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Maria Jacqueline Nogueira Lima

Profissão e
Formação Docente
Sumário
CAPÍTULO 2 – Concepções Teóricas, Aspectos Legais e Perfil Profissional..............................05

Introdução.....................................................................................................................05

2.1 Concepções teóricas da Pedagogia.............................................................................05

2.1.1 Teorias da Pedagogia: apontamentos conceituais.................................................05

2.1.2 Vygotsky e Piaget: alguns elementos de suas teorias.............................................11

2.2 Aspectos legais.........................................................................................................13

2.2.1 Regulamentação da Pedagogia no Brasil.............................................................13

2.3 Perfil profissional.......................................................................................................16

2.3.1 Perfil do profissional de Pedagogia e demandas da profissão docente....................16

Síntese...........................................................................................................................20

Referências Bibliográficas.................................................................................................21

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Capítulo 2
Concepções Teóricas, Aspectos
Legais e Perfil Profissional

Introdução
Neste estudo, o objetivo é fazer com que você compreenda o perfil do profissional da educação
a partir dos aspectos legais que recortam a profissão no Brasil, as concepções teóricas aborda-
das para sua formação e o perfil profissional que se delineia diante desse quadro de referências.
Você já parou para pensar que os experimentos que utiliza na prática docente são frutos dessas
concepções teóricas, muitas da psicologia, aplicadas à pedagogia?

Os tópicos deste estudo foram desenhados de maneira bem objetiva, contemplando os aspectos
elencados acima. Portanto, no primeiro, você verá as principais concepções teóricas que nor-
teiam a formação do profissional em Pedagogia. Essas concepções teóricas servem a quê? São
concepções que ensinam a ensinar ou dão o suporte necessário para tanto? Ao longo do texto,
você descobrirá o sentido dessas concepções para o seu desempenho profissional. No segundo
tópico, conhecerá os aspectos legais que recobrem o exercício da profissão no Brasil. Você já
se perguntou qual a importância de conhecer esses aspectos e o quanto isso pode influenciar
suas escolhas profissionais? E, no terceiro, entenderá a questão do perfil profissional enquanto
elemento fundamental ao desempenho docente, assim como identificará como o perfil do pro-
fissional formado em Pedagogia pode ser determinante do modo como lida com a diversidade e
as diferenças na atualidade. Será que você está se preparando adequadamente para o enfrenta-
mento das diferenças no contexto escolar?

2.1 Concepções teóricas da Pedagogia


Neste tópico, você estudará as principais concepções teóricas da Pedagogia, com suas carac-
terísticas e autores mais relevantes, como Piaget, Vygotsky e Skinner na história dessa ciência
da educação. Nesse contexto, entenderá em que medida essas teorias se aplicam na prática ao
trabalho docente. Você está preparado para esse desafio? Como a psicologia enquanto teoria
norteadora pode ajudar no trabalho docente? Estas são algumas das questões propostas neste
tópico. Como a psicologia, então, ajuda a fomentar o processo de consolidação do processo de
ensino e aprendizagem no contexto brasileiro? A partir deste tópico, você entenderá como essas
formulações são importantes para o processo de consolidação da Pedagogia no Brasil, desde o
século XX até os dias atuais, e seus impactos na educação enquanto processo.

2.1.1 Teorias da Pedagogia: apontamentos conceituais


No que concerne às principais correntes teóricas da Pedagogia, podemos localizá-las no século
XX da história do Brasil em concepções que são consideradas, por autores como Fengler e Sie-
denberg, aquelas que mais influenciam a formação não só do pedagogo, mas de todos os que
procuram a complementação de estudos nas licenciaturas no país. Essas teorias são aquelas a
que os cursos de graduação têm dado ênfase na formação de professores de pedagogia e de-
mais cursos de licenciatura devido ao fato de fornecerem os elementos constitutivos mais básicos
conforme as necessidades de formação do docente.

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Profissão e Formação Docente

De acordo com Fengler e Siedenberg (2010, p. 2), as concepções teóricas que normalmente em-
basam a formação docente podem ser pensadas ou divididas, segundo os autores com os quais
trabalha a pedagogia, em: tradicional, comportamentalista, humanista e cognitivista, conforme
você verá a seguir.

Teoria tradicional: baseia-se no fato de que o homem seria um ser passivo, para quem o co-
nhecimento deve ser repassado sem muitas considerações ou preocupações a respeito da sua
individualidade enquanto sujeito. Nesse sentido, o professor apenas tem a obrigação de passar
a esse aluno o conhecimento julgado necessário. Além disso,

Nesta abordagem, dá-se ênfase a modelos, em todos os campos do saber. Privilegiam-


se o especialista, os modelos e o professor, como elemento imprescindível na transmissão
do conhecimento. Este tipo de ensino valoriza o que é externo ao aluno: o programa, as
disciplinas, o professor, cabendo ao aluno apenas executar prescrições que lhe são fixadas. O
adulto é considerado como um ser ‘acabado’, pronto; e a criança é um ‘adulto em miniatura’,
que precisa ser atualizado. O ensino é centrado no professor. O professor será ‘bom’ se ele
conseguir que o aluno obtenha o conhecimento, independentemente da vontade e do interesse
dele (FENGLER; SIEDENBERG, 2010, p. 2).

Nessa corrente teórica, portanto, importa a fixação dos conteúdos pelo aluno daquilo que o
professor determina. Sua formação acontece na base de decorar e conseguir reproduzir o que
decorou como prova do seu aprendizado. Quando o aluno consegue fazê-lo e o professor com-
prova isso por meio dos modelos de provas e testes, este último pode aprovar o aluno porque sua
formação, com base na reprodução dos conteúdos, foi considerada adequada àquela série/ano.
Do contrário, o aluno é reprovado. Essa corrente teórica ainda vigora em algumas instituições,
mas a questão da repetência como maneira de fomentar o aprendizado “correto” tem sido dis-
cutida no Brasil pelo menos desde a década de 1990, porque se chegou a algumas conclusões
sobre esse modelo. Essas conclusões abordam desde a crítica ao modelo como reprodutor de
conteúdos que dão ao aluno status de simples receptor sem necessidade de criar percepção críti-
ca nesse aluno, até o fato de que a repetência em si não geraria ao aluno um ganho substantivo
em termos de aprendizado se a metodologia de ensino, que obriga a apreensão de conteúdo,
continua a mesma e provavelmente é a responsável pelo não aprendizado desse aluno.

