romper com o seu sogro e após o ter eliminado, Constantino
passou a colocar-se sob a proteção da divindade padroeira dos imperadores-soldados do século
anterior, Deus Sol Invicto, ao mesmo tempo que fez circular uma ficção genealógica (um panegírico da
época. Para disfarçar a óbvia invenção, dizia, dirigindo-se retoricamente ao próprio Constantino, que se
tratava dum facto "ignorado pela multidão, mas perfeitamente conhecido pelos que te amam") pela
qual ele seria o descendente do imperador Cláudio II — ou
Cláudio Gótico — conhecido pelas suas grandes vitórias
militares, por haver restabelecido a disciplina no exército
romano, e por ter estimulado o culto ao Sol.[21]
No entanto, é certo que Constantino era atraído, enquanto homem de Estado, pela religiosidade e pelas
práticas piedosas — ainda que se tratasse da piedade ritual do paganismo: o senado, ao erguer em
honra a Constantino o seu arco do triunfo, o Arco de Constantino, fez inscrever sobre este que sua
vitória se devia à "inspiração da divindade"(instinctu divinitatis mentis), o que certamente ia ao
encontro das ideias do próprio imperador. Até um período muito tardio do seu reinado, no entanto,
Constantino não abandonou claramente a sua adoração com relação ao deus imperial Sol, que manteve
como símbolo principal nas suas moedas até 315.
Qualquer que tenha sido a fé individual de Constantino, o facto é que ele educou os seus filhos no
cristianismo, associou a sua dinastia a esta religião, e deu-lhe uma presença institucional no Estado
romano (a partir de Constantino, o tribunal do bispo local, a episcopalis audientia, podia ser escolhida
pelas partes de um processo como tribunal arbitral em lugar do tribunal da cidade[25]). E quanto às
suas profissões de fé pública, num édito do início de seu reinado, em que garantia liberdade religiosa,
ele tratava os pagãos com desdém, declarando que lhes era concedido celebrar "os ritos de uma velha
superstição".[26]
Esta clara associação da casa imperial ao cristianismo criou uma situação equívoca, já que o
cristianismo se tornou a religião "pessoal" dos imperadores, que, no entanto, ainda deveriam regular o
exercício do paganismo — o que, para um cristão, significava transigir com a idolatria. O paganismo
retinha ainda grande força política — especialmente entre as elites educadas do Ocidente do império —
situação que só seria resolvida por um imperador posterior, Graciano, que renunciaria ao cargo de
pontífice máximo em 379 — sendo assassinado quatro anos depois por um usurpador, Magno Máximo.
Somente após a eliminação de Máximo e de outro usurpador pagão, Flávio Eugénio, por Teodósio I é
que o cristianismo tornar-se-ia a única religião legal (395).
O imperador romano Constantino influenciou em grande parte na inclusão na igreja cristã de dogmas
baseados em tradições. Uma das mais conhecidas foi o Édito de Constantino, promulgado em 321, que
determinou oficialmente o domingo como dia de repouso, com exceção dos lavradores — medida
tomada por Constantino utilizando-se da sua prerrogativa de, como Pontífice máximo, de fixar o
calendário das festas religiosas, dos dias fastos e nefastos (o trabalho sendo proibido durante estes
últimos).[27] Note-se que o domingo foi escolhido como dia de repouso, em função da tradição sabática
judaico-cristã, o nome original em latim Dominicus, significa "dia do Senhor".
Quando Licínio expulsou os funcionários cristãos da sua corte, Constantino encontrou um pretexto
para enfrentar o seu colega e, tendo negada permissão para entrar no Império do Oriente durante uma
campanha contra os sármatas, fez disto a razão para derrotar e eliminar Licínio em 324, tornando-se
imperador único.
Apesar da Igreja ter prosperado sob o auspício de Constantino, ela própria caiu no primeiro de muitos
cismas públicos. Constantino, após ter unificado o mundo romano, convocou o Primeiro Concílio de
Niceia, um grande centro urbano da parte oriental do império, em 325, um ano depois da queda de
Licínio, a fim de unificar a Igreja cristã, pois com as divergências desta, o seu trono poderia estar
ameaçado pela falta de unidade espiritual entre os romanos. Duas questões principais foram discutidas
em Niceia (atual İznik): a questão da Heresia Ariana que dizia que Cristo não era divino, mas o mais
perfeito das criaturas, e também a data da Páscoa, pois até então não havia um consenso sobre isto.
