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John Milton, através do Livro I, propõe, em resumo, o assunto geral da narrativa a ser

abordada: a desobediência do homem e a respectiva perda do Paraíso onde fora posto.


Logo após, nos conta, através de seus versos, a causa da queda do Homem, este que fora
tentado pelo anjo caído em forma de serpente. Tal anjo que outrora, por soberba,
rebelando-se contra Deus, levou legiões de anjos a desafiar o Onipotente em armas, e
assim, após derrota, por ordem de Deus, foi expulso do Céu e lançado ao grande fosso.
Imposta a dificuldade em contemplar e enunciar o assunto tratado, Milton clama em seus
versos para que Urania1 possa lhe conceber o devido conhecimento, pois, tal tema, para
Milton, é o mais importante e ousado a ser tratado e, somente com as graças do Espírito
que escolhe os templos de corações retos e puros, poderia ser exercida tal tarefa de
apresentar a história celeste. Após esta ação, Milton ocupa-se no seu épico em apresentar
Satanás e os seus anjos agora caídos no inferno. É neste terrível lugar onde Satanás
encontra-se com seus anjos boiando no lago de fogo, atordoados e atingidos por raios2.
Recuperando-se após certo tempo e chamando o seu imediato em hierarquia e dignidade
e que também por perto jaz. Em primeiro momento, Satanás surpreende-se e se entristece
com o estado de Belzebu3 e passa a dialogar com ele acerca da malograda queda. Neste
diálogo, Satã diz para seu imediato que sua rebelia e a de seus seguidores, apesar da
queda e das dores infligidas, configuram uma vitória sob o jugo de Deus, a quem Satanás
toma como um tirano4. Belzebu, persuadido por aspectos salientados por Satanás,
questiona-o se a derrota de sua horde foi por força, acaso ou sorte. Apesar de o imeditado
presumir que tenha sído por força, ainda assim fulgura dúvida em Belzebu, o motivo de
Deus ainda conservá-los5. A partir do questionamento de Belzebu sobre a ainda
existência de suas integridades, Satanás lhe responde que deve ser seu ofício, não só dele,
mas também de seus seguidores, corromper e opor-se aos desejos de Deus6.

Satanás desperta todas suas legiões e potestades que até ali estavam igualmente aturdidas.
É após o brandir de Satanás que Milton nos apresenta o primeiro indício do caráter
trágico do anjo apóstata7 O autor tece um Satanás com uma dimensão notavelmente
humana. Condenado a perdição sem fim e tomando conhecimento de sua tragédia, o
mesmo se arrepende em primeiro momento ao observar as condições as quais as suas
ações os levou. Além disso, lamenta-se por causar dor aos seus seguidores fiéis.
Entretanto, no fim, persiste em sua escolha, pois, para Satanás, É melhor reinar no
inferno do que no céu servir8. Após inflamante discurso de Satanás, levantam-se os anjos
caídos, pois, ouviram, e pejosos se lançaram9, em grande número "Tão inúmeros eram
os maus anjos. Pairando num voo sob o teto do orco"10, suas ordens de batalha, os
principais chefes chamados, de acordo com os ídolos que serão conhecidos mais tarde em
Canaã e nas terras adjacentes. Milton aborda os ídolos pagãos como falsos deuses
venerados que eram, na verdade, demônios, ou seja, anjos caídos, que haviam persuadido
a humanidade a prestar falsos cultos. Passa, portanto, Milton a clamar Urânia para que ela
conceda os dons necessários para que ele possa apresentar os anjos caídos agora com
nome de Deuses pagãos, pois, seus nomes foram apagados do livro da vida após a
queda11. Milton, ao apresentar os anjos caídos que serão tidos como deuses pagãos, faz
um travestismo dos doze discípulos de Cristo. Moloque é rei porque é esse o sentido
literal do seu nome. Os restantes são: Quemós, Baalim, Astarote, Astarte, Tamuz, Dagon,
Rimon, Osíris, ísis, Hórus e Belial. A estes Satanás põe-se a discursar e conforta-os na
esperança de ainda reconquistarem o Céu12. Diz-lhes Satã que havia uma antiga profecia
ou relatos no Céu, de que haveria um novo mundo e nova criatura e serem criados. Para
saber da veracidade desta profecia e o que deliberar em relação à ela e à situação ao qual
os anjos caídos se encontravam, recorre a um conselho pleno. O que então empreendem
seus companheiros. Subitamente surge o Pandemômio, o palácio de Satanás, erguido das
funduras: os infernais pares lá se sentam em conselho

1 - * - Canta, celestial musa, que no cume \ Do orebe, ou do Sinai lá inspiraste \ O


pastor que ensinou a casta eleita, \ De como no princípio ceus e terra \ Se ergueram do
Caos; ou se o Monte Sião \ Mais te encanta, e de siloé o veio \ Que corria p'elo oráculo
de Deus, \ Teu favor invoco à canção ousada, \ Que em não mediano voo quer levar-se \
Ao cimos de além Hélicon, buscando \ Coisas em prosa ou rima não tentadas. Livro I, v.
6 - 16.