A questão da repetência tem sido colocada em xeque desde que municípios e estados da federa-
ção passaram a adotar modelos em que esta não seria mais usada sob a argumentação de que a
repetência não gera o conhecimento que o aluno não apreendeu, pelo contrário, pode produzir
no aluno a rejeição pelos estudos. Em Belo Horizonte (MG), a prefeitura vem implementando
um modelo denominado Escola Plural, que enfatiza o processo de ensino e aprendizagem que
considera os sujeitos e suas diferenças nesse processo, buscando inserir tais sujeitos no cotidiano
escolar de modo a não utilizar metodologias que não dão resultados pertinentes ao desenvolvi-
mento desse aluno na escola, como a metodologia da repetência. No modelo da Escola Plural,
a repetência foi eliminada e foram definidos novos parâmetros para o desenvolvimento do pro-
cesso de ensino e aprendizagem.

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Para saber mais sobre a Escola Plural, leia o artigo da Professora Glaura Vasques de
Miranda, intitulado Escola Plural, publicado em 2007 na revista Estudos Avançados da
USP. Uma das principais premissas da concepção da Escola Plural, segundo Miranda,
era o entendimento de que “o novo desafio era promover uma ruptura com a antiga
lógica de organização da escola que todos considerávamos elitista e construir um novo
ordenamento escolar, capaz de produzir uma escola pública de qualidade.” (MIRANDA,
2007, p. 62).

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Figura 1 – Quadro negro como referência da educação de cunho mais tradicional.
Fonte: Shutterstock, 2015.

Nas palavras de Fengler e Siedenberg (2010, p. 2),

A educação é considerada como um ‘produto’, porque os modelos a serem alcançados já


estão pré-estabelecidos, onde o professor já traz os conteúdos prontos. Por isso não há ênfase
no processo. Os alunos são ‘instruídos’ pelo professor e se limitam a escutá-lo passivamente.
A reprodução dos conteúdos é feita pelo aluno, de forma automática e sem variações e torna-
se um indicador de que este aluno aprendeu, ou seja, o produto está seguro! As diferenças
individuais são ignoradas. De uma maneira geral, é um ensino que se caracteriza por se
preocupar mais com a variedade e quantidade de noções, conceitos, informações do que com
a formação do pensamento reflexivo.

Teoria comportamentalista: percepção teórica cuja concepção primeira foi dada por Skinner
e tem denominação de behaviorismo. Tem como característica a crença de que o homem é fruto
ou consequência de sua interação com o meio ambiente em que vive, considerando os meios
aos quais é exposto, ou os estímulos diante dos quais é colocado. Conforme o próprio Skinner
explica, a formulação teórica dessas interações tem como pressuposto três questões:

Uma formulação das interações entre um organismo e o seu meio ambiente para ser adequada,
deve sempre especificar três coisas: (1) a ocasião na qual ocorreu a resposta, (2) a própria
resposta e (3) as consequências reforçadoras. As relações entre elas constituem as ‘contingências
de reforço’. (SKINNER, 1980, p.180).

Como você pôde perceber, o behaviorismo dá forte ênfase ao contato com o meio ambiente
como elemento definidor da ação do indivíduo. Dessa forma, a ação pode ser antecipada, de
forma indutiva. A indução baseia-se no fato de que o conhecimento a ser transmitido é fruto da
experiência ou é o resultado dela. Portanto, para transmitir o conhecimento, as experiências são
planejadas de forma que sua indução é “natural”. Ou seja, o indivíduo será levado, pelas cir-
cunstâncias que lhe são propostas, a uma série de respostas a suas indagações. No caso deum
contexto escolar, por exemplo, as alternativas já estarão colocadas aos alunos antes mesmo
da ação deles. Suas opções são de fato definidas anteriormente. Skinner nomeia parte dessa
metodologia baseada na indução de contingências de reforço, isto é, a escola deve agir confor-
me sejam necessárias suas intervenções, planejadas no sentido de reforçar um comportamento
existente considerado adequado ou no sentido de refazer um comportamento ou caminho que
o indivíduo deve seguir baseado nos preceitos que a teoria impõe, ou o reforço do desejável no
comportamento dos indivíduos.

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NÓS QUEREMOS SABER!


O behaviorismo, termo oriundo do inglês behavior, que significa comportamento, con-
sidera que a conduta do indivíduo é pautada por um processo de aprendizado que
implica a técnica da indução. O indivíduo é motivado por inúmeras razões a aprender
que a Matemática é uma ciência exata porque 2 mais 2 são 4. Essa concepção defi-
nitiva, cuja base está em causa e efeito, é o fundamento do behaviorismo, porque a
teoria induz o comportamento do indivíduo diante do ambiente e das coisas com as
quais interage. Seu maior idealizador, Skinner, fez diversos experimentos com indivíduos
e animais nesse sentido, para provar sua teoria de que a ação pode ser induzida con-
forme os elementos que se apresentem ao indivíduo. A explicação e o reforço posterior
fazem o necessário para que esse indivíduo aja conforme o esperado. No contexto
escolar, o processo de ensino e aprendizagem é elaborado como no exemplo dado da
Matemática: as coisas são como são tendo em vista uma explicação convincente, e o
reforço faz com que o indivíduo “aceite” a explicação. Conforme a teoria explicitada
pelo próprio Skinner (1978) nos indica, é a contingência do reforço que faz com que o
indivíduo aja de uma maneira que pode ser prevista.

Figura 2 – Representação da teoria behaviorista de Skinner: a explica-


ção e o reforço indicam o caminho “certo” a seguir.
Fonte: Shutterstock, 2015.