Constantino só foi batizado e cristianizado no final da vida. Ironicamente, Constantino poderá ter
favorecido o lado perdedor da questão ariana, uma vez que ele foi batizado por um bispo ariano,
Eusébio de Nicomédia (que não deve ser confundido com o biógrafo do imperador, Eusébio de
Cesareia). A inclinação que Constantino e seu filho e sucessor na condição de augusto único,
Constâncio II, demonstraram pelo arianismo, é bastante explicável, na medida em que ambos tentaram
apresentar a figura do imperador como um análogo do Cristo ariano: uma emanação divina, reflexo
terreno do Verbo.[31] A tempestuosa relação de Constantino com a Igreja da época dá conta dos limites
da sua atuação no estabelecimento da Ortodoxia: pouco antes de sua morte, em 335, ele mandou exilar,
na capital imperial de Augusta dos Tréveros (Tréveris, o patriarca de Alexandria Atanásio, campeão da
ortodoxia, por suas violentas atitudes antiarianas, e apesar do facto de que Atanásio continuou a ser
perseguido pelos sucessores de Constantino, o abertamente ariano Constâncio II e o pagão Juliano, o
Apóstata, foi a sua visão teológica que acabou por prevalecer.
Fundação de Constantinopla
Para resolver definitivamente o problema logístico da distância entre a capital e as principais frentes
militares da época, sem recorrer ao expediente de uma residência imperial "interina", Constantino
reconstruiu a antiga cidade grega de Bizâncio, que dedicou em 11 de maio de 330 chamando-a de Nova
Roma, dotando-a de um senado e instituições cívicas (catorze regiões, um fórum, distribuições de trigo,
um prefeito urbano) semelhantes aos da antiga Roma. Tratava-se, no entanto, de uma cidade
puramente cristã, dominada pela Igreja dos Santos Apóstolos, junto à qual se encontrava o mausoléu
onde Constantino seria sepultado.[35] Os templos pagãos de Bizâncio foram nela preservados, mas
neles foram proibidos os sacrifícios e o culto das imagens dos deuses.[36] Após a morte de Constantino,
Bizâncio foi renomeada Constantinopla, tendo-se gradualmente tornado a capital permanente do
império. A fundação de Constantinopla foi complementada pelo tratado (foedus) realizado entre
Constantino e seus descendentes com os godos, que, a partir de 332, passaram a defender a fronteira do
Danúbio e fornecer homens ao exército romano, em troca de abastecimentos.[37] A mudança da capital
imperial enfraqueceu a influência do papado de Roma e fortaleceu a influência do bispo de
Constantinopla sobre o Oriente, um dos eventos notáveis que provocariam futuramente o Grande
Cisma do Oriente.
Sucessão
Um ano depois do Primeiro Concílio de Niceia, em (326), portanto, durante uma viagem solene a Roma
para a comemoração dos seus vinte anos de reinado, Constantino mandou matar o seu próprio filho e
sucessor designado Crispo, um general competente que provavelmente foi suspeito de intrigar para
derrubar o pai. Pouco depois, sufocaria a sua segunda mulher Fausta num banho sobreaquecido,
provavelmente por suspeitar que ela tivesse intrigado contra o seu enteado Crispo. Mandou também
estrangular o cunhado Licínio, que se havia rendido em troca da vida e chicotear até à morte o seu filho
(e sobrinho do próprio Constantino). Foi sucedido pelos seus três filhos com Fausta: Constantino II,
Constante I e Constâncio II, os quais dividiram entre si a administração do império até que, depois de
uma série de lutas confusas, Constâncio II emergiu como augusto único.
Morte
Na Páscoa de 337 Constantino havia percebido que a sua morte chegaria em breve. Dessa forma
chamou Eusébio de Nicomédia e pediu-lhe os sacramentos.[38] Morreu em Ancirona, nos subúrbios de
Nicomédia (atual cidade turca de Izmit), ao sul do Mar de Mármara.[39]
Apreciações póstumas
Constantino foi uma figura controversa já na sua época: o último imperador pagão, seu sobrinho
Juliano, dizia que ele era atraído pelo dinheiro e que buscou acima de tudo, enriquecer-se e aos seus
partidários[40] — traço este (de saber enriquecer os seus amigos) que também foi reconhecido pelo
historiador Eutrópio e pelo próprio Eusébio de Cesareia.[41] O historiador pagão Zósimo criticou
severamente as suas reformas militares.[42] Mas como primeiro imperador «cristão», Constantino foi
reverenciado durante toda a Idade Média, seja pela cristandade oriental, que o tinha como fundador do
Império Bizantino — e a Igreja Ortodoxa acabou por canonizá-lo — seja pela ocidental, que, sem lhe
atribuir o status de santo, considerava haver ele criado os Estados Papais, territórios doados ao Papa
pela chamada Doação de Constantino. Só com o Iluminismo o seu legado começou a ser pesadamente
criticado, e o historiador inglês Edward Gibbon, no seu livro clássico sobre a "A História do Declínio e
Queda do Império Romano" caracteriza-o como um general romano de velha cepa a quem o poder
absoluto (e, por extensão, o cristianismo) havia convertido num déspota oriental.[43] Com a
secularização da sociedade moderna, a apreciação de Constantino em função exclusivamente das suas
reformas religiosas perdeu acuidade - e ele passou a ser analisado em termos da sua própria época,
como um dos fundadores, juntamente com Diocleciano, do Baixo-Império (ou Dominato), do qual ele
estabeleceu as estruturas políticas e sociais básicas.[35]
Ver também
Cristianização
Édito de Constantino
História do Cristianismo
Impacto do cristianismo na civilização
Paz na Igreja
Perseguição aos cristãos
Notas
[a] ^
Constantino já era casado com Minervina e afastou-se dela para poder
casar-se com Fausta.