2 - * - O mói; revolve os olhos perniciosos \ Que farta aflição viram e terror \ Num
misto de ódio e orgulho inexoráveis: \ 'Té onde vai dos anjos a visão \ Vê o mórbido
estado seco e bravo, \ Um cárcere horrível, curvo de cantos \ Como inflamado por forno,
porém chamas \ Sem luz, senão visível cerração \ Revelando paisagens de lamento, \
Regiões de dor, sombrias, onde paz \ E descanso não restam, nem esperança \ Que a
todos no fim resta; mas tortura \ Sem fim, e ígneo dilúvio, atiçado \ Com sempre ardente
enxofre consumido: \ Tal lugar a justiça eterna deu. Livro I. v- 56 - 79.

3 - * - Ele és, mas quão caído! quão diferente, \ Daquele, que nos reinos de luz álacres \
Vestindo excelso brilho encandeaste \ Miríades brilhantes. Livro I, v- 84 -87.

4 - * Que tem que a campanha\ Se perca? Acaso a indômita vontade, \ O estudo de


vingança, o ódio infindo \ E a insubmissa coragem se perderam? \ E que mais será não
ser subjulgado? \ Tal glória hamais ira ou poderio \ Extorquirão de mim. Implorar graça
\ Com joelho suplicante, deificar \ Poder a quem por medo deste braço \ Temeu p'lo seu
império, vil seria, \ Ignonímia e vergonha ante esta queda; \ Pois que a força dos deuses
por destino \ E esta empírea substância deste evento \ Em não piores braços, em mira
avançada, \ Podemos empreender confiantes mais \ Pela força e perfídia eterna guerra \
Implacável ao nosso adversário \ Que agora ganha e em gozo excessivo \ Detém sozinho
o Céu em tirania. \ Assim falou, co'alarde, o anjo apóstata. Livro I, v - 105 - 125.

5 - *E se o conquistador (que eu por força \ Onipotente julgo, pois não menos \ Que
toda a força a nossa excederia)\ Intactos nos deixou poder e alento\ P'ra podermos
co'as penas e o sofrer, \ Bastando isso à ira vingativa? \ Ou escravo nos prefere e lhe
prestemos \ Por lei de guerra, prontos e ao dispor, \ Laborando no fogo infernal, \
Fazendo o frete neste fosso escuro. \ De que nos aproveita que sintamos \ Vigor igual, ou
eternas essências \ Se sujeitas a eterna punição? Livro I, v - 143 - 157.

6 - * Mas certo sê. / O bem jamais será nossa tarefa, / Mas o mal o nosso único prazer,
Como o oposto da altíssima vontade / Que combatemos. Se então presciência / Propuser
outro bem do nosso mal, / Deve ser mister nosso pervertê-lo / E do bem achar meios
para o mal. Livro I, v- 158 - 165.

7 - É esta região, o solo, o clima, \ Disse o arcanjo perdido, o assento\ A trocar pelo Céu,
as trevas tristes \ Pela celeste luz ? Seja, já que ele \ Que agora é soberano usa e manda\
O que entende; à parte está melhor\Quem lhe igualou razão, força fez súpera\Acima dos
seus pares. Adeus campos\ Que o gozo sempre habita, ave horrores, \ Mundo infernal, e
tu profundo Inferno\ Recebe o novo dono, o que traz\Mente por tempo ou espaço Não
trocável\ Faz do inferno Céu, faz do Céu inferno. Livro I, v - 242 - 255.
8 - Livro I, v - 263 -264.
9 - Livro I, v - 331.

10 - Livro I, v - 344, 45.

11 - Os nomes, apagados e delidos / Dos livros da vida à traição devido. / Nem ainda
entre os filhos de Eva tinham / Novos nomes, até que, em terras errantes, / Por outorga
de Deus no ordálio humano, Com mentiras e embustes grande parte / Dos homens
seduziram a abjurar / O seu Deus criador, e dele glória / Que invisível amiúde
transformavam ; Em imagem brutal, ornamentada / Com ritos pavões, cheios de ouro e
pompa, / E diabos a adorar quais divindades: / Entre os gentios eram então célebres /
Nos vários nomes e ídolos pagãos / Diz, Musa, os nomes, que antes e depois / Se
ergueram do torpor do ígneo leito / À voz do imperador, que hierarquia / À vez se lhe
juntou na praia nua / Quando ao longe 'inda turba se enleava. Livro I, v - 363 - 380.

Ó espiritos sem fim, ó potestades / Sem par, à parte o ímpar, vossa luta / Não foi inglória,
pese embora o fim / Que este lugar reflete, e a inominável / Mudança: pois que alcance
de uma mente / Prevendo ou agourando, das fundura / De saber velho ou novo,
temeria, / Quem diria que tal força de deuses, / Tão firme e una, provasse tal repulsa? /
Quem pode também crer, mesmo na perda, / Que estas legiões possantes, cujo exílio /
Evacuou o Céu, não reascenderão / Por si a reapossar o assento pátrio? / Testemunha
me seja a hoste célica, / Se avisos discordes ou perigo obstados / Por mim nos abateram.
O Monarca, / Que no Céu reina, tinha então seguro / O trono, no bordão da velha fama,
/ Licença ou regra, e o seu estado régio / Mostrava, mas a força não, escondia-a / Que o
intento nos tentou e a queda ornou. Livro I, v - 620 - 640.

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