Em âmbito escolar, isso se resolve de forma que a escola seria uma instância de controle diante
da qual comportamentos considerados adequados são reforçados ou modelados. Conforme
você observou anteriormente, a metodologia behaviorista de Skinner (1980) pode ser utilizada
por qualquer professor, desde que defina previamente o que deseja, e que o resultado final pre-
tendido possa ser desenhado desde o início. Ou ação e reação, conforme os condicionantes que
o educador coloca no processo de ensino e aprendizagem.

Nessa concepção teórica, a avaliação funciona tanto como mecanismo de controle inicial do
processo de ensino e aprendizagem, para produção das contingências de reforço, quanto como
um elemento que indica como anda o processo e onde se deve reforçar algum conteúdo para
que o aluno consiga acompanhar a evolução do aprendizado. Na abordagem behaviorista, as-

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sim como na abordagem tradicional, a ênfase recai sobre o resultado, mas de modo diferente.
Enquanto na abordagem tradicional o processo se dá a partir da acumulação de conhecimentos
que ocorre de forma quase automática, na abordagem behaviorista o resultado ocorre em fun-
ção do planejamento anterior. Em outras palavras, os resultados esperados diante das contin-
gências de reforço aplicadas. Nessa abordagem, o foco está no indivíduo no sentido de que o
professor faz a observação dos comportamentos considerados desejáveis após o reforço.

Teoria humanista: preconiza que a ênfase está no eu. O indivíduo é quem conta a partir de
suas percepções sobre as experiências pelas quais passa. Ele determina, de certo modo, a ma-
neira com a qual irá empreender seu aprendizado da realidade assim como ela se lhe apresenta.
Portanto, sua “interpretação” da realidade se dá de maneira mais autônoma se comparada essa
abordagem teórica às anteriores. Nessa perspectiva, o professor teria então que exercer um
papel de “facilitador” para que o aluno desenvolva seu potencial sem que passe por nenhum
processo de ensino e aprendizagem que possa determinar sua experiência posterior. A autoava-
liação é incentivada como maneira de fazer o sujeito/aluno entender que seu conhecimento e
a avaliação dele dependem principalmente do seu próprio esforço e de sua responsabilidade e
autonomia. Essa abordagem privilegia a interação entre os envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem, de acordo com Fengler e Siedenberg, enfatizando o subjetivo, a autorrealização
como uma característica do ser humano que não cessa de aprender e reformular conteúdos
apreendidos.

Teorias cognitivistas: os principais teóricos são Vygotsky e Piaget. A ênfase recai sobre a
interação sujeito/objeto, ou seja, a capacidade do indivíduo em processar e armazenar informa-
ções/conhecimento. A abordagem da concepção cognitivista dos autores difere porque ambos
retratam um ser humano a partir de determinadas premissas conforme veremos.

Figura 3– Armazenar informações e conhecimento: premissa da aborda-


gem cognitivista. Exemplo: era da informação e comunicação.
Fonte: Shutterstock, 2015.

Para Piaget, a criança tem seu desenvolvimento dividido em fases as quais denomina: sensório-
-motor, que indica o florescer da curiosidade no início da vida, a exploração dos sentidos como
o tato, o olfato e a fala; pré-operatório, fase em que desenvolve atividades como o desenho;
operações concretas, em que começa a elaborar o pensamento crítico; operações formais, fase
em que a criança começa a lidar com abstrações e pensamentos ou elaborações acerca do futu-
ro. Essas fases acontecem em idades distintas, quais sejam, respectivamente: 0 a 2 anos; 2 a 7
anos; 7 a 11 ou 12 anos e 12 anos em diante.

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Para Piaget, defensor dessa corrente teórica, a escola deveria fazer o papel de estimuladora do
conhecimento, começando a estimular a criança no princípio da observação e não mediante a
linguagem, o que considerava uma causa do fracasso da educação formal por não dar ao aluno
a possibilidade de explorar, baseado na colaboração com o professor e os colegas, aprendendo
por meio do seu esforço e da sua investigação, elementos que se encontram presentes na criança
visto que a curiosidade é sua companheira constante nos primeiros anos de vida. A escola de-
veria, então, instrumentalizar essa curiosidade a serviço do conhecimento, por meio do estímulo
adequado ao desenvolvimento das potencialidades do aluno. Somente assim, utilizando o pro-
cesso de ensino baseado no acerto e no erro, na pesquisa ou na investigação, a aprendizagem
colabora para “polir” ou instigar a inteligência mediante o estímulo à conquista dos objetivos
de aprendizagem pelo aluno, dando como principal objetivo o esforço da conquista em vez de
somente a aprendizagem em si. Nesse sentido, portanto, o aspecto cognitivo é enfatizado.

Para Vygotsky, os signos, de ordem psicológica, e os instrumentos são os mediadores da ação


humana. Os indivíduos agem a partir de processos cognitivos que consideram os signos como o
ato de planejar, imaginar ou ter intenções, no sentido de que os indivíduos se relacionam a partir
de elementos que são determinantes dessas relações. Isso quer dizer que os signos fazem o papel
do elemento de ligação. Funcionam como mecanismos de desenho da ação antes ou depois da
sua execução, em relação ao outro. Podem ser marcas externas e, a partir destas, evoluem para
um processo de internalização. Em outras palavras, após certa ação e sua repetição, os indiví-
duos terão elementos ou informações acerca dessa ação que os levarão a construir certo padrão
em relação a ela. Esse padrão constitui a internalização. Já os instrumentos, que são os objetos
que ligam o indivíduo ao seu trabalho, por exemplo, são os intermediários que tornam possível
ampliar as possibilidades de transformar a natureza.