Referências
21. Christol e Nony, op.cit., pg.236
1. John H. Rosser (2012). Historical Dictionary of
Byzantium (http://books.google.com/books?id 22. Christol e Nony, op.cit., pg.237
=AYpqikYr3Q8C&pg=PA512). Scarecrow 23. Carrié & Roussele, op.cit., pgs.254/255
Press. p. 512. ISBN 978-0-8108-7567-8. 24. Cf. Paul Veyne, Quand notre monde est
2. A data de nascimento varia mas a maior parte devenu chrétien, Paris, Albin Michel, 2007,
dos historiadores modernos usam circa 272. pgs.111/114
Lenski, "Reign of Constantine" (CC), 59. 25. Brown, Peter. Power and Persuasion in Late
3. Barnes, Constantine and Eusebius, 272. Antiquity, Madison, The University of
4. Bleckmann, "Sources for the History of Wisconsin Press, 1992, pg. 100
Constantine" (CC), 14; Cameron, 90–91; 26. Código Teodosiano, 9.16.2, citado por Peter
Lenski, "Introduction" (CC), 2–3. Brown, Rise of Christendom 2a.
5. Bleckmann, "Sources for the History of edição,Oxford, Blackwell Publishing, 2003, pg.
Constantine" (CC), 23–25; Cameron, 90–91; 74
Southern, 169. 27. Carrié & Rousselle, op.cit., pg.258
6. Cameron, 90; Southern, 169. 28. Ramsey MacMullen, Le Declin de Rome et la
7. Bleckmann, "Sources for the History of Corruption du Pouvoir, Paris, Les Belles
Constantine" (CC), 14; Corcoran, Empire of Lettres,1991, pg.308
the Tetrarchs, 1; Lenski, "Introduction" (CC), 29. Arther Ferrill, A Queda do Império Romano,
2–3. Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editor, 1989,
8. Barnes, Constantine and Eusebius, 265–68. pg.43
9. Drake, "What Eusebius Knew," 21. 30. Edward N. Luttwak, The Grand Strategy of the
Roman Empire, Baltimore, The Johns Hopkins
10. Eusebius, Vita Constantini 1.11; Odahl, 3. University Press,1979, pgs.178/179
11. Lenski, "Introduction" (CC), 5; Storch, 145–55. 31. Christol & Nony, op.cit., pg.259
12. Barnes, Constantine and Eusebius, 265–71; 32. Christol & Nony, op.cit., pg.247
Cameron, 90–92; Cameron and Hall, 4–6;
Elliott, "Eusebian Frauds in the "Vita 33. Carrié & Roussele, op.cit., pgs.659/660 e 658
Constantini"", 162–71. 34. Brown, Peter. op.cit., pg. 19
13. Lieu and Montserrat, 39; Odahl, 3. 35. Christol & Nony, op.cit., pg.240
14. Bleckmann, "Sources for the History of 36. Carrié & Roussele, op.cit., pg.257
Constantine" (CC), 26; Lieu and Montserrat, 37. Christol e Nony, op.cit., pg.267
40; Odahl, 3. 38. MONTANELLI, Indro. História de Roma. 2ª
15. Lieu and Montserrat, 40; Odahl, 3. ed. Trad. Luís de Moura Barbosa. São Paulo:
16. Cf. Jean-Michel Carrié & Aline Roussele, Imbrasa, 1966, pág. 325.
L'Empire romain en mutation: des Sévéres à 39. http://operamundi.uol.com.br/conteudo/historia/2
Constantin, 192-337, Paris Seuil,1999, ISBN +morre+o+imperador+constantino+i+a+tempo+d
2.02.025819.6, pgs.219/220 Página acedida em 23 de dezembro de 2015.
17. Cf. Carrié & Roussele, ibid., pg.220 40. Long, Jacqueline. "Julian Augustus' Julius
18. Carrié & Roussele, ibid., pg.743 Caesar", IN Maria Wyke, ed., Julius Caesar in
19. Carrié & Roussele, ibid., pgs. 221/222 e 744; Western Culture, Blackwell, Malden,
M. Christol & D. Nony, Rome et son Empire, MA,2006, pg.76
Paris, Hachette, 2003,pg.236 41. Apud Paul Veyne, Le Pain et le Cirque, Paris,
20. M. Christol & D. Nony, ibid.,pgs.235/236 Seuil, 1976, pg.760, nota263
42. Luttwak, Edward. op.cit., pg.188 43. Gibbon, Decline and Fall of the Roman
Empire, Chicago, Encyclopaedia Britannica,
1952, V.1, pg.256
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