Enquanto para Piaget os indivíduos passam por fases de desenvolvimento, para Vygotsky o pen-
samento e a linguagem seriam os elementos de um processo de desenvolvimento se comparado
a Piaget. No entanto, a linguagem para Vygotsky exerce o papel de sistema simbólico básico do
ser humano, que funciona como elo ou comunicação entre os indivíduos. No que concerne ao
pensamento, Vygotsky salienta que tem função generalizante na medida em que a denominação
de um objeto, permitindo sua identificação, coloca-se como meio para compreensão do que seja
por meio de comparação e possibilita agrupamentos de significantes em grupos distintos que
permitem aos indivíduos identificá-los adequadamente, utilizando parâmetros de comparação e
outros elementos para tanto. Uma bola de futebol, por exemplo, faz parte de um conjunto inani-
mado de círculos ou figuras geométricas em forma de círculo, uma interpretação que é básica e
coerente com o aprendizado básico de crianças a adultos que identificam facilmente tal objeto.

Para Vygotsky, a linguagem e o pensamento humanos teriam raízes sociais e não estariam pré-
-formados nas estruturas cognitivas dos indivíduos. Pelo contrário, seriam formados a partir do
momento em que o indivíduo tivesse os elementos, de ordem social, que lhe permitissem comple-
mentar seu desenvolvimento do pensamento e da linguagem.

Da união entre pensamento e linguagem surge o significado. No significado se unem as


duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio cultural e o pensamento generalizante.
O significado permite a mediação simbólica entre o indivíduo o seu grupo social e também
a atribuição de conceitos, que são generalizações. Os significados não são imutáveis, mas
vão evoluindo no decorrer da história. Também vão se transformando no desenvolvimento da
criança e na intervenção da escola. (FENGLER; SIEDENBERG, 2010, p.7).

A base sociocultural a partir da qual Piaget define sua teoria é distinta da base genética sobre
a qual Piaget constrói sua teoria do desenvolvimento humano com as fases, descritas anterior-
mente, relacionadas ao desenvolvimento cognitivo humano. Do ponto de vista cognitivo, para
Vygotsky, tanto o desenvolvimento humano quanto o aprendizado são elementos importantes.
Esses elementos são tratados por esse autor não como princípios a partir dos quais acontece a
formação cognitiva, mas como elementos que podem iniciar essa base do desenvolvimento cog-
nitivo a partir da experiência humana. Como isso acontece? A partir do que denomina zona de
desenvolvimento proximal. A zona de desenvolvimento proximal

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[...] é a distância entre o desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução
independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da
solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes (VYGOTSKY, 2011 p.97).

Para Vygotsky, a escola tem papel fundamental em perceber o desenvolvimento proximal em uma
criança e conduzir seu processo de ensino e aprendizagem diante dessa constatação. A escola
deve, então, estimular o processo de construir e reconstruir aprendizagens para as crianças, que
refazem muitos sentidos por meio da imitação do adulto. Nesse sentido, também Vygotsky dá
ênfase à necessidade de se prestar atenção nas brincadeiras infantis, pois é a partir delas que
ocorrem as reelaborações em busca do real sentido das coisas.

VOCÊ O CONHECE?
Lev Vygotsky (1896-1934) foi um psicólogo bielo-russo. Suas teorias sobre o desenvol-
vimento e a aprendizagem como fenômenos da interação social são até hoje difundidas
nos cursos de Pedagogia pelo Brasil, assim como é aplicada sua metodologia de refe-
rência em muitas escolas no intuito de entender o processo de aprendizagem pela qual
alunos distintos passam. Saiba mais sobreo autor na biografia publicada no prefácio
da obra Pensamento e linguagem, editado em formato digital em 2001. Disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/vigo.html.>.

2.1.2 Vygotsky e Piaget: alguns elementos de suas teorias


Vygotsky e Piaget são autores a partir dos quais boa parte da pesquisa e atuação em Pedagogia
tem se pautado nas últimas décadas no Brasil. Ambos os autores têm influência na metodologia
aplicada em muitas escolas de educação básica no sentido de uma teoria sócio-histórica em
Vygotsky e de uma teoria da psicogenética em Piaget. Nessa primeira aproximação entre as
teorias, o que se percebe é que o interacionismo entre indivíduos e meio ambiente é elemento
comum a ambos os autores por meio da abordagem teórica que defendem, apesar das diferen-
ças entre ambas as correntes teóricas.

Figura 4 – Interação social de crianças no ambiente escolar desenvolvendo o processo de ensino e aprendizagem.
Fonte: Shutterstock, 2015.

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Conforme se pode notar, embora Piaget não tenha elaborado uma teoria com a finalidade explí-
cita de atender a demandas da Pedagogia, a teoria que dissemina, entre outros, o processo de
desenvolvimento do indivíduo desde a infância à idade adulta dadas as condicionantes de ordem
ambiental, por exemplo, serviu como um modelo que ainda se encontra em muitas escolas pri-
vadas pelo Brasil. A importância dada a essa teoria entre educadores indica que suas conclusões
conduzem os docentes a entenderem o construtivismo como um movimento possível e eficaz na
condução da escolarização básica. Sua teoria, portanto, teve seu campo “ampliado” ao servir
aos pedagogos, sendo, dessa forma, comprovadas suas conclusões, haja vista o sucesso obtido
no país.

Evidentemente outras correntes teóricas da psicologia tiveram sucesso entre pedagogos, já que
foram implementadas escolas com base em tais abordagens, mas o alcance da teoria de Piaget
na Pedagogia é reconhecidamente bem mais expressivo que outras correntes teóricas.

NÃO DEIXE DE VER...


O filme Escola da Vida (Schooloflife, EUA, 2005) retrata a história de um professor
recém-chegado a uma escola, com propostas inovadoras no processo de ensino e
aprendizagem. Esse filme dá uma ideia do quanto teorias científicas podem contribuir
para a melhoria da educação. A obra tem direção de William Dear e pode ser assistida
em:<http://megafilmeshd.net/escola-da-vida/>.

A teoria de Vygotsky, em certo sentido, pode ser comparada à de Piaget no que concerne à sua
aplicação, porque é uma teoria da psicologia que contém em si elementos de fácil verificação
empírica por parte de docentes e pesquisadores da educação.

Não por acaso faculdades renomadas como a Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Minas Gerais, entre outras, assumia para as licenciaturas, até o final da década de 1990
pelo menos, as teorias de Piaget e Vygotsky como conteúdos fundamentais das disciplinas de
teoria e prática não só da Pedagogia, mas de todas as licenciaturas. Esse processo de formação
com ênfase nesses autores dá uma dimensão da importância de suas teorias para a Pedagogia
brasileira.

Como relacionar tais conteúdos em uma perspectiva prática? A Pedagogia pode atuar a partir
das concepções de Piaget, bem como das de Vygotsky, de maneira a produzir na criança em pro-
cesso de socialização o entendimento de mundo que lhe permita relacionar-se ou interagir com o
meio e o outro a partir dos instrumentos que tais teorias e a metodologia resultante delas possam
disponibilizar. Desse modo, a abordagem de Vygotsky foi usada para tentar diminuir a repetência
e evasão a partir de métodos inspirados por ela, visto que, para esse autor, desenvolvimento e
aprendizagem andariam juntos.

Em que pese o fato de, para Vygotsky, a teoria de Piaget não ser adequada porque não consi-
dera a aprendizagem como elemento complementar ao desenvolvimento, mas o contrário, este
último teria que se efetivar para posteriormente a aprendizagem ser desenvolvida na criança.
Ora, os dois autores, embora em posições distintas, têm uma contribuição fundamental para o
entendimento do contexto relacional no desenvolvimento. A grande divergência das teorias se
assentaria, por assim dizer, na maneira como cada autor vê a questão da aprendizagem, em
que momento ela deve “aparecer” ou mesmo o porquê de não ser ela um elemento próximo ou
companheiro do desenvolvimento na visão de Vygotsky, por exemplo, com relação a Piaget.

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A intenção deste tópico foi começar a dar a entender como Vygotsky e Piaget, cada qual a seu
modo, contribuíram e ainda contribuem para que a Pedagogia se inspire em modelos teóricos
como os deles para conseguir vencer os constantes e contínuos desafios do processo de ensino
e aprendizagem. Como teorias, têm suas limitações de parte a parte, mas a contribuição para
a metodologia do ensino que ambas dão não deixa dúvidas sobre a importância de se buscar o
melhor método para atender às demandas de seu público-alvo: o aluno. As teorias aqui serviram
de base para que os estudos nesse sentido prossigam de forma a solidificar o conhecimento que
posteriormente pode servir de base para auxiliar o profissional na sua atuação.

NÃO DEIXE DE LER...


Em Aprendizagem e desenvolvimento na idade escolar, texto de Vygotsky publicado no
livro Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem, o autor explicita sua teoria sobre o
processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança. Trata-se de uma importante
fonte de consultas para docentes e teve sua11ª edição publicada pela Editora Ícone,
de São Paulo, em 2010.

2.2 Aspectos legais


Neste tópico, você conhecerá os aspectos legais do exercício da profissão de pedagogo no Bra-
sil. Nesse percurso, abordamos a regulamentação inicial do curso de Pedagogia na década de
1930 e posteriores reformulações nesse sentido, bem como a relação destes com a formação
do profissional docente ao longo do período de tempo abordado. Você percebe a importância
de conhecer um pouco mais sobre a regulamentação legal da profissão de pedagogo no Brasil?
Qual o impacto dessa regulamentação sobre o processo de ensino e aprendizagem? Como os
profissionais devem se comportar diante desse processo após uma regulamentação que define
quem pode ser professor das séries iniciais e da educação infantil no país? Estas são algumas
das questões que o profissional da educação não pode deixar de entender e pontuar no exercício
cotidiano da docência.

2.2.1 Regulamentação da Pedagogia no Brasil


O curso de Pedagogia surgiu legalmente no Brasil quando se organizou a Faculdade Nacional
de Filosofia e foi regulamentado a partir do Decreto-lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939. A partir
daquele momento, estava instituído o curso de Pedagogia no país com o desenho inicial de 3+1,
conforme se observa ainda hoje, com algumas modificações, na maior parte das faculdades de
educação do país.

Após o decreto, o curso de Pedagogia foi estruturado em três anos ou séries, com as seguintes
disciplinas: Complementos de Matemática; História da Filosofia; Sociologia; Fundamentos Bioló-
gicos da Educação; Psicologia Educacional; Estatística Educacional; História da Educação; Ad-
ministração Escolar; Educação Comparada e Filosofia da Educação. Quanto à didática, a parte
destinada a essa finalidade no curso contemplava as disciplinas de Didática Geral, Didática
Especial (para obtenção do diploma de bacharel no último ano era necessário cursar essas duas
didáticas, além das demais disciplinas regulares do curso); Psicologia Educacional; Administra-
ção Escolar; Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da Educação.

Além da regulamentação do curso, o decreto também previa que, a partir de 1943, somente
seriam admitidos aos cargos de técnicos em educação do Ministério da Educação profissionais
com curso superior de Pedagogia na modalidade bacharelado. Além disso, somente seriam ad-

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mitidos a partir dessa data os professores licenciados, ou seja, que cursaram um ano de Didática,
concebido como curso ordinário como os demais, que eram em três anos em nível de bachare-
lado. Para a complementação, ou licenciatura, era então necessário mais um ano do curso de
Didática com as disciplinas referidas anteriormente.

Posteriormente, com o Parecer do Conselho Federal de Educação (CFE) de número 251 publica-
do em 1962, os cursos de Pedagogia e os demais cursos de bacharelado e licenciatura da Fa-
culdade Nacional de Educação tiveram uma definição mais clara do que o proposto inicialmente
pelo Decreto nº 1.190 de 1939.

Conforme o Parecer CFE nº 251/62, a controvérsia em torno da formação do pedagogo como


formação sem conteúdo próprio, além de amparar no mesmo curso os técnicos de nível superior
que deveriam atender às demandas do MEC, foi resolvida do seguinte modo: a licenciatura,
conforme estabelecido para todos os cursos de licenciatura da faculdade, deveria ser cursada em
período de 4 anos de forma concomitante ao bacharelado. Para este último, o currículo mínimo
foi fixado em 7 disciplinas, cinco obrigatórias e 2 optativas. As disciplinas obrigatórias seriam:
Psicologia da Educação; Sociologia (Geral e da Educação); História da Educação; Filosofia
da Educação e Administração Escolar. Já as disciplinas optativas seriam: Biologia; História da
Filosofia; Estatística; Métodos e Técnicas de Pesquisa Pedagógica; Cultura Brasileira; Educação
Comparada; Higiene Escolar; Currículos e Programas; Técnicas Audiovisuais de Educação; Teo-
ria e Prática da Escola Média e Introdução à Orientação Educacional.

Além do apontado, não há no Parecer nº 251/62 referência ao campo de trabalho do profissio-


nal/bacharel em educação. Diante disso, os estudantes pleitearam modificações nesse sentido
no currículo escolar.

O Parecer CFE nº 252 de 1969 veio ao encontro desses pedidos de reformulação, ao deixar
claro os currículos mínimos, formação e áreas de atuação profissional dos pedagogos.

Antes disso, portarias do MEC foram determinantes das cadeiras que os pedagogos podiam as-
sumir no ensino médio. A Portaria MEC nº 478 de 1954 dava ao pedagogo, além das disciplinas
da Educação, a possibilidade de lecionar nas disciplinas de Filosofia, História Geral do Brasil e
Matemática. Já a Portaria MEC nº 341 de 1965 estendeu aos licenciados, de 1966 a 1968, a
possibilidade de lecionar as disciplinas de Psicologia, Sociologia ou Estudos Sociais (embora na
condição de terem cursado tais disciplinas em, no mínimo, 160 horas/aula, e duas disciplinas de
currículo de Estudos Sociais também em 160 horas/aula). Os licenciados a partir de 1969 não
poderiam mais lecionar as disciplinas de Filosofia, Matemática e História.

Quanto ao Parecer CFE nº 252 de 1969, fixou o currículo mínimo dos cursos de Pedagogia,
estabelecendo divisões no interior deste com relação às escolhas dos profissionais: os profissio-
nais que pretendiam seguir carreira docente e os profissionais que pretendiam seguir a carreira
administrativa nas escolas e no próprio MEC. Desse modo, os currículos foram organizados
dentro dos seguintes parâmetros: o curso de pedagogia passou a ser composto por duas partes
distintas: uma parte comum, de disciplinas básicas da formação do profissional da área, e uma
parte específica, com disciplinas destinadas à formação para as distintas funções do pedagogo:
docente ou profissional administrativo. As disciplinas da parte comum eram as Sociologias (geral
e da educação), a Filosofia, a História e a Psicologia da Educação e a Didática. Já na parte
diversificada, estavam previstas disciplinas destinadas aos docentes e disciplinas destinadas aos
demais profissionais da educação nas atividades de Orientação, Administração, Supervisão e
Inspeção Escolar.

Nesse sentido, as habilitações do pedagogo e as respectivas matérias assim como os estágios


obrigatórios foram delineados para serem cursados conforme as expectativas profissionais pos-
teriores dos alunos ou suas afinidades eletivas no curso de pedagogia. Assim, um aluno que
desejasse lecionar para o ensino fundamental nos anos iniciais ou na educação infantil, como
conhecemos a denominação na atualidade, teria que, no mínimo, cursar as disciplinas de Es-

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trutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Metodologia do Ensino de 1º Grau, Prática de
Ensino na escola de 1º Grau, entre outras, até complementar a quantidade de horas/aula do
curso completo. Isso não impedia a obtenção de mais de uma habilitação.

NÃO DEIXE DE LER...


Com relação às especificidades do currículo dos cursos de Pedagogia e suas habilita-
ções conforme o Parecer CFE nº 252 de 1969 e outros posteriores, convém consultar
na íntegra esta publicação, bastante esclarecedora referente ao tema: O curso de Pe-
dagogia no Brasil: história e identidade, de Carmem Silvia Bissoli da Silva (2ª edição
revista e ampliada. Campinas: Autores Associados, 2003).

O próximo elemento definidor de modificações do status da profissão do pedagogo no Brasil,


em que pesem as discussões até o início dos anos 2000 e ainda até o presente, é a Lei de Di-
retrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que
estabelecia as diretrizes da educação e fomentava as discussões sobre o contexto e conteúdo
da formação do pedagogo no Brasil. Essas são questões que não cessam de deixar apreensivos
os profissionais da educação: afinal, até quando poderão atuar do mesmo modo com a mesma
legislação regendo a profissão? O quanto essa legislação é danosa ou benéfica aos profissionais
da área? O que acontece para que as licenciaturas em geral formem menos professores do que
o necessário conforme as estatísticas do Censo da Educação Superior disponibilizadas pelo Inep
(http://www.inep.gov.br)?

Essas são indagações que persistem ao lado de muitas outras mais, na incerteza da profissão
docente no Brasil. Nesse sentido, convém retomarmos algumas discussões referentes à formação
profissional a partir da visão do aluno que ingressa no curso de Pedagogia nas diversas faculda-
des, institutos federais de educação e universidades públicas e privadas no país. Uma das mais
profícuas questões diz respeito ao perfil do profissional da educação que se forma no contexto do
Brasil atual. Aliado a isto, temos, na própria LDB em seu artigo 62, a seguinte definição:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso
de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação,
admitida, como formação mínima para o exercício do magistério, a oferecida em nível médio,
na modalidade Normal. (BRASIL, 1996, p.22).

Portanto, neste tópico, você pôde conhecer o percurso da legislação com relação à formação do
profissional da educação no Brasil desde o início da regulamentação dos cursos de Pedagogia
até o presente, com maior ênfase à fase inicial de implementação dos currículos dos cursos de
Pedagogia desde o início do século XX até a década de 1960 desse século. O entendimento nes-
se percurso é de que a regulamentação do curso de pedagogia teve suas principais formulações
até o Parecer CFE nº 252/69.

A LDB de 1996 veio inserir algumas modificações substantivas, mas não chegou a produzir um
impacto maior senão no que concerne à obrigatoriedade de que os docentes, desde a educação
infantil, terão sua formação preferencialmente em nível superior para que a educação no país dê
um salto qualitativo. Os planos de governo desde a década de 1990 são bastante ambiciosos,
no entanto, ainda há muito a ser feito, principalmente no que concerne à formação de docentes
com habilitação e vontade suficientes para aplicar na prática preceitos que possam contribuir de
maneira definitiva para dirimir desigualdades de quaisquer tipos, como as de gênero e de cor/
raça, por exemplo, que são mais visíveis e estão nos dados estatísticos divulgados por órgãos
como o IBGE ano a ano.

15
Profissão e Formação Docente

Nesse sentido, Nóvoa (2009) nos indica um caminho possível para a formação e percepção do
profissional quando fala da responsabilidade do professor, indicando que habilitação e vontade
são fruto de experiências dentro e fora da universidade, que devem ser utilizadas para fomentar
o processo de ensino e aprendizagem. Ou seja: saber conduzir alguém para a outra margem, o
conhecimento, não está ao alcance de todos. No ensino, as dimensões profissionais cruzam-se
sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais (NÓVOA, 2009, p. 11-12).

2.3 Perfil profissional


O perfil profissional significa, antes de tudo, o desejável para o profissional egresso dos cursos de
graduação em Pedagogia no Brasil. Nesse sentido, o objetivo deste tópico é tentar problematizar
a questão da formação para a cidadania, para ajudar a dirimir desigualdades, a uma atuação
profissional pautada pelo empenho em mudar a cultura de uma sociedade em busca de melhores
condições a todos de forma mais igualitária.

2.3.1 Perfil do profissional de Pedagogia e demandas da profissão docente


Ao tratar da questão do perfil profissional, buscamos compreender como as instituições de ensino
abordam esse tema. Interessante perceber que a maior parte das instituições tem em seu projeto
político pedagógico a intenção de formar profissionais que possam fomentar uma mudança posi-
tiva no perfil do alunado no Brasil, contribuindo para diminuir as estatísticas sobre desigualdade
de oportunidades que se apresentam a todo o momento conforme abrimos um jornal ou ligamos
a televisão. A desigualdade está em todos os cantos, à nossa porta a nos incomodar, e esse é um
dos motivos pelos quais ainda não conseguimos lidar com ela de maneira adequada. Esse papel,
mais uma vez, cabe ao educador.

Na página inicial do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos, podemos


perceber a dimensão do trabalho a ser empreendido com as novas gerações de estudantes que
ingressam nos cursos de Pedagogia no país, conforme reproduzido a seguir:

Com a universalização do acesso à escola, a sociedade brasileira – e em especial a escola –


tem enfrentado o desafio de incorporar grupos sociais que historicamente foram excluídos dos
processos de escolarização. No enfrentamento desse desafio, cabe ao pedagogo contribuir na
tarefa de democratizar o acesso aos conhecimentos, visando entre outros objetivos, a promoção
da melhoria das condições de vida das pessoas.
De modo mais específico isso implica em ser um profissional capaz de ensinar tanto no âmbito
escolar, como em espaços não-escolares, assim como investigar, refletir, gerar conhecimento,
gerir variáveis relacionadas a atividade docente. Tais competências são coerentes com o que
o ‘Perfil do Profissional’[...] acentua: aprender de forma autônoma e contínua a atuar inter/
multi/transdisciplinarmente, trabalhando em equipes multidisciplinares; pautar-se na ética e na
solidariedade enquanto ser humano, cidadão e profissional. (UFSCAR, 2015).

A perspectiva que nos descortina o exposto na página do curso de pedagogia da UFSCAR é uma
constatação presente inclusive nos relatórios da OCDE, falando da responsabilidade “social” do
professor. Essa responsabilidade repercute a partir de teorias como as de Vygotsky e Piaget. Para
o primeiro, que propõe uma abordagem histórico-social do desenvolvimento e aprendizagem,
essa responsabilidade estaria já subentendida na prática docente. Da mesma forma Piaget, que
não compactua da mesma visão de Vygotsky, mas dá ao desenvolvimento um papel anterior à
aprendizagem, tema que Vygotsky não vê porque separar (desenvolvimento e aprendizagem),
dando subsídios de ordem teórica para que o profissional atue de forma responsável e responsiva
frente ao seu aluno, ainda que sua intenção inicial não tenha sido ser um precursor em metodo-
logia de ensino para pedagogos.

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Tratar de perfil profissional implica, portanto, entender que as faculdades no Brasil e em todos
os países que fazem parte do âmbito das Nações Unidas; implica tratar daqueles que fazem e
farão a diferença na realidade social no país e no mundo, visto que a transformação desta passa
pela escolarização, conforme enfatizado sempre aqui. As estatísticas não mentem: indicam que a
escolarização promove mobilidade social, promove cidadania, promove a ascensão dos sujeitos
à categoria de cidadãos. E esse papel de manter o processo de escolarização, de trabalhar para
que não seja interrompido na trajetória do aluno, cabe ao pedagogo, que detém o monopólio
da educação nas fases iniciais da vida de todas as crianças no caso brasileiro.

Figura 5 – Instigar o conhecimento faz parte do perfil esperado de um pro-


fessor comprometido com a disseminação do saber
Fonte:Shutterstock, 2015.

O perfil do aluno de pedagogia deveria se delinear conforme as necessidades deste e do vas-


to mercado da profissão docente. Os problemas que ainda existem com relação à estrutura
dos cursos, distanciamento entre teoria e prática e outros, presentes no cotidiano escolar, são
elementos constitutivos do sistema de ensino no Brasil, sobre cujos princípios muitos especialistas
têm discutido. Uma questão que se coloca como fundamental no caso particular dos pedagogos
é que, dada sua importância, o sistema educacional deve indicar caminhos, modificar a legisla-
ção se necessário, para que esse profissional se sinta seguro e valorizado no ambiente escolar
e as vagas não sobrem mais nos cursos de formação de professores como tem acontecido. A
valorização tem que ser abrangente o suficiente para contemplar, portanto, a formação, a carrei-
ra docente com planos de cargos e salários consistentes e atrativos aos bons profissionais, não
aqueles que de fato muitas vezes não têm perfil para a docência, mas se encontram nas salas de
aulas sem terem sequer frequentado um semestre das licenciaturas. Sem demérito desse profissio-
nal, sua formação deficiente pode ser resolvida com o acesso que hoje em dia tem sido facilitado
às licenciaturas. O que se questiona é que o profissional precisa ter um perfil apropriado para
a profissão que escolheu, senão o processo de ensino e aprendizagem não produzirá os efeitos
positivos que os governos de muitos países desejam: cidadãos com escolarização maior e renda
compatível com um padrão de vida digna.

17
Profissão e Formação Docente

Conforme indica o relatório da OCDE (2005, p. 1),

Todos os países estão procurando melhorar para responder melhor as expectativas de melhoria
econômico-social. Como o recurso mais caro para as escolas os professores são fundamentais
para os esforços de melhoria da escola. Melhorar a eficiência e a qualidade do ensino
depende, em grande medida, em assegurar que as pessoas competentes queiram trabalhar
como professores, que o seu ensino seja de alta qualidade e que todos os alunos tenham acesso
a um ensino de elevada qualidade.

As conclusões do relatório da OCDE indicam uma série de questões pertinentes ao papel do


professor na vida do aluno. A sua influência no desempenho escolar do seu aluno comprova,
portanto, a sua função determinante do futuro desse aluno em um contexto social. Principalmente
em contextos sociais em que a desigualdade e a diferenciação social entre brancos e negros e
entre mulheres e homens como no caso brasileiro persistam por gerações conforme demonstram
dados do IBGE. Desconstruir a diferenciação social entre esses estratos faz parte do papel dos
docentes, principalmente os da educação básica, os pedagogos, que fazem a iniciação escolar
das nossas crianças. As desigualdades se combatem desde a origem, portanto, na primeira in-
fância. A responsabilidade docente, então, nesse sentido de construir uma nova realidade social
no Brasil, é enorme e não desprezível, assim como em outros países conforme as conclusões do
relatório da OCDE já citado anteriormente. O papel do professor é determinante da sua conduta
escolar, seja ela de continuar ou abandonar os estudos.

Figura 6 – O desempenho escolar é resultado da atuação do docente.


Fonte:Shutterstock, 2015.

Os casos práticos demonstram isso a todo o momento pelo Brasil afora.

Ainda que o professor não tenha uma formação adequada, ainda que lhe falte escolarização
suficiente para atuar como docente, a sua escolarização ainda é a melhor para determinada rea-
lidade social no interior de estados como Minas Gerais (em sua porção mais ao norte) e estados
no norte e nordeste do país. Os resultados em termos de desempenho escolar dependem sempre
da sua conduta como docente, da sua capacidade de criar e produzir metodologias adequa-
das conforme o perfil dos seus alunos, da sua capacidade de trabalhar, sob o sol ou a chuva,
quando não há instalações adequadas e, mesmo assim, conseguir que seus alunos atinjam uma
escolarização maior.

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Figura 7 – O professor deve fazer a diferença para amenizar as desigualdades sociais.
Fonte:Shutterstock, 2015.

Esse é o perfil do docente que deve ser valorizado e formado, apoiado pelos sistemas de ensino
e estimulado a continuar suas experiências inovadoras em educação para que continue dando
bons frutos. O perfil investigativo jamais deve deixar de fazer parte do quadro de referências
do professor. Essa é uma ferramenta que lhe habilita a alcançar resultados positivos mesmo em
contexto social de extrema desigualdade.

Nesse sentido, a Sociologia enquanto elemento explicativo entende que o indivíduo, que é do-
tado de faculdades como a inteligência e a vontade, por exemplo, cuja operacionalização se
realiza conforme o modo de vida ou os hábitos desse indivíduo, é capaz de fazer a diferença em
contexto de realidade social adversa. Dessa maneira, ele tem em sua vida, seja profissional ou
pessoal, os reflexos diretos de acordo com o modo como foi realizada sua socialização primária
e socialização secundária, que é um aprendizado da vida que nunca cessa, os elementos diante
dos quais constrói sua trajetória como docente.

Mais uma vez, a Sociologia da Educação não deixa de ter suas razões ao avaliar que a profissão
e a prática docentes não podem prescindir da influência da cultura e da sociedade em que se
inserem. Ou seja, a formação do profissional deve levar em consideração que sua prática não
tem como se desvincular de elementos que definem o ser humano que vive em sociedade, antes
de exercer seu papel de professor.

Cultura e sociedade são, portanto, elementos que estarão sempre presentes durante processo de
formação e a prática docente porque fazem parte de um conjunto constituído a partir da história
do profissional da educação na medida em que este teve sua formação alicerçada por meio
desses elementos.

19
Síntese Síntese
No estudo deste capítulo, você:

• identificou algumas das principais concepções teóricas da Pedagogia, como as cognitivistas


desenvolvidas por Vygotsky e Piaget e a teoria behaviorista desenvolvida por Skinner;

• conheceu os aspectos legais que recortam a profissão de pedagogo no Brasil, como a


regulamentação inicial na década de 1930 até a legislação atual que discorre sobre
semestres necessários para formação geral e específica e currículos, entre outros;

• entendeu qual o perfil necessário e desejável do profissional da educação, principalmente


em contexto em que se observam padrões de desigualdade social e de gênero e cor/raça;

• viu o que os governos têm sido levados a reconsiderar decisões concernentes à educação
de qualidade para todos, com base em pesquisas e outros instrumentos que medem a
qualidade da educação e a necessidade da valorização do profissional, como destaca o
relatório da OCDE (2005) já citado;

• entendeu que o profissional docente é um agente de mudança social e que, nesse sentido,
tem papel fundamental para dirimir desigualdades e fomentar a cidadania.

20 Laureate- International Universities


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